É DIA 28 DE abril de 1983, e estou em meu escritório quando recebo um telefonema de Pablo. Ele anuncia que vai me dar uma notícia de transcendência histórica, mas me pede para que não divulgue nem conte para nenhum meio de comunicação; só a Margot, se eu quiser. Com um tom de animação fora do normal, Escobar me informa que o avião de Jaime Bateman Cayón, chefe do movimento guerrilheiro M-19, caiu no Tapón del Darién enquanto voava de Medellín para a Cidade do Panamá. Pergunto como ele soube da notícia, e me diz que ele sabe de tudo o que acontece no aeroporto de Medellín. Mas, complementa, a morte de Bateman é só uma parte da novidade em primeira mão que em algumas horas estará em todos os noticiários internacionais: a outra é que o líder subversivo levava uma mala com 600 mil dólares em espécie e que ela não está em lugar nenhum. Expresso a minha confusão pelo que ele está me dizendo porque como alguém vai saber, poucas horas depois de acontecer um desastre aéreo numa das florestas mais densas do planeta, se uma mala está ou não entre os restos de um avião ou junto a um dos cadáveres incinerados? Do outro lado da linha, Escobar ri com malícia e comenta que ele sabe perfeitamente do que está falando pela simples razão de que um de seus aviões já localizou os restos de Bateman!
— Pablo, encontrar aviões acidentados no meio da floresta leva semanas, quando não meses. Esses seus pilotos são, definitivamente, uns prodígios!
— É verdade, meu amor! E, como você é outro, te deixo as informações para que você ligue os pontos! Manda um beijo para Margot e Martita, e nos vemos no sábado.
O governo colombiano demoraria nove meses para recuperar os corpos. Com a morte de Bateman, descobriu-se que a conta do M-19 num banco panamenho estava no nome da mãe do fundador, Ernestina Cayón de Bateman, defensora importante da causa dos direitos humanos. Ela e os líderes do grupo logo se enfrentariam numa batalha amarga por 1 milhão de dólares depositados por seu filho no Panamá. Anos depois, um banqueiro equatoriano escolhido como mediador ou intermediário ficaria com quase todo o dinheiro.
Pablo e eu não voltaríamos a falar sobre a misteriosa maleta. Mas uma das lições mais valiosas que aprendi do único ladrão de lápides e mecânico de automóveis Summa Cum Laude dono da frota aérea que conheci em toda a minha vida é que os aviões pequenos e os helicópteros das pessoas muito controversas e com muitos inimigos raramente caem por falhas técnicas de origem divina, mas quase sempre por falhas de origem humana. Daí a importância do “de rastreamento em rastreamento”. Sobre aqueles 600 mil dólares — o valor que tinha há 25 anos —, hoje só poderia citar o famoso ditado estrangeiro que diz: “Se faz quac, quac como um pato, nada como um pato e caminha como um pato… é um pato!”.
Ao movimento de Santofimio foi se juntando um sem-número de senadores e representantes que incluem muitos conhecidos meus de Bogotá, como María Elena de Crovo, uma das melhores amigas do ex-presidente López, Ernesto Lucena Quevedo, Consuelo Salgar de Montejo, prima em primeiro grau do meu pai, e Jorge Durán Silva, “o Vereador do Povo” e meu vizinho do quinto andar. Por muitos finais de semana fizemos campanha, e ao nosso grupo de santofimistas se juntaram os líderes ou “caciques” liberais e lopistas de cada região que visitamos.
Certo dia, escuto gargalhadas sonoras às minhas costas e pergunto a Lucena qual é a piada. Muito relutante, me conta que Durán Silva debocha de mim em público dizendo que Escobar manda seu avião cada vez que quer dormir comigo. Sem me desconcertar, e sem me virar, exclamo bem alto para que todos possam ouvir:
— Esses caras de hoje não sabem nada sobre as mulheres! Sou eu que peço o maior dos onze aviões cada vez que quero dormir com seu dono!
Segue um silêncio sepulcral. Depois de uma breve pausa, acrescento:
— Como esses coitados são inocentes! — E saio.
