Sumário: 15.1. Introdução – 15.2. Procedimento: 15.2.1. Abertura e pregão das partes; 15.2.2. Conciliação (tentativa de autocomposição); 15.2.3. Fixação dos pontos controvertidos; 15.2.4. Esclarecimentos do perito; 15.2.5. Depoimento pessoal; 15.2.6. Oitiva das testemunhas; 15.2.7. Debates orais; 15.2.8. Prolação da sentença – 15.3. Audiência una e contínua – 15.4. Adiamento da audiência.
Audiência de instrução e julgamento é ato processual complexo, no qual variadas atividades são praticadas pelo juiz, serventuários da justiça, partes, advogados, terceiros e membros do Ministério Público. São realizadas atividades preparatórias (tais como a intimação de testemunhas e perito), conciliatórias, saneadoras (fixação dos pontos controvertidos), instrutórias (prova oral e esclarecimentos do perito), de discussão da causa (debates orais) e decisórios (sentença). Apesar de parcela doutrinária entender que os debates orais fazem parte da instrução da causa1, é superior o entendimento de que a instrução seja limitada à produção probatória2.
Nos termos do art. 444 do CPC, trata-se de sessão pública, o que significa dizer que deve ser realizada de portas abertas, franqueando-se a presença a qualquer um do povo que por qualquer motivo se interesse em assisti-la. No exercício do poder de polícia, poderá o juiz limitar o número de pessoas e determinar a retirada daquelas que se portarem de forma inconveniente. Como todo ato processual, em regra é público, havendo, entretanto, publicidade mitigada (limitada às partes e patronos)3 nos casos de que trata o art. 155 do CPC.
Segundo o art. 445 do CPC, o juiz exercerá seu poder de polícia para manter a ordem e o decoro, com a possibilidade de impedir manifestações agressivas e, no extremo, de excluir determinado sujeito da sala de audiências, quando se comporte de forma extremamente inconveniente. Para tanto, se valerá de força policial sempre que necessário. Registre-se que o ato extremo de exclusão da sala de audiência ocorre raramente, na maioria das vezes entendendo os sujeitos que participam das audiências da necessidade de se comportarem com urbanidade e educação durante sua realização.
O direito pátrio adota o sistema presidencial na condução da audiência, cabendo ao juiz direta e pessoalmente colher a prova (art. 446, II, do CPC), de forma que as perguntas feitas pelos advogados ao perito, partes e testemunhas terão sempre a intermediação do juiz. Ademais, durante qualquer depoimento, os advogados só poderão intervir ou apartear com a licença do juiz, sendo comum na praxe forense que o advogado se valha da expressão “pela ordem” para poder se manifestar.
Registre-se que, apesar da inegável importância da audiência de instrução e julgamento para o processo, não se trata de ato processual indispensável, somente sendo designada quando for necessária a produção de prova oral ou o esclarecimento de peritos a respeito de seu laudo4. Muito excepcionalmente, poderá ser designada essa audiência para a realização da perícia informal, nos termos do art. 421, § 2.º, do CPC.
Numa audiência de instrução e julgamento na qual todos os atos possíveis sejam praticados, deve-se observar a seguinte ordem: abertura, pregão, tentativa de conciliação, fixação dos pontos controvertidos, esclarecimentos do perito e dos assistentes técnicos, depoimento pessoal, oitiva das testemunhas, debates orais e prolação de sentença. Como a audiência segue a ordem natural do próprio processo, de ataque primeiro e defesa depois, todos os atos praticados por ambas as partes serão praticados antes pelo autor e depois pelo réu. Essa ordem para a prática dos atos pode ser modificada quando existir fundada razão, em especial o respeito ao princípio da economia processual5. Eventualmente, será admitida durante esses atos a interposição de agravo retido oral (art. 523, § 3.º, do CPC), analisado no Capítulo 25, item 25.2.1.1.3.
