Vinheta

SENTENÇA

Sumário: 16.1. Conceito legal de sentença – 16.2. Classificação das sentenças: 16.2.1. Conteúdo da sentença; 16.2.2. Resolução de mérito – 16.3. Requisitos da sentença: 16.3.1. Relatório; 16.3.2. Fundamentação; 16.3.3. Dispositivo; 16.3.4. Comentários gerais a respeito dos elementos da sentença – 16.4. Princípio da congruência: 16.4.1. Conceito; 16.4.2. Exceções ao princípio da congruência – 16.5. Sentença extra petita: 16.5.1. Recorribilidade da sentença extra petita – 16.6. Sentença ultra petita: 16.6.1. Recorribilidade da sentença ultra petita – 16.7. Sentença citra petita (infra petita): 16.7.1. Recorribilidade da sentença citra petita – 16.8. Modificação da sentença pelo juízo sentenciante – 16.9. Situação fática do momento da prolação da sentença – 16.10. Capítulos de sentença.

16.1. CONCEITO LEGAL DE SENTENÇA

A sentença foi conceituada pelo legislador de 1973 como o ato que põe fim ao processo, incluindo-se nessa conceituação tanto as sentenças que resolvem o mérito da demanda (definitivas) como aquelas que apenas encerram o processo, sem manifestação sobre o mérito (terminativas). Ainda que mantida a opção de conceituação, tomando-se por base o efeito do pronunciamento judicial, melhor teria andado o legislador se tivesse conceituado a sentença como ato que encerra o procedimento em primeiro grau de jurisdição, porque havendo a interposição de apelação o processo não se encerrava com a sentença1. Seja como for, a opção do legislador era clara: o critério adotado era o efeito da decisão relativo ao procedimento, sendo absolutamente irrelevante o seu conteúdo para a configuração da decisão como sentença2.

O advento generalizado das ações sincréticas, independentemente da natureza da obrigação objeto da condenação, levou o legislador a repensar o conceito de sentença, substituindo o critério utilizado anteriormente. Em vez do efeito do pronunciamento, o novo conceito de sentença tem como critério conceitual o seu conteúdo, fazendo expressa remissão aos arts. 267 e 269 do CPC, dispositivos que indicam as causas que geram a resolução ou não do mérito (sentença definitiva e terminativa, respectivamente)3.

Atualmente, o conceito de sentença deve resultar de uma análise conjunta dos arts. 162, § 1.º, 267 e 269, todos do CPC. Da conjugação desses dispositivos legais conclui-se que as sentenças terminativas passaram a ser conceituadas tomando-se por base dois critérios distintos:

(i) conteúdo: uma das matérias previstas nos incisos do art. 267 do CPC; e

(ii) efeito: a extinção do procedimento em primeiro grau de jurisdição.

A redação do art. 267, caput, do CPC – “Extingue-se o processo, sem resolução de mérito” – permite ao intérprete entender que, além do conteúdo de um de seus incisos, a decisão somente poderá ser considerada sentença se extinguir o processo4.

No tocante à sentença terminativa, portanto, nenhuma alteração ocorreu em virtude da modificação do conceito legal de sentença estabelecido pelo art. 162, § 1.°, do CPC. Uma decisão que tenha como conteúdo uma das matérias dos incisos do art. 267 do CPC, mas que não coloque fim ao procedimento de primeiro grau – como a exclusão de um litisconsorte da demanda por ilegitimidade de parte, ou ainda a extinção prematura de uma reconvenção por vício processual –, será considerada uma decisão interlocutória e, como tal, será recorrível por meio do recurso de agravo (art. 522 do CPC).

A hibridez de critérios na conceituação da sentença terminativa – conteúdo e efeito – não se repete na sentença definitiva, considerando-se que o art. 269, caput, do CPC não faz nenhuma menção à necessidade de extinção do processo para que o ato decisório seja considerado uma sentença. Dessa forma, a questão de colocar ou não fim ao procedimento em primeiro grau passa a ser irrelevante na conceituação da sentença de mérito, bastando para que um pronunciamento seja considerado uma sentença definitiva que tenha como conteúdo uma das matérias dos incisos do art. 269 do CPC.

A doutrina majoritária, entretanto, continua a associar a sentença definitiva ao efeito de extinção do processo ou de alguma fase procedimental, em especial do processo de conhecimento. Corrente doutrinária afirma que o ato judicial só será sentença de mérito quando colocar fim ao processo ou quando resolver por inteiro o objeto da demanda na fase cognitiva5. Outra parcela da doutrina defende a conceituação de sentença com a adoção dos critérios do efeito e conteúdo do ato, afirmando que o art. 162, § 1.°, do CPC deve ser interpretado de forma sistêmica com os §§ 2.° e 3.° desse mesmo dispositivo legal6. Há ainda corrente doutrinária que defende o entendimento de que a decisão somente poderá ser considerada como sentença se colocar fim a uma das fases procedimentais dentro da nova realidade do sincretismo processual7.

Já tive oportunidade de criticar o entendimento doutrinário amplamente majoritário, afirmando que os problemas recursais advindos da mudança legislativa motivaram a doutrina majoritária a uma interpretação equivocada da lei, tudo para evitar se falar em sentença parcial de mérito, recorrível por apelação, fenômeno processual extremamente danoso ao procedimento, considerando-se que a apelação carrega consigo os autos ao tribunal, o que impediria a análise da parcela do mérito ainda não julgado. Esse cenário apavora o operador do direito, levando-o inclusive a rejeitar o atual conceito legal de sentença, para entender tal pronunciamento como decisão interlocutória e dessa forma recorrível pelo agravo de instrumento8. Faz inclusive com que parcela da doutrina, que concorda com o entendimento que defendo, afirme que da sentença parcial de mérito caiba “apelação por instrumento”9.

Apesar de não concordar com o entendimento que mantém o efeito do ato judicial como critério de conceituação da sentença de mérito, além do amplo amparo doutrinário, já há manifestações de nossos tribunais superiores no mesmo sentido10. Existe até mesmo decisão recente do Superior Tribunal de Justiça afastando a aplicação do princípio da fungibilidade ao considerar erro grosseiro o ingresso de apelação contra decisão que homologou transação com relação a alguns executados, prosseguindo a execução contra outros11. Dessa forma, muito provavelmente pacificar-se-á o entendimento de que, não colocando fim ao processo ou à fase cognitiva, o ato judicial, ainda que tenha como conteúdo uma das matérias do art. 269 do CPC, será considerado uma decisão interlocutória recorrível por agravo. Tratar-se-á nesse caso de decisões interlocutórias de mérito.

Ainda que se entenda pela natureza de decisão interlocutória dessa espécie de decisão judicial, com o correspondente cabimento do recurso de agravo, não parece correto ignorar o conteúdo desse ato, nitidamente de mérito. A interposição de agravo de instrumento nesse caso, como forma de não prejudicar o andamento procedimental como ocorreria com a apelação, gera alguns problemas procedimentais:

(a) o agravo de instrumento não tem efeito suspensivo, enquanto a apelação em regra tem (arts. 520 do CPC);

(b) o agravo de instrumento não tem revisor, enquanto na apelação a regra é a existência de um revisor (art. 551, § 3.°, do CPC);

(c) não se admite a sustentação oral em sede de agravo de instrumento, ao passo que na apelação tal espécie de participação do patrono da parte é amplamente permitida (art. 554 do CPC);

(d) do acórdão de apelação é possível o cabimento de embargos infringentes, o que não ocorre, ao menos em regra, do acórdão do agravo de instrumento (art. 530 do CPC).

Conclusivamente, a doutrina amplamente majoritária entende que ato do juiz que resolve parcela do mérito é decisão interlocutória recorrível por agravo. Doutrina minoritária defende a ideia de sentença parcial de mérito, entendendo cabível o recurso de apelação, ainda que por instrumento ou com a formação de autos suplementares em primeiro grau para que a parcela do mérito ainda não decidida possa ter andamento regular. É inegável que após a Lei 11.232/2005 criou-se na doutrina dúvida a respeito do recurso cabível nessas situações, o que justifica plenamente a aplicação do princípio da fungibilidade12, ainda que tudo indique que o entendimento pelo cabimento do agravo de instrumento deva prevalecer.

Imaginando resolver o problema, o art. 170 do PLNCPC modifica tanto o conceito de sentença quanto o de decisão interlocutória. No § 1.º a sentença é conceituada, salvo as previsões expressas nos procedimentos especiais, como o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 472 e 474, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como o que extingue a execução. No § 2.º opta-se por um conceito residual da decisão interlocutória, como qualquer pronunciamento decisório que não seja sentença.

Ao fazer menção expressa a encerramento de fase do processo, esqueceu-se de crítica ao antigo conceito de sentença de que, sendo interposto recurso contra essa decisão, a fase processual não se encerra, somente continuando em grau jurisdicional superior ou mesmo no mesmo grau jurisdicional, como ocorre com a interposição dos embargos de declaração. Esse equívoco da sugestão, entretanto, é praticamente irrisório se comparado com a total despreocupação do legislador com a sentença ilíquida.

A sentença ilíquida, apesar de excepcional, é admitida no sistema processual pátrio. Como se sabe, proferida sentença civil genérica, o processo continuará numa nova fase procedimental, agora de liquidação, notoriamente uma fase cognitiva. Pergunta-se: a decisão que decide o an debeatur, relegando para momento posterior a fixação do quantum debeatur, não será mais sentença? Não coloca fim à fase de cognição, que prosseguirá na liquidação de sentença, logo deve ser considerada decisão interlocutória à luz do sugerido art. 170, § 2.º, do PLNCPC, sendo recorrível por agravo de instrumento. E, nesse caso, a decisão que fixar o quantum debeatur, finalmente encerrando a fase cognitiva, será sentença, recorrível por apelação? Diante dos conceitos de sentença e decisão interlocutória sugeridos pelo dispositivo ora analisado, não há como responder negativamente a essa questão.

Será, no mínimo, curioso, considerando que hoje é amplamente majoritária a doutrina em apontar para a natureza de sentença da decisão que determina somente o an debeatur, enquanto a maioria entende que a decisão que julga a liquidação é interlocutória, existindo até mesmo regra expressa pelo cabimento do agravo de instrumento no atual CPC (art. 475-H).

16.2. CLASSIFICAÇÃO DAS SENTENÇAS

A classificação de qualquer instituto jurídico depende dos critérios a serem adotados, sendo possíveis tantas classificações quantos forem os critérios. No tocante à sentença, entendo que os dois principais critérios são:

(a) o conteúdo do ato sentencial;

(b) a resolução ou não do mérito.

16.2.1. Conteúdo da sentença

16.2.1.1. Teoria ternária e teoria quinária

Clássica lição doutrinária entende que pelo conteúdo do ato judicial existem três espécies de sentença:

(a) meramente declaratória;

(b) constitutiva;

(c) condenatória.

Trata-se da teoria ternária (trinária) da sentença, defendida por substanciosa corrente doutrinária que segue as lições de Liebman. Contrapõe-se a essa tradicional corrente doutrinária a teoria quinária (quíntupla) da sentença, defendida por doutrinadores que seguem as lições de Pontes de Miranda, fundada no entendimento de que, além das três espécies de sentença descritas pela teoria ternária, existem ainda as sentenças executivas lato sensu e as sentenças mandamentais, o que resultaria num total de cinco espécies de sentença.

Entendo mais adequada a teoria ternária porque concordo com a doutrina que não distingue diferenças no conteúdo de sentenças condenatórias, executivas lato sensu e mandamentais. Em todas elas há a imputação de cumprimento de uma prestação ao réu, havendo diferença entre elas somente na forma de satisfação dessa prestação, o que naturalmente não faz parte do conteúdo do ato decisório, mas sim de seus efeitos. Partindo-se da premissa de que o critério adotado para a classificação das sentenças é o seu conteúdo, as reconhecidas diferenças nas formas de efetivação das três espécies de sentença são irrelevantes para fins de classificação13.

Registre-se que os defensores da teoria ternária da sentença não ignoram as novas realidades referentes às formas de satisfação da sentença, de maneira que reconhecem a existência das chamadas sentenças executivas lato sensu e mandamentais, inclusive concordando com as diferenças em termos de formas de efetivação existentes entre essas sentenças e a sentença condenatória classicamente definida por Liebman. Só não concordam que sejam novas espécies de sentença em razão da identidade de conteúdo com a sentença condenatória clássica, concluindo-se que são apenas subespécies de sentença condenatória.

Ainda que entenda superior a teoria ternária da sentença, parece realmente que a discussão, meramente acadêmica, começa a cansar parcela da doutrina, que percebeu tratar-se de debate inócuo14. Todos reconhecem as diferenças entre as sentenças executivas lato sensu, mandamentais e condenatórias classicamente consideradas; para os defensores da teoria ternária, todas são espécies de sentença condenatória, enquanto para os defensores da teoria quinária, são espécies diferentes de sentença. Como se nota, a discussão limita-se a uma questão de classificação, com poucos resultados práticos dignos de destaque. Mais adequada e certamente útil é a exata definição dos elementos que compõem cada uma dessas espécies – ou subespécies – de sentença.