O que meu vizinho parece ignorar é que todos os homens apaixonados escutam, antes de qualquer pessoa, a mulher que dorme com eles. Escobar não é uma exceção. Pablo e eu estamos conscientes de que, pela natureza do negócio que alimenta a campanha santofimista e pela minha condição de mulher famosa, estamos expostos a todo tipo de gozações e críticas e por isso temos que nos proteger ferozmente. Como ele tem um império para cuidar e não pode estar presente em todas as campanhas e comícios políticos, nos vemos quase sempre na noite do dia seguinte, e eu lhe passo um relatório detalhado de tudo o que aconteceu no dia. Quando comento sobre o que o Vereador do Povo disse, reage como um leão:
— E por que outro motivo eu mandaria um jato que consome milhares de dólares em combustível para a mulher que adoro, se ela mora em outra cidade? Para que uma beleza como você venha me dar aulas de catolicismo? Por acaso você é santa María Goretti? Esse miserável fica semanas me pedindo dinheiro… Agora não verá um centavo meu enquanto viver! E se chegar a menos de quinhentos metros de mim, peço para meus homens o afastarem a pontapés e ordeno que o castrem! Por ser bicha! E por ser grosso!
À medida que a campanha avança, começo a me dar conta da impressionante influência que Santofimio exerce sobre Pablo. Já na noite em que lemos os Vinte poemas de amor, eu tinha escutado dizerem várias vezes que Luis Carlos Galán era o único obstáculo entre eles e o poder. Nesse momento ficou completamente claro para mim que não só Santofimio está decidido a ser o próximo presidente da República, como Pablo se propõe a ser seu sucessor no trono de Bolívar. Nenhum dos dois faz o menor esforço para disfarçar suas intenções de acabar com o galanismo a qualquer preço. Seus discursos ardentes têm, mais do que qualquer conteúdo programático, ataques virulentos contra Galán, “por ter dividido o Partido Liberal, que sempre tinha chegado unido às eleições, o que custou a presidência ao exímio dr. Alfonso López Michelsen, o homem mais preparado do país e um dos mais ilustres do continente!”. Consideram Galán um “traidor da pátria, por defender um Tratado de Extradição que entrega os filhos das mães colombianas a uma potência imperialista, e a ninguém menos que aos mesmos gringos que nos tiraram o Panamá porque outro apátrida o vendeu para Teddy Roosevelt por um punhado de moedas!”. E todo mundo grita:
— Abaixo o imperialismo ianque, e que viva para sempre o glorioso Partido Liberal! Santofimio para presidente em 86 e Escobar em 90! Pablito sim é um patriota que não se deixa influenciar pelos gringos nem pela oligarquia, porque tem mais dinheiro que todos esses exploradores juntos! Escuta o nosso pedido, Pablo Escobar Gaviria, você que saiu das entranhas deste povo sofrido, e que o Senhor e a Virgem o protejam! E protejam também você, Virginia, para que da próxima vez nos traga todos os artistas da televisão, que também são povo! E viva a Colômbia, caralho!
E eu também pronuncio discursos, quase sempre falo antes do candidato, e também vou com sete pedras na mão contra a oligarquia.
— Eu sim conheço por dentro e sei como empobrecem a nação quatro famílias para as quais só importa dividir entre elas as embaixadas e o espaço publicitário do Estado! É fato que existe muita guerrilha, mas, graças a Deus, Santofimio e Pablito são democratas e vão chegar ao poder por meio das urnas para ocupar o trono do Libertador e transformar em realidade o sonho de uma América Latina unida, forte e digna! E vivam as mães da Colômbia e a Pátria Mãe, que vai chorar lágrimas de sangue no dia em que extraditarem o primeiro dos seus filhos!
— Você está falando como Evita Perón! — me diz Lucena.
— Meus parabéns! — os outros também me cumprimentam e, como sei que tudo o que digo é verdade, acredito. Quando conto isso a Pablo numa noite junto à lareira do meu apartamento, ele sorri orgulhoso e fica calado. Depois de um tempo, me pergunta qual é a personalidade americana de que mais gosto. Sem vacilar um segundo, respondo que é o Libertador. Com a maior seriedade, me diz:
— Assim é melhor, porque nem você nem eu gostamos muito de Perón, não é? E eu já estou cansado, meu amor… Mas como você é tão corajosa, seu destino na minha vida vai ser outro: você vai ser a minha Manuelita. E repito no seu ouvido, bem devagar, para que nunca se esqueça: Você… Virginia… vai… ser… minha Manuelita.