Nos termos do art. 450 do CPC, no dia e hora designados, o juiz declara aberta a audiência, o que na praxe forense não se reveste de nenhuma formalidade, bastando que o juiz peça ao oficial de justiça ou a outro serventuário que preste os serviços de porteiro da sala de audiência para que apregoe as partes e seus patronos. O pregão das partes é a comunicação oral, de forma clara e em volume razoável, de que a audiência terá seu início e que as partes e patronos estão convidados a ingressar na sala de audiência e tomar seus lugares.
A importância do pregão é óbvia, até porque a ausência de ciência do começo da audiência pode levar a parte e seu patrono a não ingressarem na sala e, como consequência, deixarem de participar da audiência. Parece claro que a ausência de pregão gera vício processual, que poderá ser saneado caso as partes e patronos, mesmo sem a comunicação, participem normalmente da audiência. Mas na hipótese de falta de pregão e ausência das partes e patronos à audiência, a nulidade é incontestável6, sendo da parte o ônus de provar que não houve o pregão, até porque a declaração do serventuário de que o realizou é presumida verdadeira em razão de sua fé pública. Não haverá nulidade, entretanto, se mesmo diante de ausência de pregão a parte e/ou seu patrono não se encontravam no local da audiência ou se o juiz decidir o mérito em favor da parte a quem aproveitaria a declaração de nulidade7.
Enquanto o art. 450 do CPC prevê que o pregão deve ser dirigido somente às partes e aos seus patronos, o art. 344, caput, do PLNCPC amplia os sujeitos a serem apregoados, passando a envolver todas as pessoas que devam participar da audiência. Quem costuma participar de audiências sabe que a mudança não terá qualquer repercussão prática.
Entendo que os termos conciliação e autocomposição (transação é uma espécie) não se confundem. Autocomposição é a solução do conflito por vontade das partes e a conciliação é apenas uma forma procedimental consistente na intervenção de um terceiro intermediador para obter a autocomposição. Portanto, a mera realização dessa intermediação pelo juiz, ainda que frustrada, já configura a conciliação. É comum, entretanto, a utilização do termo “conciliação” para designar “transação”, como se nota na campanha do Poder Judiciário “Conciliar é legal” e no comum termo “tentativa de conciliação” utilizado na praxe forense.
Aduz o art. 447 do CPC que em litígios que versam sobre direitos patrimoniais o juiz realizará no início da audiência a conciliação, funcionando como intermediário na tentativa de solucionar o conflito por meio de autocomposição. Da mesma forma procederá nas ações relativas ao direito de família, ou seja, sempre que o direito seja indisponível, embora a transação possa recair sobre a forma de exercício desse direito, tais como o valor dos alimentos ou o reconhecimento jurídico da paternidade (art. 447, parágrafo único, do CPC).
Ainda que o juiz já tenha procedido à conciliação na audiência preliminar ou em qualquer outro momento antes da audiência de instrução, caberá uma nova tentativa de autocomposição nesse momento procedimental. Na realidade, já produzida alguma espécie de prova antes da audiência (documental, pericial, inspeção judicial), é possível que a posição das partes se altere com relação à anterior tentativa de transação. É por essa razão, inclusive, que a conciliação poderá ocorrer mesmo depois da produção da prova oral8.
As partes serão intimadas para a audiência por meio de seus patronos, sendo necessária a intimação pessoal somente na hipótese de depoimento pessoal da parte9. A parte, mesmo intimada, não é obrigada a comparecer à audiência de instrução para a conciliação, sendo sua ausência entendida como desinteresse na autocomposição10. Por outro lado, a conciliação se realizará mesmo ausente a parte, desde que tenha procurador com poderes para transigir presente à audiência11. A conciliação – ou a sua tentativa para os que não distinguem a conciliação da autocomposição – é obrigatória, mas sua ausência não gera vício apto a anular a audiência12.
Sendo frutífera a conciliação, ou seja, obtida a autocomposição, caberá ao juiz proferir sentença homologatória de mérito, com a consequente extinção do processo. Não obtida a autocomposição, caberá ao juiz a fixação dos pontos controvertidos.