16.2.1.2. Sentença meramente declaratória

O conteúdo da sentença meramente declaratória é a declaração da existência, inexistência ou o modo de ser15 (não há duvida de que a relação jurídica existe, mas há incerteza quanto à sua natureza: compra e venda a prazo ou arrendamento mercantil?; empréstimo ou doação?) de uma relação jurídica de direito material. Não se confundindo com o conteúdo da sentença, seu efeito é a certeza jurídica gerada pela declaração contida na sentença. Note-se que conteúdo e efeito não se confundem, porque o conteúdo é o que está dentro, enquanto o efeito é aquilo que se projeta para fora do ato judicial; declaração e certeza jurídica, evidentemente, são fenômenos diferentes.

Por uma opção legislativa a sentença meramente declaratória só pode ter como objeto uma relação jurídica, excepcionalmente admitindo-se que tenha como objeto meros fatos na hipótese de declaração de autenticidade ou falsidade de documento (art. 4.º, II, do CPC). Nesse caso, o objeto da sentença será o mero fato de o documento ser falso ou autêntico, podendo ser proferida em ação autônoma ou em ação declaratória incidental (incidente de falsidade documental). Registre­-se que se tem admitido a sentença meramente declaratória de deveres, direitos, pretensões e obrigações referentes à relação jurídica16. No processo objetivo, a sentença meramente declaratória também não tem por objeto uma relação jurídica, limitando-se a interpretar o direito17.

Para que exista interesse processual na obtenção de uma sentença meramente declaratória é necessária a existência de uma crise de incerteza que, se não resolvida, poderá acarretar algum dano ao autor. É necessário que a dúvida seja objetiva e real, não se limitando a um isolado estado de incerteza subjetiva do autor. Fala-se em dúvida social, que atinja terceiros e crie uma instabilidade na esfera de interesse do autor, sendo a dúvida do autor possível, mas não necessária tampouco suficiente para isoladamente justificar uma sentença meramente declaratória18.

Felipe recebe a visita de uma desconhecida que afirma ter acabado de ter um filho seu. Felipe nunca esteve com aquela mulher, de forma que tem certeza de que o filho não é dele, mas como ela insiste perante terceiros que pertencem ao círculo social em que vive Felipe, passa a existir uma dúvida social a respeito da paternidade da criança que traz danos a ele. Mesmo com a certeza pessoal de que não é pai, para afastar a dúvida social surgida, poderá ingressar com demanda judicial e pleitear a declaração de inexistência da relação jurídica de paternidade por meio de sentença meramente declaratória.

Toda sentença tem um elemento declaratório, considerando-se que, ao condenar o réu ao cumprimento de uma prestação, ou ao criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica, caberá ao juiz a declaração de que o direito material do autor à condenação ou a constituição efetivamente existe no caso concreto19. Por outro lado, a sentença de improcedência do pedido do autor será sempre uma sentença declaratória, já que terá como conteúdo a declaração de inexistência do direito material alegado pelo autor20.

Ainda que haja condições para a propositura de demanda constitutiva ou condenatória, haverá interesse no ingresso de demanda objetivando uma sentença meramente declaratória. Considerando-se que tanto a sentença constitutiva quanto a condenatória contêm um elemento declaratório, pode-se aplicar o brocardo popular “quem pode mais pode menos”, sendo a certeza jurídica um bem isoladamente protegido pelo ordenamento processual. A certeza jurídica é bem da vida tutelável. A questão de saber se a sentença meramente declaratória pode entregar ao autor algo a mais do que a certeza jurídica, derivada de uma suposta autorização de sua execução para a satisfação da obrigação inadimplida, é objeto de análise no Capítulo 39, item 39.2.1.

Os efeitos da sentença declaratória são ex tunc, considerando-se que a declaração somente confirma jurisdicionalmente o que já existia; nada criando de novo a não ser a certeza jurídica a respeito da relação jurídica que foi objeto da demanda21. Não é a sentença de procedência na ação de investigação de paternidade que torna o réu pai, mas sim as relações sexuais que manteve com a mãe de seu filho, como também não é a sentença de procedência da ação de usucapião que torna o autor proprietário, e sim o preenchimento dos requisitos legais. A exceção fica por conta do art. 27 da Lei 9.868/1999, que permite ao Supremo Tribunal Federal modificar o efeito natural da decisão de procedência na ação declaratória de inconstitucionalidade (instituto denominado de modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade), tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social:

(a) ex tunc;

(b) ex tunc limitado a certo período de tempo;

(c) ex nunc;

(d) efeitos projetados no futuro.

Conforme restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal, não havendo pedido expresso na petição inicial a respeito de declaração quanto à modulação de efeitos da inconstitucionalidade, o silêncio do Tribunal significará que a declaração deu-se pela regra geral, ou seja, com eficácia ex tunc. Naturalmente o Tribunal poderá, mesmo sem pedido, manifestar-se a respeito, até mesmo em sede de julgamento de embargos de declaração.

Apesar de a norma legal se referir especificamente às ações de controle concentrado de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal entende cabível a modulação de efeitos também no controle incidental de constitucionalidade, existindo decisões que aplicam a regra no julgamento de recurso extraordinário. Em polêmico julgamento, o mesmo tribunal havia decidido que a decisão que não especifica os efeitos da declaração de inconstitucionalidade só padecia do vício da omissão, sanável pela interposição de embargos de declaração, na hipótese do autor ter na petição inicial feito pedido expresso para que o tribunal decidisse a respeito dos efeitos da declaração (v. ADI 2.791). Pouco tempo depois, entretanto, o mesmo Tribunal Pleno entendeu que, mesmo não tendo sido feito pedido nesse sentido, seria possível ao tribunal, em sede de embargos de declaração, modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade.22

16.2.1.3. Sentença constitutiva

O conteúdo da sentença constitutiva é a criação (positiva), extinção (negativa) ou modificação (modificativa) de uma relação jurídica, enquanto o efeito dessa sentença é a alteração da situação jurídica, necessariamente com a criação de uma situação jurídica diferente da existente antes de sua prolação, com todas as consequências advindas dessa alteração23. Fala-se em sentença constitutiva positiva e negativa ou constitutiva e desconstitutiva. Uma sentença de procedência na demanda de divórcio tem como conteúdo a extinção do laço conjugal e o efeito de modificar o estado civil das partes, que de casadas passarão a divorciadas. A possibilidade de se casarem com outras pessoas certamente não é um reflexo do conteúdo da sentença, mas sim de seus efeitos.

As sentenças constitutivas podem ser divididas em dois grupos: necessárias e facultativas. É natural que todas as sentenças constitutivas – como a meramente declaratória e a condenatória – sejam no caso concreto necessárias, porque sem o interesse de agir não se chegará ao julgamento de mérito. A distinção proposta, entretanto, não leva em conta o caso concreto, mas a possibilidade abstrata de alterar a situação jurídica sem a necessária intervenção do Poder Judiciário.

Será necessária a sentença constitutiva sempre que a única forma de obter a alteração da situação jurídica pretendida pelas partes for por meio da intervenção jurisdicional (ações constitutivas necessárias; por exemplo, anulação de casamento), situação inclusive que dispensa o conflito de interesse entre as partes. A sentença facultativa só existirá se houver a lide clássica no caso concreto, porque sem ela não seria necessária a intervenção jurisdicional. Como há um conflito de interesse entre as partes e a autotutela é reservada a situações excepcionais, faz-se necessária a intervenção do Poder Judiciário no caso concreto, mas abstratamente seria possível a alteração da situação jurídica das partes mediante um acordo de vontade entre elas (por exemplo, rescisão contratual)24.

A sentença constitutiva tem efeitos ex nunc, considerando-se que é a partir dela que a situação jurídica será efetivamente alterada. As partes só são consideradas divorciadas após a sentença de procedência que extingue a relação conjugal, como também só se considera rescindido um contrato após a sentença que extingue a relação jurídica contratual. A lei, entretanto, poderá pontualmente modificar essa regra, apontando expressamente para a existência de efeitos ex tunc, como ocorre nas demandas que tenham como objeto a anulação de atos jurídicos25.

16.2.1.4. Sentença condenatória

Com considerável amparo na doutrina italiana, parte significativa da doutrina nacional entende que a sentença condenatória é formada por dois momentos lógicos:

(a) declaração da existência do direito do autor;

(b) criação de condições para que sejam praticados atos materiais de execução, o que se justificaria em razão da aplicação de uma sanção executiva26.

Essa definição, entretanto, parece confundir o conteúdo com o efeito da sentença condenatória, devendo ser analisada com muita atenção.

O conteúdo da sentença condenatória, além da indispensável declaração de existência do direito material, é a imputação ao réu do cumprimento de uma prestação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia certa, com o objetivo de resolver a crise jurídica de inadimplemento27. O efeito é a criação de um título executivo, o que permitirá a prática de atos executivos voltados ao efetivo cumprimento dessa prestação, com a consequente satisfação do autor.

Como foi adotada a teoria ternária, pouco importa quais sejam esses atos executivos – execução direta ou indireta – e como se desenvolvem – processo de execução, fase procedimental ou cumprimento de ordem judicial – porque os efeitos da sentença não importam em uma classificação que adota como critério o conteúdo da sentença.

16.2.1.5. Sentença executiva lato sensu

Não é pacífico na doutrina pátria o conceito de sentença executiva lato sensu, existindo inclusive crítica quanto à tradicional nomenclatura, preferindo parcela da doutrina chamar tais sentenças de sentenças executivas, considerando-se a inexistência de sentenças executivas stricto sensu28. Creditada ao jurista Pontes de Miranda, parcela considerável da doutrina entende que essa sentença é assim denominada porque dispensa o processo de execução subsequente para ser satisfeita, tratando-a como uma sentença autoexecutável.

Adotando-se esse conceito, a diferença entre a sentença condenatória e a executiva lato sensu é a exigência ou dispensa de processo autônomo de execução29. É natural que, visto por esse prisma, a distinção seja inútil levando-se em conta o critério da classificação proposta, considerando-se que a forma de satisfazer a sentença diz respeito aos seus efeitos e não ao seu conteúdo. Daí a enorme dificuldade – aparentemente instransponível – da doutrina que defende a teoria ternária em entender a sentença executiva lato sensu como espécie autônoma da sentença, sendo considerada simplesmente uma espécie de sentença condenatória.

Lições contemporâneas, entretanto, buscam outra distinção entre a sentença condenatória e a executiva lato sensu, entendendo que a dispensa do processo autônomo de execução para a satisfação do direito não torna automaticamente uma sentença condenatória em executiva lato sensu, até mesmo porque, fosse esse o fator de distinção, a Lei 11.232/2005 teria reservado as sentenças condenatórias somente àquelas que imputam o cumprimento de uma prestação à Fazenda Pública. Para essa corrente doutrinária, a existência de uma fase de execução com procedimento previsto em lei, inclusive com a previsão de uma defesa incidental do executado – impugnação –, não é capaz de transformar a sentença condenatória em sentença executiva lato sensu.

Para essa corrente doutrinária são substancialmente dois os fatores que distinguem a sentença condenatória da executiva lato sensu30:

(a) o direito material, uma vez que na sentença condenatória o direito é de crédito, buscando-se o cumprimento de uma obrigação pecuniária, enquanto na sentença executiva o direito é real, buscando-se a retomada de coisa que está injustamente no patrimônio do executado. Nessa visão, a sentença condenatória retira algo do patrimônio do executado que até a sentença lá estava legitimamente, enquanto na sentença executiva se retoma bem que pertence ao exequente, estando injustamente com o executado;

(b) a complexidade da fase de satisfação do direito, que na sentença executiva inexiste, inclusive não estando prevista defesa ao executado, que deve exaurir a apresentação de suas matérias defensivas na fase de conhecimento, enquanto na sentença condenatória isso não ocorre. Diante da ausência de previsão legal de fase procedimental de satisfação, a sentença executiva lato sensu se realiza pelos meios executivos que o juiz entender adequados no caso concreto, tomando em conta as particularidades do caso concreto.

16.2.1.6. Sentença mandamental

A sentença mandamental se caracteriza pela existência de uma ordem do juiz dirigida à pessoa ou órgão para que faça ou deixe de fazer algo, não se limitando, portanto, à condenação do réu31. O juiz na sentença mandamental ordena que o réu pratique determinado ato que somente a ele caberia praticar, não existindo nessa atividade o caráter substitutivo característico da execução. A satisfação da sentença mandamental é feita pelo cumprimento da ordem, não existindo processo ou fase de execução subsequente a ela visando tal satisfação.32 O juiz ordena e aguarda o cumprimento da ordem, não havendo previsão de procedimento para que isso se verifique concretamente.

Poderá o juiz se valer de atos de pressão psicológica – execução indireta33 – como também de sanção civil (ato atentatório à dignidade da jurisdição, previsto no art. 14, V, parágrafo único, do CPC) e penal (crime de desobediência), mas ainda assim não haverá uma fase executiva, com a prática de atos materiais de execução. É diferente da sentença executiva lato sensu porque esta, além de ser satisfeita pela prática de atos materiais, o que caracteriza um procedimento, ainda que não expressamente previsto em lei, atinge o patrimônio do executado, enquanto a sentença mandamental atinge a vontade do executado.

16.2.2. Resolução de mérito

Adotando-se a resolução de mérito como critério, as sentenças são divididas em sentenças terminativas, que não resolvem o mérito (art. 267 do CPC), e sentenças definitivas, que resolvem o mérito (art. 269 do CPC). Observe-se que a Lei 11.232/2005 substituiu o termo “julgamento” por “resolução” no caput de ambos os dispositivos mencionados, modificação que não gera repercussões práticas, dividindo a doutrina a respeito da melhora ou piora no texto legal34. Para os que elogiam a alteração o legislador finalmente reconheceu a diferença entre as sentenças que efetivamente julgam o mérito da demanda, por meio da imposição da decisão do juiz, e aquelas que simplesmente homologam um ato de autocomposição praticado pelas partes. Para os críticos, resolução lembra instituto jurídico de direito administrativo, de todo estranho ao direito processual civil. Como já afirmado, trata-se de discussão meramente acadêmica, sem consequências práticas.

