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De Wall Street para Sing Sing

Por ocasião do crash, o presidente da Bolsa de Valores de Nova York, Edward Simmons, encontrava-se em prolongada lua de mel no Havaí e não fez a menor questão de antecipar sua volta. Seu substituto, Richard Whitney, o desastrado especulador que conseguia a proeza de perder dinheiro tanto na alta quanto na baixa, continuou tendo seus prejuízos cobertos pelo irmão, George, sócio e diretor da Casa Morgan.

Simmons só reassumiu seu posto em 2 de dezembro de 1929. Mas permaneceu nele por apenas quatro meses e meio. Em abril de 1930 Richard Whitney, apoiado pela J. P. Morgan, foi eleito presidente da Bolsa. O cargo, agora em caráter efetivo, veio a calhar, pois lhe permitiu esconder suas perdas no mercado, tanto as de sua conta pessoal como as da sociedade corretora Whitney & Co., da qual era sócio majoritário.

A situação de relativo conforto de Richard durou até Franklin Roosevelt assumir a Casa Branca, em 1933, e criar a Comissão de Títulos e Câmbio (SEC), nomeando Joe Kennedy como chairman. Nessa mesma época, a Comissão Pecora, do Senado, investigava os acontecimentos de 1929.

Até então a Bolsa de Nova York não abria seus livros contábeis para ninguém. Agora era obrigada a dar satisfações ao Senado e à SEC. O senador Ferdinand Pecora, por exemplo, enviou enorme e detalhado questionário, preparado por um batalhão de advogados, para ser respondido não só por cada um dos diretores da Bolsa como por todos os proprietários de assentos. Isso implicava trazer à tona os números de milhares e milhares de contas de investidores e especuladores.

Como seria de se esperar, Richard Whitney foi convocado a depor. Submeteram-no a severo interrogatório que, aos poucos, foi minando sua arrogância. Enquanto isso, em Nova York, os investigadores de Kennedy esmiuçavam os lançamentos de suas contas pessoais.

A SEC e o Senado levaram cinco anos para descobrir todas as falcatruas de Whitney, inclusive apropriações de fundos das contas dos clientes da Whitney & Co., entre os quais viúvas e órfãos, e até um desfalque no New York Yatch Club, cometido na época em que Richard era seu tesoureiro.

Às nove horas da manhã de segunda-feira, 11 de abril de 1938, agentes policiais, munidos de um mandado, se apresentaram na mansão de Richard Whitney no número 115 da rua 73 Leste, em Midtown Manhattan. Horas mais tarde, após ser levado à presença de um juiz, ele teve sua prisão preventiva decretada.

Julgado por vários crimes, Whitney foi condenado a cumprir uma sentença de cinco a dez anos de prisão na penitenciária de Sing Sing. Recebeu liberdade condicional em 1941. Jamais voltou ao mundo dos negócios. Morreu em 1974, aos 86, tendo sido sustentado em seus últimos 33 anos de vida pelos rendimentos de um pecúlio doado por seu irmão, George Whitney, que em nenhum momento o abandonou.

Charles Mitchell, do National City Bank, foi outro financista que teve de prestar contas à Comissão Pecora. Apesar de ter sido um dos maiores responsáveis pela febre especulativa que precedeu o crash, os senadores, assim como os fiscais da SEC, não descobriram nenhuma prática de atos ilícitos por parte de Mitchell durante o boom de 1929.

O banqueiro só não escapou do Internal Revenue Service (IRS), órgão arrecadador e fiscalizador do imposto de renda americano. Auditorias em suas contas pessoais revelaram que Mitchell cometera sonegação. Após ter sido preso, ele acabou fechando um acordo com o IRS e pagou aos cofres públicos uma importância não revelada. Tendo renunciado ao cargo de presidente do City Bank em 1933, ele passou a viver de rendas. Morreu em 1955, aos 78 anos.

Richard Whitney Walking Through Prison Gates

O presidente em exercício da Bolsa de Nova York na época do crash, Richard Whitney, ao ser libertado, sob condicional, na penitenciária de Sing Sing

Ossining, Nova York, EUA, 11 de agosto de 1941

Latinstock/© Bettmann/corbis/Corbis (DC)

O galês Michael Meehan, notório especulador, participante de diversos pools e outros tipos de “puxadas” durante o bull-market, dono de oito assentos na Bolsa de Valores de Nova York e especialista da Radio no Posto 12 do pregão, além de proprietário da corretora flutuante do transatlântico Berengaria, perdeu quase toda a sua fortuna no crash. O fato de que a RCA continuou prosperando durante a Grande Depressão não o ajudou em nada, pois deixou de ser o especialista no papel.

