Epidemiologia e antropologia médica: a possível in(ter)disciplinaridade

Gil Sevalho; Luís David Castiel

Introdução

A perspectiva da interdisciplinaridade ou de uma colaboração complementar entre disciplinas científicas com áreas de atuação contíguas ou convergentes, ou com regiões de superposição, aparece como uma necessidade nestes tempos em que a complexidade como modo de pensar o conhecimento é reconhecida (Morin, 1991; Santos, 1995). Tal empresa, contudo, não é simples, exigindo desde a evidente disposição inicial dos pesquisadores até uma readequação de vocabulários específicos e uma combinação de técnicas e métodos de investigação, que podem mesmo gerar transformações importantes no âmbito das disciplinas envolvidas. Transformações que Japiassu (1976), em seu estudo filosófico sobre a interdisciplinaridade, chama de "comunicações ", e que ocorrem nos corpos sociais de tais disciplinas, em suas estruturas.

Em outras palavras, interdisciplinaridade pode ser definida de distintos modos, com inevitáveis pontos de contato: a) utilização de enfoques variados para abordar o mesmo objeto; b) sistema organizado para transferência de métodos (quantitativos<~>qualitativos); c) resposta complexa/compósita a interrogações sobre o real-concreto; d) reunião progressiva e integrada de sistemas conceituais; e) elaboração de um corpo conceituai unificado resultante da fusão das disciplinas (tal integração quando totalizada levaria à introdução da idéia de transdisciplinaridade) (Faure, 1992).

No entender de Japiassu (1976: 82), a interdisciplinaridade se apresenta como um movimento composto. Primeiro aparece como uma prática individual, "uma atitude de espírito, feita de curiosidade, de abertura, de sentido da descoberta, de desejo de enriquecer-se com novos enfoques, de gosto pelas combinações de perspectivas e de convicção levando ao desejo de superar caminhos já batidos ", e depois, num segundo momento, surge como uma prática coletiva pautada pela abertura ao diálogo no trabalho em equipe, sendo dependente da capacidade técnica dos pesquisadores envolvidos em lidar com as questões inerentes à interdisciplinaridade.

Aqui, neste texto, diante dos problemas ensejados pela interdisciplinaridade, nossa abordagem se pretende indisciplinar1 (porém, de acordo com Soares [1994], com todo o rigor da indisciplina...), pois os tempos que vivemos são de perplexidade no campo das demarcações disciplinares e das correspondentes estruturas normativo-paradigmáticas que referenciam nossas proposições de conhecimento.

Longe de ser, tão-somente, um jogo de palavras, esta idéia serve, por um lado, para contornar alguns problemas, como por exemplo:

Conforme Moles (1995), é possível compreender a atividade científica acabada, constituída, como disciplinar (e disciplinada) - de maneira a permitir a catalogação para posteriores revisões bibliográficas sobre o (cada vez mais evanescente) estado da arte de determinado tópico de pesquisa. Assim, teremos enormes pilhas de publicações como um dos produtos do afazer científico (e, mais modernamente, os grandes bancos de dados da produção indexada como, por exemplo, o Medline, no campo biomédico). No caso da ciência sendo feita, contudo, pode-se pensar no campo caleidoscópico de possibilidades que se descortinam e se modificam no decorrer do processo, no qual os contornos dos tópicos de estudo ainda não estão bem delimitados e as categorias verdade e falsidade ainda não podem ser definidas satisfatoriamente. Em suma, o momento indisciplinado da produção científica.

Além do que, é importante assumir a imprecisão2 como característica do campo das ciências humanas e sociais. Ou, dizendo de outra forma, deve-se assumir a inexatidão, sem com isto endossar juízos de valor que, ao estabelecerem as disciplinas ditas exatas ("hard") como padrão de referência, passam a considerar as que não atingem os critérios de cientificidade destas como, quando muito, ciências menores, moles ("soft".)3.

Quanto ao adoecer humano, é inevitável encará-lo como um objeto de estudo indisciplinado, que resiste a nossas tentativas disciplinares de enquadramento. Somente assim, acreditamos ser possível transitar por doenças (diseases) nas populações e moléstias (illnesses) e suas representações nos grupos sócio-culturais , assumindo os riscos de nos perdermos4 pelos (des)caminhos indisciplinares, em busca de compreensão para intervenções menos insatisfatórias do que as prevalecentes no campo biomédico-epidemiológico atual.

No âmbito da saúde coletiva, a questão da interdisciplinaridade tem sido objeto de discussão (Minayo, 1991; Nunes, s/d). Para Nunes (s/d: 6), no que diz respeito à saúde, "a busca de ações integradas na prestação de serviços, ou a associação da docência e serviço, ou a questão da interface entre o biológico e o social passa pelo campo genericamente denominado de relações interdisciplinares ". E, neste contexto, cada vez mais têm surgido ações ou propostas de atuação conjunta congregando a epidemiologia e a antropologia médica. Ações ou propostas estas em cujo núcleo estão plantadas as relações entre a cultura e o adoecer das populações humanas.

Ocorre, no entanto, que, se por um lado a apreciação dos aspectos culturais envolvidos no adoecer humano possibilita certamente uma análise mais profunda das situações estudadas, por outro lado, a existência de certas diferenças entre a epidemiologia e a antropologia pode representar obstáculos a uma cooperação mútua.

Considerar a atuação conjunta destas disciplinas, pensá-la sob a ótica crítica da epidemiologia, acompanhar a história desta atuação, analisar os pontos de contato e afastamento destas disciplinas, são os objetivos deste texto.

Notas históricas sobre a colaboração entre a epidemiologia e a antropologia

Segundo Trostle (1986a), a epidemiologia e a antropologia aproximaram-se entre si quando da fundação de ambas no século XIX, no bojo de três correntes do pensamento epidemiológico de então, que consideraram os aspectos sociais, comportamentais e culturais envolvidos na questão saúde-doença. Foi quando, no contexto de uma história pouco explorada, como afirma o autor citado, conviveram uma "epidemiologia biológica/parasitológica", voltada para as relações entre o comportamento humano e a biologia dos agentes etiológicos, uma "epidemiologia sociológica ", que enfatizava os aspectos políticos e econômicos com repercussões sobre a saúde humana, e uma "epidemiologia histórica ou geográfica", centrada nas características temporais e espaciais das doenças. Ao considerar estes movimentos dos anos 1800, o autor citado identifica elementos antropológicos nos estudos de Peter Panum sobre o sarampo nas ilhas Faroe, nas investigações de John Snow sobre a cólera em Londres, nos trabalhos e registros estatísticos sobre a Inglaterra e Gales produzidos por William Farr, nos trabalhos médico-sociais de Rudolf Virchow, nas pesquisas sociológicas sobre suicídio realizadas por Emile Dürkheim e na geografia médica de August Hirsh, o primeiro a utilizar a expressão antropologia médica, como esclarece Trostle.