16.2.2.1. Sentenças terminativas (art. 267 do CPC)
16.2.2.1.1. Indeferimento da petição inicial

O art. 267, I, do CPC prevê que o indeferimento da petição inicial se dará por meio de sentença terminativa. Ainda que a maioria dos indeferimentos realmente se dê sem a resolução do mérito, não se pode considerar correto o dispositivo legal, bastando para tanto lembrar a hipótese de indeferimento fundado em prescrição e decadência (art. 295, IV, do CPC), indubitavelmente uma sentença de mérito (art. 269, IV do CPC)35. As hipóteses de indeferimento da petição inicial são tratadas no Capítulo 10, item 10.3.2.

16.2.2.1.2. Processo parado durante mais de um ano por negligência das partes

Não é incomum que o processo fique parado por mais de um ano aguardando a prática de um ato processual já determinado pelo órgão jurisdicional, por exemplo, a realização de uma audiência. Também ocorre de a paralisação por mais de um ano decorrer de um longo período de conclusão dos autos ao juiz, com significativo vencimento dos prazos estabelecidos pelo art. 189 do CPC. Não são essas as situações tratadas pelo art. 267, II, do CPC, que exige que a paralisação superior a um ano seja resultado da negligência de ambas as partes.

O dispositivo é curioso, porque em razão da regra do impulso oficial sempre que for possível caberá ao juiz de ofício dar andamento procedimental ao processo, mesmo diante da negligência das partes. O impulso oficial, entretanto, encontra limitações materiais instransponíveis quando a continuidade do processo depender de ato a ser praticado por uma das partes. Caso o ato deva ser praticado pelo autor, o dispositivo é inaplicável, porque este tem o prazo de 30 dias para promover os atos e diligências necessárias ao prosseguimento da demanda, conforme expressa previsão do art. 267, III, do CPC. Resta a raríssima hipótese de caber ao réu dar andamento ao procedimento, o que torna o dispositivo legal no mínimo enigmático, tendo pouca aplicação prática36. Outro entendimento possível é de que o dispositivo se aplique a situações em que não há necessidade de impulso por ato a ser praticado por nenhuma das partes37.

De qualquer forma, é irrelevante saber as razões pelas quais o processo ficou indevidamente paralisado por mais de um ano, tampouco poderá o autor evitar a extinção ao afirmar que a paralisação indevida se deu por culpa do juízo ou da parte contrária. O mero transcurso do prazo legal é razão suficiente para a extinção do processo38.

Segundo a previsão do art. 267, § 1.º, do CPC, a parte negligente, responsável pela indevida paralisação do processo por prazo superior a um ano (entendo que só pode ser o réu), deve ser intimada pessoalmente para dar andamento ao processo em 48 horas, condição indispensável para a extinção do processo. Naturalmente essa decisão do juiz não dependerá de provocação do réu, justamente o responsável pela omissão que proporcionou a indevida paralisação procedimental39.

Muitas vezes na praxe forense ocorre a intimação por publicação no Diário Oficial, na pessoa do advogado, porque muitas vezes essa forma de comunicação basta para despertar o advogado a retomar o andamento procedimental. Não havendo resposta, entretanto, a intimação pessoal é indispensável40. O prazo de 48 horas não é peremptório, de forma que, sendo pedido o andamento do processo depois de vencido o prazo, mas antes de o juiz ter extinguido o processo sem resolução de mérito, a provocação será admitida e o processo prosseguirá.

Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, nessa hipótese de extinção do processo, de responsabilidade de ambas as partes, não caberá condenação em honorários advocatícios, diferente da extinção por abandono do autor, quando este deverá ser condenado a pagar honorários advocatícios ao réu41.

16.2.2.1.3. Abandono do processo

O art. 267, III, do CPC trata da causa de extinção do processo sem a resolução do mérito conhecida como “abandono do processo”, descrevendo a desídia do demandante que deixa de praticar atos ou cumprir diligências indispensáveis ao andamento do processo por prazo superior a 30 dias. A doutrina majoritária entende que, diferente do que ocorre com a extinção prevista pelo art. 267, II, do CPC, a extinção do processo ora tratada não é objetiva, devendo o juiz considerar no caso concreto o real intuito do autor em abandonar o processo, de forma que se aceita a prática de ato após o transcurso do prazo de 30 dias42.

O autor será intimado nos termos do art. 267, § 1.º, do CPC, sendo aplicáveis a essa forma de extinção as considerações já feitas quanto à sentença prevista no art. 267, II, do CPC, e no caso de efetiva extinção do processo será condenado ao pagamento das despesas e honorários advocatícios (art. 267, § 2.º, do CPC). Mesmo quando a parte advoga em causa própria a intimação deverá ser pessoal, não bastando a mera publicação no Diário Oficial43.

Segundo posição jurisprudencial consolidada44, a extinção por abandono do processo ora analisado depende de provocação do réu, não se admitindo que ocorra de ofício. Entende-se que o juiz poderá intimar o réu e, havendo sua concordância, proceder à intimação pessoal do autor para que dê andamento ao processo em 48 horas. Busca-se evitar a desistência tácita da demanda pelo autor por meio do abandono, o que representaria uma ofensa indireta ao disposto no art. 267, § 4.º, do CPC45, mas para que a anuência do réu seja necessária, até mesmo para fins de compatibilizar o abandono com a desistência, o réu já deverá ter apresentado defesa no processo. Antes da citação ou mesmo depois dela – no transcurso do prazo antes da interposição e no caso de revelia –, a extinção poderá ser realizada de ofício46.

Em algumas situações o abandono do processo pelo autor não gerará a extinção do processo sem a resolução do mérito, como ocorre na demanda de inventário, que será remetida ao arquivo. Também ao cumprimento da sentença não se aplicará o art. 267, III, do CPC, sendo expressa a lei em determinar o envio dos autos ao arquivo se o autor não apresentar o requerimento inicial do cumprimento de sentença no prazo de 6 meses contados do trânsito em julgado (art. 475, § 5.º, do CPC). O mesmo ocorre no processo de execução, que, dependente de ato a ser praticado pelo exequente para prosseguir, deve ser enviado ao arquivo, com a contagem do prazo da prescrição intercorrente.

Essa espécie de sentença e aquela mais rara, prevista pelo inciso anterior, têm importância prática para o surgimento do raro fenômeno processual da perempção (art. 268, parágrafo único, do CPC), porque a extinção por três vezes da mesma demanda apresentada em três processos diferentes deverá ser sempre pelo abandono do autor. Trata-se de medida para evitar o abuso do direito de ação.

16.2.2.1.4. Ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo

O tema dos pressupostos processuais já foi analisado no Capítulo XX, sendo interessante relembrar que nem sempre a ausência de pressupostos processuais será responsável pela extinção do processo. Existem também os pressupostos processuais negativos, cuja ausência é o que se deseja, considerando-se que a presença de um deles é o que gera o vício que levará o processo à sua extinção sem a resolução de mérito. Ocorre, entretanto, que o legislador preferiu tratar dessa espécie de pressuposto processual em outro inciso do art. 267, qual seja o inciso V, limitando-se o art. 267, IV, do CPC ao tratamento dos pressupostos processuais positivos. Nesse sentido, é correta a redação do texto legal ao indicar que a ausência de pressupostos processuais leva à extinção do processo sem a resolução do mérito.

Não se deve declarar a nulidade se o juiz tiver condições de julgar o mérito em favor da parte, a qual aproveitaria a declaração da nulidade (art. 249, § 2.º, do CPC). Essa lição é plenamente aplicável aos pressupostos processuais que são criados para tutelar o interesse das partes, de forma que, sendo a parte vitoriosa no mérito mesmo sem ter contado com essa proteção, não tem nenhum sentido a sentença terminativa quando for possível julgar em seu favor. A capacidade de estar em juízo dos incapazes por meio de representante processual é voltada para a proteção da parte, não sendo legítima a extinção do processo sem a resolução do mérito se o juiz perceber que a parte, mesmo sem a representação processual no caso concreto, será vitoriosa se o mérito for julgado.

Esse entendimento contraria uma antiga e sedimentada lição da doutrina nacional: a análise dos pressupostos processuais antecede a análise de mérito. Percebido o vício na primeira análise, é impossível chegar à segunda. A proposta de parcela da doutrina é admitir a inversão nessa ordem de análise, desde que o processo esteja pronto para o julgamento do mérito. É óbvio que o juiz não deve prosseguir com processos nos quais perceba em seu nascedouro a ausência de um pressuposto processual, hipótese em que deve intimar a parte para saneamento do vício e de extinção do processo sem resolução do mérito na hipótese de omissão da parte. Nessa situação, é óbvio que a análise dos pressupostos processuais precede a análise de mérito; mas, transcorrendo todo o processo e percebendo-se no momento do julgamento a ausência de um pressuposto processual, parece legítima a conclusão de que pode ser desprezado pelo juiz o vício se o pressuposto processual violado for voltado à proteção da parte que no julgamento do mérito se sagrará vitoriosa.

16.2.2.1.5. Perempção, coisa julgada e litispendência

O art. 267, V, do CPC prevê a extinção do processo sem resolução do mérito quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou coisa julgada. A redação do artigo legal não é feliz, porque as matérias tratadas pelo dispositivo legal são de ordem pública, devendo ser reconhecidas de ofício pelo juiz47. O que se afirma é que, não só quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou coisa julgada haverá a sentença do art. 267, V, do CPC, mas também quando o juiz reconhecer tais matérias de ofício, ainda que essa situação seja rara, sendo difícil ao juiz reconhecer esses fenômenos processuais no caso concreto sem a alegação das partes.

A perempção é fenômeno que evita o abuso no exercício do direito de demandar, exigindo a extinção do processo quando a mesma ação for proposta pela quarta vez, tendo sido os três processos anteriores extintos sem a resolução do mérito por abandono bilateral (art. 267, II, do CPC) ou unilateral do autor (art. 267, III, do CPC).

Um dos significados do termo “litispendência” – e que interessa a presente análise – é a existência de dois ou mais processos em trâmite com a mesma ação (teoria da tríplice identidade – mesmos elementos da ação). Interessante registrar hipótese na qual o Superior Tribunal de Justiça entende haver litispendência ainda que não sejam exatamente os mesmos elementos da ação. Tal excepcionalidade se verifica na litispendência entre ação ordinária e mandado de segurança, considerados a mesma ação, ainda que no mandado de segurança figure no polo passivo a autoridade coatora e na ação ordinária a pessoa jurídica de direito público ao qual essa autoridade pertence48.

Ocorre coisa julgada quando for repetida ação que já foi julgada no mérito por decisão transitada em julgado em processo anteriormente proposto, sendo fenômeno processual analisado no Capítulo 17.

Esses três pressupostos processuais negativos geram uma interessante peculiaridade: geram uma sentença terminativa que não admite a propositura da mesma demanda em outro processo. Significa dizer que, embora não faça coisa julgada material, fenômeno exclusivo das sentenças de mérito, a sentença terminativa do art. 267, V, do CPC não pode ser modificada por decisão a ser proferida em outro processo49. A imutabilidade e indiscutibilidade da decisão têm efeitos projetados para fora do processo, o que contraria a natureza endoprocessual da coisa julgada formal, única espécie de coisa julgada gerada pela sentença terminativa.

Essa situação sui generis leva a uma aparente contradição: sendo proibida a alteração da sentença por decisão de outro processo, e prevendo o art. 485, caput, do CPC que a ação rescisória só é cabível contra sentença de mérito, seria a sentença do art. 276, V, do CPC a mais imutável de todo o sistema? É inviável dar tamanho grau de imutabilidade a uma sentença terminativa, quando até mesmo a sentença de mérito pode ser modificada, ainda que excepcionalmente, por meio da ação rescisória. Dessa forma, para resolver essa aparente incongruência, entende-se cabível a ação rescisória contra essa sentença terminativa50.

A regra atualmente consagrada no art. 268 do CPC não é repetida no PLNCPC, de forma que, extinto o processo com julgamento fundado em perempção, litispendência e coisa julgada, é possível a repropositura da ação.

16.2.2.1.6. Carência da ação

Já foi afirmado que o Código de Processo Civil adotou expressamente a teoria eclética, de forma que a ausência das condições da ação impede a resolução do mérito, gerando a extinção do processo por sentença terminativa, conforme previsão do art. 267, VI, do CPC. As condições da ação devem ser analisadas no momento de julgamento da demanda, e não no da sua propositura. Significa dizer que, presentes as condições da ação no momento de propositura, se por fato superveniente desaparecer uma delas, será caso de extinção por carência superveniente de ação. Por outro lado, a ausência no momento da propositura não leva o processo à extinção pela carência no caso de estarem presentes as condições da ação no momento em que o juiz analisá-las51.

É preciso notar que, diante do previsto pelo art. 268 do CPC, a extinção do processo por carência da ação não impedirá a propositura de nova demanda, até mesmo porque não se vislumbra no caso concreto a existência de coisa julgada material, fenômeno processual responsável pela inadmissibilidade da propositura de novo processo com a demanda idêntica. Ocorre, entretanto, que a mera repetição da demanda não vem sendo admitida, exigindo-se do autor que saneie o vício que levou à primeira extinção do processo52.

