Vinheta

REVELIA

Sumário: 12.1. Conceito – 12.2. Efeitos: 12.2.1. Fatos alegados pelo autor serão reputados verdadeiros; 12.2.2. Desnecessidade de intimação do réu revel; 12.2.3. Julgamento antecipado do mérito – 12.3. Modificação objetiva da demanda – 12.4. Ingresso do réu revel no processo: 12.4.1. Participação do réu revel no procedimento probatório.

12.1. CONCEITO

A revelia é um estado de fato gerado pela ausência jurídica de contestação. Esse conceito pode ser extraído do art. 319 do CPC, que, apesar de confundir conteúdo com os efeitos da revelia, expõe claramente que a existência desse fenômeno processual depende da ausência de contestação1. A ausência deve ser necessariamente jurídica porque ocorre revelia mesmo nos casos em que o réu apresenta contestação, que faticamente existirá. Essa existência fática, entretanto, não é o suficiente para afastar a revelia, sendo indispensável que juridicamente ela exista. Contestação intempestiva, por exemplo, não impede a revelia do réu2, já tendo o Superior Tribunal de Justiça resolvido que contestação endereçada e protocolizada em juízo diverso e distante daquele no qual tramita o feito não evita a revelia3.

O art. 319 do CPC realmente peca em confundir o conteúdo da revelia com o seu efeito principal, qual seja a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, mas ainda assim pode ser aproveitado parcialmente para justificar o conceito apresentado. Não se mostra correta a doutrina minoritária que pretende extrair do dispositivo legal mais do que indica, entendendo que a revelia na realidade é a ausência jurídica de resposta do réu, de forma que, apresentada qualquer espécie de resposta, o réu não é revel4. Ao que parece, essa parcela da doutrina confunde revelia com seus efeitos, não compreendendo que é plenamente possível um réu revel apresentar outras espécies de resposta que não a contestação, evitando assim a geração dos efeitos da revelia, mas não o seu estado de revel5.

Entendo que o conteúdo da revelia não pode ser confundido com os seus efeitos, até porque, conforme autorizada doutrina, conceito é o que está dentro e efeito é aquilo que se projeta para fora, de maneira que é impossível confundir um com o outro. Sendo a revelia uma questão de fato gerada pela ausência jurídica de contestação, não guarda maior interesse o seu conceito, sendo muito mais relevante o estudo de seus efeitos. Como já afirmado, é plenamente possível existência de revelia que não gere nenhum dos efeitos programados pela lei, o que, entretanto, não será o suficiente para afastá-la do caso concreto6.

12.2. EFEITOS

A melhor doutrina costuma apontar três efeitos para a revelia:

(a) os fatos alegados pelo autor são reputados verdadeiros;

(b) desnecessidade de intimação do réu revel;

(c) julgamento antecipado do mérito (art. 330, II, do CPC).

12.2.1. Fatos alegados pelo autor serão reputados verdadeiros

A ausência jurídica de resistência do réu diante da pretensão do autor faz com que o juiz repute verdadeiros os fatos alegados pelo autor, sendo comum entender que nesse caso a lei permite ao juiz presumir a veracidade dos fatos diante da inércia do réu. O entendimento de que existe uma confissão ficta na revelia é duramente criticado pela melhor doutrina, que afirma corretamente que a omissão do réu não pode ser entendida como a concordância tácita a respeito dos fatos alegados pelo autor. No direito não é aplicado o brocardo popular “quem cala consente”; no direito “quem cala, cala”. Os fatos são dados como verdadeiros porque existe uma expressa previsão legal nesse sentido, sendo irrelevantes as razões da omissão do réu revel7.

Reputam-se verdadeiros somente os fatos alegados pelo autor, de forma que a matéria jurídica naturalmente estará fora do alcance desse efeito da revelia. Aplicando-se o princípio do iura novit curia – o juiz sabe o direito –, é inadmissível a vinculação do magistrado à fundamentação jurídica do autor somente porque o réu não contesta a demanda, tornando-se revel8. Daí por que incompreensível a determinação de desentranhamento da contestação dos autos quando ocorre a revelia, sendo certo que o juiz poderá se aproveitar dos fundamentos jurídicos de defesa apresentados pelo réu em sua contestação viciada9. A exclusão da matéria de direito da presunção gerada pela revelia é o que explica o julgamento de improcedência do pedido do autor mesmo sendo revel o réu e ocorrendo a presunção de veracidade dos fatos alegados na petição inicial no caso concreto.

A presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, certamente o efeito mais importante da revelia, é meramente relativa10, podendo ser afastada no caso concreto, em especial, mas não exclusivamente, nas hipóteses previstas expressamente pelo art. 320, do CPC. Ao afirmar que a presunção de veracidade é relativa, é importante notar que o seu afastamento no caso concreto não permite ao juiz a conclusão de que o fato alegado não é verdadeiro. Não sendo reputados verdadeiros os fatos discutidos no caso concreto, o autor continua com o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, sendo concedido a ele o prazo de 10 dias para especificação de provas (art. 324 do CPC).

Não tem fundamento a exigência do juiz em presumir como verdadeiros fatos inverossímeis (fatos que não aparentam ser verdadeiros), exclusivamente em razão da revelia do réu. Tendo o juiz a impressão de que os fatos não são verdadeiros, aplicando no caso concreto as máximas de experiência, poderá exigir do autor a produção da prova, afastando no caso concreto o efeito da revelia previsto no art. 319 do CPC11. Trata-se da melhor solução, bastando para fundamentá-la imaginar­-se o autor alegando que transportou objetos com a força da mente, ou ainda que praticou atos que as próprias leis da natureza desmentem (que saltou um rio de 50 metros de largura, que ficou submerso por 30 minutos, que percorreu a pé uma distância de 20 km em 10 minutos etc.). Gerando-se no espírito do julgador o sentimento de improbabilidade do fato narrado ter efetivamente ocorrido, não há como reputá-lo verdadeiro.

Por outro lado, defende acertadamente autorizada doutrina que não se reputam verdadeiros os fatos sempre que tenham sido legalmente impugnados, sendo irrelevante o sujeito responsável pela impugnação ou a forma pela qual ela ocorreu. É claro que o réu é o legitimado tradicional para impugnar as alegações do autor, e o momento mais adequado para isso é a contestação. Na revelia, não haverá contestação – ao menos do ponto de vista jurídico –, mas é possível que um terceiro interveniente dentro do prazo legal de manifestação realize a impugnação do fato alegado pelo autor, como no caso do denunciado à lide ou do chamado ao processo. É o que basta para não se aplicar a regra da presunção de veracidade. Por outro lado, o réu poderá não apresentar contestação – revelia – mas outras formas de resposta, sendo admissível que a impugnação dos fatos alegados pelo autor seja realizada em alguma dessas outras formas de resposta. Numa reconvenção, impugnação ao valor da causa ou exceção de incompetência, por exemplo, poderá o réu impugnar o fato alegado pelo autor, e, mesmo sendo um réu revel por não ter contestado, os fatos devidamente impugnados não serão presumidos verdadeiros12.

Além das duas hipóteses já descritas – fatos inverossímeis e impugnação fora da contestação do réu –, o art. 320 do CPC prevê expressamente mais três hipóteses nas quais, apesar da revelia, não se reputam os fatos verdadeiros, continuando a ser um ônus do autor a produção de prova para demonstrar a veracidade de suas alegações fáticas.

No art. 320, I, do CPC, há previsão de que não se reputarão verdadeiros os fatos alegados pelo autor sempre que, havendo litisconsórcio passivo, um dos réus contestar a demanda. É claro que o litisconsorte que contestou a demanda não é revel, sendo, entretanto, aquele que não contestou. O dispositivo legal contraria a regra da autonomia da atuação dos litisconsortes (art. 48 do CPC), permitindo que o ato praticado por um beneficie a todos os demais. A aplicação desse benefício, entretanto, depende num primeiro momento da espécie de litisconsórcio passivo formado na demanda e, depois, dependendo da espécie de litisconsórcio, da análise do conteúdo da contestação.

Tratando-se de litisconsórcio unitário, no qual a decisão obrigatoriamente será de mesmo teor para todos os litisconsortes, não resta nenhuma dúvida de que a contestação apresentada por um dos réus aproveitará aos demais. No caso de litisconsórcio simples, no qual a decisão poderá ter diferente teor para os litisconsortes, o afastamento do efeito mencionado no art. 319 do CPC dependerá do caso concreto, só se verificando quando houver entre os litisconsortes uma identidade de matéria defensiva, ou seja, que a contestação apresentada por um dos réus tenha como teor as matérias de defesa que comporiam a contestação não oferecida do litisconsorte revel. Sendo apresentada contestação com matéria de defesa de exclusivo interesse do réu que a apresentou, os fatos que prejudiquem somente o réu revel poderão ser presumidos verdadeiros13.