Trata-se esta, no entanto, como sublinha Trostle (1986a), de uma taxonomia que admite superposições. Vale o esclarecimento, pois será sempre difícil perceber autores de concepções tão diferentes como Snow e Farr alinhados em uma "epidemiologia biológica/parasitológica", ou Virchow e Dürkheim albergados lado a lado em uma "epidemiología sociológica". De qualquer modo, tal discussão não elimina o esforço de mapeamento histórico desenvolvido pelo autor.

Posteriormente, com o advento da microbiologia no último terço do século XIX e a concentração das pesquisas epidemiológicas na etiologia biológica específica, o interesse pelos fatores sociais envolvidos na causalidade das doenças diminuiu e só retornou nas décadas de 1920 e 1930. Com o surgimento das doenças não infecciosas enquanto doenças de massa e o concurso de uma epidemiologia destas doenças e de uma "medicina comunitária ", forjadas ambas na perspectiva da causalidade múltipla, a pesquisa dos efeitos da cultura e da sociedade sobre a saúde foi revitalizada (Trostle, 1986b).

No entender de Trostle (1986b), porém, esta revitalização não teve o caráter político revolucionário das propostas e idéias contidas nos trabalhos de Friedrich Engels, sobre as condições de saúde dos trabalhadores ingleses dos anos 1800, e de Rudolf Virchow. Nesta fase, a tônica dos trabalhos e pesquisas se aproximaram muito mais das idéias reformistas de base atuarial-previdenciária nos moldes do pensamento de Edwin Chadwick, por exemplo.

Para Dunn & Janes (1986), as colaborações entre a epidemiologia e a antropologia se iniciaram, mais recentemente, por volta de 1950, principalmente em duas áreas: a da epidemiologia psiquiátrica e a das pesquisas epidemiológicas de doenças infecciosas em sociedades tradicionais em países pobres. Tendo, posteriormente, estas colaborações se dirigido em maior escala para a área das doenças crônicas não infecciosas.

Trostle (1986b) releva na história da colaboração entre a epidemiologia e a antropologia, a experiência do projeto Polela, desenvolvido na África do Sul nas décadas de 1940 e 1950. No Polela, foram desenvolvidos os trabalhos de Sidney e Emily Kark e de John Cassei, na perspectiva de uma "epidemiología social" (norte-americana, é bom frisar aqui para diferenciá-la da epidemiología social latino-americana de autores como o equatoriano Jaime Breilh [1988], de cunho marcadamente marxista). Os trabalhas dos Karks e de Cassei resultaram, em 1945, na fundação do Institute of Family and Community Health, instituição que seguiu uma linha de ação multidisciplinar voltada para a promoção da saúde comunitária, atuando junto aos líderes tribais sul-africanos. Nos anos 1950, com as reações ao projeto Polela movidas pelo governo racista da África do Sul, os Karks e John Cassei emigraram para os Estados Unidos e, a partir do Departamento de Epidemiologia da University of North Carolina, em Chapel Hill, irradiaram suas idéias e seus trabalhos internacionalmente.

Nas décadas de 1960 e 1970, John Cassei tornou-se um dos grandes nomes da epidemiologia moderna, discutindo o envolvimento do cultural e do social no adoecer humano e publicando trabalhos onde investigava a contribuição das ciências sociais para a epidemiologia (1964), o processo psicossocial e o estresse (1974) e a influência do meio social na resistência do hospedeiro (1976).

Deve ser anotado que tanto Trostle (1986b) quanto Nations (1986) citam, como pioneiro na história do trabalho conjunto da epidemiologia e da antropologia, o artigo de A. C. Fleck & F. J. A. Ianni intitulado "Epidemiology and Anthropology: some suggested affinities in theory and method", de 1958. O artigo não alcançou reconhecimento na época de sua publicação, como explica o citado Trostle, e apresentou como um dos eixos de discussão a questão da causalidade múltipla.

Para a expressiva produção de trabalhos enfocando ou sugerindo abordagens reunindo a epidemiologia e a antropologia em meados dos 1900, Trostle (1986b) aponta algumas possíveis causas, como o crescimento do interesse de ambas as disciplinas no aumento da mobilidade social das populações humanas, o ressurgimento das considerações sobre o comportamento humano enquanto elemento envolvido na questão saúde-doença e o provimento de recursos financeiros para as pesquisas contemplando estas abordagens.

Iniciativas como projetos de intervenção e trabalhos posteriores do Departamento de Epidemiologia da University of North Carolina, Chapel Hill, foram, contudo, sempre marginais diante dos grupos de poder, afirma Trostle (1986b). Envolvendo populações pobres, estiveram fadadas à extinção ou ao aniquilamento pelos cortes de recursos, apesar do sucesso, do seu êxito técnico.

Mais recentemente, nos anos 1970 e 1980, o interesse das agências internacionais de financiamento pela atuação conjunta da epidemiologia e da antropologia vem acompanhando o desenvolvimento de campanhas de vacinação e ações de controle de algumas endemias, através de programas "transdisciplinares" (Nations, 1986). Um interesse que surgiu com a relativização do sucesso destas ações, atribuída muitas vezes ao seu descolamento cultural, ao desconhecimento das representações de saúde e doença locais e, consequentemente, das próprias repercussões deste tipo de atitude no resultado das ações (Uchôa & Vidal, 1994).

Além disso, é fato conhecido que a ocorrência da pandemia de AIDS, tragédia extrema de nossos dias, tem requerido cada vez mais o concurso de intervenções e pesquisas interdisciplinares para o seu estudo e controle.

No fechamento desta abordagem histórica, fica a impressão de que um ponto de vista que considere a importância dos comportamentos, dos hábitos e costumes e a utilização de elementos culturais no contexto em que se dá o enfrentamento da doença humana, nos levará à perspectiva de um trabalho conjunto entre epidemiologia e antropologia. Ainda que estas empresas conjuntas possam albergar concepções distintas sobre a natureza do social e do indivíduo envolvidos, bem como sobre as formas deste envolvimento. Afinal, antropólogos são vários e têm lá suas diferentes visões de mundo e propósitos, e epidemiologistas também. Ambas as disciplinas admitem perspectivas diversas no tratamento dos seus respectivos objetos, operando conceitos segundo diferentes pressupostos.