Esse entendimento gera uma interessante situação quanto à sentença que extingue o processo sem resolução do processo por ilegitimidade de parte quando o caso concreto versar sobre legitimidade ordinária. Nesse caso, o vício que gerou a sentença terminativa só pode ser sanado com a substituição do sujeito apontado como parte ilegítima por aquele que é legitimado a participar do processo. Ocorre que, uma vez substituído um dos sujeitos que compunha a relação jurídica processual da primeira demanda, a segunda demanda já não será mais idêntica à primeira. A modificação de parte, um dos elementos da demanda, afasta a existência da tríplice identidade. Significa dizer que a mera repetição nesse caso não será admitida, o que leva parcela da doutrina a concluir que a sentença torna-se tão imutável quanto uma sentença de mérito transitada em julgado, o que possibilitaria o ingresso de ação rescisória contra tal sentença.

Registre-se que o mesmo não ocorre na legitimação extraordinária, quando o vício poderá ser saneado sem a mudança da parte, como ocorre numa ação civil pública extinta por ilegitimidade ativa porque a associação ainda não completou um ano de existência, sendo que decorrido esse prazo a mesma associação poderá ingressar com demanda idêntica à primeira. Saneia-se o vício sem a necessidade de alteração dos elementos da ação, ou seja, admite-se a nova propositura da ação.

O art. 473, § 1.º, do PLNCPC prevê que, diante da sentença terminativa fundada em carência de ação – falta de interesse ou ilegitimidade, considerando que a possibilidade jurídica do pedido não está mais prevista como condição da ação –, a repropositura da ação só será admitida com a correção do vício que gerou a primeira extinção. Essa nova realidade proposta abrirá espaço para uma excepcional hipótese de cabimento de ação rescisória contra sentença terminativa fundada em ilegitimidade ordinária, como já ocorre na hipótese do art. 267, V, do CPC.

16.2.2.1.7. Convenção de arbitragem

Como determina a Lei 9.307/1996, a convenção de arbitragem é um gênero, do qual a cláusula compromissória (antes da formação da lide) e o compromisso arbitral (depois de instaurada a lide) são espécies. A existência de qualquer uma das espécies de convenção de arbitragem gera a extinção do processo sem a resolução do mérito porque, havendo a opção pela arbitragem, a intervenção jurisdicional é indevida. Sendo o direito de ação disponível, também é disponível o direito de exercê-lo perante a jurisdição, não havendo na escolha da arbitragem pelas partes qualquer ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5.º, XXXV, da CF).

Assim como as partes escolheram excluir a jurisdição, preferindo a arbitragem como forma de solucionar o conflito de interesses em que estão envolvidos, é natural que também possam abrir mão da arbitragem já acordada. Significa dizer que, ainda que exista uma convenção de arbitragem, nem sempre o processo será extinto pela sentença terminativa prevista no art. 267, VII, do CPC, porque, se ambas as partes resolverem pela intervenção jurisdicional, naturalmente a convenção de arbitragem torna-se ineficaz. A extinção pela sentença terminativa analisada, portanto, depende de o autor ignorar a convenção de arbitragem ao propor a demanda judicial e ao réu não concordar com essa postura, indicando a existência da escolha prévia pela arbitragem.

16.2.2.1.8. Desistência da ação

Desistir da ação é diferente de renunciar ao direito material alegado; enquanto a desistência diz respeito somente ao processo em que ocorre, o que permite ao autor voltar ao Poder Judiciário com idêntica demanda, a renúncia concerne ao direito material alegado, de forma que não se admitirá ao autor retornar ao Poder Judiciário com demanda fundada em direito material que já foi objeto de renúncia. Não por outra razão a sentença fundada em desistência é terminativa, pois não resolve o mérito (art. 267, VIII, do CPC), enquanto a sentença que homologa a renúncia é definitiva, resolvendo o mérito da demanda e fazendo coisa julgada material (art. 269, V, do CPC).

É preciso atenção com a previsão do art. 267, § 4.º, do CPC, que exige a anuência do réu depois de decorrido o prazo de defesa para que o juiz possa extinguir o processo por desistência do autor. Na realidade, o momento a partir do qual se exige a anuência do réu não é o decurso do prazo de resposta, mas a efetiva apresentação de defesa no processo, razão pela qual não se exige a intimação de réu revel para que o juiz acate a desistência pedida pelo autor53. Tampouco poderá o autor desistir da demanda sem a anuência do réu caso este tenha apresentado sua defesa antes do vencimento do prazo legal para tanto (apresentada contestação no quinto dia, a anuência passa a ser exigida nesse momento, e não somente depois do décimo quinto dia)54. Basicamente, sem contestação do réu não é necessária sua anuência quanto ao pedido de desistência do autor55, sendo entendido que seu silêncio quanto ao pedido representa aceitação tácita da desistência56.

Registre-se entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que dispensa a anuência do réu na homologação de pedido de desistência do mandado de segurança57. Outro interessante entendimento do Superior Tribunal de Justiça é o que proíbe a desistência da ação após a prolação da sentença, admitindo-se tão somente que as partes transacionem a respeito do decidido58.

16.2.2.1.9. Direitos intransmissíveis

O art. 267, IX, do CPC prevê ser hipótese de sentença terminativa a “ação considerada intransmissível por disposição legal”. A redação do dispositivo legal é extremamente infeliz, porque não existe ação intransmissível; o que existe são direitos intransmissíveis, de forma que o titular não pode transmiti-los a seus sucessores ou herdeiros59. Mesmo que se entenda que ações intransmissíveis são aquelas que têm por objeto determinados direitos que não admitem transmissão, ainda assim a redação é inadequada, porque é evidente que, figurando no processo o titular do direito, a mera característica de ser intransmissível o direito discutido não é suficiente para a extinção do processo sem resolução do mérito, até porque, se levado ao pé da letra, o dispositivo impediria o julgamento de mérito para toda e qualquer demanda que tenha por objeto direito intransmissível60.

A extinção, portanto, não decorre somente da natureza do direito material discutido, mas também de um fato superveniente que exija para a continuação da demanda a sucessão processual, o que não se admitirá no caso concreto em razão de ser o direito intransmissível. Hipótese frequente em demandas de família, como o divórcio, no qual o falecimento de um dos cônjuges durante a demanda exigirá a extinção do processo sem resolução do mérito, sendo inviável que o polo em que figurava o de cujus seja assumido por seus herdeiros ou sucessores.

Interessante questão surge nas demandas indenizatórias em razão de dano moral. Será aplicável o art. 267, IX, do CPC? Para a doutrina majoritária o direito de indenização a dano moral é patrimonial, de forma que os sucessores do ofendido têm o direito de sucedê-lo na demanda judicial. Esse também é o entendimento prevalente no Superior Tribunal de Justiça61. Para outra parcela doutrinária, o direito, apesar de patrimonial, é personalíssimo, porque somente o de cujus suportou o abalo moral pelo qual pede reparação, não tendo sentido recompensar terceiros – ainda que herdeiros e sucessores – que não tiveram qualquer abalo moral62. Nesse caso, seria caso de extinção do processo sem resolução do mérito fundado no art. 267, IX, do CPC.

16.2.2.1.10. Confusão entre autor e réu

A confusão é forma de extinção da obrigação prevista pelo Código Civil nos arts. 381 a 384. É representada pela unificação em uma só pessoa das qualidades de credor e devedor, e, como não tem sentido uma pessoa ser credora e devedora de si mesma, a obrigação será extinta. Havendo ação judicial na qual o pai cobra dívida do filho, falecendo o primeiro e sendo o segundo o único herdeiro, haverá a confusão prevista no direito material, gerando-se o efeito processual da extinção do processo sem resolução do mérito nos termos do art. 267, X, do CPC. O mesmo fenômeno ocorre quando sociedades que litigam por direito patrimonial se unem ou quando uma adquire a outra.

A confusão que leva à extinção do processo pela sentença ora analisada, entretanto, parece ser mais ampla que a existente no direito material, porque, ainda que não haja a identidade em uma mesma pessoa da figura de credor e devedor, será possível a extinção do processo com fundamento no art. 267, X, do CPC. Havendo uma comunhão do patrimônio do autor e réu, ainda que estes mantenham sua individualidade jurídica, a demanda de natureza patrimonial perde o sentido de ser, devendo ser extinta sem a resolução do mérito pela sentença prevista no art. 267, X, do CPC.

Fernanda ingressa com demanda de reparação de danos contra João em razão de um acidente automobilístico. Na audiência de conciliação se conhecem melhor – quem advoga sabe quanto pode demorar o início de uma audiência – e se apaixonam. Pouco tempo depois os dois se casam, adotando como regime de bens o da comunhão universal. Que sentido teria dar prosseguimento a essa demanda se o patrimônio de ambos passou a ser comum? Naturalmente nenhum. Nesse caso, portanto, a demanda reparatória caso ainda não tenha sido resolvida, em razão do casamento de Fernanda e João com comunhão total de bens será extinta pela sentença prevista pelo art. 267, X, do CPC.

Para parcela minoritária da doutrina a confusão, por ser instituto de direito material com reflexos processuais, acarreta a extinção do litígio, de forma que melhor seria entender a sentença prevista pelo art. 267, XI, do CPC como sentença de mérito, inclusive com a geração de coisa julgada material63.

As hipóteses de sentença terminativa estão previstas no art. 472 do PLNCPC, com duas pequenas alterações com relação ao atual art. 267 do CPC: (a) no inciso VI é retirada a impossibilidade jurídica do pedido, condição da ação que deixa de existir; (b) no inciso IX finalmente há previsão de que não basta ser a ação intransmissível para sua extinção terminativa, sendo indispensável a morte do titular do direito; poderia o legislador ter corretamente se referido a direito intransmissível e não manter o erro de atribuir essa qualidade à ação.

As alterações mais significativas são encontradas nos parágrafos do dispositivo. Os §§ 1.º, 2.º e 3.º repetem normas já existentes, sendo que, nesse último, desaparece a responsabilidade do réu que não alegar as hipóteses previstas nos incisos IV, V e VI, no primeiro momento em que se manifestar no processo, pelo pagamento das custas do retardamento, que ninguém nunca soube precisar do que se trata e que dificilmente já tenha sido cobrada em algum processo judicial. O § 4.º adota entendimento doutrinário para prever que o consentimento do réu com a desistência do autor só será exigido se tiver sido oferecida a contestação. A inovação mais significativa está no § 5.º do PLNCPC, que prevê, no prazo impróprio de três dias, o juízo de retratação de toda sentença terminativa diante da interposição de apelação pelo réu, em medida saudável que busca evitar que processos fiquem anos nos tribunais à espera de julgamento que venha a anular as sentenças terminativas incorretamente proferidas.

Outra interessante novidade, advinda de reclamos da doutrina, está consagrada no art. 473, § 1.º, do PLNCPC, que exige, para a repropositura de ação extinta por ilegitimidade ou falta de interesse de agir, a correção do vício, o que, conforme visto, no caso de ilegitimidade ordinária, impedirá a mera repropositura.

16.2.2.2. Sentenças definitivas (art. 269 do CPC)

O legislador prevê cinco espécies de sentenças de mérito no art. 269 do CPC, sendo que o elemento que as reúne é a decisão definitiva do conflito, em razão da coisa julgada material. Nesse aspecto não existe nenhuma diferença entre as diferentes espécies de sentença de mérito. Ocorre, entretanto, que somente em uma delas o direito material alegado pelo autor é efetivamente analisado, sendo nesse caso o pedido rejeitado ou acolhido dependendo da existência ou não do direito material. Essa particularidade faz com que parcela da doutrina chame a sentença prevista pelo art. 269, I, do CPC, de sentença genuína de mérito ou de verdadeira sentença de mérito.

Existem também as sentenças homologatórias de mérito, nas quais o juiz não chega a apreciar o direito material alegado pela parte, limitando-se a homologar uma declaração de vontade unilateral de uma das partes, como ocorre no reconhecimento jurídico do pedido, que é um ato dispositivo do réu (art. 269, II, do CPC) e a renúncia, que é um ato dispositivo do autor (art. 269, V, do CPC), ou ao homologar um acordo de vontades das partes (art. 269, III, do CPC), sendo entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o juiz não está obrigado a homologar o negócio jurídico64.

Por fim, a sentença que reconhece a prescrição ou decadência (art. 269, IV, do CPC), na qual também não ocorre a análise de existência do direito material do autor, limitando-se o juiz a reconhecer o transcurso do prazo para a propositura da demanda, o que impedirá a resolução de mérito.

Tanto as sentenças homologatórias como as que reconhecem a prescrição ou decadência põem fim ao conflito de forma definitiva, o que as torna sentenças de mérito, mas, como o juiz não enfrenta o direito material alegado pelo autor, são consideradas falsas sentenças de mérito, ou ainda sentenças de mérito impuras. Existe doutrina que entende ser a sentença que reconhece a prescrição e decadência genuinamente de mérito, tratando-se de espécie de sentença de rejeição do pedido do autor, mas por um fundamento específico, o transcurso temporal65. Desde que se leve em conta que nesse caso não existe análise da efetiva existência do direito material, suficiente para distingui-la da sentença de rejeição do pedido propriamente dita, não vejo maiores problemas na solução apontada por essa parcela doutrinária.

