2
Gênios e magnatas

Na virada do século XIX para o XX, os Estados Unidos já haviam se recuperado da depressão iniciada em 1893 e viviam tempos de crescimento acelerado. Nenhum outro país do mundo produzia tanta riqueza. Logo, grandes corporações seriam fundadas, entre elas a United States Steel Corporation, a International Harvester e a International Nickel.

Nesse cenário de prosperidade, o número de bilionários americanos era cada vez maior. Entre eles se destacavam o magnata do petróleo John D. Rockefeller e o banqueiro John Pierpont Morgan, mais conhecido como J. P. Morgan.

Os sócios e executivos graduados da Casa Morgan participavam da direção e do Conselho de outras 112 grandes empresas, entre elas concessionárias de serviços públicos, seguradoras, companhias industriais e comerciais, ferrovias e até mesmo outros bancos.

Para desgosto de J. P. Morgan e de outros grandes empresários, em 14 de setembro de 1901, com o assassinato do presidente William McKinley, seu vice, Theodore Roosevelt, assumiu a Casa Branca. Roosevelt era reformista e se dispunha a defender mais os trabalhadores do que os patrões. Usou a lei antitruste Sherman contra a Northern Securities Co., uma das empresas que Morgan controlava de modo disfarçado.

Em julho de 1901, quando Irving Berlin tinha 12 anos, seu pai, Moses, morreu de bronquite, deixando viúva e quatro filhos órfãos além de Irving. A sexta criança havia morrido antes.

Um ano após a morte do pai, Irving abandonou colégio e família. Chegara à conclusão de que levava menos dinheiro para casa do que dava de despesas. Izzy foi morar nas ruas e em albergues públicos do Bowery, uma das áreas mais pobres da ilha de Manhattan.

Como tinha uma voz passável, Irving Berlin começou a cantar em bares frequentados por marinheiros e prostitutas em troca de gorjetas. Então as coisas melhoraram um pouco e ele conseguiu um lugar no coro do musical The Show Girl. Fazia também diversos tipos de biscates, entre eles o de participar de claques em espeluncas de Chinatown. Finalmente arrumou um trabalho de tempo integral como cantor-garçom no café de Mike Salter, também no bairro chinês.

Na noite de sábado de 18 de novembro de 1905, o príncipe Louis de Battenberg, da família real britânica, que percorria casas de ópio de Chinatown, foi até o bar onde Izzy Berlin cantava e servia os fregueses e gostou muito da sua apresentação, em que interpretava paródias cômico-eróticas com letras de duplo sentido. A satisfação do príncipe virou notícia em diversos jornais.

Em Londres, Charlie Chaplin, um garoto semianalfabeto da mesma idade de Irving Berlin, cuja infância fora igualmente miserável, também conseguira seu primeiro emprego no showbiz. A peça Jim, the Romance of a Cockney foi um fracasso de crítica. Mas a atuação do menino, que interpretou a parte cômica do espetáculo no papel de um pequeno jornaleiro, mereceu fartos elogios.

O pai de Charlie, Charles Spencer Chaplin, morrera de tanto beber. A mãe do jovem comediante, Hannah, uma atriz fracassada, alternava períodos morando com os filhos com temporadas em sanatórios para doentes mentais.

Separados por 5,6 mil quilômetros, os garotos Izzy e Charlie tinham duas coisas em comum: enorme talento e necessidade de trabalhar para comer. Em outubro de 1904, aos 34 anos, Amadeo Peter Giannini fundou, no distrito italiano de North Beach, em São Francisco, o Bank of Italy, voltado para uma clientela de pessoas de baixa e média renda. Segundo os especialistas do ramo, as chances de sucesso de Giannini eram mínimas. Comerciante de formação, ele não tinha experiência bancária e não conhecia ninguém nos altos círculos das finanças.

Incluindo o próprio Amadeo Giannini, nenhum sócio do banco tinha mais do que cem ações. Estas estavam nas mãos de 1.620 acionistas: padeiros, farmacêuticos, peixeiros, pequenos comerciantes de um modo geral, alguns com não mais do que duas ou três cotas. Tratava-se de um banco de gente miúda para atender a uma clientela miúda, atraída pelas taxas de juros de 3,5% ao ano que o Bank of Italy oferecia aos pequenos poupadores, cuja alternativa seria deixar suas economias debaixo do colchão.

