Na véspera do crash, o ator Charles Chaplin e o compositor Irving Berlin haviam jantado juntos em Hollywood, ocasião em que Berlin censurara Chaplin por ter vendido sua carteira de ações, atitude que o compositor considerava impatriótica. O colapso em Nova York pegou os dois em posições antagônicas, o comediante zerado e o músico com todas as suas economias aplicadas na Bolsa.
Embora em ritmo menor do que nos Roaring Twenties, a indústria de entretenimento continuou crescendo ao longo da Grande Depressão. Charles Chaplin pôde aumentar sua já enorme fortuna ao passo que Berlin começou a refazer a sua, quase toda perdida no crash. Seja por teimosia, seja por perspicácia, seja por patriotismo, o músico continuou aplicando dinheiro em ações.
Em fevereiro de 1931, Chaplin lançou City Lights (Luzes da cidade), um filme meio-mudo — embora não houvesse diálogos entre os personagens, a ação era acompanhada de uma trilha sonora musical. A produção da fita custou 2 milhões de dólares, uma extravagância para aqueles tempos de depressão.
Mesmo sem falas, City Lights, com Chaplin interpretando Carlitos pela última vez, foi um estrondoso sucesso, tendo sua bilheteria — 5 milhões só nos primeiros meses — sido maior do que a de qualquer outro filme da época. Apesar disso, Charles Chaplin concluiu que chegara o momento de pôr fim à carreira do personagem Carlitos.
Multimilionário e grande celebridade em todo o mundo, Chaplin diminuiu seu ritmo de trabalho e passou a se dedicar a viagens, principalmente pela Europa, tendo inclusive visitado Berlim um ano e meio antes da ascensão de Adolf Hitler.
O mítico talento de Charles Chaplin era tão reconhecido pelo público que ele ainda insistiu em alguns filmes sem diálogos, só com o acompanhamento de música. Modern Times (Tempos modernos), no qual Chaplin contracenou com Paulette Goddard, com quem vivia maritalmente na época, foi um desses. Estreou em 1936 e repetiu o êxito de City Lights.
Três anos mais tarde, justamente quando a Inglaterra e a Alemanha entraram em guerra, Charles lançou The Great Dictator (O grande ditador), um fita falada que, graças à interpretação magistral de Chaplin, ridicularizava ao extremo a figura do ditador nazista. Foi mais um triunfo artístico e financeiro. The Great Dictator veio a ser o filme mais lucrativo de Charles Chaplin até então.
Quando, após o ataque dos japoneses a Pearl Harbor, os Estados Unidos entraram na guerra, Chaplin fez uma longa turnê de palestras pelo país instando os assistentes a apoiar a agora aliada União Soviética. O entusiasmo com que defendia os russos, aliado ao uso da expressão “camaradas”, com a qual se dirigia à plateia, iria lhe causar grandes inconvenientes no futuro.
Após a Segunda Guerra, já nos tempos inquisitoriais do macarthismo, e em plena Guerra Fria, Charles Chaplin, agora considerado por muitos como simpatizante do comunismo, durante uma viagem de navio para a Europa, a bordo do transatlântico Queen Elizabeth, ficou sabendo, por um telegrama do Serviço de Imigração, que seu visto de permanência dos Estados Unidos fora cassado — ele jamais quisera pleitear a cidadania americana. Na época Charles era casado com Oona O’Neill, 36 anos mais moça do que ele, filha do dramaturgo Eugene O’Neill. Depois de algum tempo em Londres, o casal fixou moradia em Vevey, na Suíça.
Chaplin só voltou à América em 1972, e mesmo assim por poucos dias, para receber um Oscar especial da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que lhe foi concedido pelo conjunto da obra. Tinha então 83 anos. Morreria no dia de Natal de 1977, na Suíça, deixando nove filhos e enorme fortuna, resultado de seus filmes e das aplicações na Bolsa feitas nos Roaring Twenties, as quais liquidara em 1928.