O art. 475 do PLNCPC prevê que “o juiz proferirá sentença de mérito sempre que puder julgá-lo em favor da parte a quem aproveitaria o acolhimento da preliminar”. É a consagração de que imperfeições formais são menos importantes que a solução de mérito quando não geram prejuízo para a parte que, mesmo sendo prejudicada por tais imperfeições, tem condições de se sagrar vitoriosa no mérito. Acredito que nenhum vencedor de demanda reclamará se tiver uma legítima defesa preliminar rejeitada, mesmo reconhecidamente fundada, desde que obtenha a vitória definitiva.

O dispositivo, entretanto, não permite ao juiz desconsiderar as alegações preliminares ou os vícios evidentes que devem ser considerados de ofício, aguardando o final do processo para verificar quem será o vencedor da demanda e somente nesse momento decidir se as acolhe ou não, sob pena de violação clara ao princípio da economia processual. Serve apenas para situações em que a percepção de acolhimento da preliminar ou da existência do vício ocorre em momento no qual o processo já esteja pronto para a imediata resolução de mérito.

16.2.2.2.1. Acolhimento ou rejeição do pedido

Conforme já afirmado, a sentença proferida com amparo no art. 269, I, do CPC, é a única entre todas as espécies de sentença de mérito que se fundamenta na existência ou não do direito material alegado pelo autor. Na praxe forense é comum a utilização do termo procedência ou improcedência, o que não causa qualquer problema desde que se tenha a exata medida do que efetivamente está sendo julgado procedente. Não parece ser correto falar em procedência da ação, porque com grande esforço esse termo será compreendido como a declaração de que o autor tem o direito de ação, nada afirmando a respeito de sua pretensão material. O adequado, nesse caso, é procedência ou improcedência do pedido, e não da ação66.

16.2.2.2.2. Reconhecimento jurídico do pedido

A submissão é forma de solução alternativa de solução de conflitos, tratando­-se de uma das espécies de autocomposição, conforme analisado no Capítulo 1, item 1.2.2. No reconhecimento jurídico do pedido verifica-se a submissão processual, caracterizada sempre que o réu expressamente concorda com a pretensão do autor. Essa concordância é ampla, atingindo tanto a causa de pedir quanto o pedido, de forma que no reconhecimento jurídico do pedido o réu concorda com os fatos e fundamentos jurídicos alegados pelo autor e também com o pedido por ele formulado.

Como se nota com facilidade, o reconhecimento jurídico do pedido é bem mais abrangente que a confissão, que atinge tão somente a matéria fática da demanda. No reconhecimento jurídico do pedido o juiz simplesmente homologa a vontade do réu de que o autor se sagre vitorioso na demanda, nos termos de seu pedido.

16.2.2.2.3. Transação

Na transação verifica-se um acordo de vontade das partes com sacrifícios recíprocos. Como já afirmado no Capítulo 1, item 1.2.2, a transação vem sendo fortemente encorajada em razão da maior possibilidade de geração da justiça coexistencial quando o conflito é resolvido por acordo entre as partes e não por uma decisão impositiva do juiz. Mais uma vez não é o juiz que decide o conflito – como ocorre em todas as formas de autocomposição – limitando-se a homologar por sentença o acordo de vontade entre as partes.

A sentença homologatória de transação não guarda relação com o objeto do processo, de forma que é admissível que o objeto da transação seja mais amplo que o objeto da demanda, trazendo para a homologação do juiz matérias que não faziam parte do processo (art. 475-N, III, do CPC). Trata-se de elogiável medida de economia processual e de oferecimento de solução da lide completa.

16.2.2.2.4. Prescrição e decadência

São de direito material os fenômenos jurídicos tratados no art. 269, IV, do CPC, sendo tanto a prescrição quanto a decadência tratados no Código Civil. Referem-se a limitações temporais para a arguição perante o Poder Judiciário de tutela de um direito material, com o objetivo de resguardar a segurança de situações jurídicas já estabelecidas. Considerações mais aprofundadas dos institutos jurídicos ora tratados ensejam necessariamente análises de direito material, o que não se encaixa nos limites do presente livro.

16.2.2.2.5. Renúncia

A renúncia é um ato unilateral de vontade do autor consubstanciado na disposição de um direito material que alega ter, sendo irrelevante no caso concreto a efetiva existência de tal direito. Dessa forma, ocorrendo renúncia do direito afirmado pelo autor, não há preocupação do juízo em descobrir se o direito objeto da disposição efetivamente existe, bastando para a solução definitiva da lide a homologação judicial do ato de vontade do autor. A atividade homologatória somente não ocorrerá no caso concreto nas hipóteses de direitos que não admitem renúncia.

Como é simples perceber, recaindo a renúncia sobre o direito material, já que o autor abre mão do direito material que alega ter, a renúncia decide de forma definitiva o conflito porque não haverá mais direito material que possa ser alegado para ensejar eventual conflito de interesses. Nesse aspecto é nítida a diferença entre renúncia do direito material e desistência do processo, a primeira gerando efeitos materiais e a segunda limitando-se a efeitos processuais.

16.3. REQUISITOS DA SENTENÇA

O art. 458 do CPC prevê como requisitos da sentença o relatório, fundamentação e dispositivo, mas melhor teria sido o legislador utilizar o termo elementos da sentença, considerando que o dispositivo legal descreve as partes que devem compor uma sentença genuína de mérito.

Frise-se que esses elementos da sentença somente são exigidos na genuína sentença de mérito, não havendo o formalismo previsto pelo dispositivo legal ora analisado nas falsas sentenças de mérito e nas sentenças terminativas. Ainda que o art. 459 do CPC preveja que a fundamentação sucinta é permitida somente nas sentenças terminativas, a mesma regra deve ser aplicada às sentenças homologatórias de mérito, que na realidade nem fundamentação propriamente dita possuem. A permissão de fundamentação sucinta naturalmente não contraria o art. 93, IX, da CF, de forma que, mesmo o juiz estando dispensado de elaborar uma sentença com relatório, fundamentação e dispositivo, é indispensável que exteriorize suas razões de decidir.

16.3.1. Relatório

O relatório é um resumo da demanda, no qual o juiz indicará

(a) as partes;

(b) uma breve suma do pedido;

(c) uma breve suma da defesa; e

(d) a descrição dos principais atos praticados no processo.

Costuma-se dizer que a razão de ser do relatório é demonstrar que o juiz tem pleno conhecimento da demanda que está julgando. Ocorre, entretanto, que é perfeitamente possível que o juiz, mesmo que não faça o relatório – seja porque ele não existe, seja porque o serventuário o elaborou –, tenha o pleno conhecimento da demanda exigido para um julgamento de qualidade. Tanto assim que nos Juizados Especiais o relatório é dispensado (art. 38 da Lei 9.099/1995), não se conhecendo entendimento que afirme que nesses processos o juiz possa sentenciar sem ter o pleno conhecimento da demanda.

Admite-se a elaboração de relatório per relationem, quando o juiz se reporta a um relatório realizado em outra demanda, o que é possível em termos de sentença em julgamento de demandas conexas quando julgadas em momentos diferentes ou de ações incidentais. É mais comum ocorrer em acórdãos, com a utilização do relatório da sentença impugnada, além dos principais atos praticados depois da sentença67.

A ausência de relatório gera a nulidade da sentença, presumindo-se que o juiz ao deixar de realizar o relatório não tem o conhecimento pleno da demanda que está julgando. A doutrina majoritária entende tratar-se de nulidade absoluta68, com o que não se concorda, porque só tem sentido anular a sentença se restar demonstrado concretamente o prejuízo, ou seja, que o juiz realmente não tinha o conhecimento pleno da demanda. Trata-se, portanto, de nulidade relativa69. Prova maior é a dispensa de relatório nos Juizados Especiais (art. 38, caput, do CPC), o que demonstra que a decisão pode ser válida mesmo sem esse elemento. Frise-se que, nesse caso, provavelmente o desconhecimento do juiz se mostrará por meio de fundamentação inadequada ou insuficiente.

16.3.2. Fundamentação

A fundamentação da decisão é essencial, sendo inclusive um dos princípios constitucionais já analisados no Capítulo 2, item 2.4.4. Sendo a sentença um ato decisório de extrema importância no processo, é evidente que a fundamentação não pode ser dispensada. Na fundamentação o juiz deve enfrentar todas as questões de fato e de direito que sejam relevantes para a solução da demanda, justificando a conclusão a que chegará no dispositivo. São os porquês do ato decisório70, tanto que só é possível afirmar justa ou injusta uma sentença analisando-se no caso concreto sua fundamentação.

A ausência de fundamentação é vício grave, mas não gera a inexistência jurídica do ato, devendo ser tratado no plano da validade do ato judicial decisório, de forma que a sentença sem fundamentação é nula (nulidade absoluta)71. As duas funções da motivação das decisões judiciais – inclusive e essencialmente a sentença – são tratadas no Capítulo 2, item 2.4.4.

O recurso adequado é a apelação com a alegação de error in procedendo intrínseco, ainda que excepcionalmente possam se admitir os embargos de declaração com efeitos infringentes, tema tratado no Capítulo 27, item 27.7.2. Reconhecido o vício pelo tribunal, a sentença será anulada, com a remessa do processo ao primeiro grau para a prolação de uma nova sentença72. Parcela da doutrina entende ser aplicável o art. 515, § 3.º, do CPC, de forma que o tribunal de segundo grau anule a sentença e passe imediatamente à prolação de uma nova decisão de mérito da demanda, agora devidamente fundamentada73.

16.3.3. Dispositivo

O dispositivo é a conclusão decisória da sentença, representando o comando da decisão. É a parte da sentença responsável pela geração de efeitos da decisão, ou seja, é do dispositivo que são gerados os efeitos práticos da sentença, transformando o mundo dos fatos. O dispositivo é a conclusão do juiz que decorre da fundamentação, parte da sentença na qual o julgador descreve suas razões de decidir, indicando os fundamentos que justificam a opção tomada no dispositivo.

Ao juiz é permitida a elaboração de dispositivo direto e indireto, ainda que a primeira espécie seja a forma mais segura de elaborar essa parte da sentença, evitando-se eventuais obscuridades da decisão. No dispositivo direto o juiz indica expressamente o bem da vida obtido pelo autor, enquanto no dispositivo indireto o juiz acolhe o pedido do autor sem a indicação do bem da vida obtido, limitando-se a julgar procedente o pedido e a fazer uma remissão à pretensão do autor74.

Cibele ingressa com ação judicial em virtude de dano material suportado por ato ilícito praticado por Alarico, requerendo sua condenação ao pagamento de R$ 10.000,00. Em caso de acolhimento do pedido de Cibele, o juiz sentenciante poderá optar pelas duas técnicas de elaboração do dispositivo da sentença: valendo-se do dispositivo direto, acolhe o pedido e condena expressamente Alarico ao pagamento de R$ 10.000,00; valendo-se do dispositivo indireto, acolhe o pedido nos termos da petição inicial.

A ausência de dispositivo gera vício gravíssimo, até mesmo porque uma decisão sem dispositivo não é propriamente uma decisão, porque nada decide. Trata-se de inexistência jurídica do ato judicial75, podendo tal vício ser alegado em sede de embargos de declaração em razão de omissão do órgão julgador ou por meio de apelação. Tratando-se de inexistência jurídica é admissível a alegação do vício até mesmo após o trânsito em julgado da decisão, por meio de ação meramente declaratória.

16.3.4. Comentários gerais a respeito dos elementos da sentença

Ainda que o art. 458 do CPC estabeleça uma ordem entre os diferentes elementos da sentença, não existe nenhuma irregularidade na sentença proferida com a inversão dessa ordem76. Por uma questão lógica, entretanto, a ordem legal deve ser seguida, considerando-se que o relatório descreve o processo, a fundamentação demonstra as justificativas da decisão e o dispositivo é a conclusão decisória do raciocínio desenvolvido na fundamentação.

Além da desnecessidade de seguir a ordem legal, o juiz na prolação da sentença não é obrigado a separar a decisão, com clara identificação dos seus diferentes elementos. Alguns juízes indicam de forma bastante clara o início e o fim dos diferentes elementos, mas, sendo possível identificá-los no caso concreto, a ausência de divisão não torna a decisão viciada. A melhor técnica, entretanto, é a elaboração da sentença com a nítida separação entre os elementos descritos no art. 458 do CPC.

16.4. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA

16.4.1. Conceito

Segundo o art. 460 do CPC, o juiz não pode conceder diferente ou a mais do que for pedido pelo autor. Trata-se do princípio da congruência, também conhecido como princípio da correlação ou da adstrição. O dispositivo legal, entretanto, é incompleto, porque os limites da sentença devem respeitar não só o pedido, mas também a causa de pedir e os sujeitos77 que participam do processo. É nula a sentença que concede a mais ou diferente do que foi pedido, como também há nulidade na sentença fundada em causa de pedir não narrada pelo autor, na sentença que atinge terceiros que não participaram do processo ou que não julga a demanda relativamente a certos demandantes.

Para significativa parcela doutrinária, o princípio da congruência é decorrência do princípio dispositivo78. Sem afastar tal entendimento, em análise mais minuciosa nota-se que o princípio ora estudado é fundamentado em dois outros princípios: inércia da jurisdição (princípio da jurisdição) e contraditório (princípio do processo)79. A inércia da jurisdição determina que o juízo só movimenta-se quando provocado pelo interessado, sendo que essa movimentação ocorre nos estritos limites do pedido e causa de pedir elaborados pelo autor, bem como se limita aos sujeitos processuais. Por outro lado, o réu limita sua defesa tomando por base a pretensão do autor, não havendo sentido defender-se de pedido não elaborado, causa de pedir não narrada na petição inicial, ou contra sujeito que não participa do processo. Uma decisão proferida fora desses limites surpreenderá o réu, o que não se pode admitir em respeito ao princípio do contraditório.

Registre-se que uma ofensa ao princípio da congruência nem sempre representará ofensa ao princípio do contraditório, bastando que o pedido ou a causa de pedir levada em conta pelo juiz sem que tenha sido provocado a tanto, tenha sido objeto de prévia discussão entre as partes. Ainda que seja improvável tal ocorrência, é possível imaginar um desvio das partes e do próprio juiz durante o processo no tocante aos limites impostos pelo autor, de forma que não haverá nesse caso uma surpresa ao réu. O princípio da inércia, entretanto, será sempre desrespeitado diante de sentença que não respeite os limites traçados pelo princípio da congruência.

Marina ingressa com ação judicial objetivando a rescisão de contrato que mantém com Olga. Na exposição de fatos na petição inicial, narra que o descumprimento contratual de Olga ocasionou-lhe uma série de contratempos, inclusive a fazendo sofrer demasiadamente. Imagine-se que Olga, em sua contestação, passe a impugnar tal sofrimento, ainda que nitidamente essa parte da narrativa fática da petição inicial não faça parte da causa de pedir e em nada se relacione com o pedido de rescisão contratual. Por alguma razão Marina entra na discussão com Olga, e ambas produzem provas a respeito do alegado sofrimento da primeira, tudo sendo permitido pelo juiz. Note-se que, caso o juiz condene Olga ao pagamento de danos morais, certamente a sentença será extra petita, porque o pedido de Marina limitava-se à rescisão contratual; mas, nesse caso, não terá ocorrido violação ao princípio do contraditório, considerando-se que a matéria – danos morais – foi amplamente discutida por ambas as partes. Apesar de não verificar-se a violação ao princípio do contraditório, naturalmente houve ofensa ao princípio da inércia da jurisdição, e por essa razão a sentença é nula.

O princípio ora analisado é tratado no art. 479, caput, do PLNCPC, que simplesmente modifica a redação do atual art. 460 do CPC, sem lhe alterar o conteúdo. Segundo o dispositivo legal constante do projeto, não se admite sentença de natureza diversa da pedida, bem como condenação da parte em quantidade superior ou objeto diverso do que foi pedido.

16.4.2. Exceções ao princípio da congruência

Nem toda decisão proferida sem a observação do princípio da congruência é nula, admitindo-se a extrapolação no tocante ao pedido em situações expressamente previstas em lei.

No que concerne à limitação da sentença ao pedido do autor, existem três exceções:

(a) nos chamados pedidos implícitos é admitido ao juiz conceder o que não tenha sido expressamente pedido pelo autor80;

(b) a fungibilidade permite ao juiz que conceda tutela diferente da que foi pedida pelo autor, verificando-se nas ações possessórias (permite-se concessão de tutela possessória diferente da pedida pelo autor) e nas ações cautelares (permite-se a concessão de tutela cautelar diferente da pedida pelo autor);

(c) nas demandas que tenham como objeto uma obrigação de fazer e/ou não fazer o juiz pode conceder tutela diversa da pedida pelo autor, desde que com isso gere um resultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação (art. 461, caput, do CPC e art. 84, caput, do CDC)81.

A regra da adstrição do juízo ao pedido elaborado pelo autor encontra interessante exceção no processo objetivo com a chamada inconstitucionalidade reflexa, ou por ricochete, também conhecida na doutrina como inconstitucionalidade por consequência, arrastamento ou por atração82. O Supremo Tribunal Federal admite que ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma possa também declarar outras normas não impugnadas na ação judicial em razão de sua interdependência com aquela declarada inconstitucional83. A adoção do entendimento de inconstitucionalidade consequencial ou por arrastamento afasta o princípio da adstrição, admitindo-se que a concessão de tutela pelo órgão jurisdicional seja mais ampla do que aquela expressamente pedida pelo autor.

16.5. SENTENÇA EXTRA PETITA

A sentença extra petita é tradicionalmente considerada como a sentença que concede algo diferente do que foi pedido pelo autor. O art. 286, caput, do CPC exige do autor que o pedido formulado seja certo, regra aplicável ao pedido imediato e mediato, sendo que a sentença que não respeita a certeza do pedido gera vício que a torna nula, sendo extra petita sempre que conceder ao autor algo estranho à certeza do pedido. Sentença extra petita é, portanto, sentença que concede tutela jurisdicional diferente da pleiteada pelo autor, como também a que concede bem da vida de diferente gênero daquele pedido pelo autor.

O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir não se tratar de sentença extra petita aquela que concede em ação civil pública ambiental proteção de área mais extensa que a constante na petição inicial84, bem como aquela que determina medidas não pedidas pelo autor, desde que essenciais para a efetivação daquilo que foi pedido85.

Havendo a limitação da sentença à causa de pedir, não pode o juiz conceder o pedido elaborado na petição inicial com fundamento em causa de pedir que não pertença à pretensão do autor86. Nesse caso a ofensa ao princípio da congruência depende da corrente doutrinária que se adotar no tocante aos limites gerados pela causa de pedir; entendida como abrangente dos fatos jurídicos e fundamentos jurídicos do pedido, a limitação será mais ampla, enquanto, aplicando-se o entendimento de que a vinculação se limita aos fatos jurídicos, a limitação será menos ampla. Embora seja considerada na praxe forense como sentença extra petita, o nome mais adequado é sentença extra causa petendi, porque o juiz concede exatamente aquilo que o autor pediu, restando o vício limitado à utilização de uma causa de pedir não narrada pelo autor.

Peter adquire um carro de forma financiada, sendo que o veículo apresenta constantes defeitos, sendo obrigado a fazer “visitas” semanais à concessionária. Atingido o limite de sua paciência, simplesmente larga o carro na concessionária e deixa de pagar o financiamento, o que motiva a remessa de seu nome ao Serasa e o ingresso de ação de busca e apreensão. Inconformado com a situação, ingressa com demanda na qual elabora uma série de pedidos, interessando ao presente exemplo o pedido de dano moral, fundamentado na indevida remessa de seu nome aos órgãos de proteção ao crédito, o que teria lhe causado um abalo de crédito. Na sentença, o juiz fundamenta sua decisão no entendimento de que o contrato de compra e venda não se confunde com o contrato de financiamento, de forma que os vícios do veículo não justificam o inadimplemento do segundo contrato. Concede, entretanto, o dano moral pleiteado, fundamentando sua decisão no entendimento de que o sujeito que suporta o que Peter sofreu com um carro 0 km, tem direito a compensação em razão do abalo psíquico suportado. Nesse caso, não houve ofensa aos limites do pedido, mas a causa de pedir narrada por Peter (fato: remessa do nome aos órgãos de proteção ao crédito; fundamento jurídico: abalo de crédito) não foi o fundamento da decisão, mas sim causa de pedir estranha ao objeto da demanda (fato: defeitos do carro; fundamento jurídico: abalo psíquico).

Registre-se que no processo objetivo, que veicula o controle concentrado de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal entende aplicável a tese da causa de pedir aberta, o que significa liberdade àquele tribunal na análise de qualquer causa de pedir no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade/constitucionalidade, ainda que não alegada pelo autor87. É natural que, admitida tal liberdade ao órgão julgador, inexiste sentença extra causa petendi no controle abstrato de constitucionalidade de normas.

A sentença que vincula pessoa estranha ao processo, que dele não tenha participado como sujeito processual, deixando de decidir relativamente aos sujeitos que participaram do processo como sujeitos processuais, também é considerada como espécie de sentença extra petita. Sempre que a sentença atingir somente sujeitos que não participaram da demanda judicial será considerada extra petita88.

16.5.1. Recorribilidade da sentença extra petita

Proferida sentença extra petita, o recurso cabível é a apelação89, com pedido de anulação da sentença fundada no error in procedendo intrínseco. O ingresso de embargos de declaração não deve ser a priori e genericamente descartado, ficando reservado, entretanto, para as excepcionais hipóteses em que se admite que esse recurso tenha efeitos infringentes. Provida a apelação, com a consequente anulação da sentença, o processo retorna ao primeiro grau de jurisdição para a prolação de uma nova sentença90, existindo doutrina que defende a aplicação por analogia da teoria da causa madura (art. 515, § 3.º, do CPC), o que permitiria ao tribunal julgar imediatamente o mérito da demanda após anular a sentença recorrida91.

Mesmo após o trânsito em julgado se admitirá a alegação do vício, por meio da ação rescisória, com fundamento no art. 485, V, do CPC, considerando-se que a sentença terá frontalmente violado o art. 460 do CPC92. Após o transcurso do prazo de dois anos da ação rescisória, não será mais possível a alegação do vício em razão do advento da coisa julgada material soberana.

16.6. SENTENÇA ULTRA PETITA

O art. 286 do CPC exige do autor a determinação de seu pedido, e, uma vez sendo o pedido determinado, o juiz está condicionado a ele para a prolação de sua sentença, ou seja, indicada a quantidade de bem da vida que se pretende obter no caso concreto, o juiz não poderá ir além dessa quantificação, concedendo ao autor a mais do que foi pedido. Na sentença ultra petita, o juiz concede ao autor a tutela jurisdicional pedida, o gênero do bem da vida pretendido, mas extrapola a quantidade indicada pelo autor. No pedido genérico, em que não há determinação do pedido, não se pode falar em sentença ultra petita.

Registre-se ainda o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, apesar de o autor não ser obrigado a fazer um pedido determinado nas ações de dano moral, ao indicar um valor na petição inicial vincula o juiz a concessão no máximo a esse valor. Uma sentença que concede valor superior ao pedido em termos de dano moral, a exemplo do que ocorre no dano material, é considerada ultra petita93. Não deixa de ser contraditório o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, considerando-se que para aquele tribunal o valor indicado pelo autor é meramente estimativo, sendo tarefa exclusiva do órgão jurisdicional o arbitramento do valor, tanto que a concessão em valor inferior ao pedido gera sentença de total procedência do pedido94.

Não existe sentença ultra petita no tocante à causa de pedir, considerando-se que nunca uma causa de pedir será mais do que a outra, sendo no máximo diferente. A prolação de sentença fundada em causa de pedir diversa da narrada pelo autor é sentença extra causa petendi, sendo impossível falar em sentença ultra causa petendi. Quanto ao aspecto subjetivo da demanda, será ultra petita a sentença que vincular à decisão sujeito que não participa do processo, além dos sujeitos processuais95. A sentença nesse caso vai além dos limites subjetivos da demanda porque, apesar de figurarem nela os sujeitos que deveriam realmente figurar – sujeitos processuais –, haverá a indevida inclusão de quem não deveria estar na decisão.

16.6.1. Recorribilidade da sentença ultra petita

Da mesma forma que ocorre na sentença extra petita, o recurso cabível contra sentença ultra petita é a apelação. O ingresso de embargos de declaração não deve ser genericamente descartado, ficando reservado, entretanto, para as excepcionais hipóteses em que se admite que esse recurso tenha efeitos infringentes. No pedido da apelação, nada justifica uma anulação integral da sentença, devendo se aplicar ao caso concreto a teoria dos capítulos da sentença, para que somente a parte excedente da decisão seja anulada, mantendo-se a sentença até os limites da determinação do pedido96.

Após o trânsito em julgado, caberá ação rescisória com fundamento na ofensa a dispositivo literal de lei (art. 485, V, do CPC), no caso o art. 460 do CPC, mas nesse caso, diferente da ação rescisória contra sentença extra petita, o pedido não será de anulação integral, mas tão somente da parte excedente da decisão. O objetivo da ação rescisória, portanto, se limita a desconstituir a parte viciada da decisão transitada em julgada, mantendo-se a decisão na parte que respeitou os limites quantitativos do pedido. Após o transcurso do prazo de dois anos da ação rescisória, não será mais possível a alegação do vício em razão do advento da coisa julgada material soberana.

16.7. SENTENÇA CITRA PETITA (INFRA PETITA)

No aspecto objetivo a sentença é citra petita, também chamada de infra petita, quando fica aquém do pedido do autor ou deixa de enfrentar e decidir causa de pedir ou alegação de defesa apresentada pelo réu No aspecto subjetivo é citra petita a decisão que não resolve a demanda para todos os sujeitos processuais.

O juiz não é obrigado a conceder todos os pedidos formulados pelo autor, mas em regra deverá analisar e decidir todos eles, ainda que seja para negá­-los em sua totalidade97. É difícil imaginar uma sentença citra petita quando somente um pedido é formulado, porque, se o juiz não decide esse único pedido, o que decidiria na sentença? Campo mais propício para o surgimento dessa espécie de vício surge na cumulação de pedidos, devendo-se considerar a espécie de cumulação para se aferir no caso concreto a obrigatoriedade de o juiz decidir todos os pedidos. Na cumulação simples o juiz deve enfrentar e decidir todos os pedidos, que são autônomos entre si. Na cumulação sucessiva, existindo prejudicialidade entre os pedidos, a improcedência do pedido anterior dispensa o juiz de decidir o posterior, que restará prejudicado. Na cumulação subsidiária o acolhimento do pedido anterior impede o julgamento do pedido posterior, que restará prejudicado. Na cumulação alternativa a concessão de qualquer um dos pedidos torna os demais prejudicados, o que dispensa decisão a seu respeito.