A questão da cultura: ponto de contato entre a epidemiologia e a antropologia?

Para Geertz (1989: 14, 15,24, 40), todo o estudo da antropologia surgiu "em torno do conceito de cultura", conceito que a disciplina tem "se preocupado cada vez mais em limitar, especificar, enfocar e conter", buscando uma "dimensão justa " de abordagem. Na perspectiva do autor citado, o conceito de cultura é "essencialmente semiótico " e está relacionado às "dimensões simbólicas da ação social". Aos "sistemas entrelaçados de signos interpretáveis", de símbolos que permitem aos indivíduos e aos grupos sociais a interpretação e a orientação de suas ações e que lhes proporcionam uma identidade social.

Geertz (1989: 15) assume a antropologia, portanto, "não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura de significados ".

A cultura embebe tanto as representações de saúde e doença quanto as representações terapêuticas (Helman, 1994). Ao conceito de cultura, portanto, na antropologia médica, são pertinentes as formas sociais de expressão da doença, os modos de prevenção e enfrentamento da doença, e a escolha dos meios de tratamento. Além do que, os hábitos, costumes e crenças que participam da vida humana, das formas de se viver, orientam certas práticas alimentares e religiosas, certos padrões de organização familiar e comportamentos que interferem positiva ou negativamente na saúde.

A epidemiologia, por sua vez, persegue o experimento e o artifício da quantificação, e tem sido definida como o estudo da distribuição da doença e de seus determinantes em populações humanas. Embora a base de certos conceitos que a integram, como os de endemia e epidemia, tenha sido estabelecida pela medicina grega hipocrática, nos séculos V e IV a.C, em referência às doenças que habitam um lugar e às que o visitam, a epidemiologia precisava da estatística e da clínica para contar e medir a ocorrência das doenças nas populações humanas.

A estatística apareceu com a necessidade dos Estados nacionais mercantilistas do século XVII de contarem suas populações para mensurar suas riquezas e seu potencial bélico. E a clínica médica, com sua base classificatória pautada na com binação de sintomas, sinais e localizações anatômicas, como revelou Foucault (1977), nasceu entre os séculos XVIII e XIX, dentro dos hospitais já transforma dos em recursos terapêuticos e educacionais pelos revolucionários franceses. Uma base classificatória à qual o saber clínico agregou posteriormente, no decorrer do século XIX, os critérios de mensuração estatística de normal e patológico da fisiologia de Claude Bernard (Canguilhem, 1990).

Pensar desta forma a epidemiologia não é, no entanto, desconhecer a sua formação histórica própria enquanto disciplina do coletivo, fundamentada nos movimentos médico-sociais do século XIX. As características que devem distinguila da clínica em função do modo como seu objeto deve ser percebido neste coletivo das populações humanas, do modo como, no entender de Ayres (1993), deve ser apreendida a substância social do seu objeto.

Inicialmente voltada para as doenças infecciosas (Frost, 1941), a epidemiologia incorporou as doenças não-infecciosas (MacMahon et ai, 1965), enquanto as novas doenças de massa características do envelhecimento populacional do século XX, e, posteriormente, a avaliação de serviços e tecnologias de saúde (Acheson, 1975) e os agravos resultantes das diversas formas de violência.

Como aponta Almeida Filho (1989: 19, 20), para estudar estas ocorrências, o "raciocínio epidemiológico " acompanha a ciência moderna, e "traduz a lógica causai em termos probabilísticos (...) adotando e desenvolvendo o método observacional aplicado à pesquisa em populações (grifos no original)". Assim, segundo o autor, o termo "observacional" caracteriza a estratégia comparativa da disciplina e o termo "probabilístico " a sua disposição quantitativa.

Na busca de uma relação causal a epidemiologia procura associações estatísticas entre os possíveis fatores determinantes e a ocorrência de doenças em populações humanas. Fatores biológicos próprios das doenças são combinados a outros determinantes que podem estar entre as características individuais dos membros das populações estudadas, como sexo e idade, características sócioeconômicas, como renda e profissão, geográficas, relacionadas às formas de ocupação do espaço, e outras ligadas à cultura, aos hábitos e comportamentos.

Para compor este processo de investigação, foi modelada na década de 1950 a idéia probabilística de risco. Termo que passou a adjetivar os fatores determinantes, denominados a partir de então de fatores de risco.

O objetivo da disciplina, em linguagem estatística, é investigar comparativamente a distribuição destes fatores na população, identificando também os indivíduos doentes. As associações estatísticas encontradas fundamentarão a provável determinação da ocorrência da doença, orientando, então, a aplicação de medidas para controlá-la.

Assim, em sua pretensão de controle, a epidemiologia tem como "compromisso fundamental (...) a produção de conhecimento em si" sobre "padrões de distribuição da ocorrência de doenças em populações ". Algo que, por si só, já admite o seu envolvimento com um social, expresso na ambição de lidar com populações humanas. E é nesta perspectiva de conhecer antes para, então, controlar, que se insere a intenção de prever. Uma intenção que, num sentido mais amplo, é parte fundamental do projeto científico moderno como um todo.

O que deve ser examinado, então, em relação à epidemiologia, é a consistência entre a pretensão de controlar e prever ocorrências e a forma como se estrutura diante do projeto de investigar o adoecer das populações humanas. E, mais especificamente, como ocorreria a assimilação dos aspectos culturais e a compreensão de suas relações com o adoecer humano, na perspectiva de uma atuação interdisciplinar com a antropologia. Sendo necessário, para isto, reavaliar o propósito básico da epidemiologia moderna, qual seja o de estabelecer leis universais quanto às relações entre exposições e doença, baseadas em estudos de base amostral/probabilística, independentes do contexto em que estas relações se dão.

Aliás, diversos representantes da epidemiologia anglo-saxônica começam a admitir as limitações da abordagem desta disciplina diante da profusão de estudos inconclusivos para o estabelecimento de fatores de risco de doenças a determinadas exposições. Os comitês editoriais de publicações médicas importantes, como o Lancet e o New England Journal of Medicine, começam a discutir critérios que envolvem, além de aspectos de rigor metodológico, os resultados obtidos - a magnitude do risco relativo encontrado (acima de três ou quatro) - para justificar a publicação do trabalho. Argumenta-se que os problemas de controle de erros sistemáticos (vieses) e confounding (variáveis de confusão ou confundimento) muitas vezes, incontornáveis. E, mesmo quando não parecem haver falhas a este respeito, os achados devem ser muito significativos para serem divulgados (Taubes, 1995). Parece, assim, que na impossibilidade de uma contextualização social consistente no estudo dos estados de saúde nas populações, a epidemiologia preocupa-se cada vez mais em apurar seus métodos de desenho, análise e interpretação através de um controle rigoroso de erros.