Frustrada a autocomposição, o juiz ouvirá as partes na fixação dos pontos controvertidos. Já foi devidamente analisado no Capítulo 13, item 13.2.5, que na audiência preliminar o juiz deverá fixar os pontos controvertidos. Apesar de parcela doutrinária entender que o art. 451 do CPC foi tacitamente revogado pelo art. 331 do CPC13, entendo que os dois dispositivos podem conviver. Ainda que não recomendável, é possível que o juiz deixe de fixar os pontos controvertidos na audiência preliminar, sendo de tudo recomendável que o faça na audiência de instrução. Além disso, é possível que a realização de outra espécie de prova antes da audiência restrinja os fatos controvertidos a serem enfrentados na prova oral14.
Fixados os pontos controvertidos, o art. 452 do CPC prevê que as provas serão produzidas em ordem definida: (I) perito e assistentes técnicos; (II) depoimento pessoal do autor e depois do réu; (III) oitiva das testemunhas do autor e depois do réu. No processo civil há tradicional entendimento de que a inversão da ordem legal só gerará anulação da audiência se houver prejuízo, em aplicação do princípio da instrumentalidade das formas15. No processo penal, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça ora entende pela nulidade absoluta16, ora pela relativa17.
O art. 346 do PLNCPC mantém a ordem na produção de prova produzida na audiência de instrução, mas em seu caput prevê expressamente que essa ordem será preferencialmente seguida, acolhendo-se o entendimento de que a inversão, desde que justificada, é legítima e não gera ipso facto a anulação da audiência.
Conforme analisado no Capítulo 14, item 14.2.6.3, além da apresentação de parecer técnico como forma de impugnar o laudo pericial, as partes poderão requerer por escrito num prazo máximo de 5 dias antes da audiência a presença do perito para a prestação de esclarecimentos (art. 435 do CPC). Como o perito em sua intimação já sabe quais são os esclarecimentos a serem prestados (devem constar da petição que pede sua intimação), poderá levar as respostas por escrito na audiência18, o que evidentemente não exclui a possibilidade de responder oralmente a esclarecimentos residuais.
Levando as respostas escritas e sendo necessários esclarecimentos adicionais ou prestando os esclarecimentos oralmente, o juiz será o primeiro a inquirir o perito, seguido do advogado que pediu os esclarecimentos e, por fim, do advogado do adversário. Caso o assistente técnico seja ouvido, o juiz será o primeiro a argui-lo, seguido do advogado da parte que indicou o assistente e por fim pelo advogado da parte contrária19.
Tendo sido requerido pelas partes, caberá ao juiz a tomada do depoimento pessoal das partes. As regras procedimentais da colheita dessa espécie de prova já foram devidamente analisadas no Capítulo 14, item 14.2.1.
O procedimento da prova testemunhal já foi analisado no Capítulo 14, item 14.2.5.
Finda a instrução, serão realizados os debates orais, que na realidade são as alegações finais das partes tomando-se por base a prova que foi produzida na audiência à luz da matéria jurídica discutida na demanda. O prazo é de 20 minutos, prorrogáveis por mais 10, sendo de 30 minutos na hipótese de litisconsortes, hipótese na qual havendo advogados diferentes o tempo será dividido entre eles e, não sendo possível chegar a um acordo, será dividido em partes iguais (art. 454, § 1.º, do CPC).
A ordem dos debates orais vem definida no art. 454 do CPC: autor, réu, membro do Ministério Público quando o órgão funcionar na demanda como fiscal da lei. Havendo oposição, o opoente fará os debates orais primeiro, seguido pelos opostos (art. 454, § 2.º, do CPC).
Prevê o art. 454, § 3.º, do CPC, a possibilidade de o juiz converter os debates orais em memoriais, que são alegações finais escritas, sempre que a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito. Costuma ser comum na praxe forense essa conversão ainda que os requisitos do dispositivo legal ora comentado não tenham sido preenchidos; trata-se de um pacto implícito de mediocridade, ofensivo ao princípio da oralidade: juízes que não querem ou não sabem ouvir e advogados que não querem ou não sabem falar. De qualquer forma, caberá ao juiz a determinação dessa conversão ou não, sendo irrelevante a vontade das partes20.