Edison ingressa com ação rescisória pleiteando a desconstituição de sentença transitada em julgado em razão de prevaricação do juiz sentenciante e um novo julgamento. Na hipótese do tribunal rejeitar a alegação de prevaricação, mantendo a sentença atacada, o pedido de novo julgamento perderá o objeto (restará prejudicado), não sendo citra petita o acórdão que deixa de enfrentá-lo. João pleiteia a rescisão contratual e, na eventualidade de não ser tal pedido atendido, a revisão de determinadas cláusulas contratuais. Na hipótese do pedido de rescisão contratual ser acolhido, o pedido de revisão das cláusulas contratuais perderá o objeto (prejudicado), não sendo citra petita o acórdão que deixa de enfrentá-lo.

No tocante à causa de pedir e aos fundamentos de defesa, o juiz estará dispensado de fundamentar sua decisão valendo-se de todas as alegações da parte sempre que a omissão diga respeito à alegação feita pela parte vitoriosa. Apresentada mais de uma causa de pedir, caso o juiz acolha uma delas e julgue procedente o pedido, não há nenhuma necessidade de decidir as demais, da mesma forma que ocorre no acolhimento de uma das matérias de defesa que leva à improcedência do pedido ou ao reconhecimento de prescrição ou decadência, quando o juiz estará liberado de decidir a respeito das demais matérias defensivas. A sentença será citra petita se o juiz deixa de considerar uma causa de pedir ou o fundamento de defesa alegada pela parte derrotada na demanda.

Numa ação de rescisão contratual, Marilena alega erro e coação na celebração do contrato. Caso o juiz acolha a alegação de erro, isso já será suficiente para o acolhimento do pedido, estando dispensado de enfrentar a alegação de coação. Apesar de não enfrentar todas as causas de pedir, como Marilena, autora da ação, teve seu pedido acolhido, a decisão não é citra petita. Em ação de cobrança, Carlos alega prescrição e compensação, sendo a primeira alegação acolhida e o processo extinto com a resolução do mérito (art. 267, IV, do CPC). Ainda que uma das matérias de defesa de Carlos não tenha sido apreciada, como ele se sagrou vitorioso na demanda, a sentença não será citra petita.

Subjetivamente, haverá decisão citra petita se o juiz deixar de decidir a demanda relativamente a um dos sujeitos processuais98, o que só se torna crível na hipótese da formação de litisconsórcio. Devendo decidir a demanda a respeito de todos os sujeitos processuais, haverá vício se a sentença não tratar de algum deles, devendo-se tomar como base para aferição de quais são esses sujeitos processuais o momento de prolação de sentença, porque, tendo sido algum sujeito excluído da relação jurídica processual, naturalmente não haverá necessidade de a sentença decidir a demanda no tocante a ele.

16.7.1. Recorribilidade da sentença citra petita

Não restam maiores dúvidas de que, havendo sentença citra petita, o juiz terá de alguma forma se omitido em sua sentença. Deixar de enfrentar pedido que não tenha se tornado prejudicado, causa de pedir ou fundamento de defesa da parte derrotada ou, ainda, deixar de decidir relativamente a algum sujeito processual, demonstra falha na prestação jurisdicional consubstanciada no vício da omissão. Como analisado no Capítulo 27, item 27.2.2, o vício de omissão é impugnável por meio dos embargos de declaração99, mas, como tal recurso não tem efeito preclusivo, é possível a alegação da omissão na sentença também em sede de apelação.

O ingresso de apelação nesse caso acarreta interessante questão. O vício não está contido propriamente na sentença, mas naquilo que faltou a ela, devendo o tribunal se manifestar originariamente sobre os temas que deveriam ter sido enfrentados pelo juízo de primeiro grau. Eventuais críticas fundadas em supressão de grau jurisdicional devem ser afastadas com a aplicação dos arts. 515, §§ 1.º, 2.º, 3.º, e 516 do CPC.

No tocante à omissão quanto ao enfrentamento de causa de pedir ou de fundamento de defesa, a anulação da decisão somente se justifica se essas alegações não chegaram a ser suscitadas e discutidas em primeiro grau100. Dessa forma, estando o processo pronto para imediato julgamento, as causas de pedir e/ou os fundamentos de defesa não analisados serão apreciados pelo tribunal em razão da profundidade do efeito devolutivo.

Quanto ao pedido não apreciado pelo juízo de primeiro grau, entendo que caberá ao tribunal a integração da decisão, considerando-se que nada há a anular no caso concreto; a sentença impugnada, afinal, não tem vício nenhum. O vício diz respeito justamente àquilo que não está contido na sentença. Estando o processo pronto para imediato julgamento do pedido não analisado, deve ser aplicado por analogia o art. 515, § 3.º, do CPC101; havendo necessidade de instrução quanto a ele, se devolvem ao primeiro grau os autos para tal atividade processual e futuro julgamento do pedido ainda não decidido, mantendo-se hígidos os capítulos não viciados, ou seja, aquilo que já foi decidido102.

Registre-se, entretanto, que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça não é nesse sentido, havendo inúmeras decisões que entendem que o vício gerado por decisão citra petita leva à anulação da decisão para que outra seja proferida em seu lugar, inclusive apontando para a natureza de nulidade absoluta do vício, com a consequente possibilidade de reconhecimento de ofício pelo órgão julgador103.

Na hipótese de trânsito em julgado da decisão citra petita, parece que a solução a ser dada no tocante ao cabimento da ação rescisória depende da espécie de omissão no caso concreto. Na ausência de decisão sobre pedido expressamente formulado pelo autor, cria-se uma ficção jurídica de que o autor nunca fez tal pedido, de forma que será lícita a propositura de nova demanda vinculando o pedido não analisado. Como somente o dispositivo faz coisa julgada material e o pedido não resolvido naturalmente não estará no dispositivo, nada obsta a propositura da nova demanda104. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à causa de pedir, afirmando-se, por ficção jurídica, que a causa de pedir não enfrentada e decidida é como causa de pedir não elaborada, permitindo-se ao autor a propositura de nova demanda vinculando a causa de pedir que foi objeto de omissão judicial.

Nessas duas hipóteses de decisão citra petita não cabe ação rescisória porque falta ao autor o interesse de agir. Podendo propor uma nova demanda veiculando a causa de pedir e/ou o pedido que não foi enfrentado em demanda judicial anterior, não há necessidade de desconstituir a decisão proferida em tal demanda; basta ao autor propor a nova demanda para obter o que pretende. Não é esse, entretanto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que entende cabível a ação rescisória105.

No tocante à omissão quanto aos fundamentos de defesa, parece que a solução é diferente, considerando-se que o réu não tem o direito de ação, não podendo propor demanda judicial para veicular a matéria de defesa não analisada. Nesse caso, entendo ser cabível a ação rescisória.

16.8. MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA PELO JUÍZO SENTENCIANTE

Segundo o art. 463 do CPC, publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la em três situações: (a) para corrigir inexatidões materiais; (b) para retificar erros de cálculo; (c) no julgamento dos embargos de declaração. Nas duas primeiras hipóteses o juiz pode atuar de ofício ou provocado pelas partes, a qualquer momento, até mesmo depois do trânsito em julgado da decisão106, enquanto na terceira somente mediante provocação da parte no prazo preclusivo de cinco dias.

Acredito que o legislador tenha se esquecido de importante hipótese na qual se permite ao juízo prolator da sentença, mesmo após sua publicação, modificá-la de forma substancial. Ainda que o juízo de retratação seja excepcional na apelação, nos julgamentos liminares é admitido, dando-se a oportunidade ao juízo sentenciante, diante de apelação formalmente perfeita, se retratar de sua sentença, forma mais radical de modificação que uma decisão pode sofrer.

Dessa forma, indeferida a petição inicial e interposta apelação pelo autor, o juízo sentenciante terá um prazo de 48 horas para se retratar, nos termos do art. 296 do CPC, e o fazendo modificará a sentença mesmo depois de sua publicação. O mesmo ocorre com o julgamento de improcedência liminar, sendo a retratação permitida no prazo de cinco dias pelo art. 285-A, § 1.º, do CPC. O art. 463 deveria ter mais um inciso contemplando essas duas hipóteses de exercício de juízo de retratação na apelação.

O art. 481 do PLNCPC, que trata da matéria, mantém a omissão quanto ao juízo de retratação na apelação como hipótese de modificação de sentença pelo próprio juízo sentenciante após sua publicação. E a omissão é ainda mais grave que a atual, considerando-se que o art. 472, § 5.º, do PLNCPC estende o juízo de retratação a todas as sentenças terminativas. A omissão, como já ocorre atualmente, será lembrada pela doutrina, mas não criará qualquer complicação prática.

16.9. SITUAÇÃO FÁTICA DO MOMENTO DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA

Segundo o art. 462 do CPC, cabe ao juiz no momento da prolação da sentença considerar fatos constitutivos, modificativos, ou extintivos do direito, ocorridos após o momento da propositura da ação. O dispositivo legal, inclusive, admite que o juiz possa conhecer de tais fatos de ofício. Trata-se claramente de dispositivo voltado à justiça da decisão, criando regra que afasta o juiz de decisão fundada em circunstância fática já ultrapassada, que não representa a atual situação dos fatos.

No tocante aos fatos modificativos ou extintivos, matéria de defesa do réu, a interpretação do dispositivo não proporciona maiores debates. De fato não seria justo, por exemplo, que, sendo a dívida paga na constância do processo, o juiz desconsiderasse esse fato no momento de julgar o pedido condenatório a pagar elaborado pelo autor.

Por outro lado, no tocante aos fatos constitutivos do direito do autor, a aplicação gera controvérsias em razão da regra da estabilização objetiva da demanda, consagrada no art. 264 do CPC. A pergunta central é: o art. 462 do CPC é exceção ao art. 264 ou ambos devem ser aplicados conjuntamente? Preferindo-se a primeira solução, os fatos constitutivos poderão até mesmo alterar a causa de pedir narrada pelo autor na petição inicial, enquanto adotando-se a segunda o juiz somente poderá se valer de novos fatos simples, sem a alteração da causa de pedir.

O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado no sentido da segunda solução apresentada, admitindo que o juiz leve em consideração fatos favoráveis à pretensão do autor supervenientes à propositura da ação, desde que inalterada a causa de pedir107.

O art. 480, caput, do PLNCPC é cópia do art. 462 do atual CPC, havendo novidade somente no parágrafo único do dispositivo, que exige a oitiva prévia das partes quando o fato for constatado de ofício pelo juiz.

16.10. CAPÍTULOS DE SENTENÇA

Segundo autorizada doutrina, os capítulos de sentença são conceituados como as partes em que ideologicamente se decompõe o decisório de uma decisão judicial, cada uma delas contendo o julgamento de uma pretensão distinta108. Essa cisão ideológica da decisão judicial pode ser feita de diversas formas. Para Cândido Rangel Dinamarco, o processualista que melhor cuidou do tema entre nós, a divisão pode ser realizada da seguinte forma109:

(a) capítulo referente aos pressupostos processuais de admissibilidade do julgamento de mérito;

(b) diferentes capítulos decidindo no mérito diferentes pedidos;

(c) nos pedidos decomponíveis a existência de dois capítulos quando do julgamento de parcial procedência;

(d) capítulo referente ao custo financeiro do processo.

Nem sempre existirá o capítulo referente aos pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito – condições da ação e pressupostos processuais – porque é possível que numa demanda a ausência de qualquer vício procedimental dispense a formação de tal capítulo. Por outro lado, também é possível que a decisão tenha somente esse capítulo e aquele referente ao custo financeiro do processo, quando ocorre extinção do processo sem a resolução do mérito com a condenação do autor ao pagamento das verbas de sucumbência (sentença homogênea). Sendo superadas as matérias processuais – ainda que exista mais de uma haverá somente um capítulo – se passa ao julgamento do mérito, que constitui outro capítulo da decisão (sentença heterogênea).

Havendo cumulação de pedidos, para cada um deles haverá um capítulo na decisão, o mesmo ocorrendo com o julgamento em conjunto da ação principal com ações incidentais, tais como a reconvenção e ação declaratória incidental. Nesses casos, fala-se em sentença complexa. Havendo somente um pedido, mas sendo esse decomponível, ou seja, se versar sobre coisas suscetíveis de quantificação (contagem, medição, pesagem), sempre que o pedido for parcialmente acolhido, haverá dois capítulos de mérito, referentes à parcela do pedido acolhido e a parcela rejeitada110.

A teoria dos capítulos da sentença mostra-se de extrema importância111:

(a) na teoria das nulidades, em especial ao confinamento da nulidade a determinados capítulos da decisão;

(b) na teoria dos recursos, em especial no tocante ao âmbito de devolução recursal;

(c) na fixação dos encargos de sucumbência;

(d) na executividade parcial das decisões, ainda que recorridas com recursos recebidos no efeito suspensivo.


1 Moniz de Aragão, Sentença, p. 79.

2 Barbosa Moreira, A nova, p. 78.

3 Bedaque, Algumas, p. 71-72.

4 Bedaque, Algumas, p. 71; Câmara, A nova, p. 20; Bondioli, O novo, p. 46.

5 Theodoro Jr., As novas, p. 5-6; Freitas Câmara, A nova, p. 21.

6 Nery-Nery, Código, 2006, p. 372; Arruda Alvim, O perfil, p. 51.

7 Scarpinella Bueno, A nova, p. 15-16; Didier, A terceira, p. 69-71; Greco, Primeiros, p. 99.

8 Câmara, A nova, p. 21-22; Didier, A terceira, p. 70-71; Wambier, Wambier e Medina, Breves, p. 37.

9 Bedaque, Algumas, p. 72.

10 STJ, 4.ª Turma, REsp 645.388/MS, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 15.03.2007, DJ 02.04.2007, p. 277.

