OMAYRA SÁNCHEZ, DE TREZE anos, agoniza diante das câmeras de televisão do mundo inteiro. Só sua cabeça e seus braços aparecem no barro endurecido dentro do qual uma coluna de concreto aprisiona suas pernas. A paisagem de desolação que cerca a adolescente, quilômetros e quilômetros de lama nos quais aparecem apenas a copa de uma árvore e os restos de uma vaca afogada, parece se estender até o infinito. Para tirar Omayra dali e levá-la até um hospital onde possam amputar suas pernas, vão precisar de dias. Enquanto a gangrena gasosa vai invadindo seu corpo, a menina transmite uma mensagem de esperança a milhões de compatriotas que, comovidos com seu sofrimento e sua valentia diante da morte, a observam impotentes de todos os cantos do planeta. Os colombianos sabem que é impossível salvá-la, e não podemos fazer mais nada além de assistir à sua agonia e rezar para que sua dor termine logo. Sessenta horas depois, aquele anjo nos deixa para sempre e voa ao céu, onde já a esperam as almas de outras 25 mil vítimas e, inocentes ou culpadas, de cem dos mortos na invasão do Palácio da Justiça dez dias antes.
A menina Omayra é apenas uma entre os 21 mil feridos e vítimas que sobreviveram ao drama ocorrido em Tolima. Em questão de minutos, uma erupção da cratera Arenas do vulcão Nevado del Ruiz jogou lava e rocha vulcânica no pacífico rio Lagunilla, que, perto da meia-noite, desceu sobre Armero transformado numa tromba-d’água de quilômetros de largura. A torrente de lama e escombros literalmente apagou do mapa a próspera população de noventa anos. Todas as tragédias que acontecem na Colômbia são anunciadas, e essa não foi uma exceção: havia vários meses os vulcanologistas tinham avisado sobre as enormes fumarolas da cratera, mas a tradicional indiferença do Estado decidiu ignorá-las porque, como o governo poderia evacuar 50 mil pessoas e onde poderia alojá-las durante dias ou semanas?
As catástrofes em sequência deixam o país mergulhado no luto e na mais profunda sensação de impotência. Mas a de Armero se transforma numa verdadeira bênção para os militares, que — já cansados de violentar, asfixiar, tirar a pele, arrancar as unhas, lavar em ácido sulfúrico, incinerar, enterrar ou jogar em lixeiras os detidos do Palácio da Justiça —, para recuperar a qualquer custo sua imagem de servidores em épocas de calamidade pública, colocaram à disposição de dezenas de milhares de pessoas que ficaram inválidas, feridas ou sem-teto todos os seus homens, recursos, aviões e helicópteros. Do dia para a noite, deixaram de ser os vilões e passaram a ser os salvadores.
Todo aquele pavor com as histórias sem fim de sofrimentos insuportáveis e perdas irreparáveis passa de manhã, de tarde e de noite na televisão; toda aquela torrente de lágrimas e aquela dor coletiva se juntam ao meu sofrimento, e, diante da aceitação final do egoísmo, da cegueira e da irresponsabilidade do homem que eu amava, fico me sentindo culpada por estar viva e desejando apenas ficar em paz com os mortos.
Alguns meses depois, minha amiga Alice de Rasmussen me convida para passar alguns dias em sua casa nas ilhas de Rosario, o pequeno arquipélago situado a 55 quilômetros de Cartagena das Índias. O Parque Nacional é uma série de ilhotas de corais que pertencem à nação, mas, sobre eles, dezenas de famílias tradicionais e ricas de Cartagena, Bogotá e Medellín construíram todo tipo de casas e mansões, tecnicamente denominadas “melhorias”. Na Colômbia, país de Ripley, as práticas comuns acabam se tornando legais, o que quer dizer que, mesmo as ilhas pertencendo ao Estado, sua superfície é de quem se apropriou delas com a finalidade de melhorá-las mediante construções ostensivas. E quem se importa que a parte submersa de uma ilhazinha, na zona colombiana do turismo de luxo seja de outro? Em 1986 já não resta nenhum terreno vazio, cada lote vale uma pequena fortuna e o preço da casa mais humilde não é menor do que 250 mil dólares.
Rafael Vieira Op Den Bosch é filho de um dos colonos brancos do Parque Ilhas de Rosário com uma mãe caribenho-holandesa. Tem 34 anos e, mesmo que não tenha zoológico, é um ecologista respeitado pelos turistas, por seus vizinhos e pelo próprio diretor da reserva sobre cujos domínios ele e sua família construíram o rentável negócio do Aquário das Ilhas. Rafa, como todo mundo o chama, não é rico, mas vende oitocentos almoços por dia. Não é baixinho, feinho e gordinho, mas altíssimo, belo e atlético. Não tem speed-boats, mas uma enorme lancha de pesca. Não coleciona girafas nem elefantes, mas barracudas e golfinhos, e a única similaridade que tem com Pablo Escobar é Pancho Villa: enquanto Pablo mata pessoas — e nas suas fotos com chapéu e roupa de ginete parece a reencarnação do bandido mexicano —, Rafa só tem como sequestrado “Pancho Villa”, um feroz tubarão-limão, e, sem chapéu e em seu eterno e minúsculo calção de banho, parece uma cópia de Kris Kristofferson.
Faz meses que estou triste e terrivelmente só, e não custa muito para eu me apaixonar à primeira vista por alguém tão bonito como Rafael Vieira. E, como ele diz que também se apaixonou ipso facto pelo meu sorriso e meu corpo, me batiza de “Pussycat”, e começo a viver com ele desde o primeiro dia, com seus peixes, crustáceos, golfinhos, escualos32 e sua causa: a preservação da vida marinha num país e num parque nacional onde uma das mais antigas tradições é a pesca com dinamite para ganhar tempo e proveito, porque o que importa é o rum e o hoje, e não os filhos nem o amanhã.
Em San Martín de Pajarales, a pequeniníssima ilha dos Vieira, não há praias nem palmeiras, e a água doce é um luxo. Nela vive também uma dúzia e meia de trabalhadores afro-colombianos descendentes dos povoados originais das ilhas e a mãe de Rafael, porque seu pai e sua madrasta moram em Miami e os irmãos, em Bogotá. Há uma dezena de casinhas, e a nossa porta está sempre aberta. Rafa trabalha todo o dia na ampliação de seu aquário, e eu nado, mergulho e aprendo os nomes de toda a fauna marinha do Caribe em latim, inglês e espanhol. No melhor espírito de Cousteau, me transformo numa autêntica expert na etologia de crustáceos; e no melhor espírito de Darwin, nas razões pelas quais os tubarões têm 300 milhões de anos de evolução e um “design perfeito”, enquanto nós humanos temos só 5 milhões e todo tipo de defeitos, como a minha miopia. Entendo que é porque os homens descendem de macacos que demoraram milhões de anos para aprender a caminhar em duas patas e muito mais para se transformar em caçadores, e não das espécies marinhas, mais inquisitivas, livres e aventureiras.
