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Joe Kennedy

Entre os financistas e especuladores que ganharam fortunas na euforia da Bolsa nos Roaring Twenties, Joseph (Joe) Kennedy foi um dos bem-aventurados que conseguiram reverter suas posições a tempo e atravessar os dias do crash de outubro de 1929 vendidos em ações a descoberto. Como se não bastassem todos os seus acertos até aquele momento, Joe continuou acumulando dinheiro ao longo da Grande Depressão, comprando ativos mobiliários e imobiliários por preços ínfimos.

Não totalmente satisfeito com seus incontáveis sucessos, Kennedy partiu para a política partidária, na qual logo se sobressaiu. Joe Kennedy acalentava o sonho de ser um dia presidente dos Estados Unidos.

Em 1932, Franklin Roosevelt se candidatou à Casa Branca. Mais do que depressa, Joe se pôs a serviço dele, não só angariando apoio na colônia católica irlandesa como dando generosa contribuição ao caixa da campanha, muito necessitado de fundos naqueles anos de depressão.

Com a eleição de Roosevelt, o mínimo que Kennedy esperava era ser contemplado com um cargo no primeiro escalão do governo, quem sabe até o de secretário do Tesouro, como chegou a confidenciar a alguns amigos. Veio então o convite para dirigir a Comissão de Títulos e Câmbio (Securities and Exchange Commission — SEC). Como se tratava de um órgão recém-criado, com grande poder sobre o mercado financeiro, Joe aceitou.

Já trabalhando em Washington, Kennedy deu uma enorme tacada que nada teve a ver com bolsas. Sabedor de que a Lei Seca (Prohibition) estava com os dias contados, Joe comprou grande quantidade de uísque escocês, estocando a bebida em armazéns no Canadá. Em dezembro de 1933, tendo a Suprema Corte americana derrubado a Prohibition, bastou ao esperto irlandês mover a mercadoria para o lado sul da fronteira.

Em 1937, já no segundo mandato de Roosevelt, após um breve e bem-sucedido período como chairman da Comissão Marítima, Joe Kennedy foi nomeado embaixador dos Estados Unidos na Grã-Bretanha. Apresentou suas credenciais ao rei George VI no início de 1938.

Para desgosto dos ingleses, Kennedy tomou-se de admiração pelo regime nazista da Alemanha, implantado havia cinco anos. Ele acreditava que as democracias ocidentais precisavam conviver amistosamente com Hitler se quisessem se defender da expansão do comunismo de Stálin, que reinava absoluto na União Soviética.

Na madrugada de 1o de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia, dando início à Segunda Guerra. Joe Kennedy, convicto de que uma vitória alemã era questão de tempo, insistiu com Roosevelt para que os Estados Unidos mantivessem sua postura isolacionista. Por medida de segurança familiar, Joe embarcou Rose e os filhos de volta para a América. Mais tarde, ele mesmo alugou uma casa fora de Londres para fugir dos bombardeios alemães. Os ingleses carimbaram-no como covarde e derrotista.

Em maio de 1940, tendo a Alemanha invadido e conquistado a França, Winston Churchill sucedeu Neville Chamberlain como primeiro-ministro da Grã-Bretanha. Imediatamente Churchill passou a se comunicar diretamente com Roosevelt, sem que os dois estadistas notificassem o embaixador Kennedy sobre o teor dessas conversas.

Ignorado por seu presidente, e até mesmo pelo Departamento de Estado, Joe Kennedy não desperdiçou de todo sua temporada na Inglaterra. Enormes comboios de cargueiros cruzavam o Atlântico Norte trazendo armas e suprimentos americanos para a Inglaterra. Kennedy moveu seus pauzinhos para que, em suas viagens de retorno, alguns desses navios levassem lotes de uísque do estoque de seu comércio particular.

O desprestígio por fim tornou-se insustentável para Kennedy. Em 27 de outubro de 1940, a seu próprio pedido, ele foi destituído do cargo e regressou à América. Lá, voltou às atividades partidárias democratas, sempre com a esperança de um dia chegar à Casa Branca. Foi então que cometeu sua grande asneira.

Louis Lyons, um jornalista do Boston Sunday Globe, conseguiu uma entrevista com Kennedy. Entre outras impropriedades, Joe disse que o fim da democracia na Grã-Bretanha, e até mesmo nos Estados Unidos, era uma questão de tempo.

Como seria de se esperar, a reação negativa do público e da mídia foi enorme. Kennedy foi convocado a se explicar com o presidente Franklin Roosevelt e a relação de amizade entre os dois, que nunca fora muito ardente, terminou.