O modelo implícito nesta proposta mencionada parece muito mais o de uma toxicologia humana que o de uma eco-antropo-biologia humana (como diria Edgar Morin), que procuraria compreender o adoecer coletivo humano numa perspectiva complexa. Um questionamento pertinente diante de tal proposta é apresentado por Wing (1994: 74) ao discutir estudos epidemiológicos referentes à dose-resposta entre radiação e câncer, quando afirma, ao nosso ver, com razão, que as "relações exposição-doença não são fenômenos auto-contidos, homogêneos ou independentes (...)", e, assim, "constituem-se em objetos inadequados da ciência epidemiológica ".

Pontos de afastamento entre a epidemiologia e a antropologia: "essa danada da molesta"

De maneira geral, podem ser encontradas concordâncias, ainda que não completas, sobre os pontos de afastamento entre a epidemiologia e a antropologia (Dunn & Janes, 1986; Nations, 1986; Lupton, 1993; Shiller et al, 1994; Uchôa & Vidal, 1994; Inhorn, 1995).

Considerando com primazia a epidemiologia, dois destes pontos de afastamento parecem ser os principais. Um diria respeito à natureza quantitativa da pesquisa epidemiológica, que suportaria a dicotomia quantidade/qualidade em relação à natureza qualitativa da pesquisa antropológica. Outro seria a visão epidemiológica da doença humana, que privilegia a taxonomia clínica, da biomedicina ocidental por excelência -diseases, e despreza as representações, o ponto de vista do paciente -illnesses, e da ordem sócio-cultural -sicknesses, domínios dos aspectos simbólicos privilegiados pela antropologia, onde residiria a singularidade mais rica dos indivíduos e das culturas.

Vale salientar que a perspectiva clínico-epidemiológica constrói o fenômeno dito doença a partir de modelos de raciocínio causal baseados em uma evolução de eventos onde os elementos semiológicos (respectivos sinais e sintomas) são decorrentes de uma entidade nosográfica, que surgiu a partir de processos considerados patogênicos, em função de uma etiologia (Rizzi & Pedersen, 1992). O diagnóstico clínico, no entanto, conforme as circunstâncias, não consegue estabelecer satisfatoriamente todos estes níveis, e com isto a própria definição diagnóstica fica determinada por tais contingências. Há situações em que é possível delimitar a etiologia (na meningite meningocócica); em outras, parte-se dos mecanismos patogênicos (no saturnismo); ou, tão-somente, é viável pensar em termos manifestacionais (na doença hipertensiva).

A taxonomia clínico-epidemiológica tende a ser monotética, ou seja, baseiase na lógica formal, onde a explicação de um dado conceito se prende à sua definição unívoca - que só é possível mediante a identificação de propriedades/ atributos/características comuns a todos os elementos incluídos no conceito (Vineis, 1993), de modo a trazer homogeneidade e, portanto, alguma ordem (possível) ao mundo multifenomênico.

Os problemas para a definição diagnóstica se tornam cruciais quando não é possível ordenar com precisão os fenômenos sob nenhuma das citadas categorias, como sucede em muitas entidades psiquiátricas. Aliás, é importante frisar que estas impropriamente ditas doenças mentais nunca não foram agrupadas na língua inglesa sob a rubrica disease, mas, sim, illness. Deste modo, passa-se a utilizar com frequência na linguagem especializada a designação portuguesa transtorno nas tentativas de nomear os fenômenos em questão.

Uma possibilidade interessante seria utilizar a palavra moléstia. Esta diz respeito tanto a sofrimento físico como moral. "Molestado " também pode significar "maltratado " e nada mais apropriado para designar as formas de tratamento dispensadas, em geral, a grandes contingentes de nossa população. Idéia que pode ser associada, por vizinhança semântica, às formas de terapêutica muitas vezes inadequadas (para não dizer lesivas) em virtude de um emaranhado de fatores que incluem precariedade das condições de trabalho (em termos financeiros, materiais); despreparo técnico; negligência profissional, entre outros aspectos, (perdoem-nos o chiste: parece ficar pairando uma atmosfera de justificação da firmeza/rigor das ciências humanas e sociais ante os supostos sobrolhos de crítica dos pesquisadores "duros", a ponto de imaginar uma intervenção picaresca: são moles ou querem mais?!)

Atualmente, diante das complexas relações epidemiológicas, sócio-econômicas, culturais, biológicas (tanto ecológicas como evolucionárias), entre outras que envolvem indivíduos e seu entorno, as infeções emergentes (onde a febre hemorrágica pelo vírus Ebola se tornou o paradigma) vêm sendo consideradas como resultantes de desequilíbrios nestas interações. Sob esta ótica, não é mais suficiente considerar as enfermidades humanas, mas, o fenômeno adoecimento de modo abrangente, com outros modelos para sua conceptualização. Aliás, sob este aspecto, o termo moléstia se mostra pertinente, pois também diz respeito a doenças de plantas e animais, suposta origem das novas doenças infecciosas.

Assim, é realmente possível que a taxonomia nosográfica, ao classificar as doenças em infecciosas, ambientais, psicossomáticas/auto-imunes, genéticas e degenerativas, permaneça válida somente em relação a um número bem delimitado de situações (Levins et ai, 1993). Nesta perspectiva, sem julgar o mérito específico de tal idéia, algo que fugiria aos objetivos deste texto, vale citar a proposta do Institute of Medicine (Lederberg et ai, 1992) norte-americano segundo a qual as infeções ditas emergentes podem ser categorizadas conforme os fatores responsáveis por sua eclosão (demográficos; comportamentais; tecnológico-industriais; relativos ao desenvolvimento da agricultura e uso da terra; relativos a deslocamentos populacionais - viagens e comércio; capacidade de adaptação e mutação microbiana; falência de medidas de saúde pública), ao invés de fazê-lo por tipo de agentes (vírus, bactérias, protozoários, fungos, helmintos).

