ALGUMAS SEMANAS DEPOIS, Aníbal recebe um telefonema de Escobar. O parlamentar quer nos convidar para conhecer a fazenda e o zoológico de seu grande amigo e sócio no projeto social Medellín sin Tugurios,4 Jorge Luis Ochoa, situados perto da costa caribenha da Colômbia. Pablo manda um avião para nos buscar, e, ao aterrissar, vemos que ele já está nos esperando e apenas sua tripulação o acompanha. É evidente que, como desta vez ele não é o dono da casa, está ali para se unir a nós como um convidado a mais no grupo que novamente inclui a nossa amiga Ángela. Não pudemos levar os filhos de Aníbal porque a mãe deles reagiu com verdadeiro espanto à narração das aventuras vividas em Nápoles e o proibiu terminantemente de voltar a levar as crianças conosco para “fins de semana com essas pessoas extravagantes que ficaram ricas da noite para o dia”.
A estrada que conduz do aeroporto ao lugar onde se localiza a fazenda tem pouquíssimo trânsito. Depois de alguns minutos de viagem sob um sol inclemente, com Escobar ao volante do carro conversível, chegamos a um pedágio onde se paga o equivalente a três dólares americanos. Nosso motorista diminui a velocidade, cumprimenta o cobrador com seu sorriso mais largo e segue direto, muito presunçosa e lentamente, deixando para trás o rapaz estupefato, que primeiro fica boquiaberto com o tíquete na mão e, depois, começa a correr na nossa direção agitando em vão os braços para que paremos. Surpresos, perguntamos a Pablo por que ele “deu o cano no pedágio”.
— Porque se não tem um policial na cabine, eu não pago. Só respeito a autoridade quando está armada! — diz triunfante e no mesmo tom de um professor dando uma lição a seus pequenos discípulos.
Os Ochoa são renomados criadores e exportadores de cavalos campeões; milhares deles estão na fazenda La Loma, próxima a Medellín e comandada pelo pai, Fabio. Esta fazenda, La Veracruz, é dedicada à reprodução dos touros de Lide e, apesar de suas dimensões e de seu zoológico não serem comparáveis aos de Nápoles, a casa está lindamente decorada, e por todos os lados podemos ver as pequenas Ferraris e Mercedes elétricas, vermelhas e amarelas, que são o sonho de muitas crianças. O mais velho dos três irmãos Ochoa é Jorge Luis, um homem gentil, da mesma idade de Pablo, a quem os amigos chamam de “o Gordo”, casado com uma mulher alta e bonita, María Lía Posada, prima da ministra de Comunicações, Noemí Sanín Posada. Mesmo Jorge não compartilhando do ímpeto elétrico de Escobar quando o assunto é diversão, fica óbvio que os dois homens estão unidos por uma grande afeição e um profundo respeito nascidos do tipo de lealdade que foi posta à prova algumas vezes ao longo dos anos.
Ao nos despedirmos, comento com Jorge sobre minha vontade de conhecer seus famosos cavalos campeões. Com seu grande sorriso, ele me promete que muito em breve vai programar algo especial e que não me decepcionarei.
Voltamos para Medellín em outro dos aviões de Escobar, e, apesar de seus esforços para conquistar Angelita não estarem mais uma vez gerando frutos, os dois parecem ter se tornado bons amigos. Medellín é a cidade da eterna primavera e, para os paisas, seus orgulhosos habitantes, é a capital da região, a capital industrial do país e a capital do mundo. Nos hospedamos no Intercontinental, localizado na bela zona de El Poblado e próximo à mansão-escritório de Pablo e Gustavo, propriedade do administrador do metrô de Medellín, grande amigo deles. Essa parte da cidade se caracteriza por uma infinidade de estradas sinuosas entre colinas cobertas por uma exuberante vegetação semitropical. Para visitantes como nós, acostumados às ruas planas de Bogotá, que são numeradas como as de Nova York, parecem um verdadeiro labirinto, mas os paisas as percorrem a toda velocidade quando sobem e descem entre os bairros residenciais cheios de árvores e jardins e o ruidoso centro da cidade.
— Como hoje é domingo e todo mundo dorme cedo, à meia-noite vou convidá-los para uma viagem em alta velocidade no carro do James Bond — anuncia Pablo.