Marilena ingressa com demanda de reparação de danos contra a Garzia & Munte e seu funcionário Nelson, alegando que Nelson dirigia caminhão da empresa e que, durante o exercício de suas funções, passou no farol vermelho e a atropelou. São dois fatos, portanto, alegados por Marilena: Nelson dirigir um caminhão da Garzia & Munte durante seu expediente e ter passado no farol vermelho, o que causou o acidente. Nelson é revel, tendo sido apresentada contestação somente pela Garzia & Munte, sendo que a aplicação do art. 320, I, do CPC dependerá do teor dessa defesa. A Garzia & Munte contestou o fato de que Nelson estivesse em seu horário de expediente, acusando-o de furtar o veículo do pátio no dia de sua folga, e, além disso, alegou que o farol estava verde no momento do acidente, acusando Marilena de ter se jogado na frente do veículo. É óbvio que nesse caso a defesa da Garzia & Munte favorece Nelson e o art. 320, I, do CPC deve ser aplicado. Por outro lado, se na contestação a Garzia & Munte tiver sido alegado tão somente que o veículo foi furtado de seu pátio, essa defesa em nada favorece Nelson, o réu revel. Será, nessa hipótese, legítimo reputar como verdadeiro o fato de o farol estar vermelho no momento do acidente.

Diz o art. 320, II, do CPC que não se reputam os fatos verdadeiros na revelia se o litígio versar sobre direitos indisponíveis. Em razão da natureza não patrimonial de alguns direitos, não se permite ao juiz dispensar o autor do ônus probatório ainda que o réu seja revel. A indisponibilidade do direito é a justificativa para impedir o juiz que repute como verdadeiros os fatos diante da revelia da Fazenda Pública, aplicando-se ao caso concreto o princípio da prevalência do interesse coletivo perante o direito individual e a indisponibilidade do interesse público14.

Por fim, o art. 320, III, do CPC afasta a presunção de veracidade sempre que a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considere indispensável à prova do ato. Trata-se de documentos cuja ausência proíbe que o juiz os considere verdadeiros, daí a ser imprescindível a sua juntada aos autos. Muitos desses documentos podem representar documentos indispensáveis à propositura da demanda (art. 283 do CPC), mas nesse caso serão exigidos do autor já no momento da propositura da demanda. O dispositivo ora analisado trata de documentos indispensáveis à prova do ato alegado, mas não à propositura da demanda, porque mesmo sem eles o juiz tem condições de julgar o mérito da demanda.

Guilherme ingressa com ação de inventário em razão do falecimento de Jonas, sendo indispensável à propositura dessa demanda a juntada da certidão de óbito, sem o que o inventário não poderá prosseguir. Circunstância diferente verifica-se quando Guilherme ingressa com demanda indenizatória contra Jussara e em argumentação fática alega que Jonas faleceu. Nesse caso, o julgamento de mérito poderá ser feito sem a prova do fato, mas, para que o juiz considere em suas razões do decidir que Jonas realmente faleceu, é indispensável a juntada ao processo da sua certidão de óbito.

Acolhendo correta posição doutrinária, o art. 331 do PLNCPC prevê que a presunção de veracidade não ocorrerá se os fatos alegados pelo autor forem inverossímeis.

12.2.2. Desnecessidade de intimação do réu revel

Diz o art. 322 do CPC que contra o revel que não tenha patrono nos autos os prazos serão contados independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório. O raciocínio é simples; não havendo advogado constituído, as intimações que são feitas, em regra, em seu nome teriam que ser feitas pessoalmente, em nítido atraso do procedimento. A melhor doutrina lembra que determinadas hipóteses de intimação pessoal do réu exigirão a intimação pessoal do réu revel, como a intimação para prestar depoimento pessoal e exibir documentos15. As intimações realizadas por publicação na imprensa oficial não serão realizadas na hipótese de revelia, inclusive a sentença, passando a correr o prazo recursal a partir do momento em que a sentença se torna pública16.