Logo em seguida, aquele filho de professora começará a repassar todos os detalhes da conspiração setembrina na qual Manuela Sáenz, amante equatoriana de Simón Bolívar, salvou sua vida. Confesso que desde meus tempos de colegial não tinha voltado a pensar naquela bela e valorosa mulher. Sei que Pablo não é nenhum Libertador, e que ninguém em juízo perfeito poderia ter uma reação diferente que a de rir diante da imagem que ele tem de si mesmo ou da desproporção de seus sonhos e ambições. Mas, por mais absurdo que pareça à luz dos horrores que viriam depois, nunca deixei de agradecer pela homenagem e pelo profundo amor implícitos naquela idealização, a máxima possível de nós dois como casal. Enquanto viver, levarei no coração o som da voz de Pablo Escobar com essas seis palavras e a grandeza desse minúsculo instante de ternura.
Na Colômbia, toda pessoa que é alguém em alguma parte do país é primo em primeiro, segundo, quarto ou oitavo grau do resto. Por isso não me surpreendo quando uma noite, depois de suas inaugurações de quadras esportivas, Pablo me apresenta ao ex-prefeito de Medellín, cuja mãe é prima do pai dos Ochoa; ele o chama de “o dr. Varito”, e eu simpatizo imediatamente com ele porque penso que é um dos poucos amigos de Pablo com aparência de gente decente e, que eu me lembre, o único com cara de intelectual. Foi diretor da Aeronáutica Civil entre 1980 e 1982 e agora, aos 32 anos, todos conjecturam que terá uma brilhante carreira política e mais de um se aventura a dizer que, inclusive, poderia chegar algum dia ao Senado. Ele se chama Álvaro Uribe Vélez, e Pablo o idolatra.
— Meu negócio e o dos meus sócios são o transporte, a 5 mil dólares por quilo segurado — me explica Pablo em seguida —, e estão construídos sobre uma só base: as pistas de aterrissagem e os aviões e helicópteros. Esse bendito rapaz, com a ajuda do subdiretor César Villegas, nos concedeu dezenas de licenças para as primeiras e centenas para os segundos. Sem pistas e aviões, ainda estaríamos trazendo a pasta de coca em pneus da Bolívia e nadando até Miami para levar a mercadoria até os gringos. É graças a ele que estou inteirado de tudo o que acontece na Aeronáutica Civil em Bogotá e no aeroporto de Medellín, porque seu sucessor foi treinado para nos ajudar em tudo o que for possível. Por isso é que a direção da Aeronáutica é uma das cotas de poder que nós e Santo exigimos a ambos os candidatos nas eleições passadas. Seu pai, Arturo, é um dos nossos, e se um dia algo chegar a ser um obstáculo para Santofimio e para mim no caminho da presidência, esse rapaz seria meu candidato. Mesmo com essa carinha de seminarista, é um lutador fortíssimo.
Em junho desse ano, o pai de Alvarito morre numa tentativa de sequestro das Farc, e seu irmão Santiago é ferido. Como o helicóptero familiar dos Uribe sofreu avarias, Pablo empresta um dos seus para levar o corpo de sua fazenda até Medellín. Durante vários dias fica profundamente triste. Numa noite em que está com o humor lá embaixo, me confessa:
— É verdade que o narcotráfico é uma mina de ouro, e por isso dizem que “Não existe ex-gay nem ex-narcotraficante”. Mas é um negócio para machos, meu amor, porque é um desfile de mortos, e mortos e mais mortos. Aqueles que chamam de “dinheiro fácil” o que se ganha com cocaína não sabem nada do nosso mundo, nem o conhecem por dentro como você está conhecendo. Se algo acontecer comigo, quero que você conte a minha história. Mas primeiro tenho que saber se você tem capacidade de transmitir tudo o que penso e sinto.
Pablo sempre sofreu de uma estranha condição: soube quem seriam seus inimigos antes que desferissem o primeiro golpe, e de tudo o que ia acontecer à sua volta nos anos seguintes e para que servia cada pessoa que cruzava seu caminho. A partir daquela noite, nossos felizes e apaixonados encontros no hotel são seguidos quase sempre de reuniões de trabalho.
— Para a semana que vem, quero que você me descreva o que viu e sentiu no lixão.
No sábado seguinte, entrego a ele seis páginas manuscritas. Ele as lê cuidadosamente e exclama:
— Mas… dá vontade de sair correndo com um lenço na boca para não vomitar! Você sabe escrever com as entranhas, não é?
— Essa é a ideia, Pablo… Eu escrevo com as vísceras; as tripas serão as suas.
Uma semana depois, me pede para descrever o que sinto quando ele… faz amor comigo. No nosso encontro seguinte entrego cinco páginas e meia e fico observando, sem tirar os olhos dele nem por um segundo, enquanto devora o manuscrito.
— Mas… é a coisa mais escandalosa que já li na minha vida! Se eu não odiasse tanto os gays, diria que dá vontade de ser mulher… Vão colocar você no Index do Vaticano. Isso realmente… produz ereções em série!
— Essa é a ideia, Pablo…. E… não precisa me dizer isso.
Na terceira vez, me pede que descreva o que sentiria se me anunciassem sua morte. Oito dias depois, entrego a ele um manuscrito de sete páginas e dessa vez, enquanto lê, eu olho em silêncio pela janela para os morros que estão a distância.
— Mas… que horror é esse?… Que dor mais aflita!… Você pensa que me ama tanto assim, Virginia?… Se minha mãe lesse isso, ia chorar para o resto da vida…
— Essa é a ideia, Pablo…
Pergunta se realmente sinto tudo o que escrevi. Respondo que é apenas uma parte do que tenho no coração desde que o conheci.
— Então vamos falar de muitas coisas, mas ai de você se começar a me criticar e me julgar! Você deve saber que eu não sou nenhum são Francisco de Assis, entendeu?
Raras vezes faço perguntas, deixo que seja ele a escolher o tema sobre o qual quer conversar. Agora me entregou sua confiança, e fui aprendendo a reconhecer os limites mais extremos de seu território, a não tentar descobrir aquilo cuja resposta possa ser “outro dia te conto” e a não emitir juízos de valor. Descubro que, como quase todos aqueles que estão no Death Row [pavilhão dos condenados a morte nos Estados Unidos], Pablo tem uma explicação perfeitamente racional, e uma justificativa moral insuperável, para cada uma de suas ações à margem da lei: segundo ele, os seres humanos refinados e com imaginação precisam de todo tipo de prazeres, e ele é, simplesmente, o provedor de um deles. Explica que se esses não fossem castigados pelas religiões e pelos moralistas, como aconteceu com o álcool durante a Lei Seca, que só deixou policiais mortos e recessão econômica, seu negócio não seria ilegal, pagaria um enorme volume de impostos e gringos e colombianos se entenderiam às mil maravilhas.
— Você, que é uma hedonista e uma livre-pensadora, entende perfeitamente que os governos deveriam viver e deixar viver, ou não? Que, se fizessem isso, não haveria tanta corrupção, nem tantas viúvas e tantos órfãos, nem tanta gente presa. Todas essas vidas perdidas são um desperdício para a sociedade e caríssimas para o Estado. Você vai ver que algum dia as drogas vão ser legalizadas… Mas, bom… enquanto esse dia não chega, vou te mostrar que todo mundo tem um preço.
Em seguida, tira uma carteira de cheques emitidos em nome de Ernesto Samper Pizano, o chefe da campanha presidencial de Alfonso López Michelsen.
— Esse é do presidente mais poderoso, mais inteligente e mais preparado do país. E o mais independente, porque López não se submete aos gringos!
— São cerca de… 600 mil dólares. Só isso? É esse o valor do presidente mais rico da Colômbia? Eu se fosse ele teria te pedido… pelo menos uns 3 milhões, Pablo!