Irving Berlin saiu do crash e entrou na Grande Depressão quase tão pobre quanto no começo de sua vida artística no início do século, só que agora com a vantagem de ter seu talento amplamente reconhecido no mundo da música. Como não diminuiu a demanda por suas canções, e ainda recebia direitos autorais das obras anteriores, Berlin não demorou a voltar a investir na Bolsa, comprando ações por preços baixíssimos. Goldman Sachs Trading Corporation, por exemplo, um papel pelo qual ele chegara a pagar 220 dólares, estava a menos de dois dólares.
O sogro de Irving, o católico Clarence Mackay, magnata dos telégrafos, que jamais aprovara o casamento de sua filha Ellin com o músico judeu, também perdera tudo que tinha no colapso de 1929. Só que Mackay, ao contrário do genro, não tinha como refazer sua fortuna, pois isso dependeria de capital e não de talento criativo.
Dono de Harbor Hill, uma enorme e luxuosa propriedade em Wheatley Hills, Long Island, Mackay não podia vendê-la por absoluta falta de compradores. Muito menos tinha condições de custear a manutenção da casa principal, das casas de hóspedes, da estufa, dos estábulos que antes haviam abrigado seus puros-sangues ingleses, das quadras de tênis, da piscina e dos campos a perder de vista, fora os salários dos 134 empregados.
A alternativa foi dispensar todo mundo e mudar-se para a pequena casa do porteiro, junto ao portão de entrada da propriedade, e deixar o resto abandonado, à mercê das intempéries e da sanha dos saqueadores.
Em agosto de 1932, quando o Industrial Dow Jones da Bolsa de Valores de Nova York bateu em sua mínima, a 63 pontos, o menor nível desde a criação do índice, em 1896, e uma queda de 83% sobre o pico registrado na terça-feira 3 de setembro de 1929, Irving Berlin continuava comprando ações. Nessa época o ritmo da ticker-tape se assemelhava ao bater irregular do coração de um moribundo. Havia momentos em que a fita parava por absoluta falta de negócios no pregão.
Quando Kitty, mulher de Clarence Mackay, morreu de câncer na garganta, o viúvo levou sua amante, Anna Case, para morar com ele na casa do porteiro. Por fim, casou-se com ela. Irving e Ellin Berlin compareceram à cerimônia. De presente, Berlin deu um cheque de um milhão de dólares para o sogro. Assim ele e Anna puderam viver com conforto e dignidade até o fim dos seus dias.
Em setembro de 1930, Irving Berlin comprara um lote no número 66 da rua 93 Leste, entre a Madison e a Park Avenue. Sua ideia era derrubar o prédio que havia no local e construir uma mansão em seu lugar. Precisava apenas de emplacar um novo hit. E não é que emplacou dois, ambos em 1932: Say It Isn’t e How Deep is the Ocean. Como se não bastasse, o musical Off Thee I Sing, dos irmãos George e Ira Gershwin, montado na “Music Box”, casa de espetáculos de propriedade de Berlin, e de cuja bilheteria ele tirava um percentual, fez 441 apresentações.
Na temporada seguinte (1933-1934), o musical As Thousands Cheer, com composições de Irving Berlin, e montado em seu próprio teatro, foi também um grande sucesso. A fortuna perdida no crash se recuperava rapidamente. E cada centavo que sobrava Irving Berlin punha na Bolsa, com exceção do dinheiro que reservou para erguer sua mansão no East Side.
O ano de 1935 trouxe novos êxitos: as canções do filme Top Hat, que teve como protagonistas Fred Astaire e Ginger Rogers. De participação na bilheteria, Berlin, agora com 46 anos, faturou 300 mil dólares.
Em 1917 Irving escrevera a música e a letra da canção God Bless America, que por algum motivo decidira pôr de lado. Vinte e um anos mais tarde, em 1938, ele resolveu resgatá-la do fundo de um baú.
God Bless America causou tanto impacto que, dias após ter sido apresentada pela primeira vez, numa transmissão radiofônica, na voz de Kate Smith, tornou-se o hino extraoficial dos Estados Unidos. Passados 75 anos do lançamento, e quase cem da criação, não há um instante sequer em que God Bless America não esteja sendo tocada ou cantada em algum canto do país.
