Sumário: 19.1. Introdução – 19.2. Objeto imediato do recurso – 19.3. Fundamentação recursal (causa de pedir) – 19.4. Abrangência da matéria impugnada – 19.5. Independência ou subordinação.
A tarefa de classificar um instituto jurídico como o recurso pode se mostrar interminável, porque haverá tantas classificações quantos forem os critérios adotados. Ao que parece, são apenas quatro critérios – e consequentemente quatro classificações – mais importantes que merecem comentário.
No tocante ao objeto imediato, os recursos se dividem em recursos ordinários e extraordinários, nomenclatura que não se mostra feliz em virtude da existência, em nosso ordenamento processual, de recursos específicos com tais nomes. De qualquer forma, trata-se de nomenclatura consagrada pela doutrina, razão pela qual será mantida.
Recursos que têm como objeto imediato a proteção e a preservação da boa aplicação do Direito são chamados de recursos extraordinários. Essa espécie de recurso é prevista no ordenamento processual com o objetivo de viabilizar no caso concreto uma melhor aplicação da lei federal e constitucional, permitindo que por meio deles se preservem tais normas legais. O objetivo, como se nota, não é a proteção do direito subjetivo da parte no caso concreto, mas a proteção do direito objetivo, entendendo-se a sua preservação como significativa para toda a sociedade, e não só para a parte sucumbente. É natural que, nesse caso, o recurso servirá mediatamente ao recorrente, porque o seu provimento o beneficiará, mas o importante é lembrar que não é esse o objetivo do legislador ao prevê-los, sendo essa vantagem obtida pelo recorrente mera consequência prática verificada no caso concreto1. São somente três os recursos extraordinários: recurso especial, recurso extraordinário e embargos de divergência2.
Sempre que o objetivo do legislador não consistir em preservar o ordenamento jurídico, ou ainda, o direito objetivo, mas proteger o interesse particular da parte (direito subjetivo) no caso concreto, o recurso será classificado como ordinário. Em regra, o recurso é ordinário, sendo que todos os recursos com previsão legal que não sejam extraordinários são considerados como ordinários. É evidente que, nesses casos, também se obterá uma preservação do direito objetivo por meio de uma melhor aplicação da lei, mas essa é uma mera consequência do provimento do recurso, cuja existência se justifica na proteção do direito subjetivo da parte.
Em decorrência do princípio da dialeticidade, todo o recurso deverá ser devidamente fundamentando, expondo o recorrente os motivos pelos quais ataca a decisão impugnada e justificando seu pedido de anulação, reforma, esclarecimento ou integração. Trata-se, na realidade, da causa de pedir recursal. A amplitude das matérias dessa fundamentação divide os recursos entre aqueles que têm fundamentação vinculada e os que têm fundamentação livre.
Nos recursos de fundamentação vinculada o recorrente não poderá alegar qualquer matéria que desejar, estando sua fundamentação vinculada às matérias expressamente previstas em lei. O rol de matérias alegáveis em tais recursos é exaustivo, e o desrespeito a essa exigência legal acarretará a inadmissibilidade do recurso por irregularidade formal3. Essa espécie de recurso é excepcional, havendo somente três: recurso especial, recurso extraordinário e embargos de declaração4, ainda que nesse último caso o Superior Tribunal de Justiça venha admitindo de forma excepcional, limitada a situações teratológicas, os embargos de declaração com efeitos infringentes, nos quais a fundamentação não estará vinculada às hipóteses legais da omissão, obscuridade e contradição. O tema é aprofundado no Capítulo 27, item 27.7.2.
A regra é o recurso ter fundamentação livre, o que significa ampla liberdade ao recorrente no tocante às matérias a serem alegadas em sua fundamentação recursal. É natural que, apesar de não existirem limitações legais a priori, como ocorre nos recursos de fundamentação vinculada, haverá sempre no caso concreto uma limitação lógica e jurídica, porque o recorrente não terá interesse em alegar toda e qualquer matéria, mas somente aquela aplicável ao caso sub judice. Ademais, será obrigado a respeitar os limites objetivos da demanda e o sistema de preclusões. Essa obviedade, inclusive, se verifica até mesmo nos recursos de fundamentação vinculada, já que não tem sentido se imaginar que o recorrente alegará, necessariamente, todas as matérias que a lei prevê, mas somente aquelas que interessam no caso concreto.
Registre-se, por fim, que os embargos infringentes são recursos de fundamentação livre5, porque as matérias a serem alegadas nesse recurso não vêm predeterminadas em lei. Ainda que o desacordo seja parcial, o que fixará os limites da devolução do recurso, a fundamentação será livre, sendo inclusive admissível ao embargante lançar mão de fundamentos que tenham sido rejeitados de forma unânime. A fundamentação, portanto, não estará definida por limites previstos em lei, sendo a natural limitação decorrência da extensão e profundidade do efeito devolutivo, de forma que o recurso é de fundamentação livre.
