a mão

Entre o cafezal e o sonho

o garoto pinta uma estrela dourada

na parede da capela,

e nada mais resiste à mão pintora.

A mão cresce e pinta

o que não é para ser pintado mas sofrido.

A mão está sempre compondo

módul-murmurando

o que escapou à fadiga da Criação

e revê ensaios de formas

e corrige o oblíquo pelo aéreo

e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos.

A mão cresce mais e faz

do mundo-como-se-repete o mundo que telequeremos.

A mão sabe a cor da cor

e com ela veste o nu e o invisível.

Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor.

Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica

não para aplacar a sede dos companheiros,

principalmente para aguçá-la

até o limite do sentimento da terra domicílio do homem.

 

Entre o sonho e o cafezal

entre guerra e paz

entre mártires, ofendidos,

músicos, jangadas, pandorgas,

entre os roceiros mecanizados de Israel

a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil

entre o amor e o ofício

eis que a mão decide:

Todos os meninos, ainda os mais desgraçados,

sejam vertiginosamente felizes

como feliz é o retrato

múltiplo verde-róseo em duas gerações

da criança que balança como flor no cosmo

e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente

em seu poder de encantação.

 

Agora há uma verdade sem angústia

mesmo no estar-angustiado.

O que era dor é flor, conhecimento

plástico do mundo.

E por assim haver disposto o essencial,

deixando o resto aos doutores de Bizâncio,

bruscamente se cala

e voa para nunca-mais

a mão infinita

a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari.