— Vamos ao High Line! — exclama John, com muito mais empolgação do que posso suportar neste momento. A combinação da tentativa de vencer, do meu jeito, as dificuldades da estrutura social de uma nova escola (na verdade, ser obrigada a mostrar resultados) com ficar acordada até muito tarde resultou em uma catastrófica queda de energia. Depois de me divertir na lanchonete com Scott ontem à noite, havia tanta adrenalina correndo pelo corpo que levei uma eternidade para adormecer. Mal tive forças para me arrastar até a monitoria hoje. Eu queria desesperadamente ir para casa depois da aula e tirar um cochilo, mas Sadie não me deixaria impune de jeito nenhum.
— Está na hora da nossa aula — lembro a John. — Na hora de você ser ensinado. Você pegou de volta aquele teste de trigonometria?
— Cara, exatamente porque está na hora da aula é que temos de sair daqui! Novamente, qual é a primeira regra da monitoria?
— Jogue fora todas as regras anteriores.
— Sim! Quem disse que temos de ficar aqui dentro o tempo todo?
— O senhor Peterson.
— O senhor Peterson também disse que poderíamos trabalhar em outro lugar se estivéssemos dispostos.
— Verdade? Ele não me disse isso.
— Vá perguntar, se não acredita em mim.
John se recosta na cadeira, coloca um fone de ouvido e liga o som. Sua expressão diz: “Vou esperar!”.
Encontro o senhor Peterson. Ele confirma que a aula pode ser em outro lugar, desde que o trabalho seja feito de verdade. Ele está contando comigo para isso.
— Podemos ir — informo a John.
— Como eu disse! Por que nós íamos querer ficar aqui dentro? Logo estará frio demais para sair e seria um absurdo desperdiçar um dia tão perfeito para um passeio no High Line.
— Só uma pergunta.
— Manda.
— O que é o High Line?
John se recosta na cadeira com tanta força que acho que ela vai tombar. Ele derruba o iPod, e o fone de ouvido sai da orelha.
— “O que é o High Line?” — respira ele, completamente incrédulo.
— Eu sou nova aqui, lembra?
John levanta a mão como quem diz: “Me dê um minuto”. Ele se esforça para recuperar a compostura.
— Explico no caminho — responde.
Enquanto caminhamos no sentido noroeste (ou “subimos até o outro lado”, como John descreveu), ele me conta tudo sobre o High Line. É um parque, mas costumava ser uma antiga bifurcação de trilhos de trem elevados, que não é usada há muito tempo. Os trilhos ainda estão lá, só que agora árvores e flores crescem ao redor deles. Eles instalaram confortáveis cadeiras de madeira, que se movem ao longo dos trilhos, e uma área com arquibancadas de onde você pode observar a rua lá embaixo através de uma parede de vidro. John sabe até que tipo de madeira usaram: chama-se ipê e foi retirada de uma floresta sustentável.
— Parece incrível — comento eu.
— Olhe para cima — diz John.
Há uma estrutura industrial de metal alguns andares acima da Gansevoort Street. Olhando daqui, já é impressionante. Também estou impressionada com a interseção triangular que estamos atravessando.
— Espere! — digo eu. — Estou reconhecendo este lugar.
Olho para baixo, para a Gansevoort Street, com paralelepípedos se estendendo ao longe. O rio brilha no horizonte. Nós estamos bem ao lado de uma fachada de loja que, por alguma razão, acho que foi uma floricultura no passado. Lewis King of Plants, Gansevoort Street, 121/2. Estou me lembrando de tudo agora. Uma cena de Rosas da Sedução foi filmada aqui. É um filme dos anos 1990, em que dois nova-iorquinos típicos (isto é, pessoas solitárias com bagagem) se encontram. Eu assisti a esse filme há muito tempo, mas é claro que me lembro de todos os detalhes.
John pergunta:
— Como?
— Este lugar foi uma floricultura em um filme. Não posso acreditar.
— É. Muitos filmes são feitos por aqui.
— Que legal!
— Muito. Cara, adoro como você fica entusiasmada com isso. Todas as outras pessoas são tão apáticas! Eles estão sempre se gabando, dizendo que já estiveram em determinado lugar ou que já fizeram alguma coisa quando tinham 7 anos. Você fala para eles sobre o High Line e eles dizem: “Quem se importa com alguns velhos trilhos de trem?”. É trágico!
Subimos a escada até o High Line. É um espaço incrível, impressionante. É como se aqui em cima fosse outro mundo, um andar secreto na cidade por onde você poderia passar bem perto e nunca notar. A vista, os trilhos de trem e todas as diferentes flores e árvores... Simplesmente surpreendente!