Segundo tradicional regra do direito pátrio, o objeto do recurso será limitado pela decisão recorrida, não podendo extrapolá-lo. A exceção atualmente fica por conta do disposto no art. 515, § 3°, do CPC, que permite ao Tribunal, no julgamento de apelação contra sentença terminativa (art. 267 do CPC), conhecer imediatamente o mérito da ação ainda que tal matéria não tenha sido enfrentada em primeiro grau de jurisdição, desde que preenchidos os requisitos legais. De qualquer forma, a regra continua a ser aquela que condiciona o Tribunal em sede recursal a somente se manifestar a respeito de matérias que tenham sido decididas no pronunciamento impugnado.
São chamados de recursos totais os recursos que têm por objeto a integralidade da parcela da decisão que tenha gerado sucumbência à parte recorrente, enquanto os recursos parciais são aqueles nos quais somente uma parcela da decisão que gerou a sucumbência da parte recorrente é objeto do recurso. Utilizando-se a ideia de capítulos de sentença, que pode na verdade ser aplicada para qualquer espécie de decisão, o recurso total é aquele que impugna a totalidade dos capítulos da decisão que geraram sucumbência à parte, enquanto o recurso parcial é aquele no qual somente um, ou alguns dos capítulos que geraram sucumbência são objeto do recurso, havendo no caso concreto capítulo que, apesar de gerar sucumbência à parte, não é objeto de impugnação.
Registre-se que recurso total não significa recurso que tenha como objeto a integralidade da decisão impugnada, porque havendo uma parcial procedência da pretensão, haverá parcela da decisão para a qual faltará à parte vitoriosa interesse recursal6. O que determina ser um recurso total ou parcial não é a identidade plena entre o objeto do recurso e da decisão impugnada, mas a identidade do objeto recursal com a sucumbência gerada pela decisão impugnada.
Fernanda requer a condenação de Carlos ao pagamento de dano moral, lucros cessantes e danos emergentes, sendo que na sentença somente é acolhido o primeiro pedido. Será total a apelação interposta por Fernanda que tiver como objeto os lucros cessantes e os danos emergentes, embora não tenha o recurso uma identidade plena com o objeto da decisão impugnada. Será parcial o recurso na hipótese da apelação versar somente a respeito dos lucros cessantes ou somente a respeito dos danos emergentes.
Recurso independente é aquele oferecido pela parte dentro do prazo recursal sem importar a postura adotada pela parte contrária diante da decisão impugnada. Recurso subordinado é aquele interposto no prazo de contrarrazões de recurso apresentado pela parte contrária, motivado não pela vontade originária de impugnar a decisão, mas como contraposição ao recurso oferecido pela outra parte. O recurso independente condiciona-se exclusivamente ao preenchimento de seus próprios pressupostos de admissibilidade para que seja decidido no mérito, enquanto o recurso subordinado está condicionado ao conhecimento do recurso independente e ao preenchimento de seus próprios pressupostos de admissibilidade para que seja decidido no mérito.
Apesar da impropriedade da nomenclatura, é tradicional a doutrina se referir ao recurso independente como recurso principal e ao recurso subordinado como recurso adesivo7, havendo expressa previsão dessa segunda espécie de recurso no art. 500 do CPC. É importante consignar que o recurso adesivo não é uma espécie recursal, mas tão somente um recurso interposto de forma diferenciada8 e com um pressuposto de admissibilidade particular, também presente no agravo retido (conhecimento do recurso principal). Dessa forma, os recursos de apelação, embargos infringentes, recurso especial e extraordinário poderão ser oferecidos pela forma independente – principal – ou subordinada – adesiva. Constata-se, portanto, que os pressupostos processuais genéricos e específicos são os mesmos nas duas formas de interposição: se o recurso principal exige preparo, também se exigirá do adesivo; se exige prequestionamento, assim também se exigirá do adesivo etc.
Registre-se que esse tratamento igualitário não se aplica quando existente alguma espécie de prerrogativa ao sujeito que ingressa com o recurso na forma principal. Portanto, não é por que a Fazenda Pública tem o prazo em dobro para recorrer que o particular também o terá para ingressar com recurso adesivo. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o recorrente adesivo não se aproveita de gratuidade concedida exclusivamente ao recorrente principal9.
