Psicoterapia, depressão e morte no contexto da AIDS
Introdução
A AIDS, por ser uma doença transmissível e letal, traz à cena uma série de questões que ultrapassam a esfera biomédica e dizem respeito aos aspectos sociais e culturais dos diferentes grupos atingidos pela epidemia. Os veículos de transmissão do vírus - sangue, esperma e leite materno - são os mesmos que, tradicionalmente e em diferentes sociedades, aparecem associados à vida. Mais que responsáveis pela vida, estes fluidos corporais são definidores de identidade individual e de relações sociais - relações de filiação, consangüinidade, parentesco (Balandier, 1988; Héritier, 1992; Thomas, 1991). A AIDS representa, assim, uma ameaça não apenas à vida das pessoas infectadas pelo HIV, mas coloca em questão, para retomar uma expressão consagrada por Héritier, algumas das "imagens arcaicas" da própria sociedade, isto é, os elementos e representações a partir dos quais se estabelecem as relações sociais.
O fato de ser, até o presente momento, uma doença incurável e mortal, faz da AIDS um objeto privilegiado de estudo tanto para as chamadas ciências médicas (infectologia, farmacologia, epidemiologia.) como para as ciências sociais (sociologia, antropologia, ciência política) e comportamentais (psicologia, psiquiatria). As ciências médicas, embora ainda não tenham encontrado a cura da doença, já obtiveram um considerável avanço no seu tratamento e no conhecimento dos mecanismos de ação do vírus no organismo humano. Pelo viés das ciências sociais, diferentes trabalhos têm demonstrado a importância dos fatores sociais, econômicos e culturais das sociedades e grupos sociais em questão para o entendimento dos caminhos seguidos pela epidemia e para a maior eficácia das campanhas de prevenção1. Já nas ciências comportamentais, a ênfase parece se dar nas complicações psicológicas e/ou psiquiátricas decorrentes da infeção pelo HIV e na urgência de tratamento destas a fim de garantir uma melhor qualidade de vida aos pacientes2.
As preocupações destas diferentes áreas do conhecimento parecem estar bem delimitadas e definidas. Dificilmente estas preocupações se cruzam e discutem entre si, pois são pensadas como pertencendo a esferas diferentes de uma mesma realidade, a epidemia da AIDS, que envolve, por sua vez, aspectos biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Admitem-se já relações entre o biológico e o psicológico, embora estas sejam praticamente desprezadas quando o sentido vai do psicológico ao biológico, pois são classificadas enquanto "somatização" ou doenças "funcionais". E, como afirma Camargo ao analisar a prática médica: "doenças evidenciadas como objetivas são mais 'graves' do que as ditas 'funcionais', independentemente de qualquer consideração relativa ao sofrimento dos pacientes" (Camargo, 1991:217). Por outro lado, os aspectos culturais e sociais são relegados fundamentalmente à prevenção, sendo considerados irrelevantes quando se abordam os aspectos biológicos e psicológicos da AIDS. Estes últimos são considerados como decorrentes quase que exclusivamente das características do vírus e da doença, mesmo que muitas destas características sejam eminentemente sociais.
Face a este contexto, o presente artigo se propõe a discutir alguns fatores de ordem social e cultural que aparecem intimamente relacionados aos fenômenos que, tradicionalmente, são relegados à esfera psicológica3. Mais precisamente, objetivamos evidenciar como a visão de mundo e a organização social de um determinado grupo determinam as estratégias de enfrentamento da doença, interferindo, assim, diretamente na manifestação dos aspectos psicológicos a ela associados. Partiremos da relação estabelecida com a medicina e, em especial, com a psicologia e/ou psiquiatria a fim de explicitar as diferentes perspectivas em questão, ou seja, a perspectiva médica e psicológica baseadas numa racionalidade cartesiana e a perspectiva do paciente, que parte de uma lógica diversa. Analisaremos como a categoria psicológica/psiquiátrica de depressão é transformada em uma categoria moral, que coloca em jogo o status social do indivíduo. E, por fim, enfocaremos a concepção de tempo e de morte que orientam algumas das principais estratégias de enfrentamento da doença e que explicitam os valores e a visão de mundo do grupo social em questão.
As conclusões apresentadas neste trabalho devem ser limitadas ao seu universo de estudo, qual seja, o de mulheres pertencentes às camadas mais desfavorecidas da população do sul do Brasil. Os dados aqui apresentados resultam de uma pesquisa que tomou por universo empírico um grupo de quarenta mulheres infectadas pelo vírus da AIDS, a partir do qual foram incluídas outras pessoas que integravam suas redes de relações imediatas (maridos, pais, filhos, sogros, vizinhos, etc.). O contato inicial com as mulheres se deu através do Ambulatório de Ginecologia e Obstetrícia, DST/AIDS do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS), um dos centros de referência nacional no tratamento da AIDS. Embora o contato inicial com as mulheres tenha se dado através de um serviço de saúde, o foco do trabalho de campo não foi o espaço médico-hospitalar e sim o cotidiano das mulheres: suas casas, práticas quotidianas (de trabalho e lazer) e redes de relações sociais. A metodologia utilizada foi a etnografía, com o privilégio à observação participante e entrevistas semi-diretivas.