Às 5h12 da manhã de quarta-feira, 18 de abril de 1906, a cidade de São Francisco foi abalada por um terremoto de 7,9 graus na escala Richter, seguido por um incêndio não menos devastador. Mais de 3 mil pessoas morreram e 70% das construções foram destruídas. Do total de 410 mil habitantes da cidade, 270 mil ficaram desabrigados.

Nessa ocasião, o magistral urso especulador Jesse Livermore provou ser um homem de muita sorte. Dois dias antes da tragédia, Jesse, que tirava férias com uma namorada em Atlantic City, na Costa Leste, entrou numa sociedade corretora do balneário e vendeu a descoberto 3 mil ações da Union Pacific Railroad, que servia São Francisco. No dia seguinte, 17 de abril, como a Union Pacific continuava subindo, Livermore vendeu mais 2 mil ações, antes de regressar a Nova York.

No dia do terremoto, Jesse Livermore foi acordado por seu criado de quarto, que lhe deu a notícia. Como não podia deixar de ser, os papéis da ferrovia do Pacífico despencaram, pois um longo trecho do leito da estrada de ferro se esfarinhara, com os trilhos arrancados de seus dormentes. Ao final da tarde, o urso de Boston deixara de ser um milionário para se tornar um multimilionário.

Embora Jesse Livermore tenha dado sua grande tacada de forma fortuita, os demais traders não deram a menor importância ao detalhe. Ganhou, é bom. Perdeu, é ruim. Sempre foi e sempre será assim no jogo das bolsas. O que vale é vencer. Foi o que aconteceu com Livermore. Criou-se ao redor dele uma aura de premonição, da qual Jesse se aproveitou para alavancar sua fortuna nos anos seguintes.

Ao contrário de Livermore, Amadeo Peter Giannini tinha tudo para perder dinheiro com o terremoto. São Francisco era o seu território, a sede de seu banco e o local onde boa parte de seus clientes morava e ganhava a vida. Só que Giannini, antes mesmo de a fumaça dos incêndios que haviam devastado a cidade se extinguir, começou a oferecer, através do Bank of Italy, empréstimos a taxas de juros moderadas àqueles que haviam perdido suas casas e seus negócios, para que eles pudessem reconstruí-los. O banco tinha em caixa 80 mil dólares para cobrir depósitos de 846 mil. Mesmo assim, Amadeo não vacilou. Saiu emprestando.

Os demais banqueiros locais, que procuravam se espelhar no conservadorismo e na prudência dos Rothschilds, da Europa, e de John Pierpont Morgan, de Nova York, imediatamente fecharam suas carteiras de crédito após o terremoto. E comentaram com desdém a atitude de Giannini: “Não se poderia esperar outra coisa de um carcamano que cresceu vendendo verduras. Banco não é casa de caridade. O italiano vai dar com os burros n’água.”

O mau agouro falhou e o Bank of Italy cresceu com a crise. Impressionados com a atitude de Giannini durante o momento trágico, novos depositantes surgiram.

Em Nova York, Irving Berlin agora cantava no Nigger Mike’s, também em Chinatown. E começou a compor. Sua primeira canção foi Marie from Sunny Italy, cujos direitos vendeu por apenas 37 centavos. Izzy completara 19 anos e continuava se sustentando, embora mal e porcamente, com seu trabalho de cantor-garçom. Não sabia ler nem escrever partituras e precisava que alguém passasse suas músicas para o papel.

Na Bolsa de Nova York, Jesse Livermore continuava com suas jogadas especulativas, quase sempre vendendo a descoberto. E voltou a dar uma enorme tacada quando o mercado sofreu um novo pânico, no outono de 1907. Só na quinta-feira, 24 de outubro, o urso de Boston, agora com 30 anos, ganhou 250 mil dólares. Ao todo, Jesse lucrou um milhão de dólares no crash — o equivalmente, nos dias de hoje, a 25 milhões de dólares.

