O livro1
Este novo livro de poemas — informa Carlos Drummond de Andrade — está dividido em nove partes: “Origem”, “Memória”, “Ato”, “Lavra”, “Companhia”, “Cidade”, “Ser”, “Mundo”, “Palavra”. Cada um desses substantivos busca indicar, sem artifício, a natureza daquilo que serviu de pretexto aos versos ou que, em última análise, os resume.
O poeta abandona quase completamente a forma fixa que cultivou durante certo período, voltando ao verso que tem apenas a medida e o impulso determinados pela coisa poética a exprimir. Pratica, mais do que antes, a violação e a desintegração da palavra, sem entretanto aderir a qualquer receita poética vigente. A desordem implantada em suas composições é, em consciência, aspiração a uma ordem individual.
São contadas estórias vero-imaginárias, sem contudo o menor interesse do narrador pela fábula, que só o seduz por um possível significado extranoticial. Há também referência direta e comovida a figuras humanas: pintor do passado, poeta contemporâneo, cômico. Aparece uma cidade: o Rio de Janeiro, que circunstâncias históricas tornam pessoa.
Reminiscências de autor foram reduzidas ao mínimo de anotações — ensaio, possivelmente, de um tipo menos enxundioso de memórias: o objeto visto de relance, com o sujeito reduzido a espelho.
O mundo de sempre, com problemas de hoje, está inevitavelmente projetado nestas páginas. O autor participante de A rosa do povo, a quem os acontecimentos acabaram entediando, sente-se de novo ofendido por eles, e, sem motivos para esperança, usa entretanto essa extraordinária palavra, talvez para que ela não seja de todo abolida de um texto de nossa época.
Rio, março de 1962
1 Texto que constava na primeira edição, atribuído ao próprio Carlos Drummond de Andrade. (n.e.)