As mulheres entrevistadas residem, em sua maioria, em bairros da periferia da cidade de Porto Alegre ou na zona denominada de Grande Porto Alegre (que compreende, entre outros, os municípios de Guaíba, Canoas, São Leopoldo e Alvorada). São bairros populares, sendo que muitos deles dispõem de uma infraestrutura bastante deficiente, tanto no que se refere às condições sanitárias (esgoto, luz, calçamento) quanto em termos de prestação de serviços tais como transporte, supermercados, farmácias, etc. O acesso ao centro da cidade, onde se situa o hospital, consome em média uma hora e, conforme o bairro, necessita a utilização de duas ou mais linhas de ônibus. Quanto às condições de moradia, o universo em questão apresenta uma diversidade, pois enquanto algumas das mulheres possuem residência com um mínimo de conforto e privacidade (quartos individuais, cozinha, banheiro interno); outras moram em casas extremamente precárias (em favelas) que não dispõem das condições sanitárias básicas, como banheiro e esgoto. Essa diversidade em relação à moradia deve-se, entretanto, mais aos recursos familiares dos quais a informante pode dispor - como uma casa cedida por algum familiar, a coresidência ou o auxílio financeiro de um membro da família - do à sua própria situação econômica atual. No que diz respeito à composição das unidades domésticas, é interessante notar que poucas das mulheres vivem em unidades nucleares (casal e filhos). A maioria das unidades domésticas às quais as mulheres se vinculam contam com a presença de algum membro da família (tanto de origem como de aliança) ou então são a própria unidade doméstica de origem da informante (especialmente no caso das mulheres mais jovens e que não estabeleceram ainda uma aliança estável). É também bastante comum ter outros membros da família morando no mesmo bairro.
O "falar" sobre a doença
AIDS, em função da própria construção social da doença é, inegavelmente, considerada um affaire médico. As mulheres infectadas pelo vírus não hesitam, assim, em fazer apelo à medicina. Entretanto, isso não significa que concordem com a perspectiva médica da doença e nem que adotem todas as medidas preconizadas pela medicina. A diferença da perspectiva das mulheres em relação à perspectiva da medicina se explicita, sobretudo, face à homogeneização dos doentes operada por esta última. Isto porque, na perspectiva médica, é a doença que é privilegiada enquanto que, para as mulheres, são os doentes que deveriam sê-lo, pois se o vírus é o mesmo, as pessoas não são todas iguais. A objetividade imputada à prática médica, que faz com que esta se interesse apenas pelos fatos tidos como concretos (práticas sexuais, sintomas precisos, exames clínicos, etc.), é tida como um entrave à relação com os profissionais da saúde. Por outro lado, a pouca importância que os profissionais da saúde atribuem ao contexto mais amplo da situação, que na visão das mulheres é fundamental para a apreensão da mesma, faz com que as práticas médicas sejam consideradas enquanto julgamentos morais. Como expressa uma das mulheres entrevistadas ao falar sobre sua gestação após o diagnóstico de HIV+: "Nesse estado aqui [grávida], vai ser ainda mais difícil que as pessoas nos ajudem (...). Com que cara eu vou dizer às enfermeiras do hospital que (...) eu estou grávida de novo? Elas vão dizer que eu não tenho vergonha... Não vão entender....".
É na relação com o psicólogo e/ou psiquiatra4 que a objetividade da prática médica e o privilégio dado por esta à doença revela-se ainda mais claramente para as mulheres infectadas pelo HIV. Pois se a doença possui de fato aspectos objetivos, os sentimentos e as emoções não podem receber a mesma classificação. Na perspectiva das mulheres, estes provêm antes das relações sociais e das condições concretas de existência do que do próprio indivíduo5. Espera-se da terapia psicológica a resolução dos conflitos manifestados no domínio das relações sociais e não no individual. Dessa forma, a psicoterapia, por ancorar seu trabalho no indivíduo, não corresponde às expectativas de eficácia. Estas, por sua vez, estão pautadas num nível mais pragmático e imediato, implicando, assim, uma solução concreta, uma mudança no contexto tido como origem da perturbação. O depoimento de uma informante, submetida durante anos a acompanhamento psiquiátrico e psicológico e que decidiu suspendê-los, expressa esta concepção:
Eu parei porque isso [a psicoterapia] não resolvia nada. Ele [o psiquiatra] não dizia nada e o que ele me dizia eram coisas que eu já sabia. Sobre esse medo que eu tenho de ladrão, de bandidos, ele dizia que isso existe em tudo que é lugar... Até no dia que ele foi assaltado... Daí eu disse para ele: "Os ladrões, tu não precisas te preocupar, não precisa ter medo, tem por todo lugar!". Por que é que tu vai ficar contando tua vida se isso não vai resolver nada, se isso não vai mudar nada? Eu concordo com a minha tia que diz que se é para tu contar tua vida para outras pessoas que não podem fazer nada para resolver teus problemas, então é melhor nem dizer nada. (Cristina, 25 anos)
A única vantagem que as mulheres reconhecem na psicoterapia reside no tipo de relação com o profissional da saúde que esta oferece, considerada como mais personalizada, mais "humana", do que as relações estabelecidas com os demais profissionais. Isto em função do próprio método de trabalho empregado, a entrevista ou, na categoria êmica, a conversa. Entretanto, esta personalização da relação não é vista como recíproca, pois não há uma correspondência por parte do terapeuta. Assim, quando se referem à psicoterapia, as mulheres fazem questão de salientar que esta relação que se estabelece com o terapeuta não é verdadeira, sincera. O psicoterapeuta é classificado, em geral, como sendo seco e muito direto e neste contexto o diagnóstico é percebido como uma espécie de recriminação.