Embora não seja nossa intenção mergulhar mais profundamente na intrincada discussão a respeito da pertinência dos conceitos e definições de doença e suas taxonomias5, alguns comentários ainda se fazem necessários quanto à possível contradição de propósitos nas concepções de doença, de saúde e de assistência à saúde. Há evidências da disposição de idéias distintas sobre cada um destes aspectos conforme as circunstâncias, os lugares e papéis assumidos (Seedhouse, 1993). Por exemplo: a instância responsável pela alocação de recursos para a saúde vis a vis instâncias encarregadas pela prestação dos serviços; o médico em relação ao paciente; o serviço público de saúde versus o particular, o clínico em comparação com o epidemiologista.

Considerando o nosso tema central de discussão, qual seja o da atuação conjunta da epidemiologia e da antropologia, alguns autores propõem uma inversão de pontos de vista ao sugerirem que, a rigor, a categoria disease, mais bem definida, seria um caso particular da categoria illness - que pode ser traduzida por moléstia - sensação difusa de haver algo desagradável, incômodo (perceber-se molesto). Esta, sim, constituir-se-ia, por hipótese, na ponte teórica entre as instancias epidemiológicas e antropológicas. E, seria, talvez, o objeto de estudo de urna "etnoepidemiologia" (Almeida-Filho, 1992: 111), que poderia configurarse na interdisciplina possível resultante da conjunção destes campos disciplinares...

Porém, nesta nossa incursão no diálogo interdisciplinar, restam difíceis questões metodológicas para serem apreciadas, como a que se refere às características das unidades de estudo ou observação, com os epidemiologistas trabalhando amostras populacionais probabilísticas, um número maior de indivíduos, e os antropólogos mais preocupados com abordagens dirigidas ao nível do pessoal, com as decorrentes formas distintas de colher, processar e analisar as informações. A epidemiologia prefere a padronização de dados extraídos de fontes secundárias ou através de procedimentos ad hoc onde a preocupação maior é a de controlar as respostas, normatizá-las, enquanto a antropologia busca a interpretação de narrativas, procurando se aprofundar nos elementos simbólicos contidos nos discursos.

Na medida em que trabalham com "grandes agregados populacionais " definidos segundo critérios de "limites" geográficos, administrativos ou demográficos, os epidemiologistas, no entender de Dunn & Janes (1986: 7), não "assumem" verdadeiramente o relacionamento interpessoal, pois se orientam apenas pelas variáveis epidemiológicas clássicas como "sexo, idade, local de residência, etc.". Para os autores, a epidemiologia, desta forma, operaria uma abordagem "horizontal", ao passo que os antropólogos operam uma abordagem profunda, "vertical". Com um ponto de vista semelhante, Barreto & Alves (1994: 134) opinam que a epidemiologia, por se fundamentar em pressupostos estruturais funcionalistas, desconhece o que integra e conforma o coletivo, onde "os indivíduos constantemente monitoram suas ações em processos interativos, negociando, adaptando e modificando significados e contextos, assegurando a si mesmos e aos outros a validade destas ações ".

No que se refere à coleta de dados, vale assinalar observações de Nations (1986) a partir de suas investigações realizadas no Ceará, no interior do Brasil, na primeira metade dos anos 1980. A autora, através de abordagens antropológicas de entrevistas domiciliares, encontrou diferenças importantes em relação ao número de óbitos de crianças constantes dos registros oficiais e ao número de casos de diarréia, também em crianças, computados por um estudante de medicina envolvido em uma pesquisa realizada no local.

Quanto aos óbitos, Nations (1986) aponta que o sub-registro oficial pode estar relacionado às mortes de recém-nascidos, "anjinhos" ("angelinhos" na publicação original), que são consideradas pela população local como coisas mais afeitas à Deus que aos médicos, sendo as crianças encaminhadas às "rezadeiras " e, quando morrem, enterradas clandestinamente, escapando aos registros oficiais. Já no caso da morbidade por diarréia, Nations percebeu em seus estudos, nas narrativas que ouviu, que as perguntas do estudante de medicina eram respondidas negativamente justamente porque ele inquiria sobre diarréia e não, por exemplo, sobre "quenturc," ( "quintura " na publicação original) no intestino, uma representação local de diarréia. Continuando, a autora citada chama a atenção para as implicações destes fatos na composição dos indicadores de mortalidade e morbidade e indaga, com referência ao estudo das doenças infecciosas, seu objeto de atenção, se o "rigor" pretendido pela epidemiologia não poderia, na realidade, significar um "rigor mortis " da própria pesquisa epidemiológica. Um questionamento que, sem dúvida, poderia ser colocado para a prática epidemiológica como um todo.

É interessante, agora, pensar a questão do risco epidemiológico que está imbricada na distinção dos olhares da epidemiologia e da antropologia. Sobre isto Lupton (1993) afirma que, apesar do conceito de risco ser originalmente utilizado com referência à probabilidade estatística da ocorrência de um evento, ele está cada vez mais, na atualidade, ligado à idéia de perigo. Em saúde pública, explica Lupton, são usados dois discursos sobre o risco. O primeiro diz respeito à exposição de populações aos riscos ambientais, como poluição e lixo nuclear, e o segundo enfoca o risco dos estilos de vida conformando livres-escolhas pessoais, opções individuais de vida.

Shiller et al. (1994), por sua vez, apontam que um determinado uso do conceito de cultura pela epidemiologia na definição de "grupos de alto risco " para a AIDS, tem conduzido a um processo de isolamento das pessoas incluídas nesta categoria. Os autores revelam resultados de uma pesquisa realizada em 1988 com portadores do vírus da AIDS de New Jersey, e chamam a atenção para o fato de que a maioria destes não apresenta os comportamentos estereotipados atribuídos pelas rotulações do risco epidemiológico da doença. Assim, esta marginalização e este distanciamento impostos às pessoas pertencentes aos grupos de risco para a AIDS constituem, na verdade, uma forma de considerá-las já doentes, e, portanto, um risco para os que não o são. Trata-se de uma consideração preconceituosa do "outro ", do "diferente ", que perde, então, sua referência em relação à população em geral. A idéia de cultura, nesta perspectiva de uma epidemiologia da AIDS, seria uma forma de colonização de populações "exóticas" e distantes, cujo propósito é submetê-las, subordiná-las aos padrões dominantes.

Convém neste momento da discussão reportar que, no âmbito de sua antropologia interpretativa, Geertz (1989) assinala que está na perspectiva da visão da cultura como um emaranhado de signos interpretáveis, a aproximação dos povos. Pois, na medida em que se investiga o exótico, compreende-se seu contexto e reconhece-se sua lógica particular de tal forma a respeitá-la, a incluí-la no contexto mais geral do mundo. Como diz Geertz (1989:24), "compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir a sua particularidade ", o que torna os exóticos, os diferentes "acessíveis (...) dissolve sua opacidade". Desta forma, o preconceito em relação ao outro, ao diferente, também se dissolve.

Depreende-se desta discussão sobre a assimilação do exótico pela antropologia, que a culpabilidade, implícita na ligação entre risco e estilos de comportamento e embutida no conceito/preconceito de risco epidemiológico, deriva de uma elaboração equivocada da noção de cultura por parte da epidemiologia. Um aspecto também envolvido com a diferença das visões de doença operadas pela epidemiologia e pela antropologia.

Uma evidência desta questão aparece nos discursos preventivistas de Educação em Saúde a partir das evidências epidemiológicas em relação ao hábito de fumar - um dos (relativamente poucos) exemplos de eficácia do modelo etiológico da epidemiologia aplicada a doenças crônico-degenerativas, no caso do câncer de pulmão. Apesar das dificuldades desta disciplina em propor leituras contextuais de tais situações, em especial, no que se refere ao estabelecimento de responsabilidades pela adoção de estilos de vida arriscados. Neste caso, o chamado comportamento de riscc pode estar nitidamente ligado a um dimensionamento sóciocultural eticamente duvidoso, pelo qual determinadas escolhas são encaradas como estritamente individuais e refletem modos irresponsáveis de levar a vida (ou de se deixar levar pelas tentações veiculadas pela publicidade de uma sociedade de consumo).

Por outro lado, deve ser acrescentado ainda neste aspecto da atribuição do risco de adoecer pelos epidemiologistas, que a mencionada abordagem "horizontal" (Dunn & Janes, 1986) preferida pela epidemiologia em detrimento do aprofundamento e da percepção das inter-relações humanas, promove uma superficialização imprópria da questão da especificidade dos gêneros. E gênero, diga-se, é parte central da apreciação do adoecer humano pela antropologia médica (Helman, 1994).

É o que nos mostra Pinch (1994), em uma abordagem "feminista " da "transmissão vertical" da AIDS, onde esclarece a especificidade da situação da mulher diante, por exemplo, da possibilidade de transmitir a doença ao feto, ou, sendo ou não portadora do vírus, das suas responsabilidades para com a família e os filhos quando a doença de algum modo atinge os seus. A sociedade tem imposto à mulher uma série de encargos e papéis sociais específicos que permeiam a construção de seu universo simbólico e, na medida em que a AIDS adentra o cotidiano, transcendendo os antigos grupos de risco, a posição da mulher tem que ser considerada também de modo específico. Com seus valores próprios, sua concepção de realidade e sua forma de relacionamento especial com o mundo, suas maneiras de negociar a evasão das normas e a adesão aos padrões sociais. Coisas, enfim, de importância fundamental para o conhecimento epidemiológico da AIDS e para uma visão mais coerente da contribuição social feminina, e que podem passar, ou certamente passam despercebidas, quando a epidemiologia homogeneiza populações e padroniza comportamentos, omitindo a questão dos gêneros, na atribuição dos riscos.

Neste sentido, no âmbito da epidemiologia, o "homem dos riscos ", bela elaboração teórica de Almeida Filho (1992: 144), seria melhor visto (para além das querelas politicamente corretas) como o ser humano dos riscos, homem ou mulher, e dever-se-ia relevar nesta última construção a presença feminina de forma a compreender sua especificidade.

É evidentemente importante considerar a problemática do "patriarcado" que cerca a ciência, e que, no dizer de Capra (1988: 27), "tem influenciado nossas idéias mais básicas acerca da natureza humana e de nossa relação com o universo ". Algo tão presente que "tem sido extremamente difícil de entender por ser totalmente preponderante ".

Uma ilustração significativa desta questão é apresentada por Castro & Bronfman (1993: 387, 388) ao apontarem, a partir da leitura de Treichler (1990) e Martin (1987), o "discurso patriarcal" que suporta a construção do "saber médico ". Os autores mostram como a reprodução humana é encarada nos manuais médicos como um fenômeno biológico mecânico e o parto é definido através do ponto de vista da presença do médico que viabiliza a "expulsão " ou "extração" do nascituro (aspas e grifos no original). Além disto, a descrição do processo menstrual utiliza expressões que sugerem o malogro de uma fecundação que não ocorreu, algo que fracassou em seu propósito, ocorrendo a "degeneração" do corpo lúteo, "declínio" dos níveis hormonais, "espasmos" dos vasos sangüíneos endometriais, "descarga " de sangue, e, por sua vez, a espermatogênese consistiria em um processo "extraordinário", "surpreendente ", de "magníficas" dimensões (aspas no original).

Já no âmbito da epidemiologia; outro sugestivo exemplo desta tendenciosidade é apontado por Faerstein (1989) ao considerar a construção de categorias relativas às práticas e hábitos supostamente ligados ao câncer genital feminino. A partir da revisão de trabalhos que procuram mostrar a associação estatística entre câncer cérvico-uterino e "promiscuidade"/"precocidade sexual", o citado pesquisador assinala como tais categorias se prestam para interpretações preconceituosas em diferentes contextos culturais. O próprio termo "promiscuidade " parece vincular-se mais com modos femininos (e homoeróticos) de lidar com a sexualidade. Os homens, como aponta Faerstein, em circunstâncias correspondentes, apresentariam "sexualidade mais pronunciada" ou "maior energia sexual".

Há pertinência em muitas críticas formuladas pela teoria feminista quanto aos possíveis vieses propiciados pela visão patriarcal nas ciências, em geral, e nas ciências sociais, em particular. O mito do objetivismo, com suas técnicas empiricistas e quantitativas teria levado o modelo positivista nas ciências humanas a um paroxismo improfícuo. Torna-se, assim, complexa a discussão epistemológica que, por um lado, vincula idéias de "natureza, corpo, subjetividade, domínio privado, sentimentos, emoções e reprodução sob a identidade genérica feminina e os conceitos de cultura, mente, objetividade, domínio público, pensamento, racionalidade e produção sob a identidade genérica masculina " (Castro & Bronfman, 1993: 389), e, por outro, atribui aos métodos qualitativos a possibilidade de trazer outra forma de conhecimento para além das limitações das propostas quantitativas (referidas estas últimas ao modo mais masculino de abordar o real). Tal polarização, se, em certa medida, corre o risco de se mostrar limitada como proposta consistente de avanço nas modalidades do fazer ciência, serve para a importante função de chamar a atenção para tendenciosidades nas formas predominantes de construção de fatos científicos, especialmente no campo da saúde.

Talvez não seja absurdo (apesar da possível reação trocista que tal afirmação possa suscitar) cogitar que tenha chegado o momento de pensar nas possíveis distorções oriundas das enunciadas características dominantes do projeto epidemiológico, consideradas como de gênero masculino -objetividade, controle, quantificação, racionalidade...

Comentários finais

A ciência, sempre se disse, parece embutir um paradoxo: quanto mais se conhece, menos se sabe. A evolução do conhecimento humano revelou a complexidade das coisas. De qualquer modo, nas palavras do biólogo inglês Brian Godwin, "não explicamos as coisas, em ciência. Nós nos aproximamos do mistério" (Lewin, 1994: 47).

No entanto, é essencial dar-se conta da ambigüidade desta ponderação. Ou seja, refletir sobre se é verdade, de fato, que as ciências nos trouxeram mais próximos da solução dos grandes mistérios da vida e da existência humana. Por um lado, as ciências indiscutivelmente proporcionaram explicações importantes que eram desconhecidas, e, por outro, as questões da condição humana e do sentido da existência ainda são problemas, que aparentemente se intensificaram diante do enfraquecimento das narrativas sustentadoras de matrizes culturais de identidade como eram os discursos de caráter religioso. Não há como negar o papel das ditas tecnociências na construção deste quadro. Propiciaram condições para alterar consideravelmente nossos modos de levar a vida, trazendo, inclusive, novas configurações a nossas culturas e, por extensão, novas formas de constituição de subjetividades e modos de adoecer. A incerteza e a insegurança do indivíduo contemporâneo se manifesta em seu cotidiano e não lhe dá motivos para confiar no valor do pensamento científico.

No que diz respeito à combinação entre a epidemiologia e a antropologia, como foi dito, a questão central está nas relações da cultura, objeto antropológico por excelência, com o adoecer das populações humanas. Ou, mais exatamente, nas relações entre a cultura e o objeto da epidemiologia, definido por Almeida Filho (1989: 16, 17; 1992: 50) como "doentes em populações".

No entanto, é justamente da cultura, do possível ponto de contato entre a epidemiologia e a antropologia, que derivam os pontos de afastamento entre as disciplinas. Perceber e transpor os obstáculos da dicotomia quantitativo/qualitativo e das visões diferentes sobre doença/moléstia (a questão disease x illness), implica para a epidemiologia em como assimilar a cultura. E esta assimilação, este entendimento da cultura, nos conduz, então, à própria essência do projeto científico de cada uma das disciplinas.

A epidemiologia, apesar da natureza de suas bases fundamentais estar em parte localizada na medicina social do século XIX, trilhou o caminho do alinhamento quantitativo com as ciências duras, de bases experimentais e estatísticas, e linguagem matemática por excelência. E, neste trajeto, opera uma contagem de casos suportada pelas classificações clínicas, seguindo uma lógica biomédica.

Por outro lado, tal não é o projeto da antropologia, ou pelo menos da parte dela que está sendo considerada aqui, de sua vertente interpretativa representada por Clifford Geertz, que privilegia o universo simbólico na construção da cultura. Ainda que uma perspectiva de quantificação faça parte da antropologia e venha mesmo penetrando nesta sua corrente interpretativa buscando formas, por exemplo, para decodificação de entrevistas, e isto represente um esforço de classificação, o projeto essencial da disciplina não é numerar casos de doença e contálos, mas situá-los histórica e culturalmente e interpretá-los. Assimilá-los como parte da experiência do mundo vivido.

Neste sentido, deve ser lembrado o que Canguilhem (1990: 85) diz a respeito da distinção entre o "normal" e o "patológico ". Para este autor, "a quantidade é a qualidade negada, mas não a qualidade suprimida", e, no âmbito do conhecimento humano, entre a quantidade e a qualidade, "a oposição se mantém no fundo da consciência que decidiu adotar o ponto de vista teórico e métrico ".

Especificamente no que diz respeito a questões como o racismo e a xenofo bia, Todorov (1992: 121) aponta que "o melhor resultado de um cruzamento de culturas é muitas vezes o olhar crítico que volvemos para nós mesmos, e que não implica, de forma nenhuma, a glorificação do outro". Certamente esta afirmação pode muito bem servir aos epidemiologistas para que assumam uma percepção crítica em relação à culpabilidade e ao preconceito que podem envolver a consideração do risco epidemiológico e sua imbricação com a cultura.

Como em outras áreas, entre os epidemiologistas existirão sempre os extremos, aqueles que se embriagam com a exclusividade dos métodos quantitativos e os que se entregam ao encantamento de áreas como a sociologia e a antropologia.

Certamente os primeiros são os mais numerosos. Do meio-termo, sem pragmatismos que deformem o conhecimento, deve surgir uma epidemiologia mais companheira das populações que estuda.

Coloca-se, portanto, a questão de que interpretar narrativas e discursos, manusear símbolos, e explorar aí as relações dos elementos culturais com o adoecer das populações, deva ser, certamente, uma tarefa árdua para os epidemiologistas, ainda que haja disposição para isto. Ainda que haja a abertura para a interdisciplinaridade apontada no início deste texto, explorar estas relações significa, antes de tudo, trabalhar com a singularidade dos símbolos, operar com elementos indisciplinados, borrados demais para uma disciplina como a epidemiologia que sempre perseguiu a precisão dos números.

Como aponta Helman (1994: 265), "os fatores culturais, quando identificados, não são fáceis de quantificar, e, por isso, são menos atraentes aos epidemiologistas médicos e aos estatísticos ". E quando Almeida Filho (1992:36) imagina o epidemiologista perguntando ao antropólogo: "Será que você pode nos dar algumas variáveis sócio-econômicas mensuráveis? "

Aceitando-se a complexidade das coisas e a necessidade das colaborações entre disciplinas deve-se, então, falar de interdisciplinaridade ou considerar uma relação de combinação mais simples, mais frouxa, entre a epidemiologia e a antropologia?

No entender de Japiassu (1976: 72, 73), no espaço de combinação de disciplinas, existiria uma " multidisciplinar idade ", que evocaria somente uma "justaposição " num trabalho determinado, sem a necessidade de uma atuação coordenada de equipe. Afirma o autor que:

"Quando nos situamos no nível do simples multidisciplinar, a solução de um problema só exige informações tomadas de empréstimo a duas ou mais especialidades ou setores do conhecimento, sem que as disciplinas levadas a contribuírem por aquela que as utiliza sejam modificadas ou enriquecidas ".