— Bom… digamos que é… a cota inicial, meu amor, porque a derrocada desse Tratado de Extradição vai demorar! Quer levar essas cópias?
— Não, não, de jeito nenhum! Nunca poderia mostrá-las a ninguém, porque simpatizo com todos que estão ao seu lado. E todos os que estão medianamente bem informados sabem também que Ernesto Samper é o escolhido de Alfonso López para ser presidente da Colômbia… Quando crescer e amadurecer, porque é um ano mais novo que nós dois.
Recomendo que ele estude os discursos de Jorge Eliécer Gaitán, não só pela entonação de voz como pelo conteúdo programático. O único líder popular de dimensões titânicas que a Colômbia teve em toda a sua história foi assassinado em Bogotá em 9 de abril de 1948, quando estava a ponto de alcançar a presidência, por Juan Roa Sierra, um homem a serviço de interesses obscuros que logo foi horrivelmente linchado por multidões revoltadas. Durante dias, elas arrastaram pelas ruas seu cadáver mutilado e incendiaram o centro da cidade e as casas dos presidentes, sem distinção de partido. Meu tio-avô Alejandro Vallejo Varela, escritor e amigo próximo de Gaitán, estava ao seu lado quando Roa disparou, e na clínica em que ele morreu minutos depois. As semanas seguintes, que passariam para a história como o Bogotazo, se transformaram numa orgia de sangue, fogo e franco-atiradores bêbados, pilhagem de todo comércio, assassinatos indiscriminados e milhares de cadáveres que se empilhavam no cemitério porque ninguém se atrevia a enterrá-los. Durante aqueles dias de espanto, o único estadista colombiano, Alberto Lleras Camargo, se refugiou na casa dos seus melhores amigos, Eduardo Jaramillo Vallejo e Amparo Vallejo de Jaramillo, a elegante irmã de meu pai. Foi à morte de Gaitán que se seguiu a época de crueldade sem limites conhecida como a Violência dos Anos Cinquenta. Depois de ver em minha adolescência as fotos do que os homens fazem nas guerras com o corpo das mulheres e seus filhos, vomitei durante dias e jurei que nunca botaria filhos no mundo para que não vivessem naquele país de bárbaros, monstros e selvagens.
Conversamos de coisas como essas uma noite com Gloria Gaitán Jaramillo, a filha do ilustre chefe, enquanto jantamos com suas filhas María e Catalina, duas meninas adoráveis e muito parisienses, donas de mentes inquisitivas herdadas de uma mãe brilhante, um avô mítico e uma avó, parente minha, aristocrata. Dias antes, ao descobrir que Virginia Vallejo procurava um disco ou uma fita cassete com os discursos do pai dela, Gloria saiu de seu escritório no Centro Jorge Eliécer Gaitán, em Bogotá, para me perguntar, com seu sorriso encantador, sobre as razões de meu interesse. Com meu ex-marido peronista socialista, grande amigo do milionário banqueiro judeu dos Montoneros15 argentinos, aprendi que se existe alguma coisa que faça bater um coração revolucionário é um magnata que simpatize com sua causa. Contei a Gloria que o Robin Hood paisa — como Gaitán, filho de professora — me pediu os discursos do pai dela para ver se, depois de estudá-los minuciosamente e com minha ajuda, poderia aprender a usar a voz de tal forma que possa despertar nas massas populares algo parecido com o que Gaitán, como líder, inspirava. Depois de uma hora de conversa entusiasta sobre a Democracia Participativa e uma visita às instalações do Centro e do Exploratório ainda em construção, Glória me convida para jantar com suas filhas na sexta-feira seguinte.