Rafa me ensina a pescar, a mergulhar com tanque e a perder o medo das arraias que às vezes brincam conosco e das curiosas barracudas que nadam em volta dos humanos para estudar a espécie mais predadora e única torturadora do planeta. Ele me convence de que no mar os animais não atacam, a menos que alguém pise neles ou que sejam mal caçados com arpão, mas eu me nego a aprender a fazê-lo corretamente porque não gosto de matar nem fazer mal a nenhuma criatura, e prefiro cuidar de todas. A cada dia que passa, desço a maiores profundidades sem a ajuda de snorkel e minha capacidade pulmonar vai se ampliando. Como nado seis a sete horas por dia distâncias cada vez maiores, começo a me transformar numa atleta e a parecer muitos anos mais jovem. Ao final do dia, Rafa e eu tomamos sempre um drinque para contemplar o pôr do sol sobre um horizonte incandescente de uma pequena doca que ele construiu com suas próprias mãos — como quase tudo na ilha —, e falamos de temas ambientais, suas viagens pela África, os animais e a evolução. Ele também não gosta de livros, mas das histórias, e à noite leio para ele as de Hemingway. Minha vida é agora inacreditavelmente simples, e estamos tão felizes que falamos na possibilidade de nos casar mais adiante e, inclusive, ter filhos.
A cada seis semanas passo uns dias em Bogotá, que agora me parece uma cidade inóspita e estranha onde é preciso andar sempre com as defesas de uma fémina sapiens — unhas de bruxa grandes e pintadas, maquiagem, penteado, terninho de alfaiate com blusa de seda, meias longas e sapatos de salto stiletto — e viver em função de um monte de gente cosmopolita e maliciosa que sempre está falando de infidelidades e conspirações e que me olha com profunda compaixão e um pouquinho de inveja porque deixei minha carreira, minhas viagens e minha vida social para viver numa “ilha microscópica por amor a um beach boy, com fama de bonito, mas sem dinheiro”. Dou uma passada no meu apartamento, pago as contas e volto rapidamente para minha vida marinheira e para os braços amorosos de Rafa. Uma manhã, verificando o correio, numa daquelas visitas em meados de 1986, abro um envelope especial para transporte de documentos que parece conter uma revista.
Nada, nada no mundo, poderia me preparar para o que ele contém: as fotos de dezesseis cadáveres despedaçados me devolvem à realidade da Colômbia continental; um texto de anônimo, ao homem que deixei de ver e de amar há meses e cuja lembrança deixou de ter o sabor agridoce de um fruto proibido para se transformar numa sucessão de memórias, cada vez mais apagadas, de incertezas e agonias tão difíceis quanto inúteis. É evidente que alguém andou falando da nossa reunião com o M-19 a um dos membros dos órgãos de segurança ou da inteligência militar, e alguém possivelmente envolvido nas mais tenebrosas torturas. Alguém, que acusa Pablo e Gonzalo de crimes ainda mais atrozes de todos os que já pude imaginar, jura me fazer pagar por eles com cada gota do meu sangue e cada milímetro da pele do meu corpo. Depois de chorar algumas horas, rezando pela alma daquelas vítimas para que me iluminem sobre o que devo fazer, tomo a decisão de telefonar para duas pessoas: uma conhecida, para dizer que mudei de ideia a respeito de um diamante de 62 quilates do qual tinha me falado e que, sim, desejo mostrá-lo ao colecionador (o proprietário está pedindo 1 milhão de dólares por ele e me oferece 100 mil de comissão por sua venda); e para minha amiga Susanita, vendedora de bens imóveis, para pedir que ponha o meu apartamento à venda. Em seguida, em vez de viajar para Cartagena, tomo o primeiro avião para Medellín.
Gustavo Gaviria me recebe imediatamente, com o mesmo carinho distante, ainda que sincero, de sempre. Enquanto falamos do seu negócio, dos meus contratos cancelados e da situação do país, noto no fundo de seu olhar o que parece ser o começo de uma profunda desilusão existencial. Depois de alguns minutos de conversa, mostro a ele o diamante que, segundo me disseram, pertenceu a uma casa real europeia. Pegando uma lupa de joalheiro que lhe permite detectar o carvão mais insignificante na pedra aparentemente mais perfeita, começa a analisar aquele cristalino ovo de codorna que eu trouxe.
— Realmente, é uma das maiores pedras que já vi em toda a minha vida… cobre uma falange inteira… sim, deve ter sido de uma coroa… pelo preço, sabemos que é roubado… mas está muito claro… amarelo, nem branco, nem canário… não está caro… mas eu não gosto da cor… e tem carvões…
— Meu Deus, Gustavo! Você e eu sabemos que se fosse D-Flawless ou canary custaria quatro ou cinco vezes mais…
Alguém bate à porta e, sem esperar que Gustavo autorize, entra e a fecha atrás de si.
— Mas olha quem está aqui! Nada menos que a Sereiazinha em pessoa! Quanto bronzeado! E a que devemos a honra?
— Veio me mostrar isto, Pablo — explica Gustavo, mostrando o diamante. — Virginia teve até os contratos publicitários cancelados e precisa do dinheiro da comissão.
Ele pega a joia que brilha entre o polegar e o indicador e a estuda com o braço estendido, a distância, como o faria com o dedo do cadáver em decomposição do seu pior inimigo. Seu rosto revela tanto nojo que, por um instante, acho que vai jogar o milhão de dólares pela janela. Em seguida, como se tivesse que se sobrepor ao desejo de fazê-lo, olha o sócio e brada:
— Mas esta é a sede de um negócio de entorpecentes, não Harry Winston! E com ela, nós não fazemos negócios. Se ela precisa de dinheiro, que se entenda comigo! E não esqueça, meu irmão, que estão nos esperando para a reunião.
Com um profundo suspiro, Gaviria me diz que não compra diamantes de semelhante tamanho porque numa emergência são impossíveis de trocar ou vender pelo valor original. Pergunto como alguém com 1 bilhão de dólares em dinheiro poderia ter problemas de liquidez com apenas 1 milhão, e ele, dando de ombros com um sorriso resignado, responde que os ricos também choram. Gustavo se despede de mim com um beijo na bochecha, e, quando estamos a sós, entrego a seu primo o envelope com as fotos e o bilhete anônimo.
— Acho que você deve ver isto que chegou pelo correio e que eu estava pensando em deixar com Gustavo. Parece que, por algo que você e o Mexicano encomendaram, alguém quer fazer comigo o mesmo que vocês fizeram com essas pessoas. Quem mais sabia da nossa reunião com Iván Marino, Pablo? E quem está por trás da morte de Álvaro Fayad em março?
Ele abre o envelope e joga o conteúdo sobre a mesa. Fica mudo, atônito, estupefato e se senta. Não fica lívido, porque nada poderia fazê-lo empalidecer e porque Pablo Escobar nunca tremeu diante das coisas que fariam qualquer ser humano perder o rumo. Com a pinça de joalheiro de Gustavo, vai pegando cada uma das dezesseis fotos e as estuda em silêncio; em seguida lê em voz alta alguns dos trechos do texto que as acompanha e, finalmente, me diz:
— Acho que eu e você vamos ter que conversar. E por muito tempo… Está cansada?
Respondo que não, mas que Rafael me espera esta noite em Cartagena. Ele me pede que, então, vá devolver esse diamante e faça a minha amiga acreditar que vou viajar e que o espere no seu apartamento até que ele possa se desocupar, porque o que ele precisa me dizer é assunto de vida ou morte.