Se optarmos, então, por uma multidisciplinaridade, ao invés de uma interdisciplinaridade, estaremos, certamente, estabelecendo relações intermitentes e provisórias, ainda que momentaneamente complementares, onde nenhuma das disciplinas reconhece a outra. Há apenas uma utilização mútua onde concepções diversas de mundo e realidades podem muito bem conviver sem grandes arranhões em suas estruturas específicas. Algo bem ao jeito da epidemiologia, em sua tenacidade positivista que despreza a essência e os conflitos, o poder transformador do confronto das idéias e da negociação científica.

De outra forma, se, da parte da epidemiologia, domínio mais próximo deste texto, optarmos pela interdisciplinaridade, estaremos nos colocando novos problemas e buscando novas soluções, surgidos justamente do diálogo interdisciplinar.

Assim, colocar a discussão em termos de definições (ou mesmo de transferências) metodológicas - qualitativas x quantitativas, é empobrecer a questão. Se a pesquisa em Saúde Coletiva deve assumir uma preocupação com as interações mente/corpo/sociedade responsáveis pelo adoecimento das populações, não há razão para estabelecer uma primazia de métodos em detrimento de outros. Os objetos de estudo neste campo podem demandar técnicas e métodos específicos para os quais se mostram mais responsivos e apropriados. É preciso ter claro que, muitas vezes, as discussões metodológicas encobrem lutas de poder e controle corporativo (Baum, 1995).

Portanto, enxergar outras representações de saúde e doença, admiti-las na coleta de dados, construir novas taxonomias incorporando a interpretação das narrativas, situá-las no contexto histórico social e cultural, reconhecer os rituais, perceber a diversidade dos gêneros e grupos sociais no âmbito da "singularidade do adoecer humano" (Castiel, 1994) e considerá-la no coletivo das populações, devem ser algumas das questões a serem pensadas.

Devemos harmonizar os equipamentos mentais, redimensionar valores no âmbito científico sem, evidentemente, prejuízo dos princípios humanitários que devem reger toda a ciência. Identificar preconceitos e caminhar na exploração de outras áreas significa admitir uma ética que respeite as minorias étnicas e sociais e encare com seriedade os valores ecológicos.

Obviamente, o território interdisciplinar tem limites sutis, mas que somente podem ser transpostos se visualizados. Neste sentido, a interdisciplinaridade se alimenta de si mesma, de sua própria prática, e se constrói sobre seus próprios passos.

Temos, então, que penetrar no desconhecido e há nisso o perigo e o medo da inutilização pelo exercício de um enciclopedismo inconseqüente, redundante, tautológico. Algo que só pode ser evitado através de uma prática orientada para objetivos definidos, apreendidos, dimensionados e reconhecidos pelos pesquisadores envolvidos, e forjados na absoluta necessidade de se conhecer e não na mera predisposição de se movimentar aleatoriamente na suposição enganadora de assim nos libertarmos das amarras disciplinares impostas pela ciência.

Empresa difícil? Certamente muito, é fato. Mas, um projeto utópico? Quem sabe? Saberes e utopias são construções humanas, se revelam ao sabor dos tempos, com o caminhar das sociedades. Para Dunn & Janes (1986: 21), a "complexidade dos determinantes e o conhecimento da existência dos fatores subjetivos têm conduzido alguns epidemiologistas pioneiros (...) para além do simples, do mundo não-complicado da antiquada epidemiologia". A "antiquada" epidemiologia, ao que poderia ser acrescentado: positivista, empiricista, homogeneizadora e pretensamente neutra. E, assim, no âmbito do que os autores referidos definem como domínio de uma "ecologia médica " estariam abertas as portas aos antropólogos.

Este deve ser realmente um caminho promissor para o trabalho interdisciplinar entre epidemiologistas e antropólogos, pois, ao pensar sobre a escolha de um futuro para a epidemiologia, é na construção de uma "eco-epidemiologia" que Susser (1996a, 1996b) enxerga o reconhecimento da complexidade que envolve o adoecer das coletividades humanas e a ultrapassagem do "paradigma da caixa preta", característico da epidemiologia dos fatores de risco que surgiu com o estudo das doenças crônicas, em meados do século XX. Para Skrabanek (1994), na esperança de revelar causas desconhecidas de doenças, a epidemiologia da caixa preta associa estatisticamente exposições a fatores de risco com ocorrência de doenças sem que importe neste contexto qualquer formulação de hipótese ou plausibilidade biológica, transformando, então, através de um exercício de prestidigitação, achados fortuitos em relações causais. Desta forma, acrescentamos, na epidemiologia dos fatores de risco, do paradigma da caixa preta, o estudo do adoecer das populações humanas se dá numa perspectiva de evidente descontextualização histórica, social e cultural absolutamente inadequada para o trabalho interdisciplinar que buscamos. Pelo que, este é um paradigma que deve ser in(ter)disciplinarmente transgredido (com o rigor da indisciplina) numa atuação conjunta e conseqüente de epidemiologistas e antropólogos.

De qualquer modo, sejam quais forem os locais de encontro, ou mais claramente, de trocas e negociação entre epidemiologistas e antropólogos, admitir como científica a participação na interpretação da aventura humana é um dilema que se apresenta hoje à epidemiologia.

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Notas

1 Seguimos, aqui, a sugestiva expressão enunciada pela epidemiologista Zulmira M. de A. Hartz.

2 Segundo Moles, há três categorias do "impreciso": 1) Fenômenos instáveis, complexos (sensíveis às condições iniciais) que fazem com que seja grande o erro probabilístico em suas determinações (ex.: fenômenos meteorológicos) ; 2) Falta de técnicas apropriadas de medida para determinados fenômenos (ex.: medir a generosidade de uma ação); 3) Fenômenos vagos por natureza, cujos conceitos que os delimitam são também vagos (ex.: aqueles referentes à esfera emocional humana). Ver Moles (1995).

3 Perdoem-nos o chiste: parece ficar pairando uma atmosfera de justificação da firmeza/rigor das ciências humanas e sociais ante os supostos sobrolhos de crítica dos pesquisadores "duros", a ponto de imaginarmos uma intervenção picaresca: são moles ou querem mais?!)

4 Aproveitamos, aqui, a idéia de "perdição" expressa pelo filósofo Clement Rosset, referindo-se ao estado onde nada é situável, onde não há referenciais qualitativos ou quantitativos que definam a priori categorias e escalas de ordenação e mensuração. Apenas intuições, sensações, indícios, aproximações. Ver Rosset (1989).

5 Para isto ver número temático a este respeito da Theoretical Medicine v. 14, n.4, 1993.