A filha de Gaitán é uma mulher refinada e com grande habilidade culinária, e, enquanto degustamos a comida deliciosa que ela preparou, vou contando que Pablo Escobar financiou parte da campanha presidencial de Alfonso López e que seus sócios conservadores, Gustavo Gaviria e Gonzalo Rodríguez, fizeram algo similar com a do presidente Betancur. Gloria conhece quase todos os caudilhos socialistas do mundo e líderes da resistência de muitos países. Entre muitas coisas, me conta que foi amante de Salvador Allende, o presidente chileno assassinado, e embaixadora de López Michelsen ante Nicolae Ceausescu (o ditador romeno), e que é uma grande amiga íntima de Fidel Castro. Não sei se porque acredita em reencarnação e no conceito de tempo circular, Gloria tem uma curiosidade particular pelos nascidos em 1949, ano seguinte ao assassinato do seu pai. Pablo e eu a convidamos para ir a Medellín, e ela aceita encantada. Por várias horas a escutamos hipnotizados enquanto ela analisa a história da Colômbia à luz da ausência onipresente de seu pai, da perda irreparável de sua vida, do vazio que nenhum outro líder colombiano poderá preencher porque todos os que o seguiram carecem não apenas de sua integridade, seu valor e sua grandeza, como também de seu magnetismo; da capacidade de transmitir sua fé no povo a auditórios comovidos, sem distinção de classe, gênero ou idade; da potência vibrante daquela voz treinada para vender seu ideário com as doses perfeitas de razão e paixão; da força formidável que Gaitán conseguia imprimir em cada um de seus gestos; e do poder que emanava daquela presença masculina, imponente e memorável como de nenhuma outra.
Enquanto voamos de volta para Bogotá no jato de Pablo, pergunto a Gloria qual é sua opinião sobre ele. Depois de algumas frases educadas de reconhecimento por sua ambição e sua curiosidade existencial, suas enormes obras sociais e suas generosas intenções, sua paixão e sua generosidade comigo, ela me diz com enorme carinho e aberta franqueza:
— Olha, Virgie: Pablo tem um grande defeito, ele não olha nos olhos. E pessoas que desviam o olhar para o chão quando falam, ou estão escondendo algo porque são falsas, ou não são sinceras. Em todo caso, vocês dois são tão lindos juntos! Parecem Bonnie e Clyde!
Gloria é a mulher mais inteligente e astuta que já conheci. Com Margot e Clara, donas de percepções excepcionais, será uma das três únicas pessoas que apresentei a Pablo em toda a sua vida, e pelos seis anos seguintes seremos excelentes amigas. Da impressionante lucidez dessa virginiana e, no horóscopo chinês, nativa do boi — coincidentemente os mesmos signos que os meus —, vou aprendendo lentamente que a verdadeira inteligência é feita, entre muitas outras coisas, não só de uma profunda capacidade de análise e um rigoroso senso de classificação ou de uma velocidade mental privilegiada, como a de Pablo Escobar, mas, acima de tudo, de estratégia. E, embora Gloria me escute dizer várias vezes que o pior negócio que fiz na vida foi trocar inocência por lucidez, com o tempo vou rever as minhas palavras e compreenderei que não apenas foi o melhor, mas também o único que podia fazer.
Quando Escobar me pergunta sobre o conceito que a filha de Gaitán faz dele, conto primeiro o que sei que quer ouvir e depois o que sei que devo transmitir: e insisto no tema da tática e da imperiosa necessidade de dividir por zonas os votantes antioquenhos por municípios, bairros, quarteirões e casas. Finalmente — pela primeira vez e por alguma razão inexplicável —, falo do corpo baleado e nu de Bonnie Parker no chão do necrotério, exibido junto ao de Clyde diante das câmeras da imprensa.
Diante de outra lareira, Pablo me abraçará e sorrirá com infinita ternura enquanto me encara com o rosto sério e os olhos muito tristes. Depois de alguns segundos, me dará um beijo na testa e palmadinhas no ombro, que fazem com que eu me sinta confortada. Depois, e suspirando em silêncio, desviará seu olhar para as chamas. Entre as muitas coisas que ele e eu sempre saberemos e que nunca diremos com palavras, é que, para todos aqueles que têm os genes do poder correndo nas veias, eu sou apenas uma diva burguesa e ele, só um bandido multimilionário.
Acredito que sou uma das poucas que raras vezes pensam no dinheiro de Pablo; mas muito em breve conhecerei as verdadeiras dimensões da fortuna do homem que amo como nunca amei nenhum outro e que entendo melhor do que ninguém no mundo.