Mas, se esta avaliação é também válida para outras situações nas quais os membros dos grupos populares são confrontados com este tipo de terapêutica, no caso da AIDS ela adquire uma dimensão maior, na medida em que se trata de uma doença transmissível e mortal. Estas características da doença, quando submetidas a uma perspectiva psicológica, permitem identificar um conjunto de manifestações de ordem psíquica - por exemplo, "depressão", "transferência" e "negação" - que não correspondem necessariamente à percepção que os doentes possuem eles próprios de seu estado e da morte6. É neste sentido que a confrontação destas diferentes perspectivas é evocada pelas mulheres como o motivo pelo qual não atribuem eficácia à terapia psicológica, como demonstra a fala de uma informante transcrita abaixo:
Elas [as psicólogas] não são tuas amigas de verdade. Elas não falam da vida delas É somente tu que fala. E ao invés de te incentivar, elas te deixam triste. A primeira coisa que elas te perguntam é se tu tens algum sintoma e daí elas dizem: "porque tu sabes que a AIDS tem sintomas... ". Elas dizem que tu vais morrer, que a AIDS não tem cura... Eu não vou mais nas consultas com a psicóloga, isso não adianta nada, não resolve nada. Eu até tinha uma hora na semana passada, mas não fui. Agora eu vou só nas consultas com a doutora X. (Sirlei, 32 anos)
Ou ainda o caso de outra entrevistada que, ao relatar o fato de ter esperado alguns dias antes de procurar recurso médico em função de uma pneumonia, salienta a interpretação da psicóloga a este comportamento como sendo uma manifestação do medo que ela tinha da morte, em função da associação pneumonia/AIDS. Segundo esta informante, este tempo de espera foi o período no qual pôde identificar a gravidade da doença e a necessidade de recurso médico e conclui: "e também porque eu não queria deixar as crianças na casa de outra pessoa".
É interessante notar que a avaliação da eficácia da psicoterapia está submetida às relações sociais e, particularmente, às questões de gênero. Neste sentido, se as mulheres não reconhecem sua eficácia quando elas próprias são as pacientes, quando se trata dos homens, seus companheiros, elas acreditam que o falar com um terapeuta poderia lhes fazer bem. Primeiro, porque consideram que os homens não possuem a mesma intimidade que elas com seus consangüíneos e amigos, pessoas estas privilegiadas para falar sobre a doença, nas quais é possível "confiar" e, portanto, "abrir-se". E neste sentido, é interessante notar que os homens são os que resistem mais em revelar sua soropositividade aos familiares e amigos e quando o fazem é em função da própria visibilidade da doença. Já as mulheres consideram que a revelação de seu estado aos familiares, sobretudo aos consangüíneos, é uma espécie de "compromisso" decorrente do caráter mesmo da relação, que implica confiança e fidelidade. Segundo, porque o comportamento masculino é tido pelas mulheres como eminentemente perigoso, não somente em relação à saúde, mas em relação a própria vida. Na perspectiva feminina, os homens são muito fechados, isto é, não expressam o que pensam e sentem sobre a doença. Desse modo, as mulheres se questionam se este silêncio masculino significa um desprezo pela doença, no sentido de não conferir importância ao evento, ou se, ao contrário, significa a não aceitação desta. E, no caso desta última hipótese, as mulheres temem que os homens serão incapazes de suportar as implicações impostas pela própria doença. A psicoterapia possibilitaria assim, no caso masculino, falar sobre a doença, acalmando um pouco as inquietações e temores femininos. Por outro lado, as mulheres têm consciência de que os homens não aceitariam jamais este tipo de terapia pois falar da intimidade, especialmente para um especialista, não faz parte da natureza masculina. Mas assim mesmo elas não se cansam de indagar, através de um intermediário, que em geral é a mulher de um dos amigos da rede masculina, se seu marido não se abriu a este respeito.
A psicoterapia é, enfim, percebida pelas mulheres como uma oportunidade de abrir o coração, sendo que o terapeuta pode ser substituído com vantagens por uma outra pessoa mais próxima ou por outra relação onde se estabeleça uma certa forma de reciprocidade (como aquela estabelecida com o pesquisador). No caso estudado, a relação com o psicólogo se estabelece muito mais em função da estrutura do serviço do que de uma solicitação por parte das próprias pacientes. Na medida em que a psicoterapia é tida como não tendo nenhuma eficácia concreta, o profissional é avaliado por suas características pessoais - simpatia, gentileza, paciência. A relação com o psicólogo é vista como uma relação pessoal e, dessa forma, este é utilizado como intermediário na relação com o médico e com os demais serviços do hospital. Por exemplo, quando querem obter uma consulta extra com o médico, as pacientes recorrem à psicóloga solicitando encaminhamento e convencendo-a de que se trata de uma urgência.