Importante notar que para a geração desse efeito – dispensa de intimação – não basta que o réu seja revel, sendo também indispensável que não esteja representado por patrono nos autos. Decorrendo a revelia da inexistência jurídica da contestação, é possível imaginar um réu revel que não suporte em nenhum momento da demanda o efeito ora tratado. Basta imaginar um réu que junta procuração nos autos no prazo de resposta e protocola a contestação fora do prazo. Em razão da intempestividade da defesa, o réu será considerado revel, mas, como já tem patrono constituído dos autos desde o momento da apresentação da defesa, será intimado de rigorosamente todos os atos processuais17. Por outro lado, admitindo-se a intervenção no processo do réu revel a qualquer momento, a partir do ingresso terá patrono constituído, devendo ser a partir desse momento intimado de todos os atos processuais.

Segundo o art. 333 do PLNCPC, os prazos contra o réu revel que não tenha constituído patrono nos autos correrão a partir da publicação do ato decisório no órgão oficial. Compreendo que a previsão tenha o objetivo de sanar dúvidas a respeito da dispensa da intimação do réu revel, exigindo a publicação para fins de intimação do autor por meio de seu patrono, passando a partir desse momento a contagem para o réu revel.

Ocorre, entretanto, que nem toda intimação de ato processual se dá por meio de publicação no diário oficial, sendo questionável o acerto da previsão contida no dispositivo legal ora comentado para tais hipóteses. O autor sai intimado de atos praticados em audiência, mas sendo o réu revel deve haver publicação no diário oficial? Sendo o autor intimado pessoalmente do ato processual, em razão de sua especial qualidade ou de particularidade do caso concreto, será necessária a publicação em diário oficial? Entendo que nesses casos será inaplicável o artigo ora analisado.

12.2.3. Julgamento antecipado do mérito

Como terceiro efeito da revelia, parcela da doutrina aponta o julgamento antecipado do mérito, chamado indevidamente pelo texto legal de julgamento antecipado da lide, conforme analisado no Capítulo 13, item 13.2.4. Segundo o art. 330, II, do CPC, ocorrerá o julgamento antecipado na hipótese de revelia. Mais uma vez o legislador indevidamente confunde a revelia com os seus efeitos, o que fica claro com a previsão do art. 324 do CPC, que determina a especificação de provas quando o juiz, apesar da revelia do réu, não presume os fatos como verdadeiros. Como se nota, não basta a revelia para que seja aplicado o art. 330, II, do CPC, sendo indispensável que o juiz presuma os fatos alegados pelo autor como verdadeiros, o que tornará a fase probatória desnecessária, condição indispensável ao julgamento antecipado da lide.

Esse efeito na realidade é uma mera consequência da geração do efeito principal da revelia. Reputando-se verdadeiros os fatos alegados pelo autor, a consequência será o julgamento antecipado da lide; enquanto não gerado esse efeito por qualquer das razões já enfrentadas, será caso de especificação de provas, o que naturalmente afasta a possibilidade de julgamento antecipado.

O vício do art. 330, II, do CPC é corrigido pelo art. 341, II, do PLNCPC, ainda que não da forma mais perfeita, ao prever que o julgamento imediato da lide (esse é o novo nome) é cabível quando ocorre a revelia e incidem seus efeitos. O óbvio problema da redação proposta é que haverá julgamento antecipado da lide ainda que nem todos os efeitos da revelia sejam gerados no caso concreto.

Tendo o dispositivo se valido do plural, é presumível que ao se referir aos efeitos da revelia, tenha se imaginado a presunção da veracidade e a dispensa de intimação, sendo que, na realidade, somente a presença do primeiro efeito já é suficiente para o julgamento antecipado da lide. Significa dizer que, ainda que o réu revel tenha advogado constituído nos autos, de forma a ser intimado de todos os atos processuais, presumindo-se verdadeiros os fatos alegados pelo autor, será caso de julgamento antecipado da lide. Não compreendo porque não se fez uma remição expressa no dispositivo a tal efeito, preferindo-se confundir o intérprete com a indicação dos “efeitos” da revelia.

