mineração do outro

Os cabelos ocultam a verdade.

Como saber, como gerir um corpo

alheio?

Os dias consumidos em sua lavra

significam o mesmo que estar morto.

 

Não o decifras, não, ao peito oferto,

monstruário de fomes enredadas,

ávidas de agressão, dormindo em concha.

Um toque, e eis que a blandícia erra em tormento,

e cada abraço tece além do braço

a teia de problemas que existir

na pele do existente vai gravando.

 

Viver-não, viver-sem, como viver

sem conviver, na praça de convites?

Onde avanço, me dou, e o que é sugado

ao mim de mim, em ecos se desmembra;

nem resta mais que indício,

pelos ares lavados,

do que era amor e, dor agora, é vício.

 

O corpo em si, mistério: o nu, cortina

de outro corpo, jamais apreendido,

assim como a palavra esconde outra

voz, prima e vera, ausente de sentido.

Amor é compromisso

com algo mais terrível do que amor?

— pergunta o amante curvo à noite cega,

e nada lhe responde, ante a magia:

arder a salamandra em chama fria.