os dois vigários

Há cinquenta anos passados,

Padre Olímpio bendizia,

Padre Júlio fornicava.

E Padre Olímpio advertia

e Padre Júlio triscava.

Padre Júlio excomungava

quem se erguesse a censurá-lo

e Padre Olímpio em seu canto

antes de cantar o galo

pedia a Deus pelo homem.

Padre Júlio em seu jardim

colhia flor e mulher

num contentamento imundo.

Padre Olímpio suspirava,

Padre Júlio blasfemava.

Padre Olímpio, sem leitura

latina, sem ironia,

e Padre Júlio, criatura

de Ovídio, ria, atacava

a chã fortaleza do outro.

Padre Olímpio silenciava.

Padre Júlio perorava,

rascante e politiqueiro.

Padre Olímpio se omitia

e Padre Júlio raptava

mulher e filhos do próximo,

outros filhos aditava.

Padre Júlio responsava

os mortos pedindo contas

do mal que apenas pensaram

e desmontava filáucias

de altos brasões esboroados

entre moscas defuntórias.

Padre Olímpio respeitava

as classes depois de extintos

os sopros dos mais distintos

festeiros e imperadores.

Se Padre Olímpio perdoava,

Padre Júlio não cedia.

Padre Júlio foi ganhando

com o tempo cara diabólica

e em sua púrpura calva,

em seu mento proeminente,

ardiam brasas. E Padre

Olímpio se desolava

de ver um padre demente

e o Senhor atraiçoado.

E Padre Júlio oficiava

como oficia um demônio

sem que o escândalo esgarçasse

a santidade do ofício.

Padre Olímpio se doía,

muito se mortificava

que nenhum anjo surgisse

a consolá-lo em segredo:

“Olímpio, se é tudo um jogo

do céu com a terra, o desfecho

dorme entre véus de justiça.”

Padre Olímpio encanecia

e em sua estrita piedade,

em seu manso pastoreio,

não via, não discernia

a celeste preferência.

Seria por Padre Júlio?

Valorizava-se o inferno?

E sentindo-se culpado

de conceber turvamente

o augustíssimo pecado

atribuído ao Padre Eterno,

sofre-rezando sem tino

todo se penitenciava.

Em suas costas botava

os crimes de Padre Júlio,

refugando-lhe os prazeres.

Emagrecia, minguava,

sem ganhar forma de santo.

Seu corpo se recolhia

à própria sombra, no solo.

Padre Júlio coruscava,

ria, inflava, apostrofava.

Um pecava, outro pagava.

O povo ia desertando

a lição de Padre Olímpio.

Muito melhor escutava

de Padre Júlio as bocagens.

Dois raios, na mesma noite,

os dois padres fulminaram.

Padre Olímpio, Padre Júlio

iguaizinhos se tornaram:

onde o vício, onde a virtude,

ninguém mais o demarcava.

Enterrados lado a lado

irmanados confundidos,

dos dois padres consumidos

juliolímpio em terra neutra

uma flor nasce monótona

que não se sabe até hoje

(cinquenta anos se passaram)

se é de compaixão divina

ou divina indiferença.