Depressão: uma categoria moral
Não é raro que as mulheres infectadas pelo HIV sejam consideradas pelos profissionais da saúde e, em especial, pelos psicólogos e psiquiatras como deprimidas. Esta depressão é atribuída a diferentes fatores, tais como o comprometimento do Sistema Nervoso Central pela ação do vírus, a agudização de problemas neuropsiquiátricos anteriores e implicações e conseqüências do diagnóstico de soropositividade para o HIV, mais precisamente, à possibilidade de morte (Abreu et al., 1989). A depressão aparece ainda associada aos sentimentos de "vergonha" e "culpa" na medida em que identifica o doente a comportamentos "desviantes": a promiscuidade sexual, o homossexualismo, o uso de drogas injetáveis e a prostituição (Ajchenbaum, 1992). Face a este contexto, a depressão é considerada como uma reação "normal" na medida em que manifesta os sentimentos de "perda" decorrentes do diagnóstico e/ou doença, como afirma Abreu et al.; "a maioria dos pacientes com Sida são pessoas jovens, em início de suas carreiras e vida afetivas, e que subitamente se vêem tolhidas de planos e perspectivas de desenvolvimento. Devem aprender a lidar não só com estas perdas, mas também com a perda de sua imagem corporal anterior (...), de amigos e eventualmente de companheiro/as, de trabalho e rendimento econômico. A este conjunto de perdas, soma-se a presença constante da morte, e a antecipação desta evolução dentro dos recursos terapêuticos disponíveis no momento" (Abreu et al., 1989:118).
Na perspectiva médica, a depressão7 é uma categoria diagnóstica que indica um estado patológico - mesmo que no contexto este patológico seja esperado -e requer tratamento, psicoterápico e/ou medicamentoso, pois se situa no limiar entre o orgânico e o psicológico. Vários autores centrados em uma perspectiva antropológica, já destacaram a dificuldade de classificar a depressão, tendo em vista a diversidade de significados que os denominados sintomas depressivos assumem nas diferentes culturas (Fabrega, 1974; Bibeau, 1981; Kleinman, 1977; Kleimnam e Good, 1985; Uchôa, 1997). Seguindo esta abordagem, podemos observar como a transposição desta categoria diagnóstica para os grupos populares, em função da tênue fronteira que separa o psicológico do moral, dá-se sob o viés da moralidade. E, neste sentido, a AIDS e suas implicações não justificam este estado emocional, mas servem para explicitar uma condição social.
Na perspectiva das mulheres soropositivas, a depressão aparece associada a um conjunto de situações que, em última instância, colocam em questão o status social do indivíduo. Em primeiro lugar, a depressão é imediatamente relacionada ao pensar em excesso sobre uma situação, no caso a doença. Em segundo lugar, o pensar está intimamente relacionado ao corpo, produzindo efeitos neste. E, por fim, indica a alocação de tempo para esta atividade e para a própria pessoa em questão.
Assim, este ato de pensar sobre a doença é identificado como a principal fonte de angústias individuais e é percebido, neste sentido, como um verdadeiro "acelerador" da morte, como expressa uma das entrevistas: "As pessoas que pensam nisso [doença] muito são aquelas que vão morrer mais ligeiro". Esta relação entre pensar e morte adquire seu pleno sentido a partir de uma concepção de corpo que supõe a imbricação entre o físico e o moral. Podemos evocar aqui as considerações tecidas por Duarte (1986) a respeito do nervoso nas classes trabalhadoras urbanas. Segundo o autor, há um conjunto de avaliações ligadas às perturbações nervosas que são estabelecidas a partir de duas categorias: idéia e cabeça. Assim, uma pessoa reconhecida como mentalmente incapaz é designada pela expressão "fraco das idéias", enquanto o excesso de idéias é associado à atividade intelectual (o estudo) e percebido como origem de diversos tipos de loucura presentes nos membros das classes dominantes da sociedade. Mas esse excesso de idéias é também identificado como tendo efeitos perturbadores sobre os indivíduos de origem popular, cujos projetos de ascensão social passam pelo estudo. É esta "lógica do nervoso" que possibilita que o pensar em excesso seja percebido como ocasionando efeitos psicológicos e corporais - tais como falta de apetite, insônia, tristeza, problema de nervos - e produzindo, assim, importantes conseqüências sobre a saúde e, em especial, sobre a saúde mental, culminando com morte.