John me mostra algumas coisas muito interessantes. Esqueço completamente da monitoria. Ele chama minha atenção para a leve iluminação, à altura da nossa cintura ou até mais baixa, para reduzir o excesso de luz. Explica que a vegetação é nativa da área, originada de plantas cultivadas naquele local. Ele me mostra as luzes vermelhas no alto dos postes de iluminação, que, no passado, eram usadas para avisar os bombeiros.
— Como você sabe tudo isso? — pergunto.
— Pesquisa. Não é o máximo?
Concordo que é o máximo.
O que também chama minha atenção são os apartamentos de alto nível, bem ao lado do High Line. Algumas janelas estão voltadas diretamente para nós. Deve ser esquisito ver seu espaço privado se tornar tão público. Logo que me mudei para cá, achava engraçado as pessoas deixarem as cortinas abertas à noite. Agora entendo perfeitamente. Se eu morasse em algum desses lugares, não ia querer nada bloqueando minha vista. Especialmente se estivesse em um andar alto. A vista deve ser demais!
É muito mágico aqui em cima. O ar é frio e seco. As folhas das árvores estalam com a brisa. Meu coração está feliz.
Sentamos em um banco enorme, feito de uma madeira magnífica. John pega seu trabalho. Nós conseguimos nos concentrar por aproximadamente 20 segundos. Então John diz:
— Olhe aquela caixa-d’água elevada!
Sempre gostei de telhados, mas nunca reparei em caixas-d’água elevadas antes. Acho que, em Nova York, existem muito mais caixas-d’água elevadas do que em New Jersey, porque, de repente, elas estão em todos os lugares.
— Qual delas? — pergunto.
— Aquela, bem ali — aponta ele.
— Você quer dizer aquela estreita?
— Não, a grossa.
— A grossa é enorme! Está monopolizando o telhado inteiro.
— Esta é sua prerrogativa. Olha como ela é imponente.
— Gosto mais da estreita. Ela tem bordas enfeitadas e uma tampa triangular muito legal.
John aperta os olhos para ver a estreita.
— Ah, é mesmo. Que legal! Mas não tão legal quanto a grossa.
— É também.
— Você sabe que estou certo. Você está do meu lado.
— Não estou.
— Está sim.
— Não.
John fica em silêncio. E depois:
— Então está.
Nós realmente temos de fazer nosso trabalho. Só que, antes, precisamos fazer um inventário de todas as caixas-d’água elevadas visíveis. Deste local estratégico, dá para ver tudo. Consigo enxergar New Jersey melhor que em qualquer outro lugar, mas ainda não consigo saber qual é a direção correta.
Para evitar que o senhor Peterson me mate, ficamos até mais tarde fazendo nosso dever. Quando acabamos, o sol já estava se pondo atrás do rio. Nem me ocorreu assistir ao pôr do sol desde que me mudei para cá, já que o horizonte está sempre bloqueado por prédios. Mas não aqui em cima. Aqui em cima é outra dimensão.
— Aha! — John aponta para a caixa-d’água elevada, com a torre mais grossa. — Entende por que a mais grossa reina?
Ele tem razão. Ela está refletindo o pôr do sol, irradiando vermelho e rosa.
— É impressionante o que você vê quando olha para cima — diz ele. — Sempre olhe para cima!
— “Sempre olhe para cima!”. Adoro isso.
Por quantos prédios eu passei sem reparar nos detalhes das decorações, ou nos jardins dos telhados, ou nos apartamentos de cobertura que você consegue ver o interior completamente? É como se eu estivesse focalizando apenas metade do que está aqui. Prometo que vou olhar mais para cima.
— Vamos fazer uma resolução de equinócio do outono — diz John.
— O que é isso?
— É uma coisa que acabei de inventar.
— Legal.
— Bem, então, nós temos que... OK, funciona assim: amanhã é o primeiro dia do outono, existe um tipo diferente de energia quando começa uma nova estação, você sabia? Por isso, vamos usar um pouco dessa energia para nos renovar.
Eu não fazia ideia de que garotos podiam ser como John. Quero dizer, talvez em livros e filmes, mas não na vida real.
— Nós vamos fazer uma resolução — anuncia ele para o pôr do sol. — Por que devemos esperar o ano-novo para fazer resoluções? Podemos melhorar as coisas a hora que quisermos. Uma resolução de equinócio do outono, esta é a melhor! OK, o que você quer que aconteça neste outono?