Como se não bastassem os prejuízos de Meehan, a SEC de Joe Kennedy não o deixou em paz. Suas operações especulativas foram esquadrinhadas. No início, Michael se declarou inocente e colaborou com as investigações. Mas quando sentiu que poderia ir para a cadeia, ele simplesmente desapareceu.

Em dezembro de 1936, a revista Times descobriu que Michael Meehan era um dos internos do asilo para doentes mentais Bloomingdale, em White Plains, ao norte da cidade de Nova York. Uma reportagem feita sobre ele descreveu-o “caminhando altivamente pelos gramados, tragando seus charutos...”.

Na verdade Meehan se transformara em um alcoólatra que passava boa parte do tempo discutindo em voz alta consigo mesmo. Quando não conseguia, mediante suborno de enfermeiros, acesso a bebidas, sofria sérias crises de abstinência. Nada disso impediu que, uma vez localizado, tivesse que responder pelos atos que cometera durante o boom. Resultado: foi proibido de operar em todas as bolsas de valores dos Estados Unidos, medida provavelmente inócua devido ao seu estado físico e mental.

Michael Meehan morreu no dia 2 de fevereiro de 1948 com a idade de 56 anos, não sem antes fazer uma última incursão no mundo dos negócios, adquirindo o controle acionário de uma fábrica de sorvetes.

Billy (William Crapo) Durant, criado em Flint, fundara a General Motors. Mais tarde fora um dos grandes especuladores de Wall Street, amigo e parceiro de Charles Mitchell, John Jakob Raskob e Mike Meehan. Tinha sido uma pessoa tão ilustre que visitava o presidente Herbert Hoover sem agendar uma entrevista. Só que o passado brilhante não impediu que seu destino fosse marcado por um declínio lento e melancólico.

Só no crash, Billy Durant perdeu 40 milhões de dólares. Fora o que perdera nas semanas anteriores, quando acreditara em uma recuperação do mercado. No ano seguinte, 1930, Durant pediu a sua mulher, Catherine, 187 mil ações da General Motors de um fundo de investimentos fechado que constituíra para ela.

“É um empréstimo rápido, só para dar uma tacada certa”, ele dissera a ela.

O dinheiro de Catherine Durant simplesmente evaporou.

Pedindo um empréstimo aqui, oferecendo uma tacada infalível ali, Billy Durant continuou tentando se refazer, cada vez com menos capital. Os amigos e conhecidos agora se recusavam a recebê-lo, não o atendiam ao telefone.

Em 1933, Durant tentou voltar à indústria automobilística comprando por um valor insignificante uma montadora em estado pré-falimentar e mudando o nome da empresa para Durant Motor Car Company, só para vê-la falir de verdade algumas semanas depois.

Três anos mais tarde, quem pediu falência foi o próprio Billy pessoa física. Declarou dívidas no valor de 914.231 dólares e um patrimônio de 250 dólares, representados por pouco mais do que as roupas que vestia ao se apresentar ao juiz.

Próximo passo ladeira abaixo, Durant abriu uma lanchonete em Asbury Park, Nova Jersey. Com o parco dinheiro que arrecadava, conseguia sobreviver, talvez porque comesse seus próprios sanduíches.

Um dia William Crapo Durant, já quase octogenário, decidiu voltar às suas origens. Vendeu a lanchonete e mudou-se para Flint, onde abriu um boliche, unidade pioneira, pelo menos era o que ele dizia às pessoas, de uma cadeia.

Em outubro de 1942, Billy Durant sofreu um AVC. Tinha 80 anos. Ainda viveu mais cinco, agora num modesto apartamento em Nova York, preso a uma cadeira de rodas, sempre ao lado da fiel mulher, Catherine. Ela vendeu suas joias, peça por peça, para pagar as contas da casa e as despesas médicas do marido. Alguns figurões sobreviventes da indústria automobilística, entre os quais Charles Stewart Mott, Alfred Sloan e Walter Chrysler, eventualmente visitavam o casal e nunca se esqueciam de deixar um cheque para auxiliar nas despesas.

Billy Durant morreu em 18 de março de 1947, aos 85 anos.

Na Inglaterra, Clarence Hatry, o ex-magnata do vidro, homem cuja falência, na opinião de muitos, dera início à crise econômica que desencadeou o crash, foi solto da prisão em 1930. Hatry conseguiu se recuperar, voltando a ficar rico, atuando na City. Morreu em 19 de junho de 1965, aos 76 anos.

O professor Irving Fisher, da Universidade de Yale, economista que havia garantido que um crash da Bolsa de Nova York era simplesmente impossível, ao menos foi coerente com suas próprias ideias. Perdeu tudo o que tinha, inclusive a própria casa, quando Wall Street quebrou. Fisher teve de ir morar de favor na casa de sua filha, onde morreu aos 80 anos, em 1947.