[The floor of the New York Stock Exchange, secretly shot with a camera hidden in the photographer's sleeve]

Interior da Bolsa de Valores de Nova York

Nova York, EUA, ca. novembro de 1907

Library of Congress Prints and Photographs Division Washington, DC | Pearson Publishing Company

O pânico de 1907 foi suavizado por J. P. Morgan de maneira prática e espiritual. Prática porque ele jogou recursos próprios e de outros banqueiros para comprar ações. Espiritual porque apelou para os clérigos de Nova York, para que usassem seus sermões dominicais para injetar confiança nos investidores assustados. J. P. culpava o presidente Theodore Roosevelt pelo que acontecia na Bolsa. Roosevelt não deixou a acusação sem resposta. Chamou de gananciosos e impatrióticos os homens de grande fortuna do país.

Ignorando as acusações do presidente, Morgan, agora com 70 anos, ainda salvou diversos bancos nova-iorquinos e a própria Bolsa de Valores de Nova York da falência, emprestando 25 milhões de dólares aos corretores e à Bolsa. Finalmente, nos dias 28 e 29 de outubro, evitou uma crise financeira na cidade emprestando 30 milhões de dólares à prefeitura para que esta pudesse pagar os salários de seus funcionários e dos professores públicos.

Na Califórnia, Amadeo Peter Giannini continuava prosperando. Durante o pânico de 1907, Giannini, que não fora atingido pela crise, possuía tanto ouro que precisou alugar cofres para guardar os lingotes; seu banco foi o único da Califórnia que pôde atender todas as demandas de empréstimos de seus clientes. Milhares de depositantes abriam contas no Bank of Italy.

O sonho de Giannini agora era expandir seus negócios para outros estados. O ex-vendedor de hortigranjeiros queria agências de seu banco estabelecidas em todas as cidades e até mesmo na maioria das vilas. Seria o primeiro grande conglomerado bancário americano de varejo.

No inverno de 1908, Charlie Chaplin, com 19 para 20 anos, já era um comediante bem-sucedido na Inglaterra, atuando em shows de vaudeville. Morava com seu irmão, Sydney, num apartamento de três quartos na Brixton Road, ao sul do Tâmisa, e namorava Hattie, uma corista da companhia.

Um ano mais tarde, Chaplin se apresentaria no Folies Bergere, em Paris, onde fez enorme sucesso.

Charles E. Merrill, que chegara a Nova York no auge do pânico de 1907, trabalhava no departamento de títulos da George H. Burr & Company, uma empresa de Wall Street. Depois de algum tempo no emprego, no qual se sobressaía entre os colegas, Charles conseguiu trazer para a firma seu amigo Edmund Lynch, um graduado da Universidade John Hopkins. Os dois sobrenomes, Merrill e Lynch, ajudariam a escrever a história do mercado financeiro dos Estados Unidos ao longo de todo o século XX, entrando pelo século XXI.

Em 1908, Theodore Roosevelt decidiu não concorrer à reeleição. Amante da vida ao ar livre, resolveu se dedicar a caçadas na África.

“Espero que o primeiro leão que ele encontrar cumpra o seu dever”, disse John Pierpont Morgan numa roda de amigos. J. P. jamais perdoara a perseguição que sofrera por parte de Ted Roosevelt.

Roosevelt foi sucedido pelo também republicano William Howard Taft, que manteve a política antitruste de seu antecessor e, para desespero dos ricos, criou o imposto de renda federal.

Na primeira década do século XX, mais 6 milhões de emigrantes entraram nos Estados Unidos, entre eles o bielorrusso David Sarnoff, com 9 anos, cujo pai, o pintor de paredes Abraham Sarnoff, desembarcara em Nova York em 1896, levando quatro anos para juntar os 144 dólares necessários para trazer toda a família. Esta foi morar numa área miserável do Lower East Side.

Infelizmente, logo após a chegada da mulher e dos filhos, Abraham ficou doente e incapacitado para o trabalho. Apesar de criança, David fez questão de ajudar no sustento da casa, vendendo nas ruas os jornais judeus Tageblatt e Forverts. Quando seu pai morreu, em 1906, David Sarnoff, então com 15 anos, foi trabalhar como mensageiro na Commercial Cable Company, uma empresa de telégrafos, ganhando cinco dólares por semana. Sentindo-se no lugar e no momento certos, David cuidou de aprender a operar o telégrafo.