— Liga para o seu namorado, ou quem quer que seja, e diz que perdeu o avião e chegará amanhã. E fica tranquila, que ninguém vai te fazer mal e eu também não tenho a intenção de tocar em um fio de cabelo seu. Vou ficar com essas fotos para pedir a uns amigos meus que comparem as impressões digitais para saber quem foi o depravado que as tirou, o esquizofrênico que as mandou e o filho da puta suicida que está me acusando de pagar por essa carnificina!
— Não, não, Pablo! Essas fotos têm centenas de impressões digitais minhas, e você vai piorar as coisas! Não vá mostrá-las a ninguém, nem tentar verificar como foram tiradas, eu te imploro! Eu vivo numa ilhazinha com um homem que é quase um anjo e não tenho culpa dos crimes que todos vocês cometeram! — digo, explodindo em choro e tentando recuperar as fotos.
Ele fica de pé e passa um braço pelos meus ombros. Quando consegue me acalmar, guarda as fotos e o envelope e promete que vai queimá-las depois de tê-las estudado devagar para ver se os rostos correspondem aos desaparecidos do Palácio da Justiça, quer dizer, o que sobrou deles depois da ação do ácido sulfúrico. Insiste que eu devo ficar esta noite em Medellín e, quando aceito a contragosto, se despede e sai apressado. Seguindo suas instruções, ligo para Rafael e digo que chegarei no dia seguinte porque cancelaram meu voo pelo mau tempo — jamais poderia falar com ele sobre o medo que sinto, e muito menos minhas razões para dividi-lo com Pablo. Quando chego ao apartamento e largo minha mala sobre a cama para tirar algumas coisas, observo que entre as lãs grossas do tapete há algo que brilha: é uma pulseirinha de ouro diminuta, e eu a experimento. O meu pulso é quase tão fino como o de uma menina, mas, para que pudesse fechar em mim, essa joia de valor insignificante teria que ser uns três centímetros mais longa.
Ao ver Pablo algumas horas depois, me dou conta de que, nesse último ano, ele envelheceu cinco. Tem apenas 36, mas o seu andar parece mais lento e menos seguro. Observo que ganhou peso e suas têmporas estão começando a ficar grisalhas; acho que as minhas também, mas as mulheres podem esconder mais facilmente. Parece mais tranquilo que de tarde, mas está cansado e triste, como se precisasse de um bom abraço. Todo o seu rosto é um ponto de interrogação; todo o meu, uma enorme acusação. Ao ver nossos reflexos separados no espelho em que tantas vezes nos vimos juntos, comenta que estou dez anos mais jovem que ele e pareço uma estátua de ouro, e eu agradeço de forma educada por um elogio pelo qual há um ano eu teria agradecido com cem beijos. Quer saber por que mudei o número do telefone sem avisá-lo, e com meia dúzia de frases breves e cortantes explico minhas razões. Depois de um de seus silêncios cabisbaixos, ele suspira, levanta o rosto e diz que me entende. Em seguida, me olha com algo parecido com uma nostalgia por todos os sonhos que se foram, sorri tristemente e acrescenta que, de fato, está muito feliz de me ver e de poder voltar a falar comigo ainda que só por algumas horas. Pergunta se eu me importaria que se recostasse na cama e, quando digo que não, se joga pesadamente sobre ela, coloca as mãos cruzadas debaixo da nuca e começa a me contar histórias da vida real e de tempos tão recentes como a de 6 de novembro do ano anterior:
— A secretária do magistrado Carlos Medellín foi levada ao hospital Simón Bolívar com queimaduras de terceiro grau. Quando os uniformizados chegaram para vê-la, o diretor da ala dos Queimados tentou se opor, eles ameaçaram acusá-lo de colaborar com “essa guerrilheira” e levá-lo detido para um quartel para interrogá-lo. A inocente senhora foi descarnada por horas na Escola de Cavalaria do Exército e morreu enquanto aqueles animais literalmente arrancavam sua pele aos pedaços. Roubaram o bebê de uma mulher que deu à luz no caminhão do Exército e, depois do parto, torturaram a moça ali mesmo até matá-la. O cadáver despedaçado de outra grávida foi jogado no lixão de Mondoñedo. Pilar Guarín, uma jovem que nesse dia estava fazendo uma substituição na cafeteria, foi estuprada durante quatro dias em guarnições militares. Colocaram Pilar e vários homens em recipientes com ácido sulfúrico, e outros foram enterrados no cemitério da Escola de Cavalaria, onde estão centenas de milhares de desaparecidos do governo Turbay. E sabe por que fizeram tudo isso? Para tentar obter informação sobre 7 milhões de dólares que eu supostamente teria dado ao M-19 com a finalidade de dividir entre os militares e os órgãos de segurança. As torturas não eram para averiguar quem tinha financiado a invasão — eles já sabiam —, mas para saber o paradeiro de Álvaro Fayad e de todo esse dinheiro, incluindo o que já tinha sido entregue a Iván Marino Ospina.
— Quanto você realmente deu ao M-19, Pablo?
— Dei 1 milhão em dinheiro vivo para Iván Marino e prometi a eles outro milhão em armas e apoio econômico mais à frente. Graças à pista de aterrissagem da fazenda Nápoles pudemos trazer alguns explosivos, mas as armas e munições não chegaram a tempo, e essa foi a tragédia: a invasão teve que ser adiantada porque naquele dia a Corte ia começar a avaliar nossas extradições e as evidências contra nós eram esmagadoras. O M-19 só queria lançar um protesto e exigir explicações do presidente, mas deu tudo errado. Os militares atearam fogo no palácio e assassinaram todos os magistrados para que não sobrassem testemunhos de nada do que aconteceu ali dentro. Contaram tudo para Gonzalo, que me contou. Diante de você, posso reconhecer que com esse milhão e cacetada de dólares fiz o melhor negócio da minha vida; mas por mais próximo que eu seja do B-2, por mais que odeie a esquerda, nem o Mexicano nem eu pagamos o Exército para que assassinasse seis comandantes do M-19! Essa é a pior canalhice que já escutei em toda a minha vida, porque Fayad e Ospina eram não apenas meus amigos, como a única conexão de todos nós com Noriega, os sandinistas e Cuba. Não tenho motivo para mentir para você, Virginia, porque me conhece muito bem e quero que você saiba que foi assim que aconteceu. E agora posso te confessar que naquela noite eu queria que os comandantes máximos do M-19 te conhecessem porque sabia que iam exigir espaços nas redes de rádio do governo e pensava que você poderia trabalhar nesses espaços.
Pergunto quem mais estava sabendo de suas reuniões com Ospina e Fayad, e ele me responde que só os seus homens de maior confiança. Pergunto quantos deles sabiam da minha presença em meados de agosto de 1985; ele parece se surpreender e responde que, como sempre, só os dois que tinham me levado e trazido ao hotel. Digo que há um traidor entre seus homens: é quase certo que contou para alguma das suas namoradas en passant de nossa reunião e ela ligou para os órgãos de segurança para me acusar e, assim, me fazer desaparecer do mapa ou me obrigar a sair do país. Agora, alguém com a mentalidade mais distorcida da Terra quer me vender a ideia de que ele e o Mexicano pagaram o Exército para que assassinasse tanto os magistrados como os guerrilheiros, com a finalidade de não ter que pagar o dinheiro prometido ao M-19 se a invasão fosse bem-sucedida. Ele comenta que, se fosse assim, o Exército e os órgãos de inteligência mandariam nele pelo resto de seus dias e seriam muito mais caros do que o M-19.