O que eu quero que aconteça é obvio. Só que é uma coisa que não posso compartilhar com John. Se algum dia ele descobrir que segui um garoto até aqui, vai me achar ridícula. Não que eu não seja ridícula. Só não quero que John saiba disso.
— Humm... primeiro você.
John fecha os olhos. Ele fica imóvel. Eu não sabia que ele era capaz de ficar imóvel.
— Sua vez — diz ele.
— Nós não vamos falar em voz alta?
— Podemos da próxima vez, se você quiser.
É um tanto quanto presunçoso da parte dele supor que haverá uma próxima vez, mas acho que faz sentido. Eu terei de dar monitoria para John duas vezes por semana, até o final do ano.
Fecho os olhos e concentro toda minha energia em fazer Scott perceber que pertencemos um ao outro. Decido me arriscar mais por ele.
Logo que abro os olhos, o sol some abaixo do horizonte.
— Para que lado você vai? — pergunto.
— Uns trezentos metros naquela direção.
— Você vai ficar?
— Mais ou menos. Eu moro bem ali — aponta John para um apartamento uns cinco andares acima de nós, com janelas enormes e vista para tudo.
— Não é possível.
— É, sim.
— Eu estava pensando em como seria legal morar em um desses lugares.
— Garanto que é infinitamente mais legal sem sua mãe e sua irmãzinha morando com você.
— Onde está seu pai?
— No Maine, com a nova esposa.
— Oh, desculpe!
— Você tem alguma ideia de como o inverno é frio no Maine? E viajar com minha irmã é muito chato. Nós temos de dividir os feriados entre os pais agora. O Natal lá é insano. Você se sente um animal selvagem procurando por comida na tundra congelada. Não estou dizendo que eles não nos alimentam, claro. Só que, quando tudo está tão triste, é como se seu instinto de sobrevivência brotasse.
Será que alguém ainda tem uma família normal? Aparentemente, antes era extremamente comum as famílias terem pai e mãe. Eles ficavam juntos porque era o que todos os outros casais faziam. Agora existem tantas opções, tantas formas diferentes de ser uma família... Tantas formas de destruir uma família!
— Então, estou sabendo que vocês foram ao High Line ontem — Sadie diz.
— É incrível!
— Eu sei.
Ela ziguezagueia na calçada ao redor de uma senhora idosa, que está arrastando os pés, apoiada em um andador.
— Você já deu monitoria em algum lugar fora da escola?
— Não, gosto de ficar ali dentro. Acho que o trabalho rende mais.
Sadie atravessa a rua correndo, sem mais nem menos. Eu corro para alcançá-la.
— Por que você atravessou? Achei que o Rite Aid fosse daquele lado.
— Ah, é daquele lado mesmo! É que eu sempre ando deste lado da Charles Street.
— Por quê?
— É mais legal.
Estou confusa. A Charles Street é uma das ruas mais bonitas da cidade. Que diferença faz se você está de um lado ou do outro da rua?
— Eu sei que é esquisito — admite ela. — Estou tão acostumada com o meu jeito de caminhar, nem percebo mais o que estou fazendo. Desculpe por estar sendo tão louca!
— Tudo bem.
Andar com Sadie pode não ser a coisa mais fácil do mundo, mas me faz sentir menos solitária. Ainda dói saber que Candice está brava comigo. Até April está estranha. Ontem foi o primeiro dia que não conversamos, desde que me mudei. Pelo menos as coisas estão melhorando por aqui. Sadie não é tão irritante quanto eu presumi inicialmente. Acho até que ela é uma pessoa de quem vou querer ser amiga. E é por isso que concordei em ir para casa com ela.
Mas, primeiro, temos de ir à Rite Aid. Sadie precisa de absorventes e eu não tenho nenhum na bolsa. Nem acreditei que ela também não tinha. A bolsa de Sadie é enorme, está sempre cheia de suprimentos, como loção, espelho, brilho para lábios, chicletes, balas de hortelã, lixas de unha, variadas presilhas de cabelos. O que você precisar, ela tem. Hoje é uma anormalidade.
Na Rite Aid, examino as prateleiras de revistas. John Krasinski está em uma das capas. Tenho que me lembrar de contar para Scott.
Entramos na fila. Sadie pega um tubo pequeno de Bliss Body Butter. Eu a vi usando esse hidratante na sala de aula inúmeras vezes.
— Eu gosto desse hidratante — comento. — Tem um perfume tão gostoso!
— Minha mãe sempre leva alguns para casa, do trabalho. Ela é concièrge no W Hotel, na Times Square, e ganha montes de amostras grátis. Vou trazer algumas para você.
— Obrigada!
— Você é fã dos Beatles?
— Não exatamente. Por quê?