Quando apresenta a joia de sua coleção, ficamos terrivelmente desapontados. Mas, embora não seja nenhum Aston Martin e só ostente doses supremas de anonimato automobilístico, o painel de controle está cheio de botões. Ao ver nossos rostos iluminados pela curiosidade, seu orgulhoso proprietário começa a explicar as vantagens de algo que só pode ter sido construído com a polícia em mente:
— Com este botão, ele lança uma cortina de fumaça que obriga os perseguidores a parar; com este outro, o gás lacrimogêneo que os deixa tossindo e procurando água desesperadamente; com aquele, óleo para que patinem em zigue-zague e cheguem ao fundo do precipício; com este outro, caem centenas de pregos e tachas para perfurar os pneus; este é um lança-chamas que se ativa em seguida ao que joga gasolina; aquele acende os explosivos, e em ambos os lados estão as metralhadoras, mas hoje as desmontamos preventivamente caso o carro caia nas mãos de alguma pantera vingativa. Ah! E no caso de tudo isso vir a falhar, este último botão emite uma frequência sonora que arrebenta o tímpano. Vamos fazer uma demonstração da habilidade prática do meu tesouro, mas, infelizmente, só as damas e Ángela, que vai ser minha copiloto, cabem no carro de Bond. Os homens… e Virginia… vão nos carros de trás.
E arranca bem devagar, enquanto damos partida a toda velocidade. Depois de alguns minutos, vemos que ele vem a toda; não sabemos se passou voando por cima do nosso carro, mas segundos depois ele está na nossa frente. Várias vezes tentamos ultrapassá-lo, e, quando estamos quase conseguindo, levanta voo e some pelas curvas das ruas desertas de El Poblado para reaparecer no momento que menos se espera. Peço a Deus para que nenhum veículo chegue a atravessar o seu caminho, porque vai cair na beira da estrada desgovernado ou ficará colado ao asfalto como um selo. O jogo se prolonga por quase uma hora, e, numa pequena pausa que fazemos para tomar um pouco de ar, Escobar sai rugindo de dentro das sombras e nos deixa flutuando num mar de fumaça que nos obriga a ficar parados. Demoramos vários minutos para encontrar o caminho, e quando finalmente conseguimos passa por nós emanando algo e ficamos cercados de nuvens escuras e espessas de gás que parecem se multiplicar e aumentar a cada segundo. Sentimos como se o ácido sulfúrico nos queimasse a garganta e subisse pelo nariz para nublar nossa visão e invadir cada dobra do nosso cérebro. Tossimos, e com cada lufada do ar envenenado que aspiramos, a ardência se multiplica por dez. Atrás de nós, escutamos os guarda-costas gemendo, e ao longe conseguimos escutar as risadas dos ocupantes do carro de James Bond que fugiu a duzentos quilômetros por hora.
Em um dos lados da estrada, não sei como, encontramos uma fonte de água. Os homens de Escobar descem correndo dos carros, xingando e atropelando uns aos outros enquanto brigam por um gole do líquido. Ao vê-los lacrimejando, fico distante e, para dar o exemplo, me coloco no último lugar da fila. Em seguida, com as mãos na cintura e a pouca voz que me sobra, grito com toda a raiva de que sou capaz:
— Sejam mais homens, caralho! Pelo visto o único que presta aqui sou eu, uma mulher! Vocês não têm vergonha? Mantenham a dignidade, parecem umas meninas!
Pablo e seus cúmplices chegam até nós e, ao se depararem com essa cena, começam a rir. Várias vezes jura que a culpa foi da copiloto, porque ele só autorizou a jogar a cortina de fumaça, enquanto a bruxa malvada, sem parar de rir, confessa que “apertou por engano o botãozinho de gás lacrimogêneo”. Logo, em tom castrador, ele ordena aos seus homens:
— Mantenham a dignidade, realmente vocês estão parecendo umas mulherzinhas! E deixem a dama passar à frente!
Tossindo e engolindo as lágrimas, digo que cedo o meu lugar às “senhoritas” e que tomarei água quando chegar ao hotel, que está a menos de dois minutos. Acrescento que sua pobre lata-velha é só um gambá fedorento e me despeço.
Em outra de nossas viagens a Medellín, no segundo semestre de 1982, Aníbal me apresenta outro chefe muito diferente de Pablo e seus sócios, chamado Joaquín Builes. “Joaco” parece Pancho Villa, e a sua família é descendente do monsenhor Builes. É riquíssimo, simpaticíssimo e se orgulha também de ser malíssimo, “mas muito mau de verdade, não como Pablito”, e de ter mandado assassinar com seu primo, Miguel Ángel, centenas e centenas e centenas de pessoas, tantas que parecem equivaler a toda a população de alguma cidade antioquenha. Nem Aníbal nem eu acreditamos em uma palavra, mas Builes ri e jura que é verdade.
— Na verdade, Joaco é um fanfarrão — escutarei ele dizer a Pablo mais adiante —, mas é tão, tão mesquinho que prefere perder uma tarde inteira tentando vender a alguém um tapete persa para ganhar mil dólares do que investir esse mesmo tempo e esforço para enviar quinhentos quilos de coca que dão para investir em dez depósitos de tapetes!
Naquele papo divertido com Joaco, Aníbal e o Compositor, descubro que Pablo, ainda jovem, começou uma bem-sucedida carreira política como ladrão de lápides de cemitério. Depois de lixar os nomes dos defuntos, ele e seus sócios as vendiam como novas. E não apenas uma vez, mas várias. Para mim a história parece hilária, porque imagino todos esses velhos paisas avarentos revirando nas próprias tumbas ao descobrir que seus herdeiros pagaram uma grana por uma lápide que nem sequer era de segunda mão, mas de terceira ou quarta. Também os escuto falando da admiração sobre o indiscutível e muito louvável talento de Escobar de “depenar” em poucas horas carros roubados de qualquer marca e rapidamente vender as peças, como “réplicas com desconto”. Com os meus botões concluo que os enciclopédicos conhecimentos do parlamentar suplente em matéria de mecânica automotora são o que lhe permitiu “encomendar” esse produto “exclusivo, único e totalmente feito à mão” que é o carro de James Bond.
Alguém comenta que nosso novo amigo também foi gatillero5 nas Guerras de Marlboro, mas, quando pergunto o que isso quer dizer, ninguém sabe me dar uma reposta e todos mudam de assunto. Imagino que deve ser algo como um assaltante de tabacarias — porque mil maços de Marlboro de contrabando definitivamente pesam menos que uma lápide — e deduzo que a vida de Pablito, definitivamente, se parece bastante com o slogan do cigarro Virginia Slims: “You’ve come a long way, baby!”6.
Alguns dias depois, recebemos um convite dos Ochoa para viajar a Cartagena. Lá nos espera uma das noites mais inesquecíveis que lembro ter vivido. Ficamos hospedados na suíte presidencial do Cartagena Hilton e, depois de jantarmos no melhor restaurante da cidade, nos preparamos para o que Jorge e sua família querem nos dar de presente para cumprir a promessa feita dias antes: um passeio pelas ruas da cidade — a parte antiga e a nova — em carruagens puxadas por cavalos que mandaram trazer de La Loma.
A cena parece ter sido tirada de As mil e uma noites e planejada por um xeique árabe para o casamento de sua única filha, produzida por um diretor de arte de Hollywood para emoldurar a ostentação de alguma celebração numa imponente fazenda mexicana do século XIX.
As carruagens não são como as de Cartagena, nem como as de Nova York; nem sequer como as de um nobre espanhol passeando pela Feira de Sevilha. Essas têm também dois faróis que revelam um cocheiro uniformizado de forma impecável, mas cada uma das quatro carruagens é puxada por percherones7 campeões, brancos como a neve, selados e de peito estufado como os da carruagem da Cindelera, orgulhosos até não poder mais de seu porte e de sua esplêndida beleza. Trotando com o mesmo rigor profundo e sensual de 24 bailarinos de flamenco, marcham, sincronizados, por aquelas ruas históricas. Pablo nos informa que cada um dos animais custa 1 milhão de dólares, mas, para mim, desfrutar daquela emoção sublime vale todo o ouro do mundo. A visão vai deixando um rastro de assombro entre os humanos que a contemplam: pessoas que aparecem nas varandas brancas da cidade antiga, turistas fascinados, pobres cocheiros cartaginenses que, boquiabertos, veem desfilar esse espetáculo de ostentação.
Não sei se o espetáculo foi planejado obedecendo unicamente à generosidade de Jorge com o seu sócio e conosco, ou por uma sugestão sutil de Pablo na esperança de seduzir Angelita com algo mais romântico e único, ou para expressar o agradecimento da família Ochoa ao valor, à estratégia e aos resultados mostrados por Escobar por ocasião do sequestro e resgate da irmã de Jorge há um ano. Só sei que nenhum dos grandes magnatas colombianos que conheço nunca poderia encenar um espetáculo tão grandioso para o casamento da própria filha como aquele que o estilo inegável dessa família soube nos presentear nessa noite.
Num outro final de semana prolongado viajamos para a cidade de Santa Marta, localizada no mar do Caribe e berço da lendária Samarian Gold. Lá conhecemos os Dávila, os reis da maconha. Ao contrário dos reis da coca, que, com raras exceções, como os Ochoa, são provenientes da classe pobre ou média baixa, os Dávila pertencem a uma antiga aristocracia proprietária de terras da costa atlântica. E, ao contrário dos traficantes de cocaína, que em sua maioria não são muito atraentes — ou, como diria Aníbal, “com pinta de condenados” —, quase todos esses homens são altos e bonitos, embora banais; algumas das mulheres da família Dávila se casaram com pessoas como o presidente López Pumarejo, o filho do presidente Turbay e Julio Mario Santo Domingo, o homem mais rico da Colômbia.
Aníbal me explica que o aeroporto de Santa Marta fecha às seis da tarde, mas os Dávila são tão poderosos naquele lugar que à noite abre só para eles. É assim que eles conseguem despachar tranquilamente os aviões carregados com a maconha que tem fama de ser a melhor do mundo. Pergunto como conseguem, e ele me responde dizendo que molham a mão de todo mundo: da torre de controle, da polícia e de um ou outro oficial da Marinha. Como a essa altura já conheço muitos de seus amigos novos-ricos, comento:
— Eu pensava que todos esses narcos tinham pista de pouso particular nas suas fazendas…
— Nããão, meu amorzinho. Só os grandes têm! A maconha não é assim tão valiosa e já compete muito com a do Havaí. Nem sonhe que essa regalia está ao alcance de todos, porque para ter uma pista de pouso particular é preciso 1 milhão de autorizações. Você sabe da papelada para emplacar um automóvel neste país, né? Então multiplique a burocracia por cem e, aí sim, você pode colocar um HK num avião; agora multiplique essas dificuldades por outras cem e você consegue uma licença para ter uma pista de voo particular.
Pergunto a ele como Pablo faz, então, para ter uma pista de pouso particular e uma frota de aviões, transportar toneladas de cocaína, trazer girafas e elefantes da África e trazer Rollingons e barcos de seis metros de altura como contrabando.
— É que o negócio dele não tem competição. E é o mais rico de todos porque Pablito, meu bem, é um Jumbo: domina o sujeito essencial na Diretoria da Aeronáutica Civil, um garoto novo, filho de um de seus primeiros narcos… um Uribe primo dos Ochoa… Álvaro Uribe, se não me engano. Por que você acha que todas essas pessoas acabam de financiar a campanha dos candidatos à presidência? Está pensando que foi só para disputar com o novo presidente? Não seja tão inocente!
— Então, que sorte dele que conseguiu esse rapaz! Todos os outros devem estar correndo atrás para ter a mesma sorte.
— A vida é assim, meu amor: a má fama passa, o dinheiro fica em casa!
Aqueles são dias de vinho e rosas, mel e risadas, e amizades encantadoras. Mas, como nada é para sempre, um belo dia as notas daquela música deixam de tocar tão de repente como começaram.
Com a dependência química de Aníbal, que parecia ir num crescendo com cada “pedra” que Pablo lhe dava, as cenas mais embaraçosas e absurdas de ciúmes foram substituindo as declarações públicas de amor e as palavras de ternura. Essas cenas, que antes eram reservadas aos desconhecidos, incluem agora os amigos em comum e se estendem até aos meus fãs. Depois de cada briga, seguida de uma separação de 48 horas, Aníbal se consola com uma de suas ex-namoradas, duas lutadoras de lama e três bailarinas de flamenco. No terceiro dia, me liga implorando para voltar com ele; horas de súplica, dezenas de rosas e uma ou outra lágrima furtiva conseguem vencer a minha resistência… e logo tudo recomeça.
Uma noite, enquanto conversávamos em grupo num bar elegante, meu namorado puxa o revólver e ameaça dois admiradores que queriam apenas um autógrafo meu. Quando, quase uma hora depois, nossos amigos conseguem desarmá-lo, imploro que me acompanhem até minha casa. E dessa vez, quando Aníbal me liga pretendendo justificar o que aconteceu, eu falo:
— Se você deixar a coca hoje mesmo, prometo cuidar de você e te fazer feliz para o resto da vida. Se não, prefiro te deixar a partir de agora.
— Mas, meu amor… Você tem que entender que eu não posso viver sem a “Branca de Neve” e que nunca vou deixá-la!
— Bem, então eu não te amo mais. E terminamos aqui.
E assim, num abrir e fechar de olhos, na primeira semana de janeiro nos despedimos para sempre.
Em 1983, não existem ainda na Colômbia os canais privados de televisão. Cada novo governo concede por licitação os espaços para produtoras particulares conhecidas como “programadoras”, e a TV Impacto — minha sociedade com a conhecida jornalista linha-dura Margot Ricci — recebeu vários espaços em horários AA e B. Mas a Colômbia atravessa uma recessão econômica e as grandes empresas só anunciavam nos horários AAA, quer dizer, das 19h às 21h30. Um ano depois do início das atividades, por não terem propaganda suficiente para cobrir os custos do Instituto Nacional de Rádio e Televisão, praticamente todas as produtoras pequenas estão quebradas. Margot pede para que nos reunamos para decidir o que vamos fazer, mas ao chegar segunda no escritório a primeira coisa que me diz é:
— É verdade que Aníbal te pegou de surpresa a tiros na sexta?
Respondo que se fosse verdade eu estaria no cemitério ou no hospital, não no escritório.
— Mas é o que Bogotá inteira diz! — exclama num tom como se as palavras dos outros tivessem mais importância do que o que seus olhos estão vendo.
Respondo que não posso mudar a realidade para agradar a toda Bogotá. Mas que, embora não seja verdade que Aníbal tenha atirado, eu me separei para sempre dele e não parei de chorar nos últimos três dias.
— Finalmente? Mas que alívio, que tranquilidade! Agora você pode se preparar para chorar de verdade, porque temos uma dívida equivalente a 100 mil dólares. Do jeito que vamos, em algumas semanas vou ter que vender o apartamento, o carro, o bebê!… Claro que, antes de vender meu filho, vendo você ao beduíno por cinco camelos, porque não sei como vamos sair dessa!
Oito meses antes, respondendo a um convite do governo de Israel, Margot e eu viajamos para esse país e visitamos o Egito para ver as pirâmides. Enquanto estávamos no bazar do Cairo regateando o preço de um colar de turquesas, um beduíno desdentado e esquálido de uns setenta anos, com um cajado de pastor e cheiro de bode, me observava com olhar lascivo, nos cercando nervosamente e tentando chamar a atenção do dono da loja. Depois de trocar umas palavras com o velho, o vendedor se dirigiu a Margot em inglês com o seu sorriso mais radiante:
— O rico senhor deseja dar esse colar à jovem. E não apenas isso: deseja se casar com ela e negociar o dote já! Está disposto a oferecer por ela cinco camelos!
Ofendida pelo montante oferecido, mas me divertindo muito diante da insólita proposta, eu disse a Margot que pedisse por mim pelo menos trinta camelos e advertisse àquela múmia da Quarta Dinastia que a jovem não era virgem: já tinha sido casada, e não uma, mas duas vezes.
Esbravejando que só um xeique teria trinta camelos, o velho, alarmado, perguntou a Margot se era possível que eu já tivesse enterrado dois maridos.
Depois de sorrir compassivamente para o aspirante à minha mão e me avisar para que eu me preparasse para correr, minha sócia se dirigiu ao vendedor com uma expressão triunfante:
— Diga ao rico senhor que ela não enterrou ninguém: que essa jovenzinha de 32 anos já deixou dois maridos vinte anos mais jovens, vinte vezes menos horrorosos e vinte vezes menos pobres que ele.
E saímos correndo, enquanto o velho nos perseguia vociferando em árabe e golpeando o ar com o cajado. Não paramos de rir até chegarmos ao hotel e contemplarmos felizes do nosso quarto, brilhando sob as estrelas, o lendário rio Nilo cor de jade.
A menção ao beduíno me traz à memória um colecionador de dromedários que não é septuagenário, nem raivoso, nem fétido, nem desdentado. E digo a Margot:
— Sabe que conheço alguém com mais de cinco camelos que já salvou a minha vida uma vez e, de repente, poderia salvar também esta empresa?
— Xeique ou dono de circo? — ela pergunta com ironia.
— Xeique com trinta camelos. Mas primeiro devo fazer uma consulta.
Ligo para o Compositor, explico a ele que vão embargar minha empresa com a Margot e que preciso do telefone de Pablo para pedir a publicidade de alguma de suas companhias ou para vender a nossa produtora.
— Bem… a única empresa anunciante que eu conheço associada a Pablo é a Coca-Cola! Mas esse é, justamente, o tipo de problema que ele adora resolver de uma vez só… Fique quietinha aí onde você está, que ele já te liga!
Minutos depois, o telefone toca. Depois de um rápido diálogo, vou para o escritório da minha sócia e, com o meu sorriso mais radiante, digo:
— Margarita: o representante da Câmara Escobar Gaviria está na linha e quer saber se estamos de acordo que envie o seu jato amanhã às três da tarde.
Ao voltar de Medellín, me deparo com um convite para jantar de Olguita e o Compositor. Ela é muito meiga e fina, e ele é o andaluz mais simpático e descontraído do mundo. Ao chegar à sua casa — e quase sem me dar tempo de sentar —, Urraza me pergunta se deu tudo certo. Respondo que, graças à agenda publicitária das Bicicletas Osito que Pablo nos ofereceu, vamos poder pagar todas as dívidas da produtora, e que na próxima semana vou voltar para gravar com ele um programa no lixão municipal.
— Bem… por esse dinheiro eu até como lixo! E você vai colocá-lo na televisão? Caramba!
Explico que todo jornalista entrevista semanalmente meia dúzia de congressistas sem graça e que Pablo é um representante da Câmara; suplente, sim, mas parlamentar no fim das contas. E complemento:
— Está em vias de dar 2.500 casas aos “residentes” do lixão e mais algumas aos habitantes das favelas. Se isso não é notícia na Colômbia, eu corto uma de minhas mãos!
Ele quer saber se Pablo colocou a entrevista como condição, e eu digo que não: fui eu quem exigiu fazê-la como condição para aceitar o anunciante, porque ele só queria uma menção de cinco minutos. Explico que sinto tanta gratidão pela generosidade de Pablo e tanta admiração pelo que o projeto Medellín sin Tugurios está fazendo que vou dedicar a ele todo o tempo do meu programa de segunda-feira, das 18h às 19h, que irá ao ar em três semanas.
— Você é corajosa!… E está parecendo que Pablo tem algum interesse em você…
Respondo que para mim só interessa salvar minha empresa e seguir adiante com minha carreira, que é a única coisa que tenho.
— Mas, se Pablo realmente chega a se apaixonar por você e você por ele, como acredito que pode acontecer, não vai ter mais que se preocupar com a sua carreira, nem com seu futuro, nem com essa porra de produtora! E você vai me agradecer pelo resto da vida, acredite…
Rindo, digo que isso não vai acontecer: ainda estou com o coração muito machucado, e Pablo sempre foi fascinado por Ángela.
— Mas você não percebeu que tudo aquilo era brincadeira de criança? Que ela é o tipo de mulher que sempre estará apaixonada por algum jogador de polo? Pablo sabe que Angelita não é para ele, porque não é um imbecil… Ele tem aspirações políticas muito grandes e precisa de uma mulher de verdade ao seu lado, que seja elegante e saiba falar em público; não de uma modelo ou de uma menina de sua mesma classe social, como era a sua última namorada… Sabia que ele deixou para ela milhões de dólares?… O que não daria para uma princesa como você alguém que quer ser presidente e que aos 33 anos está no caminho de se tornar um dos homens mais ricos do mundo!
Comento que homens muito ricos sempre gostaram de mulheres muito jovens e que eu já tenho 33 anos.
— Mas pare de falar bobagem, que você parece ter 25, caramba! E os multimilionários sempre gostaram de mulheres sensacionais, representativas, não meninas que não sabem falar sobre nada nem fazer amor! Você é um símbolo sexual e ainda tem vinte anos de beleza pela frente. O que mais você quer? Conhece algum homem que se importe com a idade de Sophia Loren, sua boba? Você é a professional beauty deste país, uma puro-sangue, algo que Pablo jamais teve! Pô, e eu que achava que você era uma mulher inteligente… — E, para terminar o discurso com chave de ouro, exclama horrorizado: — E se está pensando em se meter no lixão usando Gucci e Valentino, já te aviso que não vai conseguir tirar o cheiro da roupa nem em uma semana! Você nem sonha em como é um lugar assim…