Uma vez determinada a conversão dos debates orais em memoriais, prevê o art. 454, § 3.º, do CPC que o juiz designará dia e hora para o seu oferecimento. A regra do dispositivo não é aplicada na praxe forense, porque o prazo dos memorais conta-se em dias e não em horas. Não havendo prazo fixado em lei, caberá ao juiz fixá-lo tomando por base a complexidade da demanda e o número de sujeitos processuais parciais e, sendo omisso, aplica-se o prazo geral de cinco dias (art. 185 do CPC). Interessante questão concernente a esse prazo diz respeito à forma de sua contagem. É comum na praxe forense a determinação de uma mesma data para a apresentação concomitante dos memoriais por ambas as partes, quando muito se abrindo prazo sucessivo para a retirada dos autos em cartório. Ocorre, entretanto, que, ao exigir de ambas as partes a apresentação no mesmo momento dos memoriais, o juiz altera a ordem dos atos processuais que norteia toda a atividade desenvolvida na audiência: primeiro fala o autor, e depois fala o réu, já sabendo de antemão o que foi dito pelo autor. O melhor entendimento, portanto, é o de prazos sucessivos para a apresentação dos memoriais, de modo que o réu, ao elaborar suas alegações finais, já tenha conhecimento das alegações finais do autor21.
Elogiável o art. 348, § 2.º, do PLNCPC ao prever não só o prazo de 15 dias para a apresentação dos memoriais, chamados pelo dispositivo legal de “razões finais escritas”, como também expressamente consagrando o entendimento defendido de que o prazo deve ser contado sucessivamente para autor e réu.
Caso o juiz converta os debates orais em memorais, a sentença será proferida por escrito em cartório, intimando-se as partes por meio de seus procuradores pela imprensa oficial. Ultrapassada a fase de debates orais, com ou sem a sua efetiva realização, o que dependerá da vontade dos patronos das partes (ônus processual), o juiz poderá proferir a sentença oralmente em audiência, sendo as partes – mesmo que ausentes – intimadas da decisão no ato. Note-se ser uma mera faculdade do juiz, que poderá se preferir chamar os autos à conclusão depois dos debates orais e proferir sentença escrita em cartório no prazo impróprio de dez dias.
Ainda que romanticamente se entenda que a opção pela sentença escrita em cartório fique reservada para demandas mais complexas, que exijam uma análise e um estudo mais aprofundado do juiz, a praxe forense mostra que o abarrotamento das pautas de audiência faz com que a sentença oral torne-se cada vez mais rara. Com audiências designadas com pouco tempo entre uma e outra seria até mesmo temerário o juiz sentenciar oralmente todos os processos.
Segundo prevê o art. 455 do CPC, a audiência de instrução é una e contínua, devendo ser realizada sem interrupções. Ocorre, entretanto, que inúmeras circunstâncias (por exemplo, adiantado da hora, ausência de sujeito necessário, conversão do julgamento em diligência, fenômenos naturais inesperados) podem levar a essa interrupção, determinando o dispositivo legal que nesse caso o juiz designe a continuação para dia próximo.
Apesar de tradicionalmente a unidade e a continuidade da audiência de instrução serem analisadas como se fossem o mesmo fenômeno processual, é correta a doutrina que examina essas duas características de forma separada. Unidade da audiência significa que para todos os diferentes atos previstos é realizada somente uma audiência (não há uma audiência para depoimentos pessoais, outra para prova testemunhal, outra para debates orais etc.), enquanto continuidade significa que a audiência deve começar e terminar em uma assentada22.