12.3. MODIFICAÇÃO OBJETIVA DA DEMANDA

Prevê o art. 264 do CPC que o autor pode livremente modificar sua causa de pedir e pedido até a citação do réu; após a citação e até o momento de saneamento do processo essa mudança depende de concordância do réu; após o saneamento a modificação é vedada, mesmo que exista concordância do réu. Esse dispositivo regula o fenômeno da estabilização objetiva da demanda.

No processo em que se verifique a revelia, diz o art. 321 do CPC que o autor, desde que realize nova citação do réu, pode alterar o pedido, causa de pedir e demandar declaração incidente, sendo nesse caso assegurado um novo prazo de resposta ao réu. Não parece feliz a redação do dispositivo legal porque, se o réu é revel, significa que já foi citado, ou seja, já foi integrado à relação jurídica processual, não sendo necessário realizar uma nova citação em razão da alteração objetiva da demanda. Bastaria uma intimação pessoal informando-o da alteração e abrindo um novo prazo de resposta18.

É interessante a questão da ação declaratória incidental proposta pelo autor quando da revelia do réu, porque em tese, não havendo contestação, não surge questão prejudicial, indispensável para a existência de uma ação declaratória incidental. Para parcela da doutrina há, entretanto, duas hipóteses em que mesmo na revelia poderá surgir uma questão prejudicial19:

(a) na revelia gerada pela citação por edital ou hora-certa (citação ficta), quando o curador à lide contesta a demanda (pessoalmente entendo que não existe revelia na citação ficta);

(b) no litisconsórcio passivo quando somente um ou alguns dos réus apresenta contestação.

Quanto à alteração do pedido e da causa de pedir, o dispositivo legal é peculiar porque excepciona a regra contida no art. 264 do CPC, considerando que, mesmo após a citação do réu – pelo menos a primeira citação –, o autor poderá livremente alterar a causa de pedir e o pedido, sem a necessidade da anuência do adversário. A doutrina majoritária entende que não pode o réu revel, citado pela segunda vez, comparecer tempestivamente ao processo somente para se recusar à alteração realizada pelo autor. Deverá se defender nos limites da alteração realizada, que já se considerará consolidada, quem sabe sendo essa a razão do legislador em prever uma segunda citação do réu revel20.

O art. 321 do CPC prevê que o réu revel citado pela segunda vez terá o direito de se defender no prazo de 15 dias. Mais uma vez o legislador regula instituto de teoria geral do processo voltado somente ao processo de conhecimento pelo rito ordinário, não sendo correto afirmar que o novo prazo será sempre de 15 dias. O prazo de resposta diante da segunda citação será o mesmo da primeira, e nem sempre será de 15 dias, como é fácil perceber na aplicação do dispositivo ora comentado ao processo cautelar, no qual o prazo de resposta é de 5 dias. Ou ainda no procedimento sumário, no qual o momento para a apresentação de resposta é a audiência de conciliação.

Concedida uma nova oportunidade de resposta ao réu revel em razão de sua segunda citação no processo, e efetivamente contestada a demanda, naturalmente o réu deixará de ser revel. É certo que não poderá nessa oportunidade impugnar matérias que deveria ter impugnado após a sua primeira citação, não sendo essa segunda oportunidade de defesa uma nova oportunidade de impugnar matérias já atingidas pela preclusão em razão de sua revelia diante da primeira citação. A defesa estará, portanto, limitada ao objeto da alteração objetiva realizada pelo autor. De qualquer forma, ainda que o réu não possa realizar uma impugnação completa da pretensão do autor, a mera presença de uma contestação no processo faz com que o réu não possa mais ser considerado revel.

A doutrina é pacífica no tocante à limitação do objeto de defesa do réu revel após sua segunda citação, ao objeto da alteração objetiva da demanda. É preciso perceber, entretanto, que ao depender da espécie de modificação, o réu, mesmo se limitando em sua defesa ao objeto da alteração objetiva, poderá impugnar fatos que fundamentam a pretensão originariamente postulada pelo autor, o que afastaria o único efeito da revelia que ainda poderia ser gerado, a presunção de veracidade dos fatos. Basta imaginar uma ampliação do pedido, quantitativa ou qualitativa, mantendo-se a mesma causa de pedir. O réu, citado pela segunda vez, em tese se limitará ao objeto da alteração, mas, como não houve alteração da causa de pedir, para impugnar a nova pretensão poderá impugnar os mesmos fatos que fundamentam tanto a nova como a originária pretensão do autor. Nesses casos, ainda que a defesa do réu se limite ao objeto de alteração, serão afastados todos os efeitos da revelia no caso concreto.