— É que tem um lugar no Central Park onde as pessoas se reúnem e tocam canções dos Beatles. Chama-se Strawberry Fields. Sabe?
— Humm...
— Como a canção?
— Ah!
Eu provavelmente deveria saber disso. Realmente gosto de músicas antigas. Paul Simon embala meu mundo, suas músicas têm tanto a ver com Nova York! Se tivesse um lugar no Central Park chamado “Train in the Distance”, eu entenderia.
Há somente duas pessoas na nossa frente na fila, mas Sadie está toda irrequieta e afobada. Entendo sua dor. Quando estou no período menstrual, o último lugar onde quero estar é presa em alguma fila.
Um dos caixas grita:
— Próximo!
Nós somos as próximas, mas Sadie dá passagem para o rapaz que está atrás de nós.
— Por que você não foi? — pergunto.
Sadie está fascinada por uma prateleira com misturas energéticas.
— E aí, como estava no High Line? — ela muda de assunto. — Você conseguiu fazer um pouco do seu trabalho?
— No final, sim, mas a princípio fiquei bem desconcentrada.
— Próximo!
Nós somos as próximas novamente. Sadie sorri para a mãe que está atrás de nós, empurrando um carrinho com um bebê triste.
— Você pode ir — diz Sadie para ela.
Eu me pergunto: “O que está acontecendo?”.
Sadie se afasta dos caixas e fica examinando a prateleira com misturas energéticas novamente. Talvez ela esteja sem graça de comprar absorventes. Eu costumava ser assim.
— Tudo bem — falo para ela. — Vou pegar um pacote para você.
— É mesmo? Ah, meu Deus, obrigada!
Sadie coloca dinheiro em minha mão e depois sai correndo da loja, com a cabeça baixa.
Quando a encontro do lado de fora, está apoiada na parede lateral da loja, toda ruborizada. Entrego a sacola e devolvo o troco para ela.
— Eu também odiava comprar absorventes.
— Não é isso.
— Então, qual é o problema?
— Nada. Vamos embora?
— Por quê?
— Eu realmente não estou a fim de falar sobre isso.
— OK.
Andamos meio quarteirão em silêncio.
E então Sadie diz:
— Bem, é que... eu estava tentando ganhar tempo para ver se a gente passava pelo outro caixa.
— Foi por isso que você deixou aquelas pessoas passarem na frente?
— Mais ou menos. É.
— Achei que estava com vergonha de comprar absorventes.
— Se eu tivesse que comprar com o Carlos, ficaria muito sem graça.
Claro que é por isso que ela estava tão nervosa e vermelha. Ela gosta do caixa bonitinho.
— Ele é bonitinho — digo eu.
— Ele é mais que bonitinho.
— Se você não queria que ele a visse, por que não fomos ao Walgreens ou a algum outro lugar?
— Ele não deveria estar lá. Ele deve ter trocado de horário com alguém.
— Você conhece a escala de trabalho dele?
— Não, mas nunca o vi à tarde. Exceto nos fins de semana.
— Você já conversou com ele?
— Apenas o típico “como-vai-você-eu-estou-bem”. Mas juro que ele olha para mim de um jeito diferente. Assim que me vê, fica todo animado. Eu já observei e ele nunca fica entusiasmado quando vê outros clientes. Mas pode ser que eu esteja apenas imaginando coisas. Provavelmente estou.
Tenho certeza de que Sadie está certa sobre o jeito que Carlos é com ela. Por que ele não gostaria dela? É muito bonita e meiga. É exatamente o tipo de garota que ele gostaria. Será que ela não sabe disso?
— Deixa para lá! — diz ela. — É provável que ele tenha namorada.
— Você não sabe se tem. Por que você não o convida para sair?
— Ah, sim, claro! Você acha que ele sairia comigo?
— Por que não? Você é bonita.
Sadie acha graça.
— Você é. Se você convidasse Carlos para sair, ele ficaria bem empolgado.
— Então por que ele não me convida para sair?
— Você não pode convidar um cliente para sair. É contra as normas.
— Então... sou eu que tenho de ir até ele e convidá-lo para sair?
— É isso mesmo.
— Não sou tão segura assim.
— Desde quando? Você é totalmente segura.
— Não com garotos.
Será que me sinto segura com garotos? Acho que sim. Nunca fiquei tímida perto deles. Na minha cidade, as pessoas costumavam dizer que eu era durona. O que é estranho, porque não me sinto nem um pouco durona; eu me sinto quebrada. Mas agora que estou cercada de possibilidades, parece que, finalmente, poderei juntar meus pedaços novamente.