— Pablo, não me interessa saber quem falou de nosso encontro com Ospina, mas você deve começar a cuidar de seus próprios homens e dessas prostitutas caras que você compra o tempo todo; você tem um exército que te protege, enquanto eu estou à mercê dos seus inimigos. Sou uma das mulheres mais famosas deste país, e, quando me despedaçarem ou desaparecerem comigo, os detalhes da nossa relação vão se tornar públicos, vão te acusar da minha morte e todas as suas vagabundinhas, modelos e prostitutas vão cair fora.
Jogo a pulseirinha de ouro e lhe digo que é muito grande para ser de sua filha Manuela.
— Isso é de uma menina! Você está virando um viciado em maconha e não apenas está se transformando em vítima da sua própria invenção, como está a caminho de virar um depravado! O que você pretende encontrar em todas essas virgens? Seu único ideal feminino, a repetição e a insistência daquela que algum dia foi a mulher dos seus sonhos, a menina de treze anos por quem você se apaixonou?
— Eu não permito que ninguém fale assim comigo! Mas quem você pensa que é? — esbraveja, se levantando e saltando em cima de mim como uma fera. E enquanto me sacode como uma boneca de pano, eu, sem conseguir me controlar, grito:
— Estou achando que sou sua única amiga de verdade, Pablo! A única mulher que nunca exigiu nada de você, nem te pediu que a mantivesse, que não teve a mínima intenção de pedir que você deixasse a sua mulher, nem quis ter filhos contigo! A única mulher importante que te amou e te amará enquanto você viver! A única que perdeu tudo pelo que trabalhou toda a vida por te amar, a única que o sétimo homem mais rico do mundo deixou com as mãos vazias e sem nenhuma forma de conseguir se sustentar. Você não tem vergonha? E, quando eu acreditava que o que tivemos ficou no passado e que podia ser feliz com um homem bom, ganho um presente desses de um torturador profissional! Eu te trouxe as fotos para que você veja o que fizeram com todas essas mulheres inocentes por culpa da sua tal causa, para te falar de coisas que ninguém se atreve a dizer, porque sou a única pessoa que não tem medo de você e a única na sua vida que tem consciência! Você sabe que a tortura me apavora, Pablo. Então me mate de uma vez por todas, antes que eu caia nas mãos desses depravados! Faça você mesmo, que já “apertou” duzentas pessoas e é um expert de nível mundial em técnicas de asfixia! Mas desta vez faça rápido, eu te imploro!
— Não, não, não! Não me peça uma coisa tão horrível, porque você é um anjo e eu só mato bandidos, e essa é a última coisa que me faltava escutar nesses meses! — diz, tratando agora de me acalmar, de me calar, de me tomar em seus braços enquanto eu não paro de dar socos nele. Quando me canso e, derrotada, soluço com a cabeça em seu ombro, ele beija meu cabelo e pergunta se ainda gosto dele um pouco. Digo que faz um tempo que eu deixei de amá-lo, mas vou gostar dele até o dia em que morrer porque é o único homem que foi bom comigo… e com os pobres mais miseráveis. No longo silêncio que se segue, só se escuta o meu choro; em seguida, como se falasse para si mesmo enquanto vou recuperando a calma em seus braços, começa a dizer com uma enorme ternura:
— Talvez seja melhor mesmo que você viva um tempo nas ilhas, meu amor… Me sinto mais tranquilo do que se você estivesse em Bogotá… Deus sabe como conduz as coisas… mas você vai se cansar rápido, porque precisa de asas… e de um homem de verdade… Você é muita mulher para um menino como esse… Você… de Jane com o Tarzan do aquário! Quem diria!
Comento que, depois do Tarzan do zoológico, qualquer coisa é possível na minha vida. Rimos com uma certa resignação, e ele se senta ao meu lado e seca minhas lágrimas. Depois de pensar por um tempo, me diz:
— Vou te propor um trato: como agora você tem tanto tempo livre, por que não inclui no roteiro do filme toda a verdade do que aconteceu no Palácio de Justiça? Se os italianos não te derem os 100 mil dólares, eu dou. E como adiantamento.
Conto que o jornalista italiano já disse que os produtores não pagariam esse valor, e acrescento:
— Além disso, eu teria que ir embora do país e me despedir da minha vida com Rafael. Em todo caso, você deve entender que a essa altura eu não poderia escrever uma versão apologética do que aconteceu… nem das suas motivações existenciais, Pablo.
Ele olha para mim ofendido e, com uma profunda tristeza na voz, me pergunta se agora eu também o vejo só como um delinquente, um bandido cheio de dinheiro.
— Se a pessoa que eu mais amei na vida foi apenas um criminoso de sucesso, então que mulher eu seria? Sei que o que aconteceu no palácio saiu do controle de vocês, do M-19 e de Belisario, mas sei também que com esse massacre você vai derrubar a extradição. Não espere que eu te parabenize, Pablo, porque tudo o que está acontecendo como consequência do seu negócio e dos seus atos me assusta. Eu só posso te dizer que, agora que colocou o país de joelhos, não tem sentido continuar assassinando as pessoas. Não se orgulhe dessa vitória diante de ninguém e, para o resto dos seus dias, negue qualquer participação nessa invasão, para ver se finalmente você descansa desse inferno em que vive e deixa o resto das pessoas viver em paz. Eu guardarei o segredo, se é que pode ser chamado assim, mas você terá que carregar na sua consciência tudo isso que me contou. Por sua vez, cada um desses carniceiros terá que prestar contas a Deus mais cedo ou mais tarde. E, segundo os irlandeses, está historicamente provado que a maldição “The crimes of the father…” não falha: a dívida pelos crimes que o pai não pagou em vida passa à sua prole.
Talvez para não pensar nos seus filhos, Pablo muda de assunto e decide falar comigo da dor que sentiu depois da perda de Iván Marino Ospina. Ele me conta que o Exército o matou em Cali, numa propriedade de Gilberto Rodríguez, e que o encarcerado chefe do cartel de Cali chorou a sua morte.
— Seu amigo e sócio na invasão morreu numa casa de Gilberto? Depois do luto do fundador do MAS e dos chefes máximos de ambos os cartéis pelo comandante de um grupo guerrilheiro, a única coisa que está me faltando ver neste país é Julio Santo Domingo e Carlos Ardila Lülle abraçados e chorando por Tirocerto, que morreu depois de ingerir uma garrafa de refajo! (Bebida que mistura cerveja Bavaria e refrigerante Postobón.)