Entretanto, os efeitos prejudiciais do pensar não se limitam ao plano psicológico e corporal, mas implicam também uma espécie de avaliação moral da pessoa. Quem pensa muito é quem tem tempo para fazê-lo - o que indica o não cumprimento, ao menos em sua totalidade, de suas atribuições sociais. Dessa forma, pensar na doença, identificado como a origem da depressão, compromete o status social da mulher, colocando em questão a própria legitimidade de sua contaminação. É importante salientar que as mulheres estudadas fazem questão de afirmar que foram infectadas pelo marido, dentro de casa, a fim de destacar a legitimidade de sua contaminação e, ao mesmo tempo, diferenciar-se dos demais doentes da AIDS (homossexuais, prostitutas, promíscuos, usuários de drogas). Neste contexto, a disponibilidade de tempo para pensar, se levada às últimas conseqüências, corresponde à própria disponibilidade sexual, pois uma mulher/ mãe que se preze não tem tempo de pensar. Assim, uma das estratégias sugeridas pelas próprias mulheres para evitar a depressão é o ocupar-se com as questões quotidianas e, principalmente, com o exercício do papel de mãe, como expressa a fala de uma informante à outra mulher grávida que acabava de se saber infectada pelo HIV:
Não se deve pensar negativo porque ter AIDS não é assim como a gente imagina no começo. A gente logo pensa que o nenê vai nascer muito magrinho, sem cabelos... Mas não é isso. Depois tu vais ver...(...) No fim, na verdade, nada mudou. Eu até esqueço que eu tenho isso porque nada mudou. (...) Tu vais ver, tu mesmo, depois do nascimento do nenê tu não vai ter nem mesmo tempo para pensar nesse assunto. Daí tu vais ter as fraldas para lavar, a mamadeira para fazer...Tu não vai ter tempo nem de pensar. (Fátima, 27 anos)
Além disso, pensar na doença implica a admissão do "sentimento de culpa"8 que é incompatível com a legitimidade da contaminação reivindicada pelas mulheres. Uma das formas de demonstrar esta legitimidade é encarar a situação com normalidade, isto é, nada mudou. É neste sentido que algumas entrevistadas atribuem a depressão de determinadas mulheres ao fato dessas sentirem-se responsáveis pela própria contaminação e mesmo, em alguns casos, pela contaminação de outras pessoas (filho, companheiro). E a fim de demarcar sua diferença para com estas mulheres, recusam-se a participar nas reuniões do "grupo de mulheres HIV+" do hospital freqüentadas por estas mulheres que pensam muito na doença.
A depressão aparece ainda relacionada ao ser só, isto é, não ter ninguém de quem se ocupar (filhos, marido, consangüíneos). Mas se, por um lado, isto justifica a depressão visto que o ser só é considerado, de fato, uma situação triste e insuportável e, portanto, digna de compaixão, por outro, evidencia também um status social que é, no mínimo, duvidoso: por quais motivos uma mulher não teria um companheiro e, sobretudo, filhos e família para se ocupar? Não seria em função de seu próprio comportamento?
Assim, seja pela disponibilidade de tempo para pensar na doença, pelo "sentimento de culpa" em relação à contaminação ou pelo questionamento do status social, a depressão, na perspectiva das mulheres HIV+, funciona como uma categoria moral. Seu uso está associado ao encobrimento de uma situação social e tem a pretensão de "desculpar" um comportamento - não trabalhar, não se ocupar da casa e filhos, sentir-se vítima da situação, etc. É considerada, neste sentido, uma espécie de futilidade pois somente quem não tem um papel social importante a cumprir pode se dar o "luxo" de estar deprimido - tanto que este estado aparece vinculado aos grupos sociais dominantes ou, na expressão de uma entrevistada, aos "filhinhos de papai".
Uma morte anunciada?
A associação entre AIDS e morte é apontada pelos profissionais da saúde como um dos principais fatores das "complicações neuropsiquiátricas" apresentadas pelas pessoas infectadas pelo HIV. Aparece na origem tanto dos estados depressivos, os quais podem, por sua vez estar relacionados a "idéias e pensamentos de morte e suicídio" (Abreu et al, 1989:121), como dos mecanismos de defesa e enfrentamento da situação, dentre as quais a "negação". Mas, como já evidenciamos no item anterior, para as mulheres portadoras do vírus da AIDS esta associação não justifica a depressão. A compreensão desta não justificativa passa pela concepção de morte e tempo acionada pelos membros dos grupos populares e sua relação com a situação específica da AIDS. A associação entre AIDS e morte é presente também nas representações dos membros dos grupos populares, tanto que para muitos a definição de AIDS é a de doença que mata9. Para as mulheres infectadas pelo HIV, esta associação se manifesta, em especial, no momento inicial do diagnóstico, quando pensam que irão morrer imediatamente. Entretanto, o maior contato com os profissionais da saúde e com outras mulheres na mesma situação e a não manifestação da doença passam a funcionar para as mulheres como a prova de que esta morte não é tão imediata como pensavam. Dessa forma, a invisibilidade da doença permite também a invisibilidade da própria morte10.
A forma pela qual estas mulheres portadoras de uma doença letal conseguem colocar a morte à distância, como se fosse algo que não lhes dissesse respeito, é impressionante. Mesmo que se considerem as explicações psicológicas que identificam nesta atitude um mecanismo defensivo e/ou de "negação" da doença,11 é necessário admitir que estas atitudes estão estreitamente relacionadas à maneira de viver e à visão de mundo dos grupos populares. Pois, se aparentemente elas podem assemelhar-se ao comportamento de outros grupos, as motivações destas vão em sentido contrário.