Pelo menos na política, o nome Kennedy parecia uma carta totalmente fora do baralho. Isso se os dois filhos mais velhos de Joe não fossem rapazes bonitos, inteligentes, extremamente simpáticos, destemidos e obstinados: Joseph (Joe Jr.), o mais velho, de 25 anos, e John (Jack), 23.

Ambassador Kennedy and Sons

Joe Kennedy entre seus filhos John e Joe Jr., ambos heróis de guerra

Londres, Inglaterra, 4 de julho de 1938

Latinstock/© Hulton-Deutsch Collection /corbis/Corbis (DC)

Na primavera de 1941, Joe Jr. entrou para a Marinha dos Estados Unidos para servir como piloto naval. Completou seu curso de treinamento pouco antes de os japoneses atacarem Pearl Harbor, em 7 de dezembro, fato que determinou a entrada dos americanos na guerra. John também se alistara na Marinha, no verão, mas, como sofria de dores constantes na coluna, foi designado para um cargo burocrático em Washington, onde já vivia sua irmã Kick, de 21 anos, jornalista do Washington Times-Herald.

Após se livrar parcialmente do problema nas costas à custa de muito exercício, fisioterapia e potentes analgésicos, John Kennedy foi enviado para o teatro de guerra do Pacífico Sul com a missão de comandar uma lancha torpedeira PT, em seu caso a PT 109, parte de uma frota de grande mobilidade e rapidez que a Marinha americana usava para atacar de surpresa e afundar navios de guerra japoneses.

No domingo, 1o de agosto de 1943, o serviço de inteligência naval dos Estados Unidos captou uma troca de mensagens entre os navios de um comboio japonês, escoltado por três destróieres, que cruzava o estreito de Blackett, nas ilhas Salomão. Diversas lanchas torpedeiras, entre elas a PT 109, foram acionadas para destruir a flotilha inimiga, mas falharam em interceptá-la.

Já eram as primeiras horas da madrugada de segunda-feira, e a PT 109 retornava para a base, quando um destróier japonês, o Amigari, surgiu no meio da escuridão e colidiu com a lancha de John Kennedy, partindo-a ao meio. Dois tripulantes morreram no choque, outros três ficaram feridos, sobrando ilesos apenas John e um marinheiro.

Durante quatro horas o jovem Kennedy e seu subordinado nadaram em mar aberto, sendo que John trazia a reboque um dos feridos, até encontrarem uma ilha deserta e desprovida de água e de recursos. Na ausência de melhor solução, John Kennedy voltou a cair no mar e nadou até outra ilha, esta habitada, onde conseguiu mantimentos e pediu socorro. Só seis dias após a colisão com o barco japonês é que os sobreviventes da PT 109 foram resgatados pela Marinha.

Assim que a notícia chegou à América, John Kennedy tornou-se um herói nacional, recebendo enorme publicidade e diversas condecorações por bravura em cerimônias realizadas em Washington. Isso não o impediu de voltar ao Pacífico, comandando outra lancha PT, até que as dores nas costas, acompanhadas da malária que contraíra na selva, o venceram e ele deu baixa, retornando para casa.

A atenção dada a seu irmão mais novo deixou o piloto Joe Jr. inquieto. Ele queria no mínimo igualar o feito de John, mas continuava longe do front, patrulhando águas americanas. Finalmente conseguiu ser transferido para uma base em Cornwall, na Inglaterra, onde passou a realizar missões sobre o Atlântico Norte e o Canal da Mancha para detectar submarinos alemães. Por mais importante que fosse o trabalho, ele não satisfez totalmente Joe Jr. Por isso, quando surgiu uma “oportunidade tentadora”, ele não pensou duas vezes.

Pilotos voluntários experientes estavam sendo procurados para uma missão tão importante quanto perigosa. Em junho de 1944, os alemães haviam posto em ação a sua mais recente arma de terror, a bomba voadora V1, que era lançada balisticamente contra Londres e as principais cidades inglesas, provocando enorme destruição. As V1s partiam de plataformas localizadas no norte da França, na Bélgica e na Holanda, superprotegidas por casamatas e forte barragem de artilharia antiaérea.

Como ataques convencionais de aviões ingleses e americanos não estavam surtindo efeito contra as bases de V1s, surgiu uma nova ideia que recebeu o nome de Projeto Afrodite. Pilotos voariam bombardeiros lotados de explosivos sobre o Canal da Mancha, voando rente às águas para não serem detectados pelos radares alemães. Ao se aproximarem das plataformas de lançamento, apontariam suas aeronaves para o alvo e, segundos antes do impacto, pulariam de paraquedas de baixa altitude e em alta velocidade. Se tudo desse certo, seriam recolhidos por lanchas de resgate aliadas.