Cibele ingressa com demanda de reparação de danos materiais contra Alarico, pleiteando R$ 5.000,00 de danos emergentes. Sendo Alarico revel, Cibele adita sua petição inicial, passando a pleitear R$ 10.000,00 de danos emergentes e R$ 4.000,00 de lucros cessantes. Citado novamente, Alarico ingressa na demanda e apresenta contestação nos limites da alteração objetiva realizada por Cibele, sendo natural que, além de impugnar os R$ 5.000,00 a mais a título de danos emergentes e o pedido de lucros cessantes, possa impugnar os fatos constitutivos do direito de Cibele, narrados originariamente na petição inicial. Com isso, será afastada a presunção de veracidade dos fatos. Situação diferente ocorreria se Cibele ampliasse as causas de pedir, mantendo o mesmo pedido; na petição inicial alega a embriaguez de Alarico como fator do acidente automobilístico e pleiteia a condenação em danos materiais. Diante da revelia, Cibele adita a inicial e alega também que Alarico estava na contramão no momento do acidente. Nesse caso, mesmo que Alarico compareça no processo depois de sua segunda citação, só poderá impugnar o fato de estar na contramão, sendo legítimo ao juiz presumir como verdadeira a alegação de embriaguez.

12.4. INGRESSO DO RÉU REVEL NO PROCESSO

Correta lição doutrinária afirma que faz parte do passado o entendimento de que a revelia constitui um ato de ofensa do réu com o Poder Judiciário, por demonstrar seu pouco caso com a atuação jurisdicional. Durante certo tempo da história, a repulsa a esse comportamento gerava inclusive a ida à força do réu ao processo, pois entendia-se inconcebível o réu não responder ao chamado jurisdicional. Isso tudo faz parte do passado, porque atualmente não se encara a revelia como um ato de afronta ou pouca consideração com o Poder Judiciário, sendo diversas as razões que levam um réu a ser revel, e todas elas irrelevantes. Como elegante expressão doutrinária afirma, o réu revel não é um delinquente, mas um mero ausente, não devendo ser punido de nenhuma forma em razão de seu estado de revelia.

Diante dessa constatação, o réu revel é bem-vindo ao processo, podendo dele passar a participar a qualquer momento. Segundo o art. 322, parágrafo único, do CPC, o revel poderá intervir no processo em qualquer fase procedimental, recebendo o processo no estado em que se encontrar. Significa dizer que, apesar de o réu revel ser bem-vindo, permitindo-se o seu ingresso a qualquer momento do processo, essa intervenção tardia deve respeitar as regras de preclusão, de forma que não se admitirá o retrocesso procedimental. O réu revel terá participação garantida a partir do momento de sua intervenção, mas atos processuais passados, já protegidos pela preclusão, não poderão ser repetidos ou praticados originariamente.

A regra formulada à luz das preclusões judiciais parece ser de fácil compreensão; do passado nada se altera, suportando o réu revel as consequências de sua ausência; do futuro participará ativamente o réu revel.

12.4.1. Participação do réu revel no procedimento probatório

No campo probatório, entretanto, a aparente simplicidade da regra prevista no art. 322, parágrafo único, do CPC pode esconder algumas complicações. Naturalmente a regra continua a ser aplicada, mas é imprescindível para fixar o seu exato alcance a percepção de que a prova surge no processo mediante um procedimento probatório, sendo a participação do réu revel condicionada ao momento desse procedimento probatório quando ingressa no processo21. A Súmula 231 do Supremo Tribunal Federal permite a produção de prova pelo réu revel, mas há limitações que dependem do momento de ingresso no processo.

12.4.1.1. Provas causais

Provas causais são as produzidas dentro do processo, durante seu procedimento, como ocorre com a prova testemunhal e a prova pericial. Para essas provas, o procedimento probatório é dividido em quatro fases:

(a) propositura,

(b) admissibilidade;

(c) produção, fase dividida em preparação e realização; e

(d) valoração.