Interrompida a audiência – o que deve ser excepcional –, não se designará uma nova, apenas se prosseguirá em data próxima à audiência interrompida23. Há algumas interessantes consequências práticas dessa regra:
(a) não é possível praticar novos atos preparatórios (por exemplo, arrolar testemunhas) para a continuação da audiência24;
(b) havendo direito superveniente de aplicação imediata, aplicam-se à continuação as regras vigentes quando da realização do início da audiência;
(c) havendo nulidade na primeira sessão, as sucessivas serão afetadas25;
(d) presente o advogado na primeira sessão e ausente na continuação, o juiz não poderá dispensar as provas por ele requeridas26.
O art. 453 do CPC prevê as hipóteses de adiamento da audiência. Por acordo de vontade entre as partes a audiência pode ser adiada por uma vez; a ausência de determinados sujeitos sob determinadas condições pode adiar a audiência tantas vezes quanto for necessário. Correta a doutrina que defende tratar-se de rol meramente exemplificativo, existindo outras razões para o adiamento da audiência, tais como o retardamento na entrega do laudo pericial27, a correição do cartório ou greve dos serventuários. Como a audiência não se iniciou, havendo o adiamento caberá a prática de atos preparatórios antes da segunda audiência designada, como já entendeu o Superior Tribunal de Justiça no tocante à apresentação do rol de testemunhas28.
Ainda que o art. 453, II, do CPC afirme que somente a ausência justificada do perito, partes, testemunhas ou advogados adia a audiência de instrução, o tema é um pouco mais extenso do que sugere a previsão legal. A ausência de alguns sujeitos, mesmo que não justificada, leva a audiência ao seu adiamento, enquanto para outros sujeitos isso só ocorre se a ausência tiver motivo justo.
Ausente o juiz, com ou sem motivo justo, naturalmente a audiência será adiada, até mesmo porque não haverá quem a comande. É evidente que uma ausência sem motivação justa deve ser punida no âmbito administrativo, podendo até ser fundamento de ação de reparação de danos29, mas ainda assim não haverá outra medida que não o adiamento da audiência. O mesmo acontece diante da ausência do serventuário da justiça que tem como missão a documentação da audiência, mas nesse caso o próprio juiz poderá realizar tal tarefa, como já ocorreu com alguns juízes durante movimento grevista dos serventuários do Tribunal de Justiça de São Paulo. Poderá ainda ser designado serventuário em substituição ou nomeado um terceiro como escrivão ad doc, nos termos do art. 142 do CPC.
Quanto à ausência do representante do Ministério Público na audiência, é evidente que, havendo um motivo justificado, a audiência será adiada30. O debate a respeito do adiamento da audiência fica restrito, portanto, à ausência injustificada do membro do Parquet na audiência de instrução. É possível encontrar na doutrina três correntes doutrinárias bem definidas.
Uma primeira entende ser a presença do membro do Ministério Público indispensável na audiência, e isso independentemente de sua qualidade no processo (de parte, em regra como autor, ou fiscal da lei). A audiência realizada sem a presença do membro do Ministério Público, portanto, qualquer que seja o motivo de sua ausência, gerará uma nulidade relativa31. Outra corrente doutrinária tem entendimento em sentido diametralmente oposto, justificando que a única exigência formal exigida no caso é a intimação pessoal do promotor de justiça (art. 236, § 2.º, do CPC), cuja ausência não será capaz de determinar o adiamento da audiência32. Por fim, há uma terceira corrente que entende depender da qualidade assumida pelo Ministério Público no processo o adiamento da audiência: figurando no processo como parte, como tal deverá ser tratado, sendo que a sua ausência injustificada não será capaz de causar o adiamento da audiência, o mesmo não podendo ser dito na hipótese do Ministério Público figurar na demanda como fiscal da lei33.
Entendo preferível a primeira corrente, que defende o adiamento em qualquer situação. É preciso lembrar que, como fiscal da lei, o Ministério Público deve participar de todos os atos processuais, e, em razão da relevância da audiência de instrução, sua presença se torna indispensável. Por outro lado, é importante lembrar que o Ministério Público como parte não defende interesse próprio, e sim interesses metaindividuais ou individuais indisponíveis ou de relevância social, não parecendo correto que os titulares desses direitos sejam prejudicados por uma falha funcional do membro do Ministério Público.
Por fim, é evidente que a ausência injustificada do membro do Ministério Público na audiência gerará efeitos fora do processo, no âmbito administrativo. Tomando-se por base o Ministério Público do Estado de São Paulo, a sua Lei Orgânica (Lei 734/1993), dispõe em seu art. 169, XIV, ser dever do promotor comparecer às audiências dos processos do qual o Parquet participe, e o art. 173, VI, prevê como infração disciplinar o desrespeito às condutas previstas no art. 169, entre eles, naturalmente, a presença obrigatória em audiência.
A ausência justificada do perito causa o adiamento da audiência, e sendo injustificada caberá a sua condução coercitiva ao juízo, o que invariavelmente gera o adiamento da audiência. No tocante aos assistentes técnicos, parece que, havendo justo motivo, a audiência deverá ser adiada, mas em caso contrário deverá ser realizada normalmente. Aqui não se pode aplicar a condução coercitiva, tomando-se por base a condição de auxiliar da parte que tem o assistente técnico34.
Quando a parte se ausenta justificadamente, a audiência será adiada. Sem motivo justo, a audiência é realizada normalmente. Não tendo sido pedido o seu depoimento pessoal, a única consequência é a frustração da autocomposição, que até poderá ocorrer se a parte se fizer representar por preposto com poderes para transigir. Sendo pedido o depoimento pessoal, a ausência injustificada proporciona a confissão tácita.
No tocante à testemunha, a primeira análise diz respeito à existência de pedido de intimação. Realizada a intimação e não comparecendo a testemunha por qualquer motivo, ela será conduzida coercitivamente ao juízo, o que invariavelmente gera o adiamento da audiência. Não tendo sido intimada porque a parte que a arrolou se comprometeu a levá-la à audiência, a ausência justificada leva ao adiamento, mas, sem motivo justo, a ausência da testemunha é entendida como desistência da parte em produzir a prova, que precluirá35.
A ausência justificada do advogado gera o adiamento da audiência, o que não ocorre se inexistir um motivo justo. Segundo o art. 453, § 2.º, do CPC, sendo injustificada a ausência do advogado, além da audiência ser realizada normalmente, o juiz poderá dispensar a prova requerida pelo advogado faltante. Correta a doutrina ao afirmar que, tratando a demanda de direito indisponível, o juiz será obrigado a produzir a prova; tratando de direito disponível, caberá ao juiz analisar no caso concreto a conveniência de produzir a prova para a formação de seu convencimento, não estando obrigado a dispensar sua produção36.
Segundo o art. 453, § 1.º, do CPC, cabe ao advogado provar o justo impedimento antes do início da audiência e, não o fazendo, o juiz a realizará normalmente. É inconteste que esse prazo preclusivo só tem algum sentido quando for possível essa informação antes da audiência, de forma que, havendo algum imprevisto que gere extrema dificuldade ou impossibilidade no cumprimento desse prazo (p. ex., doença, acidente, sequestro, morte de familiar no dia da audiência), admitir-se-á a alegação posterior do advogado, que, uma vez acolhida, gera a anulação da audiência já realizada37.
Diferente do art. 453, II, do CPC, que limita a ausência motivada como causa de adiamento da audiência ao perito, partes, testemunhas e advogados, o art. 347, II, do PLNCPC, prevê que a ausência justificada de qualquer sujeito que deva participar da audiência é suficiente para seu adiamento. O mesmo dispositivo, em seu inciso III, prevê nova hipótese de adiamento por atraso injustificado de seu início em tempo superior a 30 minutos do horário marcado, ainda que seja um sonho distante dos advogados a pontualidade na realização das audiências, nada levando a crer que a novidade legislativa venha a alterar essa realidade.
1 Dinamarco, Instituições, n. 1.201, p. 635.
2 Gusmão Carneiro, Audiência, n. 98, p. 120.
3 Theodoro Jr., Curso, n. 474, p. 546.
4 Marinoni-Arenhart, Manual, p. 402; Theodoro Jr., Curso, n. 473, p. 546.
5 Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 243-244; STJ, 4.ª Turma, REsp 35786/SP, rel. Min. Barros Monteiro, j. 14.11.1994. Contra: Nery-Nery, Código, p. 661.