Primeiramente, cabe salientar a presença desigual da morte nos diferentes grupos sociais. A ameaça concreta da morte é muito mais presente nas camadas mais desfavorecidas da população do que nas camadas privilegiadas. Os membros destas camadas desprivilegiadas estão, cotidianamente, expostos a condições de vida muito precárias (alimentação e moradia inadequadas), às deficiências do sistema de saúde, às péssimas condições de trabalho e a situações de violência quotidiana (brigas de gangs de tráfico de drogas, conflitos com a polícia, roubos e disputas domésticas)12. Assim, para as mulheres H1V+, a presença da morte é uma realidade que independe da doença. A AIDS é apenas uma ameaça a mais, um risco que vem se juntar aos demais. Além do que, é uma ameaça que pode, de certa forma, ser controlada através da adoção de medidas preventivas que visam evitar as doenças oportunistas associadas à AIDS13. É neste sentido que, ao falar da letalidade da AIDS, as entrevistadas fazem questão de enfatizar que "se pode morrer de qualquer outra coisa", sendo a AIDS um risco adicional e não, necessariamente, o principal. O depoimento de uma delas explicita esta concepção:
Tá certo, a AIDS é mortal, mas na verdade isso não quer dizer que a gente vai morrer por causa disso. A gente pode morrer de qualquer outra coisa. Tinha até uma mulher que morava ali em baixo, ela estava gorda e parecia bem de saúde, mas ela morreu em menos de uma semana por causa de um câncer. Ninguém podia imaginar que ela estava doente e quando eles levaram ela para o hospital já era muito tarde. Já uma outra mulher que mora aqui do lado e que tem AIDS estava super mal no hospital. Ninguém acreditava que ela ia sair de lá e, entretanto, ela voltou para casa e está muito bem. (Janira, 19 anos)
As mulheres têm sempre uma história a contar para confirmar a tese de que a morte independe dos fatores tidos como mais prováveis, como demonstra o relato acima. A morte é vista como parte da vida, como um fenômeno natural que pode ou não aparecer associado a uma doença. Por outro lado, a maioria das entrevistadas já teve um contato próximo com a morte, seja de um filho ou companheiro, seja de um familiar. Muitas delas vivenciaram a proximidade da morte em seus próprios corpos em função de um acidente, de uma doença grave ou mesmo de uma tentativa de suicídio. Esta proximidade da morte não permite que estas mulheres compartilhem do sentimento de imortalidade que, segundo Ariés (1975), constitui uma das principais características da sociedade ocidental14.
As mulheres não se percebem como imortais também pelo fato de pertencerem a uma família, a uma rede de consangüíneos que assegura uma continuidade apesar da ausência de alguns de seus membros. Nesta perspectiva, o desejo de ter um filho manifestado pelas mulheres não pode ser tomado como expressão do desejo de imortalidade, tal como o fazem algumas interpretações psicológicas. É antes, o cumprimento de um papel social de dar um descendente ao companheiro e aos consangüíneos. Como afirma Héritier a respeito da demanda pelas novas tecnologias reprodutivas: "parece que podemos falar sobretudo de um desejo de descendência e de um desejo de realização, mais do que um desejo de filho, e da necessidade de cumprir um dever para consigo próprio e com a coletividade, mais do que a reivindicação de um direito à possuir"(Héritier, 1985:10).
E é justamente por verem a morte como parte da vida e não, necessariamente, como dependente de uma causa predeterminada, que as mulheres soropositivas não aceitam a insistência dos psicólogos e psiquiatras em lhes lembrar que a AIDS é uma doença mortal. Esta discordância faz com que as mulheres "abandonem" o acompanhamento psicológico, como expressa uma entrevistada:
Ele [o psicólogo] me disse que eu tinha que saber que agora não é mais como antes porque eu estou doente e vou morrer. Eu saí de lá muito triste e nunca mais quis voltar. Vê bem se isso é uma coisa que se diga para alguém! Eu sei que eu vou morrer, mas eu ainda não estou doente. Para que pensar nisso? (Solange, 28 anos)
O que incomoda as mulheres não é o fato de falar na morte, mas sim fazer dela um problema atual. Se o futuro está ainda distante, é melhor viver o presente sem a interferência das previsões futuras. Assim, não estando ainda doentes, por que deverão se inquietar no presente a partir da projeção do futuro?
Por outro lado, existe uma série de problemas mais urgentes que preocupam as mulheres - por exemplo, os cuidados dispensados aos filhos, o orçamento doméstico, o desemprego do marido - fazendo com que não tenham nem mesmo tempo para pensar na doença. Além do que, preocupar-se com uma coisa tão distante e "pessoal" como é a AIDS, seria inadmissível e suscetível a críticas e julgamentos morais pois, como já evidenciamos, o pensar em demasia implica o não cumprimento do papel social.
Na verdade, preocupar-se com a própria morte pressupõe uma concepção individualista da pessoa, o que não encontra respaldo entre os membros dos grupos populares15. Quando as mulheres manifestam alguma preocupação em relação à morte é sempre em função dos filhos e/ou marido. E, neste sentido, não são seus projetos pessoais que estão em questão, mas sim quem irá assumir seu papel social, ou seja, quem irá lhes substituir no cuidado das crianças e do cônjuge. Assim, são justamente aquelas mulheres que não dispõem de um suporte familiar para assegurar este cuidado, bem como àquelas que não possuem ninguém de quem se ocupar, as que mais se inquietam com a própria morte.
A morte é sempre pensada em termos relacionais, isto é, em relação às conseqüências que ela poderá ocasionar às pessoas mais próximas e, em especial, às crianças. Ter alguém para cuidar, alguém que precisa de ti é também ter uma razão para viver, é ter um lugar na estrutura familiar e, portanto, exercer uma função social.
Algumas considerações finais
Este artigo buscou compreender a leitura que as mulheres portadoras do vírus da AIDS têm da relação, frequentemente estabelecida pelo discurso psicológico/psiquiátrico, entre depressão, morte e AIDS. É importante salientar que não estamos negando a existência de manifestações de ordem psíquica associadas à doença. Entretanto, nosso eixo de análise privilegiou a interpretação que as próprias mulheres dão a estas manifestações.
Na perspectiva das mulheres HIV+ pertencentes aos grupos populares, a AIDS e suas implicações não justificam a depressão, pois esta é atribuída ao pensar em demasia sobre a situação e não à doença em si. Entretanto, se a causa aparente da depressão é o pensar, que produz efeitos físicos e emocionais, podendo levar mesmo à morte, a "verdadeira" causa da depressão é, de fato, uma condição social. Ou seja, só pensa tanto a ponto de provocar uma depressão primeiro, quem tem tempo para tal e segundo, quem se percebe como responsável pela contaminação, isto é, quem procurou a doença.
Outro fator importante a ser considerado para a compreensão de como uma categoria diagnóstica é transformada em uma categoria moral é o caráter individualista que reveste a categoria depressão. Primeiro, a depressão é um sentimento individual, que implica, em certo sentido, um rompimento com o social. O próprio pensar associado pelas mulheres soropositivas à depressão é, por si mesmo, um ato individual, que pressupõe interiorização e individualização, como indica o axioma cartesiano "penso, logo existo". Segundo, este pensar implica também um pensar sobre si, sobre a sua situação, indicando uma preocupação consigo próprio e, portanto, individualista. A própria associação da depressão com classes sociais dominantes - filhinho de papai - e com o ser só evidencia a percepção deste caráter individualista da categoria. Assim, em função da própria necessidade que as mulheres manifestam de afirmar a legitimidade de sua contaminação em relação aos demais doentes de AIDS, a depressão acaba por servir para demarcar as fronteiras, seja entre as próprias mulheres, seja entre classes sociais.
Além disso, o pensar excessivamente sobre a AIDS é visto como uma forma de rendição à doença. É atribuir ao evento uma importância superior a que ela possui de fato pois, para as mulheres, a nomeação da doença (diagnóstico) não deveria implicar na modificação de sua condição atual, seja esta física ou social. Assim, pensar na doença é criar um estado que até aquele momento só tinha existência concreta através de um diagnóstico médico, que por sua vez é percebido como extremamente abstrato (soropositividade para o HIV, números de CD4 e CD8, carga viral, etc.). Significa, em última instância, produzir a própria doença, tanto no sentido simbólico como no sentido biológico, na medida em que o pensar é visto como sendo capaz de produzir efeitos corporais e de acelerar a morte.
Por outro lado, a letalidade da doença, apontada pelo discurso médico e psicológico como um dos principais fatores de depressão entre pacientes infectados pelo vírus da AIDS, é percebida pelas mulheres sob o prisma de uma concepção de tempo e de morte bastante particulares. Como já destacamos, em função das próprias condições de existência - exclusão das principais vias de ascensão social, sujeição às variações sociais e econômicas de diferentes ordens - e da impossibilidade concreta de controlar o futuro, o presente é o tempo privilegiado pelos membros dos grupos populares. Assim, na perspectiva das mulheres HIV+, da mesma forma que o passado é irreversível, o futuro é imprevisível. Em outras palavras, como não é possível voltar atrás e mudar o estatuto sorológico, não se deve viver no presente o que está previsto para um futuro ainda distante. O presente é tido como o único tempo sobre o qual é possível dispor de algum tipo de controle, de forma a adequar melhor a realidade aos objetivos esperados, tanto em relação à doença (através da adoção de medidas preventivas ou, no caso dos homens, do usufruto da capacidade física até seu esgotamento) como no que se refere às outras situações quotidianas (como, por exemplo, comer bem hoje, comprar algo desejado, etc). Desse modo, se o futuro é completamente incerto, o presente apresenta uma espécie de "instabilidade controlada" - e aqui a situação de portador assintomático do vírus é emblemática. E é esta possibilidade de interferência no presente, tanto humana quanto divina, que faz com que a previsão e predeterminação do futuro sejam vistas sempre como relativas, jamais absolutas. A gerência do futuro é delegada ao plano divino, ou seja, compete exclusivamente a Deus.
Além do que, preocupar-se com a própria morte é, como já salientamos, uma atitude extremamente individualista e que vai de encontro aos valores dominantes nos grupos populares. A estrutura familiar possui, em geral, a capacidade de responsabilizar-se pelos papéis sociais que alguns de seus membros não conseguem cumprir inteiramente. Os indivíduos, neste sentido, não são insubstituíveis pois é em relação a posição que ocupam nesta estrutura que estes se definem e são definidos socialmente. Se por um lado a morte individual é inevitável, por outro, ela não coloca em questão a própria organização familiar.