A propositura das provas deve ser feita no primeiro momento em que as partes falam nos autos; o autor na petição inicial (art. 282, VI, do CPC) e o réu na contestação (art. 300 do CPC). Como se pode notar, o réu revel é aquele que não contesta, e sendo esse o momento procedimental para o réu requerer a produção de provas, é natural que, qualquer que seja o momento de ingresso do réu revel no processo, ele não poderá propor a produção de prova. Registre-se posição doutrinária que entende possível ao réu revel requerer provas, desde que compareça ao processo no prazo de especificação de provas. Embora a especificação de provas, nos termos do art. 324 do CPC, seja dirigida ao autor, essa parcela doutrinária entende que também o réu poderá especificar as provas, ainda que não as tenha pedido na contestação.

Após a propositura da prova, o juiz analisará a sua admissibilidade, tarefa em regra realizada no saneamento do processo, seja por meio de decisão escrita, seja por meio de audiência preliminar. Caso o réu revel ingresse no processo antes do juízo de admissibilidade, será facultado a ele impugnar as provas requeridas pelo autor e influenciar o convencimento do juiz na análise de sua admissibilidade.

Na fase de produção da prova existe uma divisão procedimental entre a preparação e a realização. Numa prova testemunhal, os atos de arrolar uma testemunha e de intimação são atos de preparação, enquanto a oitiva em audiência é ato de realização. Numa prova pericial, a indicação de quesitos e de assistente técnico faz parte do momento preparatório, ao passo que a resposta desses quesitos pelo perito faz parte da realização. O importante é entender que no momento de preparação a prova já está sendo produzida. Caso o réu revel ingresse na demanda antes do momento de preparação da prova, poderá livremente dela participar, sendo essa a razão pela qual se admite ao réu revel arrolar testemunhas e indicar quesitos e assistentes técnicos. Note-se que em tese o réu revel não pode pedir a produção de prova testemunhal ou pericial, mas, tendo sido deferidos tais meios de prova pelo juiz – em razão de pedido do autor ou de ofício –, o réu revel poderá participar de sua preparação, desde que ingresse no processo em momento adequado para tanto. Caso o réu revel ingresse no processo depois do momento de preparação, mas antes da realização, poderá desse segundo momento ativamente participar, como comparecer à audiência, contraditar e fazer perguntas às testemunhas, como também impugnar o laudo pericial e requerer a presença do perito em audiência para o esclarecimento de dúvidas22.

Por fim, a fase da valoração, realizada pelo juiz em sua sentença. Tendo o réu revel ingressado na demanda após a produção da prova, restará a ele a impugnação da prova já produzida, na tentativa de influenciar o juiz na formação de seu convencimento. O mesmo poderá fazer se ingressar no processo dentro do prazo de apelação.

12.4.1.2. Provas pré-constituídas

Provas pré-constituídas são aquelas formadas fora do processo, sendo o exemplo clássico a prova documental. O procedimento probatório dessa espécie de prova é dividido em três fases:

(a) propositura e produção;

(b) admissibilidade;

(c) valoração.

Já existindo a prova fora do processo, como ocorre com a prova documental, caberá ao autor na petição inicial e ao réu na contestação não só requererem a sua produção, mas produzirem-na nesse momento procedimental. Diante dessa regra, seria correta a conclusão de que o réu revel nunca poderá produzir prova pré­-constituída, considerando-se que o seu ingresso na demanda sempre se dará após o momento de ausência jurídica de contestação? A resposta é afirmativa, mas deve ser dada com extrema cautela. O art. 397 do CPC admite em duas circunstâncias a juntada de prova documental a qualquer momento do procedimento. Além disso, como analisado no Capítulo 14, item 14.2.4.5, há entendimento do Superior Tribunal de Justiça que permite a juntada de documento a qualquer momento, além das hipóteses legais, desde que preenchidos três requisitos23:

(a) ausência de má-fé;

(b) compatibilidade do estágio procedimental;

(c) contraditório.

Ao menos no tocante ao primeiro requisito, para o réu revel será mais fácil o seu preenchimento do que para um réu que contesta. Não tendo apresentado a contestação, momento adequado para a produção da prova documental, será difícil acreditar que a juntada posterior de documento tenha sido fruto de uma manobra de má-fé por parte do réu revel.

Quanto às fases de admissibilidade e de valoração da prova pré-constituída, aplicam-se integralmente os comentários feitos no tópico anterior quanto às provas causais.