Ele me pergunta por que cancelaram também meus contratos publicitários, e eu explico que, segundo o jornalista Fabio Castillo do El Espectador, “Pablo Escobar me deu a fábrica de Meias Di Lido e um estúdio de televisão para que eu não tivesse que sair de casa para gravar os meus programas”. A família Kaplan se sentiu insultada e deu meus contratos por terminados. Com o argumento de que uma celebridade dos meios de comunicação seria muito cara, me substituíram por uma modelo; ninguém voltou a comprar os produtos, e a marca faliu. Acrescento que quase todos os jornalistas do país sabem que no meu apartamento não poderia caber um estúdio de televisão, mas nem um único deles saiu em defesa da verdade, e, ainda que todas as minhas colegas saibam que eu nunca apanhei e que tenho uma pele perfeita, as mulheres que levaram anos fazendo intrigas para me tirar da televisão, inclusive a prima de Santofimio e sua filha, nora do ex-presidente Alfonso López, repetem diante de todo mundo que quiser ouvir que, depois de sofrer uma série de terríveis desfigurações no rosto e o mesmo número de cirurgias plásticas, me aposentei dos meios de comunicação para me transformar apenas numa mulher sustentada por Pablo Escobar.
— Essas mulheres parecem as irmãs da Cinderela… e o El Espectador e Fabio Castillo orquestraram todas essas canalhices para te deixar sem trabalho. Já me contaram que há um consenso entre os diretores dos meios de comunicação para fazer agora o que não tiveram coragem de fazer quando você estava comigo. E o coronel da polícia que levou a DEA até os laboratórios de Yarí foi o mesmo que entregou a esse jornalista miserável um monte de informações para um livro cheio de mentiras. Mas eu vou me encarregar de todos eles, meu amor: “Sente-se na porta da sua casa para ver desfilar o cadáver do seu inimigo”, porque os seus são, antes de mais nada, os meus.
Eu me levanto da cadeira e me sento na cama, perto dos seus pés. Digo a ele que os meus provérbios chineses são “Golpe que não quebra as tuas costas te endireita” e “O que acontece é sempre o melhor”. E digo que, se ele derrubar a extradição, deve me prometer que só vai pensar em construir no meio século de vida que ainda tem pela frente e deixar de lado essa “bendita obsessão” pelo que dizem os meios de comunicação. Insisto que nem ele e nem eu somos juízes, nem verdugos, nem deuses e dou a ele cem argumentos para provar que, longe de todas essas pessoas perversas, agora sou quase tão perfeitamente feliz que não sinto falta da fama, nem da minha vida social, nem da minha carreira diante das câmeras.
Ele me escuta em silêncio, perscrutando meus olhos, meus lábios, cada milímetro da minha expressão com o olhar de connoisseur que reserva para os outros e, raras vezes, usa comigo. Em seguida, com essa autoridade que lhe dá a certeza de me conhecer como ninguém, responde que estou me enganando, que fugi para essa ilha para não pensar em todo o mal que me fizeram e que me refugiei nos braços de Rafael para tentar esquecê-lo. Acaricia a minha bochecha pensativo e observa que acha estranho que eu tenha a alma tão limpa e que nesses anos ao seu lado não tenha me sujado com a dele, que está mais negra que um carvão. Subitamente se levanta como uma mola, me beija na testa, agradece minha ida até Medellín para levar provas de algo tão grave e, antes de se despedir, me obriga a prometer que lhe darei meu número de telefone cada vez que mudar, que estarei por perto sempre que ele precisar, como ele estará para mim, num número particular e muito seguro, e que não sairei da sua vida completamente.
— Prometo, mas só até o dia em que eu voltar a me casar. Você tem que entender que, a partir desse dia, eu e você não poderemos voltar a nos falar.
Vou embora de Medellín um pouco mais tranquila do que cheguei e convencida de que, se a extradição cair, Pablo poderá começar a reconstruir sua vida sobre o legado do espírito generoso e da visão privilegiada pelos quais eu tinha me apaixonado havia quase quatro anos. Durante o voo para Cartagena, rezo pela alma das mulheres torturadas para que compreendam o meu silêncio, porque não sei para quem eu poderia denunciar todos esses crimes contra a humanidade cometidos por assassinos e ladrões de aluguel do Estado. Sei que, só de falar sobre os horrores confirmados por Pablo, os meios de comunicação cúmplices dos poderosos exigiriam que me jogassem numa prisão por participação em sabe-se lá Deus o quê, para a alegria de um país onde os covardes costumam atacar as mulheres porque não têm força para enfrentar homens como Escobar.
Para tentar lavar minha memória das imagens de suplícios arrepiantes e agonias aterradoras, que nem sequer Pablo naquele dia com a Beretta foi capaz de me preparar, submerjo nas águas do mar e tento nadar até a ilha grande que temos em frente, essa sim virgem graças à fundação da família Echavarría que a comprou para evitar sua colonização. São seis milhas náuticas de ida e seis de volta para San Martín de Pajarales, um trajeto que implica seis horas de nado se o mar estiver tranquilo. Não comento com Rafa sobre meus planos, porque não sou uma boa nadadora de crawl e decido que, para me transformar em uma, na minha próxima viagem a Bogotá vou operar os olhos e poderei deixar de lado as lentes de contato.
Na primeira vez que chego à minha meta, graças ao pé de pato, à máscara e ao snorkel — que me permitem dar impulso sem maior esforço e nadar sem ter que tirar o rosto da água para respirar —, me parabenizo, cheia de orgulho, agitando os braços para o alto. Saí de casa às sete horas da manhã, porque nas ilhas a atividade começa um pouco depois do nascer do sol, e cheguei às dez horas. No meu trajeto solitário não vi tubarões nem animais grandes, e concluo que é por causa da pesca com dinamite e dos motores das embarcações turísticas, que destroem os arrecifes de corais e são o único perigo real nesse pequeno arquipélago. Depois de descansar uns minutos naquela praia deserta que só fica cheia de turistas aos domingos, começo a voltar, já com muito mais confiança, e chego a San Martín à uma da tarde, a tempo de almoçar. Quando Rafa me pergunta por que estou tão contente, não conto a verdade porque sei que ele teria um ataque. Prefiro dizer que vou deixar de nadar tanto para começar a escrever num alpendre abandonado de uma ilhota que fica a poucos metros de nós. Explico que, na minha dupla condição de pessoa vetada aos meios de comunicação e futura cega, sempre sonhei que meus colegas da associação pudessem gravar livros quando estiverem sem trabalho, para que os que não enxergam possam escutá-los em suas vozes maravilhosas. Comenta que as pessoas que têm preguiça de ler também adorariam, mas que ele queria escutar as minhas histórias narradas por mim.
— E sobre o que você vai escrever, Pussycat?
Digo que histórias de mafiosos, como O poderoso chefão, e de caçadores e pescadores, como as de Hemingway.
— Uau! As de tubarões e de animais são fantásticas! Mas que não passe pela sua cabeça escrever sobre esses mafiosos degenerados que estão acabando com este país! Reconhecemos um narcotraficante desses no momento em que ele chega, mesmo que só esteja de sunga: a atitude de metidinho… a forma de caminhar… de olhar as mulheres… de comer… de falar… tudo! São asquerosos e imundos! Seriam capazes de mandar te matar, e eu ficaria sem a minha gatinha linda!