Assim, muito mais que uma ameaça ao sentimento de imortalidade individual, a AIDS representa, para estas mulheres, uma ameaça ao status social. É este status social que necessita ser preservado através do cumprimento dos papéis sociais a ele vinculados (mãe e esposa), o que, por sua vez, implica a não disponibilidade de tempo para pensar na doença e na garantia de que alguém se responsabilizará por este papel no caso de sua morte.
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Notas
1 Ver, entre outros, Caldwell et al., 1989; Campbell, 1990; Carrier, 1989; Danzinger, 1985; Aggleton et al., 1990; Dozon e Fassin, 1989; Farmer, 1994; Fineberg, 1988; Frankenberg, 1994; Gagnon, 1989; Goldstein, 1994; Guimarães, 1996; Loyola, 1994; Parker, 1994; Pollak, 1988; Singer, 1994.
2 Abreu et al., 1989; Herion, 1988; Malinas e Guy, 1989; Mansour, 1993; Pasini, 1989; Ruffiot, 1989.
3 O material apresentado aqui é parte de uma pesquisa maior intitulada AIDS, Reprodução e Sexualidade: Uma abordagem antropológica das mulheres contaminadas pelo vírus da AIDS, que contou com o apoio financeiro da Fundação MacArthur e da Fundação Carlos Chagas, através do II PRODIR (Programa de Treinamento e Pesquisa sobre Direitos Reprodutivos na América Latina e Caribe). Estes dados foram analisados de forma mais abrangente na minha tese de doutorado, ver Knauth. 1996.
4 Embora reconhecendo a existência de diferentes escolas dentro da psicologia e da própria psiquiatria, neste trabalho utilizaremos esta denominação geral para referir uma linha de trabalho mais calcada no modelo biomédico e behaviorista, que é a que prevalece na instituição em questão.
5 Duarte (1986) já demonstrou que não há, entre os membros dos grupos populares, uma concepção psicológica do ser humano. Primeiro, porque esta concepção pressupõe sempre uma percepção individualista da pessoa enquanto que os grupos populares operam com uma concepção holista. Segundo, porque para os membros dos grupos populares há uma relação estreita entre a ordem física e a ordem moral, enquanto que no modelo psicológico predomina a dicotomia físicomental. A respeito da aplicação da psicoterapia aos grupos populares ver Duarte e Ropa, 1985.
6 Talvez seja a ausência de uma concepção de "inconsciente" - que orienta a maioria das interpretações psicológicas - que faz com que o diálogo entre as mulheres e os terapeutas se constitua num "diálogo de surdos". Por outro lado, como salienta Boltanski, a falta de um "vocabulário da introspeção e a linguagem das emoções que lhes seria necessária para abrir-se ao médico sobre seus problemas e preocupações mais íntimos" (1984:59) interfere diretamente na relação entre os membros dos grupos populares e a psicoterapia. Para um panorama da perspectiva psicológica da AIDS, ver Mansour, 1993.
7 Existem diversos "graus" de depressão - leve, modera e severa ou maior - medidos através de diferentes escalas e critérios. Num estudo realizado com pacientes com AIDS na Hospital de Clínicas de Porto Alegre, foi identificada depressão em 60% dos casos analisados, sendo 40% com depressão leve, 8% com depressão moderada e 12% com depressão severa (Abreu et al. 1989).
8 É interessante notar que também no discurso psicológico/psiquiátrico a depressão aparece relacionada ao "sentimento de culpa". Ver Abreu et al. 1989e Arnt e Arnt, 1992.
9 Ver Leal e Fachel, 1995.
10 Talvez seja a visibilidade que a AIDS traz para a questão da morte através das imagens veiculadas pela mídia de doentes desfigurados, que faz com que a cara da doença corresponda, no imaginário, a própria cara da morte. E neste sentido o caso de Cazuza foi extremamente significativo na medida em que as pessoas puderam acompanhar "em direto", a evolução da doença à morte.
11 A respeito dos mecanismos de defesa acionados pelos portadores do vírus da AIDS ver Ajchenbaum, 1992.
12 Para uma análise da violência nas camadas mais desfavorecidas da população brasileira ver, entre outros, Scheper-Hughes, 1992 e Zaluar, 1984. Para uma abordagem mais ampla da questão da exclusão social e da violência nos grandes centros urbanos ver Bourdieu, 1993.
13 Sobre as medidas preventivas adotadas pelas mulheres HIV+, ver Knauth, 1996.
14 Neste sentido Pollak (1988) salienta que a AIDS coloca em questão as análises, como a de Aries (1975), que consideram a morte como o último tabu da modernidade. Segundo este autor, o tabu que pesa sobre a sexualidade permanece nas consciências e não é superado pela concepção de imortalidade.
15 Existe uma ampla bibliografia que demonstra que a família é um valor axial para a construção da identidade dos membros dos grupos populares no Brasil. Ver, entre outros, Da Matta, 1987; Durham, 1983; Duarte, 1986; Fonseca, 1988; Macedo, 1979; Rodrigues, 1978; Salem, 1981; Sarti, 1996.