Existe certa divergência na doutrina a respeito da taxatividade do rol recursal previsto no art. 500, II, do CPC: apelação, embargos infringentes, recurso especial e recurso extraordinário. Ainda que o não cabimento de recurso adesivo seja indubitável no recurso de agravo, existe doutrina que defende seu cabimento na hipótese de recurso ordinário10 e do recurso inominado previsto pelo art. 41, caput, da Lei 9.099/1995 (Juizados Especiais)11. Prefiro o entendimento de que o rol é taxativo, sendo inviável o cabimento de recurso adesivo fora das hipóteses expressamente previstas pela lei12, sendo esse o entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça13.
Para que surja no caso concreto a possibilidade de interposição de recurso adesivo, é indispensável a ocorrência de duas circunstâncias14:
(a) sucumbência recíproca15, de forma que ambas as partes tenham interesse recursal, e
(b) interposição de recurso na forma principal por somente uma das partes, porque o recurso adesivo é destinado para aquele que não pretendia recorrer, o que resta demonstrado por meio da não interposição do recurso na forma principal.
Na realidade, a regra de que o recurso adesivo é instrumento exclusivo da parte que não quer recorrer determina que mesmo tendo sido interposto recurso principal viciado no aspecto formal, motivo para sua inadmissibilidade, não se admitirá o recurso adesivo16. O Superior Tribunal de Justiça entende inaplicável o princípio da fungibilidade para receber o recurso principal intempestivo como recurso adesivo17. Também não cabe recurso adesivo na hipótese de interposição de recurso principal parcial, não podendo a parte se valer de recurso adesivo para complementar o recurso interposto de forma principal18. Em ambos os casos é inequívoca a vontade da parte em recorrer de forma principal, sendo incabível o recurso adesivo, forma procedimental de interposição de recurso limitada à parte que demonstrou não pretender impugnar a decisão ao deixar de ingressar com recurso.
Segundo o art. 500, caput, do CPC, interposto o recurso principal pelo autor ou réu, a outra parte terá legitimidade para a interposição do recurso adesivo. A redação do dispositivo legal mencionado suscita dúvidas a respeito da legitimidade ativa e passiva do recurso adesivo. Para parcela da doutrina, a interpretação restritiva do dispositivo legal é a preferível, não se admitindo o recurso adesivo interposto pelo terceiro prejudicado ou pelo Ministério Público quando participa do processo como fiscal da lei19. Da mesma forma, mais uma vez interpretando-se restritivamente o dispositivo legal, não pode o autor e/ou réu interpor recurso adesivo diante de recurso principal interposto pelo terceiro prejudicado ou o Ministério Público quando atua como fiscal da lei20.
Ainda quanto à legitimação, interessante questão se coloca na hipótese de litisconsórcio. Sendo unitário, qualquer dos litisconsortes recorridos tem legitimidade para o oferecimento do recurso adesivo. Sendo simples, só terá legitimidade o litisconsorte que figurar no recurso principal como recorrido, isto é, não pode recorrer adesivamente em relação a recurso principal que tenha por objeto matéria que não lhe diga respeito21.
Havendo a interposição de recurso na forma principal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões a esse recurso. Nesse momento procedimental poderá, além de responder o recurso já interposto, ingressar com o recurso adesivo, desde que, é claro, exista interesse recursal (sucumbência recíproca). É admissível a apresentação de contrarrazões e de recurso adesivo em momentos distintos, desde que apresentados dentro do prazo de 15 dias22 (todos os recursos que podem ser oferecidos de forma adesiva tem prazo de contrarrazões de 15 dias), também se admitindo que sejam elaborados numa mesma peça processual, desde que preencha os requisitos formais de ambos os atos (contrarrazões e recurso adesivo)23. No tocante ao Ministério Público e à Fazenda Pública, que têm o prazo em dobro para recorrer (art. 188 do CPC) e prazo simples para contra-arrazoar, a natureza recursal do recurso adesivo permite a conclusão de que seu prazo será em dobro24, de forma que as contrarrazões devem ser apresentadas em 15 dias e o recurso adesivo em 30 dias.
Como já afirmado, o julgamento do recurso adesivo está condicionado ao conhecimento do recurso principal, ou seja, ao julgamento de mérito desse recurso. É natural que, conhecido e julgado em seu mérito o recurso principal, o recurso adesivo pode não ser conhecido, bastando para tanto o tribunal considerá-lo inadmissível25. Mesmo a desistência do recorrente principal torna prejudicado o recurso adesivo, de forma que não haverá sua análise pelo tribunal. Excepcional hipótese ocorrerá se a desistência for fruto de má-fé, quando o tribunal poderá acolher a desistência, deixando de julgar o recurso principal, mas ainda assim julgar o recurso adesivo. Basta imaginar o autor que pede, por exemplo, R$ 100,00, recebe R$ 2,00, e só o réu apela da sentença pleiteando a improcedência do pedido, enquanto o autor recorre adesivamente para majorar o valor da condenação para R$ 100,00. O recorrente principal, ciente da demora no julgamento da apelação, espera até a iminência de tal julgamento para desistir da demanda. Com essa postura desleal, impede o autor de executar os R$ 2,00 que recebeu, e não corre o risco de ver aumentada sua condenação. Toda má-fé deve ser repelida fortemente pelos tribunais, única forma de se evitar que o processo torne-se uma “terra de ninguém”.
A única novidade do PLNCPC no tocante ao recurso adesivo é a modificação de suas hipóteses de cabimento, atualmente previstas no art. 500, II, do CPC. Como no projeto não há previsão de embargos infringentes, coerentemente esse recurso não é mais considerado nas hipóteses de cabimento do recurso adesivo, que segundo o art. 951, parágrafo único, II, do PLNCPC, fica limitado a apelação, recurso especial e extraordinário.
1 Araken de Assis, Manual, n. 3.1, p. 53.
2 Cheim Jorge, Teoria, p. 33; Greco Filho, Direito, n. 60, p. 301.
3 Barbosa Moreira, Comentários, n. 142, p. 253.
4 Araken de Assis, Manual, n. 3.2, p. 54; Cheim Jorge, Teoria, p. 34; Didier-Cunha, Curso, p. 31.
5 Araken de Assis, Manual, n. 3.2, p. 54; Cheim Jorge, Teoria, p. 35.
6 Barbosa Moreira, O novo, p. 115; Didier-Cunha, Curso, p. 30-31.
7 Araken de Assis, Manual, n. 3.3.1, p. 56-57.
8 Barbosa Moreira, Comentários, n. 172, p. 316; Araken de Assis, Manual, n. 3.3.2, p. 57; Cheim Jorge, p. 287; Greco Filho, Direito, n. 64, p. 319-320.
9 Informativo 458/STJ: 4.ª Turma, REsp 912.336/SC, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 02.12.2010.
10 Barbosa Moreira, Comentários, n. 173, p. 317 e Didier-Cunha, Curso, p. 86, no tocante ao art. 539, II, do CPC.
11 Cheim Jorge, Teoria, p. 296. Contra: Enunciado 88/FONAJE e Enunciado 59/FONAJEF.
12 Araken de Assis, Manual, n. 3.3.3.1.2, pp. 59-60; Theodoro Jr., Curso, n. 540, p. 648; Pimentel Souza, Introdução, n. 5.1, p. 128.
13 STJ, AgRg nos EREsp 611.395/MG, Corte Especial, rel. Min. Gilson Dipp, j. 07.06.2006, DJ 11.08.2006, p. 333.
14 Araken de Assis, Manual, n. 3.3.3, p. 58-59; Cheim Jorge, Teoria, p. 291.
15 Admitindo recurso adesivo da parte vencedora para aumento da verba honorária: Informativo 363, 4.ª T., REsp. 1.056.985-RS, rel. Aldir Passarinho Jr., j. 12.08.2008.
16 Araken de Assis, Manual, n. 3.3.3.3, p. 62; Didier-Cunha, Curso, p. 91. STJ, REsp 739.632/RS, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 15.05.2007, DJ 11.06.2007.
17 STJ, REsp 867.042/AL, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 17.06.2008, DJe 07.08.2008.
18 Cheim Jorge, Teoria, p. 313; Nery Jr., Teoria, n. 2.11, p. 194.
19 Theodoro Jr., Curso, n. 540, p. 648; Pimentel Souza, Introdução, n. 5.1, p. 131; Cheim Jorge, Teoria, p. 300-301; Araken de Assis, Manual, n. 3.3.3.2, p. 60-61.
20 Barbosa Moreira, Comentários, n. 174, p. 319; Pimentel Souza, Introdução, n. 5.1, p. 131; Didier-Cunha, Curso, p. 88. Contra: Cheim Jorge, Teoria, p. 301-302; Araken de Assis, Manual, n. 3.3.3.2, p. 61.
21 Cheim Jorge, Teoria, p. 298-299; Barbosa Moreira, Comentários, n. 174, p. 319.
22 Araken de Assis, Manual, n. 3.3.3.4, p. 62; Barbosa Moreira, Comentários, n. 176, p. 322.
23 Barbosa Moreira, Comentários, n. 177, p. 325.
24 STJ, EDcl no REsp 171.543/RS, 2ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 16.06.2000, DJ 14.08.2000, p. 159; Araken de Assis, Manual, n. 3.3.3.4, p. 62; Barbosa Moreira, Comentários, n. 176, p. 323.
25 Barbosa Moreira, Comentários, n. 178, p. 327.