No domingo seguinte, quando estou descendo a escada de corda do segundo andar, onde ficam o nosso quarto e o terraço, para verificar de quem é o enorme iate que está estacionado em frente à casa, me encontro de repente com Fabito Ochoa — o irmão de Jorge, sócio de Pablo — e sua mulher, que observam encantados o aquário do restaurante enquanto Rafa fala com seus filhos sobre os cavalinhos-marinhos prenhos, que são os machos, e do “Monstrinho”, meu bichinho de estimação de uma espécie não identificada. Presumo que com a família real do narcotráfico da Antioquia, Rafa fez uma exceção, porque a verdadeira profissão dos Ochoa é o amor pelos animais e a criação dos mais belos exemplares equinos e taurinos, e sua outra atividade é só… um hobby muito rentável.
Quase todo mundo que passa pelas ilhas visita o aquário. Os poucos que não conhecem Rafa Vieira me conhecem, o que quer dizer que nossa vida social é muito mais ativa do que se poderia pensar. Certo domingo, enquanto almoçamos com Ornella Muti e Pasqualino De Santis, que estão filmando em Cartagena Crônica de uma morte anunciada, de García Márquez, o diretor de arte fica me olhando. Comenta que sou, “veramente, una donna cinematografica” e que não pode acreditar que eu tenha me aposentado das câmeras. Sei que muitos outros se perguntam sobre a minha ausência nas telas e nos microfones, e sei também que só Pablo e eu conhecemos as verdadeiras razões. Em todo caso, as palavras daquela lenda do cinema italiano me deixam feliz por vários dias, e mais ainda quando consigo repetir a façanha das doze milhas náuticas na semana seguinte.
Rafa e eu vamos frequentemente às festas das ilhas vizinhas, sobretudo as de Germán Leongómez, cuja irmã é casada com o almirante Pizarro. O filho deles, Carlos Pizarro Leongómez, se transformou no novo chefe do M-19 depois das mortes de Iván Marino Ospina e Álvaro Fayad. Pizarro é popularmente conhecido como “o comandante Papito”, por ser o único chefe guerrilheiro da história que nas fotos se parece com Che Guevara e não com um fugitivo da Prisão Modelo de Bogotá. E, por essas coincidências da vida, seu tio Germán, que eu tinha conhecido como aspirante à mão da muitíssimo mais rica viúva de Rasmussen, viria a ser pouco depois namorado da única congressista colombiana que poderia aspirar a uma carreira política na França: Ingrid Betancur.
Alguns meses depois volto para Bogotá porque, para saber se posso operar os olhos, devo tirar as lentes de contato por duas semanas. Decido passar esses dias no meu apartamento da capital e não na ilha, onde poderia sofrer acidentes como um escorregão ou acabar entre as barbatanas de Pancho Villa Terceiro. Apesar de apenas vinte pessoas conhecerem agora meu telefone e todos saberem que moro em Cartagena, encontro centenas de ligações na minha secretária eletrônica, desde as cotidianas de David Metcalfe e Armando de Armas, até dezenas daquelas de pessoas que desligam sem se identificar ou que desligam depois de me ameaçar de estupro e tortura. Poucos dias depois da minha chegada, Pablo me liga.
— Finalmente você voltou! Já se cansou de viver com o Tarzan?
— Não, não me cansei de morar com Rafael. Eu vim para ver se posso operar os olhos antes de ficar cega. E você, já se cansou do que sempre tem feito?
— Não, não, meu amorzinho: cada dia fico mais feliz fazendo maldades! Mas o que você faz todo dia nessa ilha, além de nadar e se bronzear? Você tem trabalhado no meu roteiro ou no romance?
— O romance, eu não consigo terminar… cada vez que encerro um capítulo, me horrorizo pensando que alguém possa ler aquilo e rasgo. Acho que você é a única pessoa do mundo para quem eu não teria vergonha de mostrar o que estava escrevendo…
— Fico muito feliz em ouvir isso! Isso sim é uma honra, meu amor! Vou falar com você de um telefone diferente a cada três minutos, o.k.? Câmbio.
Em meia dúzia de ligações sucessivas, Pablo me diz que quer me oferecer o melhor negócio do mundo: uma oportunidade única que só podemos discutir juntos e no mais absoluto sigilo e sobre a qual não pode me adiantar nada. Afirma que, para ficar tranquilo, quer assegurar o meu futuro de uma vez por todas, porque ficou muito triste ao me ouvir dizer que a minha carreira tinha ido para o espaço por culpa dele. Eu agradeço a oferta e respondo que realmente não tenho interesse em ser rica. No dia seguinte volta a me telefonar para insistir que quer me ressarcir das perdas, e de uma vez por todas. Ele me pede que imagine o que vai ser de mim se, por algum motivo, me separar amanhã de Rafael e ninguém voltar a me dar trabalho e, Deus não queira, se os médicos não puderem salvar a minha vista.
— Você percebe que se tivesse aceitado essa oferta do canal de Miami não teria toda essa felicidade que tem agora? Imagina somar isso tudo ao que vou te oferecer, para dar a volta por cima do que fizeram contigo e assegurar o seu futuro! É agora ou nunca, meu amor, porque na próxima semana… eu posso estar morto! Promete para mim que antes de voltar para Cartagena você vai passar aqui. Não me faça sofrer, porque é para o seu bem… e dos teus filhos… porque você me disse que queria ter filhos, ou não?
— Não sei… Você vai montar um canal de televisão e quer que eu trabalhe lá! É isso, não é?
— Não, não, não! É algo muitíssimo melhor! Mas eu não posso te adiantar nada.
— Está bem. Vou aparecer, mas, se não for algo que valha a pena, eu não volto a dirigir a minha palavra a você enquanto eu viver e desisto de ser sua biógrafa. Que esses jornalistas idiotas escrevam a sua história e digam que você não é mais do que um psicopata dono de girafas.
— É assim que se fala, meu amor! Escreva porque você, melhor do que ninguém, sabe que sou um psicopata desalmado. É bom para me respeitarem e terem mais medo ainda de mim!
Os médicos me avisam que não podem me operar, mas que a minha condição não é grave. Penso que é uma droga continuar usando lentes de contato e não vejo a hora de abraçar Rafa, que me liga diariamente para dizer que está com saudades. No caminho para Cartagena, paro umas horas em Medellín para cumprir o prometido a Pablo, que enviou uma pessoa de sua total confiança para coordenar os detalhes de nossa reunião. Já no apartamento, ele liga para dizer que está superatrasado e me implora para que o espere algumas horas; quando duas horas se transformam em quatro, sei que ele está me obrigando a passar a noite em Medellín. Ao chegar, pede desculpas argumentando que, cada vez que precisa me ver, deve esperar até estar completamente seguro de que não há “mouros na encosta”. Ele me explica que, por conta do material que me enviaram anonimamente, teve que voltar a interceptar meu outro telefone, o que todo mundo conhece, mas não podia me dizer até que nos víssemos pessoalmente; se justifica argumentando que, no caso de um sequestro, a identificação de todas essas vozes que me ameaçam poderia levar à minha localização e a meu resgate, mas eu me pergunto até quando Pablo Escobar vai continuar exercendo tantas formas sutis de controle sobre mim. Decido que, a menos que o negócio que quer me propor seja algo que realmente valha a pena e eu possa conciliá-lo com minha nova vida, quando chegar o momento direi a ele que estou comprometida com Rafa e que não poderemos mais nos ver.