Desde meados do século XIX, as pessoas e as empresas se comunicavam por telegramas. Essas mensagens, passadas e decifradas usando-se o código Morse, eram transmitidas através de fios. Só que, no início do novo século, o fio tornara-se desnecessário. Em 1901, o italiano Guglielmo Marconi completou com sucesso a primeira transmissão transatlântica sem fio.

Demitido da Commercial Cable por ter tirado três dias de folga para comparecer a uma festividade judaica, David Sarnoff conseguiu um emprego no bairro do Brooklyn, na estação telegráfica da empresa inglesa Marconi Wireless Telegraph Co., assim chamada em homenagem ao inventor.

Sarnoff usava suas horas de folga, domingos e feriados para devorar publicações científicas em bibliotecas públicas. Fez também um curso de engenharia elétrica no Instituto Pratt. A dedicação não passou despercebida por seus patrões, e logo David foi promovido a diretor da estação de telégrafo sem fio da Marconi instalada no topo da loja de departamentos Wanamaker, em Manhattan.

Tendo provado sua competência em Nova York, em 1908, David Sarnoff, então com 17 anos, foi designado para a estação da Marconi no posto remoto da ilha de Nantucket, ao sul do extremo leste da costa de Massachusetts, com um salário mensal de setenta dólares. Em vez de se dedicar apenas às suas tarefas profissionais, na ilha Sarnoff estudou como funcionavam as ondas de rádio que lhe permitiam enviar e receber as mensagens telegráficas. Tornou-se um perito no assunto, a ponto de trocar ideias a distância com o próprio Guglielmo Marconi. Fazia também um curso de matemática por correspondência.

Young David Sarnoff Operating Telegraph on Nantucket Island

O jovem David Sarnoff opera um aparelho de telégrafo sem fio na estação da ilha de Nantucket

Siasconset, Massachusetts, EUA, ca. 1900-1910

Latinstock/© Bettmann/corbis/Corbis (DC)

Charles Edwin Mitchell nascera em Chelsea, subúrbio de Boston, em 6 de outubro de 1877. Tinha, portanto, 23 anos na passagem de século. Dotado de inteligência privilegiada, Mitchell conseguiu chegar à universidade, dando aulas particulares de oratória para custear os estudos. Tinha um talento especial para encantar as pessoas, praticamente hipnotizando-as.

O primeiro emprego de Mitchell foi na Western Electric, em Chicago. Em pouco tempo tornou-se gerente de crédito. Mas não esquentou a cadeira por muito tempo. Recebeu — e aceitou — um convite da Trust Company of America, de Nova York, uma companhia de investimentos, para ser assistente pessoal do presidente, Oakleigh Thorne.

Quando aconteceu o crash de 1907, seguido de pânico no mercado, a Trust foi atingida em cheio pela crise. Nessa ocasião, Mitchell chegou a trabalhar vinte horas por dia, limitando-se a alguns cochilos no escritório de Thorne. Em grande parte graças ao seu esforço e ao seu talento, a empresa sobreviveu à turbulência.

Em 1909, Irving Berlin assinou um contrato de 25 dólares por semana, mais royalties, com a empresa Waterson & Snyder, para compor canções, embora não soubesse escrever música, nem tivesse feito nenhum esforço para aprender a fazer isso, deixando a tarefa a cargo de outras pessoas.

A deficiência não impediu Berlin de produzir, no espaço de um ano, duas dúzias de canções. Só uma delas — My Wife’s Gone to the Country — vendeu 300 mil cópias em partituras.

Naquela época, as canções eram distribuídas por editoras, sendo as cópias vendidas em papel com pauta, notas musicais e letra. Não havia discos, nem rádio; o cinema, que começava a cair no gosto dos americanos, era mudo. Portanto, sem que Irving Berlin soubesse, uma longa estrada de oportunidades ainda iria se abrir para sua genialidade.