11 STJ, 5.ª Turma, REsp 829.992/DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 13.12.2007, DJ 07.02.2008, p. 412.

12 Neves, Reforma, p. 85; Scarpinella Bueno, A nova, p. 20-21; Arruda Alvim, O perfil, p. 64; Yarshell-Bonício, Execução, p. 19. Contra, no tocante à decisão que homologa acordo com alguns executados no processo de execução, STJ, 5.ª Turma, REsp 829992/DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 13.12.2007, DJ 07.02.2008.

13 Bedaque, Efetividade, p. 517-522; Dinamarco, Instituições, n. 889, p. 198-200; Theodoro Jr., Curso, n. 499, p. 583-584; Barbosa Moreira, Questões, p. 125-142; Moreira Pinto, Conteúdo, p. 116-121.

14 Bedaque, Efetividade, p. 558.

15 Yarshell, Tutela, p. 46, 1994; Marinoni-Arenhart, Manual, 15.5.1, p. 424. Súmula STJ/181: “É admissível ação declaratória, visando a obter certeza quanto à exata interpretação de cláusula contratual”. Inadmitindo ação declaratória para declarar a possibilidade de o contrato produzir os efeitos pretendidos pela parte: Informativo 378/STJ: 3.ª Turma, REsp 363.691-SP, rel. Castro Filho, rel. p/ acórdão Nancy Andrighi, j. 25.11.2008.

16 Dinamarco, Instituições, n. 906, p. 223; Neves, Ações, p. 450.

17 Neves, Ações, p. 453.

18 Neves, Ações, p. 477-482.

19 Greco Filho, Direito, v. 2, n. 56.1, p. 262; Moniz de Aragão, Sentença, p. 86; Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 333.

20 Theodoro Jr., Curso, n. 498, p. 583; Moniz de Aragão, Sentença, p. 85. Contra, Botelho de Mesquita, A coisa, p. 15-17.

21 Dinamarco, Instituições, n. 909, p. 227.

22 STF, Tribunal Pleno, ADI 3.601 ED/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 09.09.2010, DJe 15.12.2010.

23 Theodoro Jr., Curso, n. 500, p. 584.

24 Dinamarco, Instituições, n. 923, p. 250; Moniz de Aragão, Sentença, p. 87.

25 Dinamarco, Instituições, n. 927, p. 256; Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 329.

26 Dinamarco, Instituições, n. 911, p. 229-230; Theodoro Jr., Curso, n. 499, p. 583; Marinoni-Arenhart, Manual, n. 15.5.3, p. 426.

27 Bedaque, Efetividade, p. 524-525; Moniz de Aragão, Sentença, p. 88; Moreira Pinto, Conteúdos, p. 91-92; Câmara, Lições, p. 425.

28 Barbosa Moreira, Questões, p. 138.

29 Baptista da Silva, Curso, v. 2, n. 1.5, p. 24-25.

30 Marinoni-Arenhart, Manual, n. 15.4, p. 430-431.

31 Baptista da Silva, Curso, v. 2, n. 1.8, p. 351.

32 STJ, 5.ª Turma, AgRg no REsp 951.441/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15.10.2009, DJe 16.11.2009.

33 Marinoni-Arenhart, Manual, n. 15.5.4, p. 429.

34 Elogia a modificação Didier, Curso, p. 553-554. Critica Nery-Nery, Código, p. 502.

35 Moniz de Aragão, Comentários, n. 503, p. 420; Greco Filho, Direito processual, n. 17.2, p. 69.

36 Didier, Pressupostos, p. 332.

37 Adroaldo, Ensaios, n. 5, p. 372.

38 Nery-Nery, Código, p. 502; Moniz de Aragão, Comentários, n. 504, p. 421-422.

39 Dinamarco, Instituições, n. 836, p. 133.

40 STJ, 3.ª Turma, AgRg no Ag 951.976/RJ, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 19.12.2007, DJ 08.02.2008, p. 681.

41 Informativo 452/STJ, 3.ª Turma, REsp 435.681-ES, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 19.10.2010.

42 Nery-Nery, Código, p. 502; Moniz de Aragão, Comentários, n. 508, p. 424; Greco Filho, Direito, n. 17.2, p. 70.

43 Theodoro Jr., Curso, n. 316, p. 353.

44 Súmula 240/STJ.

45 Didier, Pressupostos, p. 333; Adroaldo, Ensaios, n. 5, p. 373.

46 Informativo 387/STJ: 3.ª Turma, rel. Min. Massami Uyeda, REsp 1.094.308-RJ, j. 19.03.2009; Dinamarco, Instituições, n. 836, p. 133; Adroaldo, Ensaios, n. 5, p. 373.

47 Adroaldo, Ensaios, n. 7, p. 375; Didier, Pressupostos, p. 338.

48 Informativo 422/STJ: 1.ª Turma, RMS 29.729-DF, rel. Min. Castro Meira, j. 09.02.2010.

49 Theodoro Jr., Curso, n. 319, p. 354, afirma que a força da sentença “é equivalente à da coisa julgada material”.

50 Yarshell, Ação, n. 52, p. 164-166.

51 Theodoro Jr., Curso, n. 320, p. 356; Nery-Nery, Código, p. 503; Yarshell, Ação, n. 41, p. 133.

52 Bedaque, Efetividade, p. 396-397.

53 Nery-Nery, Código, p. 505.

54 Theodoro Jr., Curso, n. 322, p. 356-357; Moniz de Aragão, Comentários, n. 532, p. 451; Greco Filho, Direito, n. 17.2, p. 73.

55 STJ, 5.ª Turma, REsp 591.849/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 10.08.2004, DJ 06.09.2004.

56 Informativo 499/STJ, 3.ª Turma, REsp 1.036.070-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 05.06.2012.

57 Informativo 394/STJ, 1.ª T., REsp 930.952-RJ, rel. José Delgado, rel. p/ acórdão Luiz Fux, j. 12.05.2009.

58 Informativo 425/STJ: 1.ª Turma, REsp 1.115.161-RS, rel. Min. Luiz Fux, j. 04.03.2010.

59 Nery-Nery, Código, p. 503.

60 Dinamarco, Instituições, n. 845, p. 140.

61 Informativo 486/STJ: 3.ª Turma, REsp 1.071.158/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 25.10.2011; Informativo 474/STJ: REsp 1.040.529/PR, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.06.2011; REsp 829.789/RJ, 2.ª Turma, rel. Min. Castro Meira, j. 05.09.2006, DJ 15.09.2006; REsp 648191/RS, 4.ª Turma, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 09.11.2004, DJ 06.12.2004; REsp 324.886/PR, 1.ª Turma, rel. Min. José Delgado, j. 21.06.2001, DJ 03.09.2001.

62 STJ, 3.ª Turma, AgRG no REsp 769.043/PR, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 1.º.03.2007, DJ 19.03.2007.

63 Adroaldo, Ensaios, n. 21, p. 395-396; Didier, Curso, p. 537.

64 Informativo 406/STJ: 2.ª Turma, AgRg no REsp 1.090.695-MS, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 08.09.2009.

65 Adroaldo, Ensaios, n. 3, p. 367.

66 Theodoro Jr., Curso, n. 328, p. 362.

67 Dinamarco, Instituições, n. 1.222, p. 657.

68 Moniz de Aragão, Sentença, p. 97; Arruda Alvim, Manual, n. 297, p. 549; Scarpinella Bueno, Código, p. 1.389.

69 Araújo Cintra, Comentários, p. 275.

70 Moniz de Aragão, Sentença, p. 101.

71 Por todos, Moniz de Aragão, Sentença, p. 102.

72 STJ, 1.ª Turma, REsp 866445/MG, rel. Min. Francisco Falcão, j. 27.02.2007, DJ 16.04.2007; STJ, 1.ª Turma, REsp 684947/RJ, rel. Min. José Delgado, j. 03.02.2005, DJ 18.04.2005.

73 Bedaque, Apelação, v. 7, n. 2.1, p. 450-451.

74 Theodoro Jr., Curso, n. 490, p. 568.

75 Arruda Alvim, Manual, n. 299, p. 552.

76 Moniz de Aragão, Sentença, p. 97-98; Costa Machado, Código, p. 467.

77 Dinamarco, Instituições, n. 948, p. 287-289; Scarpinella Bueno, Código, p. 1.399.

78 Nery-Nery, Código, p. 669; Costa Machado, Código, p. 468; Arruda Alvim, Manual, n. 301, p. 554.

79 Theodoro Jr., Curso, n. 493-b, p. 574; Arruda Alvim, Manual, n. 301, p. 554; Dinamarco, Instituições, n. 940, p. 274.

80 Dinamarco, Instituições, n. 945, p. 279-280; Scarpinella Bueno, Código, p. 1.398; Fux, Curso, p. 792.

81 Marinoni-Arenhart, Manual, p. 413-414; Dinamarco, Instituições, n. 945, p. 280.

82 Novelino, Direito, n. 11.6.4.2.1, p. 237-238.

83 STF, Tribunal Pleno, rel. Min. Ellen Gracie, j. 31.05.2006, DJ 01.09.2006, p. 16.

84 Informativo 445/STJ, 1.ª Turma, REsp 1.107.219-SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 02.09.2010.

85 Informativo 445/STJ, 2.ª Turma, REsp 967.375-RJ, rel. Min. Eliana Calmon, j. 02.09.2010.

86 Dinamarco, Instituições, n. 946, p. 280-283; Arruda Alvim, Manual, n. 301, p. 554-555; Scarpinella Bueno, Código, p. 1.399; Theodoro Jr., Curso, n. 496-a, p. 577; STJ, REsp 746.622/PB, 3.ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.09.2006, DJ 23.10.2006, p. 309.

87 STF, RE 372.535 AgR-ED/SP, Primeira Turma, rel. Min. Carlos Britto, j. 09.10.2007, DJe 65, 11.04.2008.

88 Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 295.

89 Nery-Nery, Código, p. 669.

90 Marinoni-Arenhart, Manual, p. 413; Costa Machado, Código, p. 468. Informativo 504/STJ, 4.ª Turma, REsp 1.294.166-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 18.09.2012; STJ, 2.ª Turma, REsp 988.870/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 27.11.2007, DJ 10.12.2007; STJ, 1.ª Turma, REsp 784.159/SC, Rel. Min. Denise Arruda, j. 17.10.2006, DJ 07.11.2006.

91 Bedaque, Apelação, n. 2.1, p. 450-451; STJ, 1.ª Turma, REsp 796.296/MA, rel. Min. José Delgado, j. 04.05.2006, DJ 29.05.2006.

92 Scarpinella Bueno, Código, p. 1.399; STJ, 3.ª Seção, AR 682/RJ, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 28.03.2008, DJ 06.05.2008.

93 REsp 629.001/SP, 4.ª Turma, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 17.10.2006, DJ 11.12.2006; REsp 612.529, 3.ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 03.03.2005, DJ 16.05.2005.

94 Súmula 326/STJ.

95 Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 295.

96 Dinamarco, Capítulos, n. 39, p. 87-88; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 413; Humberto Theodoro Jr., Curso, n. 469-a, p. 577; Scarpinella Bueno, Código, p. 1.399; Costa Machado, Código, p. 468; STJ, 3.ª Turma, EDcl no REsp 756.885/RJ, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 07.02.2008, DJ 03.03.2008; STJ, 3.ª Turma, AgRg no Ag 512.887/RJ, rel. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 16.12.2003, DJ 29.03.2004.

97 Dinamarco, Instituições, n. 940, p. 275.

98 Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 295.

99 Nery-Nery, Código, p. 669.

100 Theodoro Jr., Curso, n. 496-a, p. 578.

101 Wambier, Nulidades, p. 308.

102 Dinamarco, Capítulos, n. 40, p. 90-91; Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 291-292. Contra: Fux, Curso, p. 793.

103 REsp 686.961/RJ, 2.ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, j. 04.04.2006, DJ 16.05.2006; REsp 756844/SC, 5.ª Turma, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 15.09.2005, DJ 17.10.2005; AgRG no Ag 512.887/RJ, 3.ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 16.12.2003, DJ 29.03.2004.

104 Dinamarco, Capítulos, n. 40, p. 90.

105 AR 687/SE, 3.ª Seção, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 28.03.2008, DJ 29.05.2008; AgRg no REsp 413.786/RS, 6.ª Turma, rel. Min. Paulo Medina, j. 31.08.2005, DJ 24.10.2005.

106 STJ, 1.ª Turma, REsp 439.863/RO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, rel. p/ acórdão Min. José Delgado, j. 09.12.2003, DJ 15.03.2004, p. 155.

107 STJ, 4.ª Turma, REsp 500.182/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 03.09.2009, DJe 21.09.2009; STJ, 1.ª Turma, AgRg no REsp 910.336/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 17.03.2009, DJe 30.03.2009.

108 Dinamarco, Instituições, n. 1.226, p. 663.

109 Dinamarco, Instituições, n. 1.226, p. 665.

110 Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 278; Câmara, Lições, v. 1, p. 434.

111 Dinamarco, Instituições, n. 1.226, p. 665-669; Câmara, Lições, v. 1, p. 435-437; Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 280-281.