Diante de todo o exposto, nota-se que a previsão do art. 336 do PLNCPC, ao prever que o réu pode produzir prova para contrapô-la às provas produzidas pelo autor, desde que ingresse no processo em momento adequado, é no mínimo incompleta para explicar a participação do réu revel no procedimento probatório.


1 Theodoro Jr., Curso, n. 396, p. 451; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 130; Nery-Nery, Comentários, n. 1 ao art. 319, p. 593.

2 STJ, 4.ª Turma, REsp 669.954/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 21.09.2006, DJ 16.10.2006. Posição contrária minoritária: Calmon de Passos, Comentários, n. 237.2, p. 353.

3 Informativo 425/STJ: 3.ª Turma, REsp 847.893/SP, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 02.03.2010.

4 Nesse sentido, Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1120, p. 533; Scarpinella Bueno, Curso, v. 2, p. 189; Fidélis dos Santos, Manual, v. 1, n. 546, p. 395-396.

5 No sentido do texto Marinoni-Arenhart, Manual, p. 131.

6 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1121, p. 534; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 131. Contra: STJ, REsp 510.229/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 16.11.2004, DJ 13.12.2004.

7 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1122, p. 535; Calmon de Passos, Comentários, n. 236.2, p. 348.

8 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1123, p. 536.

9 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1127, p. 545; Scarpinella Bueno, Curso, v. 2, p. 191.

10 Informativo 416/STJ: 1.ª Turma, REsp 984.897/PR, rel. Min. Luiz Fux, j. 19.11.2009; STJ, 3.ª Turma, REsp 723.038/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09.08.2007, DJ 27.08.2007; STJ, 1.ª Turma, AgRg no Ag 776.511/RS, rel. Min. Denise Arruda, j. 27.03.2007, DJ 30.04.2007.

11 Barbosa Moreira, O novo, p. 98; Arruda Alvim, Manual, n. 126, p. 293; Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1126, p. 541-542, menciona fatos impossíveis ou improváveis.

12 Marinoni-Arenhart, Manual, p. 135.

13 Calmon de Passos, Comentários, n. 246.1, p. 375; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 133; Nery-Nery, Código, n. II:2 ao art. 320, p. 594.

14 Carneiro da Cunha, A Fazenda Pública, p. 87-88. STJ, 1.ª Turma, REsp 969.472/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 18.09.2007, DJ 08.11.2007; STJ, 1.ª Seção,REsp 541.239/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 09.11.2005; DJ 05.06.2005.

15 Arruda Alvim, Manual, n. 126, p. 290.

16 Theodoro Jr., Curso, n. 396, p. 451; Arruda Alvim, Manual, n. 126, p. 291; STJ, 4.ª Turma, REsp 694.896/RS, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 03.08.2006, DJ 04.09.06. Contra, exigindo intimação pessoal do réu revel da sentença: Calmon de Passos, Comentários, n. 255, p. 386-387; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 137. Greco Filho, Direito, v. 2, p. 159, exige publicação no Diário Oficial.

17 Calmon de Passos, Comentários, n. 252, p. 382; Theodoro Jr., Curso, n. 396, p. 451. Theodoro Jr., Curso, n. 396, p. 451.

18 Scarpinella Bueno, Curso, v. 2, p. 192.

19 Calmon de Passos, Comentários, n. 251.3, p. 381-382; Figueira Jr., Comentários, p. 385-386.

20 Contra, não admitindo a alteração em razão do art. 264 do CPC, em lição isolada: Calmon de Passos, Comentários, n. 251, p. 381.

21 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1127, p. 544. Contra, Nery-Nery, Código, n. 6, art. 322, p. 595-596.

22 Calmon de Passos, Comentários, n. 256, p. 388-391.

23 STJ, 3.ª Turma, REsp 980.191/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 21.02.2008, DJ 10.03.2008; STJ, 1.ª Turma, REsp 780396/PB, Rel. Min. Denise Arruda, j. 23.10.2007, DJ 19.11.2007; STJ, 4.ª Turma, AgRg no Ag 652.028/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 28.06.2005, DJ 22.08.2005. Contra, para a juntada de documento por réu revel no momento de autos conclusos para a sentença, STJ, 5.ª Turma, AgRg no EDcl no EREsp 813.959/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 14.11.2006, DJ 18.12.2006.