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A Grande Depressão

Os carros que conduziam as pessoas em êxodo arrastavam-se para a estrada principal, vindos dos caminhos que a cruzavam, e despejavam populações para o oeste. Quando a escuridão baixava, agrupavam-se qual percevejos nos abrigos. E isso porque todos eles estavam deslocados e perplexos, porque tinham vindo de terras em que reinava a tristeza e a preocupação...

Nessa linguagem impregnada de melancolia, o autor John Steinbeck (1902-1968; prêmios Nobel e Pulitzer), em sua obra-prima As vinhas da Ira (The Grapes of Wrath) descreveu o cenário da Grande Depressão que se seguiu ao crash.

Foram tempos sombrios, caracterizados por persistente deflação e violenta queda no consumo. Praticamente não surgiram novos investimentos e as falências se sucederam em proporções jamais vistas na América. Em Nova York, a Bolsa de Valores continuou funcionando, mas o que se ouvia no recinto do pregão eram murmúrios mais adequados a um velório e não os gritos eufóricos e excitados dos traders.

Para a grande maioria dos americanos, que jamais investira sequer um centavo na Bolsa, muito menos em especulações alavancadas, o colapso do mercado de ações parecia algo distante que em nada lhe afetaria a vida. Logo eles perceberiam seu equívoco quando os empregos, tanto urbanos quanto rurais, começaram a escassear. Fazendeiros de todo o país, já fragilizados pela queda dos preços de seus produtos, agora se viam à mercê dos bancos, que executavam as hipotecas e expulsavam famílias inteiras de suas casas, onde não raro elas viviam havia gerações.

Como um típico republicano, o presidente Herbert Hoover era contra qualquer espécie de ajuda financeira do governo aos flagelados da depressão. Assim, os desempregados e desalojados passaram a depender da caridade dos mais afortunados, ou dos menos desafortunados, para não passar fome. Filas de sopa gratuita se formavam em todas as metrópoles dos Estados Unidos. Houve grande migração do campo para as cidades, onde os novos-pobres se amontoavam em abrigos para não dormir ao relento. Quando todas as camas desses albergues já estavam tomadas, os retardatários tinham de ir para algum speakeasy, onde o proprietário os “acomodava” sobre pó de serragem espalhado pelo chão, faturando assim alguns trocados extras.

Pela manhã os albergados eram postos no olho da rua, chovesse, nevasse ou fizesse sol. Ao longo do dia nem mesmo tentariam procurar emprego, tal a inutilidade do esforço, limitando-se a entrar nas filas de sopa. À noitinha voltavam à luta para encontrar outra vaga nos abrigos ou bares. Era essa a triste rotina dos herdeiros da Grande Depressão.

A pátria do capitalismo parecia amaldiçoada.

No outro lado do Atlântico, a situação não era nem um pouco melhor. Na boca do estuário do rio Clyde, na Escócia, por exemplo, os estaleiros que atendiam boa parte das companhias de navegação mais importantes fechavam seus diques por falta de encomendas. Profissionais especializados na construção de navios, como operadores de guindastes, soldadores, montadores, eletricistas, pintores, encanadores, tapeceiros e estofadores, dispensados de seus serviços, eram agora obrigados a recorrer aos cheques magros do seguro-desemprego.

Os números do tráfego marítimo entre os Estados Unidos e a Europa, a rota mais nobre e movimentada do mundo, haviam caído para menos de um terço daqueles anteriores ao crash. A crise na indústria de construção naval ia da foz do Mississippi até o porto de Yokohama, no Japão.

Men Waiting for Food at Shelter

Durante a Grande Depressão, desempregados aguardam pacientemente na fila, em pleno inverno, a hora de receberem sua refeição gratuita

Nova York, EUA, novembro de 1930

Latinstock/© Bettmann/corbis/Corbis (DC)

No mercado financeiro americano, a falência serial iniciada na Terça-Feira Negra tornara-se sistêmica. Só no ano de 1931, nada menos do que 2.294 bancos foram forçados a fechar suas portas. O dinheiro dos depositantes que simplesmente evaporou podia ser medido em bilhões. As instituições mais sólidas, que haviam conseguido se manter funcionando, eram agora obrigadas a enfrentar a corrida dos clientes que tentavam sacar seus dólares para convertê-los em ouro.

Em novembro de 1932, quando o índice de desemprego nos Estados Unidos se encontrava em 25% da força de trabalho, o ex-governador democrata de Nova York Franklin Delano Roosevelt, que sofria de poliomielite, foi eleito presidente do país, tendo derrotado Hoover — em busca de seu segundo mandato — no colégio eleitoral por um placar acachapante de 472 votos contra 59.