Irving Berlin podia agora viver de direitos autorais, sem precisar criar mais nada e ainda tendo recursos de sobra para aplicar na Bolsa. Mas Berlin simplesmente não quis parar. Veio a Segunda Guerra e ele produziu um musical para a Broadway, This is the Army, com toda a renda, que ultrapassou 10 milhões de dólares, destinada ao Exército. Para si, Berlin escreveu a canção White Christmas, que arrecadou tanto quanto God Bless America.
Irving Berlin foi um dos compositores mais bem-sucedidos da história do showbiz
S.l., 1954
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Só com a voz de Bing Crosby, White Christmas vendeu 10 milhões de discos. Mais 4 milhões saíram com outros cantores, além de 3 milhões de partituras.
O dinheiro continuou entrando aos borbotões. O musical Annie Get Your Gun foi exibido 1.147 vezes. Uma das músicas da peça, There is no Business Like Show Business, repetiu a trajetória de God Bless America e de White Christmas. A inspiração de Irving Berlin, agora com 58 anos de idade, parecia não ter limites. Annie Get Your Gun rendeu ao compositor 400 mil dólares, mais 650 mil pela adaptação para o cinema. Com o disco e a partitura de There is no Business Like Show Business, ele faturou outros 600 mil.
Em 1947, Irving e Ellin se mudaram para a enorme mansão que ele finalmente construíra, onde viveriam o resto de suas vidas. No ano seguinte, o filme Easter Parade, com a trilha sonora composta por ele, faturou 6,8 milhões de dólares de bilheteria.
Os sucessos passaram então a se alternar com fracassos. Miss Liberty, por exemplo, encenado na Broadway em 1949, mal deu para cobrir as despesas de produção. Pouco mais tarde, em 1950, o filme Annie Get Your Gun, baseado na peça do mesmo nome, faturou 8 milhões de dólares.
Berlin, aos 63 anos, tornara-se um homem sovina, mesquinho, ganancioso, deprimido e mal-humorado. Isso talvez tenha destruído sua inspiração. Sua última canção bem-sucedida foi You’re Just in Love, parte do musical Call me Madam, montado em 1951. Depois dela, quase mais nada deu certo.
Pela primeira vez em sua carreira, Irving Berlin começou a ter músicas recusadas na Broadway e em Hollywood. Evidentemente que isso em nada contribuiu para melhorar seu estado de espírito. Mas não prejudicou sua renda de direitos autorais, garantida até o fim da vida graças aos sucessos anteriores. E quase tudo que entrava continuou indo para o mercado de ações.
Aos 70 anos, Berlin padecia tanto de depressão que um hospital foi montado em sua casa. Três enfermeiras se alternavam ao seu lado. Devem ter feito um ótimo trabalho, pois Irving viveu mais três décadas, recluso, sempre acabrunhado, viciado em soníferos, morrendo apenas em 1989, aos 101 anos de idade, catorze meses após Ellin, dezessete anos mais moça.
Além dos direitos autorais de mais de 1,5 mil canções, Berlin deixou para seus filhos uma carteira de títulos no valor um 1,1 bilhão de dólares.
Muitos defensores do mercado de ações dizem que Irving Berlin mostrou que aplicar dinheiro na Bolsa, por todo o tempo, seja na alta ou na baixa, é um método infalível de se enriquecer. Mas se esquecem de assinalar que para isso é preciso ter outras rendas e viver um século.
James Riordan, Ivar Kreuger, Jesse Livermore, Richard Whitney, Michael Meehan, Billy Durant, Irving Fisher e centenas de outros desafortunados mostraram que a armadilha criada pela prosperidade dos Roaring Twenties e pela catástrofe de outubro de 1929 havia mudado, para pior, a história dos Estados Unidos da América e do mundo, afetando a vida de centenas de milhões de pessoas, os herdeiros da sociedade onde todos seriam ricos.