O piloto poderia morrer ao saltar, a carga poderia explodir sob turbulência ou na hora de ser armada por controle remoto instalado em outro avião. Nada disso impediu que Joe Jr. se voluntariasse. Ou melhor, o alto risco foi justamente seu grande incentivo.

No fim da tarde de sábado de 12 de agosto de 1944, o primogênito dos Kennedy, que acabara de completar 29 anos, decolou de uma pista de Suffolk pilotando um PB4Y, o Zootsuit Black, abarrotado de explosivos potentíssimos.

Por volta das 18h20, quando Joe Kennedy ainda voava sobre a Inglaterra, algo deu errado. A carga explodiu no momento de ser armada e o Zootsuit Black transformou-se numa bola de fogo e destroços. A tripulação sofreu morte instantânea e nenhum fragmento de corpo foi encontrado.

Se o embaixador Joe Kennedy fora simpático ao nazismo, se previra que a Inglaterra perderia a guerra e se tornaria nacional-socialista, se dissera que os Estados Unidos deixariam de ser uma democracia, tudo isso foi esquecido com a demonstração de extrema coragem de seus filhos, um deles ainda vivo.

Outro episódio contribuiu para aumentar a aura mística que começava a envolver o nome Kennedy no imaginário do povo americano. Um dos genros do velho Joe, o inglês William Cavendish, marquês de Hartington, que se casara com Kick e agora servia em seu regimento no norte da Bélgica, foi morto por um franco-atirador alemão quando liderava uma patrulha.

Os episódios de heroísmo da família não iludiram Joe Kennedy. Ele teve a perspicácia de deduzir que dificilmente conseguiria alcançar a presidência. Seu passado voltaria à tona durante a campanha. Mas o filho John, agora o mais velho, extremamente charmoso, condecorado de guerra — que logo se casaria com Jacqueline Bouvier, uma bela e encantadora descendente de franceses, nascida no ano do crash da Bolsa —, reunia todos os requisitos para conseguir o cargo.

Joe decidiu fazer de John presidente dos Estados Unidos, usando todos os seus recursos financeiros para atingir esse objetivo e agindo sempre por trás das cortinas para não atrapalhar a carreira do filho.

No início deu tudo certo. Após uma trajetória meteórica, na qual foi deputado e senador de Massachusetts, sempre em campanhas financiadas pelo pai, John Fitzgerald Kennedy se elegeu em 1960 o 35o presidente dos Estados Unidos, ao derrotar Richard Nixon, vice de Eisenhower.

Antes que seu filho completasse um ano na Casa Branca, a fatalidade se abateu sobre o velho Joe Kennedy. Na terça-feira, 19 de dezembro de 1961, durante uma partida de golfe, ele sofreu um AVC que o deixou paraplégico e sem fala, embora lúcido.

Foi preso a uma cadeira de rodas em sua casa de Hyannis Port, no cabo Cod, que Joe Kennedy acompanhou o assassinato de John, em Dallas, em 22 de novembro de 1963, assim como o de Bob, que tinha tudo para ser o segundo Kennedy na Casa Branca, durante um evento em Los Angeles, parte da campanha presidencial de 1968.

Joe Jr., morto na guerra. John e Bob, assassinados por lunáticos. Entre os filhos homens de Joe Kennedy restava apenas o caçula Ted, tal como seus irmãos um político carismático, e já senador, com grandes chances de um dia disputar a Casa Branca. Só que em 18 de julho de 1969, num incidente muito mal explicado, Ted Kennedy, que estava acompanhado da jovem Mary Jo Kopechne, de 28 anos, perdeu a direção de seu carro, que caiu de uma ponte na ilha de Chappaquiddick, em Massachusetts.

Ted conseguiu escapar do carro, mas Mary Jo ficou presa no interior do veículo e se afogou. Omissão de socorro? Covardia? Embriaguez ao volante? Relacionamento extraconjugal? Os detalhes jamais foram totalmente esclarecidos. Mas junto com Mary Jo se foi também a possibilidade de Edward Kennedy se candidatar a presidente dos Estados Unidos, embora fosse exercer, com brilhantismo, inúmeros mandatos de senador por Massachusetts.

Joe Kennedy não sobreviveu muito tempo a essas tragédias. Menos de seis meses após o episódio de Chappaquiddick ele morreu, aos 81 anos. A fortuna que acumulou, nem sempre de modo muito ético, durante os Roaring Twenties, o crash de 1929, a guerra e o pós-guerra, sem nunca ter sofrido um revés financeiro de peso, sustentará ainda muitas gerações do clã dos Kennedy.