A plataforma do vencedor era simples: criar empregos de qualquer maneira, nem que fosse contratando homens para cavar buracos e outros para tampá-los. O plano de Roosevelt, que tomou posse no dia 4 de março de 1933, levou o nome de New Deal.

O que Franklin Roosevelt não previra, nem tinha como prever, foi a severa estiagem — mudança climática provocada pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico — que acometeu alguns estados agrícolas importantes do país em 1934 e 1936, estiagem essa que ficou conhecida como Dust Bowl (tigela de poeira) e que agravou ainda mais a tragédia americana. Se a terra estava seca, as bocas nem tanto. No dia 5 de dezembro de 1933 deixara de vigorar a Prohibition, em vigor havia quase catorze anos. Valiosos empregos foram criados na restabelecida indústria de bebidas alcoólicas.

Nos primeiros anos da Grande Depressão, a queda nos preços dos produtos agrícolas foi desastrosa. O trigo caiu 19%; o algodão, 27%; a lã, 42%; a seda, 30%; o estanho, 29%; a borracha, 42%; o açúcar, 20%; o café, 43%; e o cobre, 26%. “Por que comprar hoje se amanhã estará mais barato?”, raciocinavam os consumidores, que só adquiriam o essencial do essencial.

Outras matérias-primas também sofreram com a escassez de dinheiro. O preço do barril de petróleo do Texas desabou para quatro centavos, valor que nem sempre dava para cobrir as despesas de extração. Muitos poços foram fechados.

O setor industrial não deixou por menos. Em Detroit, a Ford Motor Company por pouco não faliu. As vendas de seu Modelo A caíram de 1,5 milhão de unidades, número de 1929, para 232 mil em 1932. Mais de um milhão de veículos usados atulhavam os pátios dos revendedores de carros de segunda mão em todo o país. As vendas da RCA murcharam de 137 milhões de dólares para 62 milhões. O parque siderúrgico americano chegou a operar com 88% de capacidade ociosa.

Não bastasse a penúria generalizada, sessenta países adotaram medidas protecionistas e retaliativas erguendo barreiras para produtos importados, numa política burra de “eu me lasco, mas você se lasca também”. E todos se lascaram. Muros se ergueram entre as nações. O comércio dos Estados Unidos com o resto do mundo caiu 82% em relação ao nível pré-crash.

Na remota Nova Zelândia, nação que dependia inteiramente do comércio com o exterior, e aqui também pinçada como exemplo, a conjuntura tornou-se catastrófica. Suas exportações de lã, manteiga, carnes, peles, couro e cebola sofreram uma queda de 80%.

Ainda no governo Hoover, mais precisamente no dia 8 de julho de 1932, o índice Dow Jones da Bolsa de Valores de Nova York fez sua mínima a 41,22, uma queda de 89% sobre o pico atingido em 3 de setembro de 1929, que só voltaria a se repetir 21 anos mais tarde.

Entre as ações mais massacradas estavam as da Goldman Sachs Trading Corporation, as da United Founders e as da American Founders, que haviam caído respectivamente de 222, setenta e 117 dólares para 1,75 dólar, a primeira, e 63 e cinquenta... centavos (sim, centavos) as duas últimas.

Nos primeiros meses de 1934, o presidente Roosevelt resolveu criar a Comissão de Títulos e Câmbio (Securities and Exchange Commission — SEC) para fiscalizar o mercado e impedir que esbórnias financeiras como a da segunda metade da década de 1920 se repetissem. Para espanto da sociedade, Roosevelt nomeou o grande especulador Joe Kennedy para ser o primeiro chairman da agência.

“Ele chamou a raposa para tomar conta do galinheiro”, protestaram os republicanos.

Poucos conheciam tão bem as tramoias do mercado de valores como Kennedy e, portanto, poucos tinham condições tão plenas como ele de coibi-las. O que Joe Kennedy não disse, mesmo porque ninguém lhe perguntou a respeito na ocasião, é que pretendia também usar o cargo para se desforrar da desfeita que Jack Morgan lhe fizera em fevereiro de 1929, recusando-se a recebê-lo em seu escritório.

Seis mil e duzentos quilômetros a leste de Washington, onde o presidente Roosevelt perpetrava as mudanças radicais que imortalizaram seus primeiros cem dias de governo, na Alemanha Adolf Hitler caminhava a passos largos para assumir o poder.

De certo modo, Hitler nutria o mesmo plano de Franklin Roosevelt: criar empregos. Só que, em seu caso, para rearmar a Alemanha, tornando-a novamente uma potência militar que pudesse se impor na Europa.