Ele pergunta se eu quero “erva”, porque vai dar vários “tapas”. Fico surpresa, porque ele nunca tinha fumado na minha frente, e respondo que aceitaria feliz se a maconha me produzisse algum efeito interessante, mas me dá sono e durmo profundamente até o dia seguinte. Pergunta como é que sei disso e explico que meu marido argentino fumava com frequência e eu já tinha provado algumas vezes, sem muito sucesso.
— Esse cara tão velho? Que surpresa!
Conto a ele que “o Clã Stivel”, talvez o grupo de atores mais importantes e brilhantes da Argentina, fazia psicanálise coletiva nos anos 1970 com LSD sob supervisão de um psiquiatra mais louco que todos eles juntos, e que essa era a única droga que eu gostaria de experimentar para abrir as portas da percepção, como descreve Aldous Huxley em sua obra do mesmo nome. E falo da minha admiração pelo filósofo britânico, discípulo de Krishnamurti, dos seus estudos sobre o peiote e a mescalina, e comento que, em seu leito de morte, Huxley pediu para sua mulher injetar LSD para cruzar o umbral do outro mundo com total ausência de dor e com a clareza absoluta que ele tinha conseguido vislumbrar em outras vezes, durante a qual o tempo, o espaço e a matéria desapareciam. Pergunto se ele poderia conseguir ácido lisérgico para mim, para experimentar uma vez e guardar um pouquinho para o dia da minha morte.
— Você por acaso está sugerindo que eu me transforme num importador de drogas alucinógenas? Mas que proposta mais escandalosa, Almalimpa! Estou chocado!
A partir daquele dia, Pablo me chamaria assim sempre que quisesse ironizar ou debochar daquela que ele batizou como “o meu quádruplo moral em matéria de drogas”: um ódio visceral pela cocaína, o crack e a heroína, um profundo desdém pela sua adorada maconha, meu interesse pelos rituais com peiote e yajé das tribos mesoamericanas e amazônicas e minha secreta fascinação pela ideia de algo que, no momento de atravessar o mitológico rio Estige a caminho do Hades, pudesse me ajudar a substituir a dor e o pavor por essa absoluta compreensão que transcende todas as experiências da razão, descrita por Huxley, junto com a sensação de flutuar num éter leve e diáfano, além de todos os prazeres e os deleites mais sublimes.
Pablo me pergunta se consumi muita droga nas ilhas, e conto que todo mundo, menos Rafa, fuma e cheira toneladas. Insiste em saber se agora amo Vieira como antes o amei, e, para não responder o que ele quer ouvir, explico que existem tantas formas de amor quanto de inteligência: e que a prova disso é que animais tão deliciosos como os caracóis foram projetados e construídos por criaturas elementares com base no Número de Ouro, 1:618033, o mesmo utilizado nas grandes obras do Renascimento e padrão recorrente tanto nos exemplos de mais sucesso da arquitetura como nas mais impressionantes visões da natureza, incluindo alguns rostos humanos. Complemento que sempre tive fascinação pela ideia de que mentes tão diferentes como as de Deus, dos gênios e dos moluscos possam, racional ou instintivamente, aplicar a mesma proporção em composições retangulares para obter formas geométricas admiráveis.
Recostado na cama, Pablo me escuta em silêncio, mergulhado no que parece ser uma idílica sensação de paz. Naquele mesmo lugar onde uma vez ele me vendou para me acariciar com um revólver, observo friamente o rei das drogas sob o efeito do alucinógeno produzido por outros. De repente ele se levanta e vem na minha direção em câmera lenta e, pegando o meu rosto entre suas mãos, suavemente como se fosse beijá-lo e não quisesse me assustar, o estuda cuidadosamente e comenta que talvez sejam as proporções do Número Divino as que inspiram a fascinação que sempre sentiu por ele. Incomodada, respondo que nunca pensei nisso e, tratando de me soltar, pergunto sobre o que ele queria falar comigo. Ele acaricia as minhas bochechas e diz que gostaria de saber se para outros homens riquíssimos eu falava também das maldições irlandesas e de geometria. Surpresa, respondo que não, porque com eles apenas aprendia. Olhando para mim fixamente, e sem me soltar, pergunta se sinto algum afeto por aqueles magnatas. Como falamos dos grandes grupos econômicos, mas não de outros homens, respondo que nenhum, e insisto para que me diga de uma vez por todas para que me fez vir a Medellín. Pergunta se eu gostaria de tirar muito dinheiro desses velhos pães-duros e, quando rio e comento que só a ideia de uma coisa dessas já produz orgasmos mentais em qualquer pessoa, ele exclama em tom triunfal que era sobre isso, justamente, que ele queria falar:
— Vou sequestrar os homens mais ricos do país e vou precisar da sua ajuda. Te ofereço 20%… 20% de centenas de milhões de dólares, meu amor…
Então, Armando de Armas não estava mentindo!
Pablo chegou aos meus braços sendo ainda um menino, e, como em sua idade eu já era uma mulher, me acostumei a cuidar dele. Ele ainda não conhece aqueles homens como eu conheço, e, incrédula, eu digo:
— E para que você precisa sequestrar esses carinhas que têm 200 milhões, 300 milhões, 500 milhões de dólares, se você tem 3 bilhões ou mais? Você é mais rico que todos eles juntos, e se você se transformar em sequestrador, os seus inimigos vão dizer que não apenas ficou louco, mas também pobre, e vão te comer vivo! Isso que você fumou não é Samarian Gold, mas Hawaiian Platinum, Pablo. Meu Santo Deus: quão mais rico você ainda quer ser?
— Eu só dei três “tapas”, e se você continuar falando assim comigo, não volto a te propor bons negócios. Veja só: eu preciso de liquidez, porque as leis contra a lavagem de dinheiro transformaram a nossa vida num inferno e quase todo o dinheiro do negócio tem ficado fora do país. Não podemos trazê-lo em eletrodomésticos como antes, e Botero não pode pintar um quadro por dia nem De Beers extrair mais diamantes por semana, e as Ferraris não cabem mais nas garagens. A extradição vai cair, é verdade, mas, no momento em que os gringos abrirem processos nos Estados Unidos, vão botar preço nas nossas cabeças, sobretudo na minha. Isso quer dizer que, para a guerra que está chegando, preciso de milhões de dólares aqui na Colômbia, e não bilhões fora do país. E não existe nada mais caro do que uma guerra. Meus amigos do M-19 me ensinaram tudo o que eu precisava saber sobre sequestros, e contigo eu tenho uma expert nos grandes magnatas e uma das poucas pessoas da minha total confiança. Sempre pensei que você é um prodígio e que teria um sucesso fenomenal no meu mundo se você não tivesse tantos escrúpulos. Quer escutar o plano, ou vai fazer o tipinho Almalimpa?
Pablo não parece ter se dado conta de que agora ele também é um desses magnatas. Com o melhor sorriso, pergunto que tipo de sociedade propõe que façamos, e ele, entusiasmado, cai na armadilha.
— O meu primeiro objetivo são os engarrafadores: Santo Domingo é bem mais rico que Ardila, e eu o sequestraria em Nova York, onde anda sem guarda-costas, ou numa de suas viagens. Viram você saindo de um avião com ele e o seu amigo inglês… há um ano, lembra? Carlos Ardila tem a vantagem de que não pode escapar de mim, porque está limitado a uma cadeira de rodas. Luis Carlos Sarmiento te liga com frequência e se encontra contigo… Desculpa por escutar suas conversas, meu amor… E quanto a esse judeu dos óleos e sabonetes que é íntimo de Belisario, seu vizinho Carlos Haime, eu preciso que você me deixe usar seu apartamento enquanto estiver em Cartagena para observá-lo.
