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Choros e rezas

A queda na primeira meia hora de pregão fora tão violenta que o mínimo que se podia esperar era uma estabilização dos preços. Só que isso simplesmente não aconteceu. O pânico se apossara da Bolsa de Valores de Nova York. Bastava um corretor gritar “compro”, em qualquer posto, a qualquer preço, para qualquer papel, que seu desejo era prontamente atendido.

Muita gente descobrira ao mesmo tempo que o rei estava nu. As ações da Blue Ridge Corporation, por exemplo, o consórcio fundado pela Goldman Sachs para alavancar a alavancagem sem produzir nenhum serviço ou mercadoria, mas tão somente especular em cascata, despencara de dez dólares, preço da abertura, para apenas três. Algumas semanas antes, a Blue Ridge havia sido negociada a 24 dólares.

A United Corporation, uma das empresas favoritas dos pequenos especuladores, caíra, também na primeira meia hora, de 26 dólares para 19,30.

Mesmo títulos de companhias produtivas como as mineradoras American Smelting e Kennecott Copper e a cadeia de lojas de varejo Woolworth, as três negociadas no Posto 11, não resistiam ao tropel avassalador dos ursos.

“Vendo! Vendo! Vendo!” O mercado tornara-se uma unanimidade maligna.

Apesar da presença no recinto de negociações de inúmeros donos de corretoras e dirigentes de bancos importantes, gente que controlava dezenas de milhões de dólares, nenhum deles se dispunha a sustentar as cotações. O objetivo comum era, na medida do possível, salvar a própria pele.

O presidente interino da Bolsa, Richard Whitney, também descera para o pregão. No início, alguns viram sua presença como a possibilidade de uma repetição do que acontecera na Quinta-Feira Negra, quando Whitney adquirira grandes lotes para o grupo organizado na Casa Morgan. Todos ficaram atentos. Se o presidente abrisse a boca, comprando, receberia em resposta uma saraivada de vendas. Mas ele se limitou a assistir a derrocada. Logo ninguém mais prestava atenção à sua presença.

Na mesa de negócios da W. E. Hutton, Hut Miller ouvia o som do vozerio que chegava do setor de clientes e da ala dos diretores da empresa. Não dava para entender o que as pessoas falavam, mas era nítido o tom do mais profundo lamento.

Havia quadros-negros nas paredes da sala, nos quais dois garotos iam anotando as cotações. Mas os números, que eram copiados da ticker-tape, estavam tão defasados que nenhum dos corretores prestava atenção a eles. O que valia eram as informações que chegavam da Bolsa por intermédio dos aparelhos telefônicos acionados a manivela das linhas diretas com o pregão.

De uma coisa todos tinham certeza. A torrente de vendas se iniciara na abertura e, até agora, não dera o menor sinal de arrefecimento.

Por volta das 10h45 o gerente de operações da Hutton entrou na sala e determinou aos corretores que liquidassem, a preços de mercado, todas as carteiras de ações dos clientes que não tivessem atendido às chamadas de margem.

O próprio Hut se viu obrigado a vender os papéis de sua carteira particular, por não ter condições de cobrir o reforço solicitado. Constatou que ficara 100 mil dólares mais pobre.

Usando um telefone público ao lado de sua banca de engraxate, Pat Bologna acabara de liquidar suas ações do National City. Dos quase 10 mil dólares investidos em títulos que ele já possuíra, restaram-lhe não mais do que 1,7 mil dólares, que Bologna agora se apressava em transformar em dinheiro.

Em São Francisco, Amadeo Peter Giannini era informado de que as ações de seu Transamerica haviam desabado de 62 e ¾ dólares para 20 e ¼ dólares, preço pelo qual estavam sendo oferecidas, sem que houvesse comprador. A. P. sabia ser desperdício de dinheiro tentar defender o papel. Restava-lhe aguardar, aflito, que o Transamerica encontrasse seu chão.

Finalmente Jesse Livermore assumira sua condição de urso, pela qual ficara tão famoso na Rua. De seu escritório, usando diversos corretores, ele vendera a descoberto, na abertura, enormes lotes de ações. Agora zerava as posições com grande calma e sangue-frio. Em alguns momentos se aproveitava do pânico para comprar alguns títulos também.

Para homens da têmpera de Livermore, grandes oportunidades se sucediam naquela terça-feira louca. Papéis que tinham fechado na véspera a vinte dólares podiam ser comprados a três ou quatro e vendidos a cinco ou seis alguns minutos depois.

A não ser aqueles que se encontravam no pregão, ou os poucos privilegiados que conseguiam, através de linhas diretas, falar com algum corretor de confiança no recinto, ninguém tinha condições de saber as cotações. A ticker-tape perdera sua utilidade.

Amontoados nas salas de clientes dos escritórios das sociedades corretoras espalhados pela América, pequenos e médios investidores e especuladores não tinham outro remédio a não ser se basear na fita para dar uma ordem.

Se alguém, por exemplo, quisesse vender ações da Radio a trinta dólares, preço exibido na ticker, e desse ordem a esse preço, podia ver o papel cair para 28, 25, 23… sem que a ordem fosse executada. Por outro lado, se mandasse vender a mercado, podia ser surpreendido com uma liquidação a dezoito dólares, isso após horas de angustiosa espera, para em seguida ver o preço subir para 22.

No pregão da Bolsa de Nova York operadores inescrupulosos se aproveitavam dessas bruscas variações de preços para comprar e vender para si, realizando lucros tão rápidos quanto substanciais. Poucos eram os que pensavam em seus clientes, que quase sempre ficavam com os piores preços, comprando caro e vendendo barato.

Por volta das onze e meia, Richard Whitney reuniu seus colegas governadores da Bolsa numa sala do subsolo do prédio. Propôs a eles que o pregão fosse fechado até que a situação de pânico se revertesse. Isso já acontecera em 1914, após a irrupção da Grande Guerra, quando os negócios ficaram suspensos por quatro meses e meio.

Em meio a uma fumarada de charutos e cigarros, a proposta de Whitney foi rejeitada por seus pares. A maioria ficou com medo de que a decisão gerasse grande revolta entre os investidores de todo o país.

O mercado continuou caindo no início da tarde. Quase todas as cotas dos fundos de investimentos, os “fabulosos” consórcios, invenção mágica da Rua, tinham simplesmente virado pó. As tábuas do piso do recinto de negociações da Bolsa agora estavam totalmente cobertas de boletos rasgados, escondendo parte dos sapatos dos floor traders e auxiliares.

Pouco depois de uma da tarde, o volume de negócios ultrapassou o da sessão inteira da Quinta-Feira Negra.

Entre os corretores, muitos não se vexavam em chorar copiosamente. Outros se ajoelhavam e rezavam contritos nos cantos do pregão. O Senhor não deve ter se comovido muito, pois o ritmo da baixa não sofreu alteração.

Do lado de fora, Wall Street estava tomada por uma multidão que se estendia desde a Broadway até a boca do East River. As pessoas estavam mais atônitas do que revoltadas.

A chance de a América quebrar não havia sido prevista por quase ninguém.