6 Fux, Curso, p. 781.
7 Gusmão Carneiro, Audiência, n. 15, p. 20.
8 Marinoni-Arenhart, Manual, p. 402; Gusmão Carneiro, Audiência, n. 55, p. 74.
9 Theodoro Jr., Curso, n. 478, p. 551; Gusmão Carneiro, Audiência, n. 49, p. 64-65; STJ, 4.ª Turma, REsp 439.955/AM, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 16.09.2003. Contra, pela intimação pessoal: Dinamarco, Instituições, n. 1.204, p. 638.
10 Greco Filho, Direito, n. 52, p. 251.
11 Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 245.
12 Fux, Curso, p. 780; Greco Filho, Direito, n. 52, p. 251; Theodoro Jr., Curso, n. 478, p. 551; STJ, 3.ª Turma, REsp 268.696, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03.04.2001.
13 Nery-Nery, Código, p. 661.
14 Fux, Curso, p. 782; Dinamarco, Instituições, n. 1.205, p. 638-639.
15 STJ, 4.ª Turma, REsp 35.786/SP, rel. Min. Barros Monteiro, j. 14.11.1994, DJ 12.12.1994, p. 34.350.
16 STJ, HC 153.140/MG, 5.ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, j. 12.08.2010, DJe 13.09.2010.
17 STJ, 6.ª Turma, HC 121.215/DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, rel. p/ acordão Min. Og Fernandes, j. 1.º.12.2009, DJe 22.02.2009.
18 Theodoro Jr., Curso, n. 480, p. 553. Contra, pelo esclarecimento oral: Dinamarco, Instituições, n. 1.206, p. 639.
19 Dinamarco, Instituições, n. 1.206, p. 639.
20 Dinamarco, Instituições, n. 1.208, p. 641; Barbosa Moreira, O novo, p. 79; Gusmão Carneiro, Audiência, n. 109, p. 128-129.
21 Dinamarco, Instituições, n. 1.208, p. 642; Fux, Curso, p. 784; Wambier-Talamini-Almeida, Curso, n. 34.4, p. 535.
22 Dinamarco, Instituições, n. 1.212, p. 644.
23 Nery-Nery, Código, p. 663; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 403.
24 Gusmão Carneiro, Audiência, n. 36, p. 48-49; Wambier-Talamini-Almeida, Curso, n. 34.2, p. 532.
25 Theodoro Jr., Curso, n. 747, p. 546.
26 Gusmão Carneiro, Audiências, n. 36, p. 49.
27 Dinamarco, Instituições, n. 1.213, p. 645.
28 REsp 209.456/MG, 4.ª Turma, Hélio Quaglia Barbosa, j. 14.08.2007; REsp 155.759/DF, 4.ª Turma, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 05.02.1998.
29 Gusmão Carneiro, Audiência, n. 113, p. 132.
30 Fidélis dos Santos, Manual, p. 526.
31 Dinamarco, Instituições, n. 1.214, p. 646; Arruda Alvim, Manual, p. 520.
32 Gusmão Carneiro, Audiência, n. 137, p. 144; Theodoro Jr., Curso, n. 476, p. 549.
33 Fidélis dos Santos, Manual, p. 526; Santos, Código, p. 1.375.
34 Dinamarco, Instituições, n. 1.214, p. 647; Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 253. Contra: Gusmão Carneiro, Audiência, n. 133, p. 143; Theodoro Jr., Curso, n. 476, p. 549. Barbosa Moreira, O novo, p. 79, entende que em hipótese alguma haverá adiamento.
35 Gusmão Carneiro, Audiência, n. 132, pp. 142-143.
36 Fux, Curso, p. 783-784; Dinamarco, Instituições, n. 1.214, p. 648.
37 Gusmão Carneiro, Audiência, n. 122, p. 136-137.