À medida que vai dando detalhes de como pretende sequestrar os quatro homens mais ricos da Colômbia, começo a ver que Pablo tem um plano perfeitamente orquestrado para mim. Explico que os Santo Domingo, Sarmiento Angulo, Ardila e Gutt têm exércitos de cem a 150 pessoas, tão fortes quanto os seus homens, treinados nos Estados Unidos e em Israel para uma única finalidade: evitar a todo custo que a guerrilha sequestre e tire um único centavo de qualquer um dos membros de suas famílias.
— Esse terror é um dos seus assuntos preferidos, principalmente depois do sequestro de Juan e Jorge Born na Argentina, e os de Camila Sarmiento, Gloria Lara e Adriana Sarmiento aqui na Colômbia. Até agora os super-ricos ainda não decidiram te odiar porque, mesmo que nunca reconheçam em público, em segredo aplaudem a fundação do MAS. Se sequestrar apenas um deles, todos esquecerão as diferenças e se unirão contra você. E você não faz ideia do que é a guarda pretoriana de Carlos Ardila, nem do que é Julio Mario Santo Domingo na qualidade de inimigo vitalício! Ele matou uma cobra enjaulada com apenas três cuspidas diante de um monte de gente. Para acabar com você ele só precisaria de quatro ou cinco, Pablo!
— Uau… pobre animalzinho!… Mas você, por acaso, não os odeia? Nunca te deram nada, e agora mandaram te vetar para que você morra de fome!
— Sim, mas uma coisa é detestar todos por uma ou outra razão, e outra é fazer mal a eles. E quanto a Luis Carlos Sarmiento, você deveria pensar melhor em se unir a ele: é o homem que mais entende de bancos na América Latina e poderia desenhar alguma fórmula para o probleminha dos seus “milhões excedentes”. Você colocou o seu exército à disposição quando sequestraram a filha dele, e para você é melhor negociar e tê-lo ao seu lado do que como inimigo: Por acaso você não percebe que é mais negócio legalizar 1 bilhão de dólares do que tirar 50 milhões dele? E, como você escuta as minhas conversas, já sabe que eu não tive nenhum problema em atender Gilberto Rodríguez.
Um relâmpago atravessa seus olhos.
— Mas, ao contrário desse presidiário, eu não gosto de bancos e cartões de crédito, mas do cheiro dos maços de notas! E odeio impostos quase tanto quanto Santo Domingo. Por isso é que ele, as Farc e eu somos os mais ricos do país! Vamos esquecer seus ex-namorados, porque está me parecendo que você quer proteger todos eles… Vamos baixar ao nível seguinte: você conhece os Echavarría, os donos de engenho de açúcar do Vale do Cauca, os floricultores da Sabana de Bogotá e todas essas pessoas riquíssimas que antes eram seus amigos. Todas as mulheres deles te deram as costas quando começamos a nos ver… e eu só quero te dar de bandeja a oportunidade de se vingar, meu amor: um por um, de todos eles!… E tem ainda essa outra mina de ouro: a comunidade judaica…
Faço com que ele entenda que, no momento em que tem em cima dele o governo dos Estados Unidos, o Estado colombiano e a imprensa, não pode atacar os ricos de nenhum nível, menos ainda a todos esses grupos guerrilheiros que, bem ou mal, não se metem com ele desde o sequestro de Martha Nieves Ochoa:
— Você é Pablo Escobar, o magnata mais rico da América Latina, o fundador de Morte aos Sequestradores, não Tirocerto! E sequestro é o negócio das Farc! Como você se sentiria se Tirocerto começasse a se transformar no novo Czar da Coca?
— Acabaria com ele no dia seguinte! Não duvide nem por um instante, meu amorzinho! Mas você tem que aceitar que o sequestro é tão rentável que as Farc estão mais ricas do que eu. E não sou um magnata, entende? Sou o maior criminoso da América Latina, e penso, falo e ajo como tal. Não me confunda com esses exploradores miseráveis, porque eu nasci com outros valores!
Tento fazê-lo enxergar que ninguém, por mais corajoso e terrível e rico que seja, pode enfrentar simultaneamente os gringos fora do país e todo mundo dentro dele, porque seria um suicídio. E, quando esgoto todas as razões lógicas, digo a ele, simplesmente, que sua morte me partiria o coração, que o amei mais do que a todos os meus ex-namorados juntos e que me daria um tiro no dia em que acabassem com ele.
Ele me contempla em silêncio e acaricia meu rosto com a mesma ternura de outros tempos. De repente, me abraça e exclama, feliz:
— Eu estava te testando, Almalimpa! Agora sei que, mesmo que tenha deixado de gostar completamente de mim e, inclusive, me deteste, no dia em que colocarem minha cabeça a prêmio você não conspiraria com ninguém para me entregar aos gringos por nenhum dinheiro do mundo!
Depois me afasta com os braços e, com as mãos fixas nos meus ombros, diz:
— Em todo caso, quero te lembrar que… há apenas uma forma de provar a lealdade de uma pessoa: contando a ela algo que ninguém, ninguém mais no mundo saiba, sem importar que seja verdade ou mentira. Se o segredo volta aos ouvidos, um mês depois, um ano depois, vinte anos depois, foi porque essa pessoa nos traiu. Não esqueça nunca essa lição, porque eu também te amo muito.
Só consigo responder que, se algum dia eu contasse sobre nossa conversa para uma pessoa que fosse, não apenas me internariam num sanatório, como todas as minhas amizades, a minha família e até os criados sairiam correndo em debandada e eu teria que viver o resto dos meus dias não na ilhota de Rafa, mas numa ilha deserta. Antes de me despedir, digo:
— Você é muito criativo, Pablo, e sei que encontrará uma forma de fazer dinheiro sem atacar os ricos e a guerrilha ao mesmo tempo. Pelo amor de Deus, “Vá em paz e não peques mais”, que com esse monte de incinerados já estamos bem!
— Eu sempre sei o que vai acontecer… e você não vai viver o resto da sua vida com o Tarzan, nem ter filhos com ele. Eu não posso te oferecer nada, Virginia, mas, antes de completar três meses, você estará comigo. E, mesmo que você não queira, vai ter que ver o meu rosto e escutar o meu nome a cada dia da sua vida…
No avião para Cartagena, digo a mim mesma que não era verdade que ele estava me testando: mesmo que pareça ter desistido da ideia de sequestrar os cabeças dos maiores grupos econômicos do país, sei que, mais cedo ou mais tarde, Escobar vai se transformar num sequestrador inacreditavelmente eficaz. Fui eu que um dia lhe ensinei que “os amados dos deuses morrem jovens” como Alexandre da Macedônia. E, mesmo que não possa jurar, acho que Pablo se propôs a brincar com a vida, ou de roleta-russa ou de maneira cuidadosamente planejada, por algo que vai muito além de sua luta contra a extradição e muitíssimo além do controle de um império. Mas, sobretudo, muito além de seu tempo.