Vinheta

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

Sumário: 32.1. Introdução – 32.2. Cabimento: 32.2.1. Acórdão embargado; 32.2.2. Acórdão paradigma.

32.1. INTRODUÇÃO

Os embargos de divergência estão previstos no art. 496, VIII, do CPC, havendo um único dispositivo no diploma processual a tratar desse recurso. O art. 546 do CPC prevê em seus incisos as hipóteses de cabimento dos embargos de divergência, enquanto em seu parágrafo único encontra-se a previsão de que o seu procedimento será regulado por normas do regimento interno do tribunal competente para julgá-lo. As poucas informações dadas pelo solitário dispositivo que trata dos embargos de divergência são suficientes para a doutrina perceber que o objetivo desse recurso é a uniformização da jurisprudência interna do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

32.2. CABIMENTO

Tratando-se de recurso voltado à uniformização da jurisprudência interna do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, é indispensável que exista nos embargos de divergência uma comparação entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma, considerando-se que dessa análise comparativa será verificada a efetiva existência da divergência a permitir o cabimento do recurso ora analisado. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que não se admite embargos de divergência na ausência de similitude fática entre os arestos paradigma e embargado1.

Como o objetivo é a uniformização jurisprudencial, é natural que se exija entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma uma similitude fática, porque, sem o preenchimento desse requisito, se buscará a uniformização de situações fático-jurídicas distintas2. Em outra forma procedimental, pela qual se busca a uniformização jurisprudencial, o recurso especial fundado no art. 105, III, “c”, da CF, essa mesma realidade se repete, sendo exigida a similitude fática entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma3.

Nesse sentido, julgamento do Superior Tribunal de Justiça que entendeu pelo não cabimento de embargos de divergência, porque, apesar de ambos os acórdãos – recorrido e paradigma – tratarem de dano moral, em um deles o dano foi gerado por acidente do trabalho e no outro por exoneração de servidor público4. O mesmo Tribunal sumulou o entendimento de que não cabe o recurso ora analisado para discutir valor de indenização por danos morais, justamente em razão das diferenças entre as situações fáticas5.

É preciso registrar, entretanto, conforme já corretamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça6, que deve ser conhecido o recurso quando a divergência recair sobre questão de direito processual civil, mesmo que não haja similitude fática entre os pressupostos de fato do processo. A decisão, na realidade, não afasta o entendimento consagrado pela exigência da similitude fática nos embargos de divergência, mas lembra com propriedade que, nas questões processuais, essa similitude é dispensável. Naturalmente, deve-se tratar da mesma questão processual, que deverá ser aplicada de forma distinta, independentemente de diferenças fáticas existentes entre as demandas decididas pelo acórdão recorrido e o paradigma. Por exemplo, se numa hipótese é admitida uma complementação de preparo em apelação e noutra não, é irrelevante que o primeiro processo tenha como objeto uma rescisão contratual e o segundo, um divórcio.

No mérito, caberá ao tribunal determinar qual o melhor entendimento. Tomando-se por base a análise do julgamento embargado e do julgamento paradigma, enfrentar-se-ão as duas hipóteses de cabimento previstas pelo art. 546 do CPC.

Diz o art. 546, I, do CPC que é embargável o acórdão da turma em julgamento de recurso especial que divergir do julgamento de outra turma, seção ou órgão especial. Naturalmente o dispositivo mencionado diz respeito aos embargos de divergência perante o Superior Tribunal de Justiça. O art. 546, II, do CPC prevê ser embargável a decisão da turma em julgamento de recurso extraordinário que divergir do julgamento de outra turma ou do plenário. Naturalmente o dispositivo mencionado diz respeito aos embargos de divergência perante o Supremo Tribunal Federal.

Registre-se que, além dos requisitos exigidos por lei quanto ao acórdão recorrido e ao acórdão paradigma, a divergência, que será objeto do recurso de embargos de divergência, deve necessariamente ser atual7. Havendo acórdão com entendimento que já foi superado pela jurisprudência do tribunal, não é cabível o recurso de embargos de divergência. Além de a divergência ser atual, deverá ser demonstrada de forma analítica pelo recorrente, exigindo-se no recurso a comparação pontual entre os trechos do acórdão recorrido e do acórdão paradigma8, admitindo-se a dispensa da comparação diante de dissídio notório9.

Por fim, cumpre ressaltar a inviabilidade da aplicação do art. 462 do CPC ao recurso de embargos de divergência, não se admitindo, portanto, a alegação de fatos novos nesse recurso10.

32.2.1. Acórdão embargado

Sob o ângulo do julgamento recorrido, exige-se um acórdão proferido pela turma no julgamento de recurso especial ou extraordinário, não sendo correta a criação de limitações que a própria lei não menciona. Dessa forma, o acórdão pode ter sido proferido por unanimidade ou por maioria de votos, ter como objeto questões preliminares ou relativas ao mérito, bem como pode tratar de matéria de direito processual ou material. Também pouco importa o acórdão recorrido ter como objeto o não conhecimento ou o julgamento do mérito do recurso extraordinário ou especial11. Quando o recurso especial ou extraordinário é julgado em decorrência do agravo do art. 544 do CPC, é cabível embargos de divergência, mas desde que o mérito desses recursos não tenha sido enfrentado12.

A expressa previsão legal de que o acórdão recorrido tenha sido proferido em recurso especial ou extraordinário impede a propositura dos embargos de divergência contra acórdão proferido em ação de competência originária13, acórdão proferido em grau de recurso ordinário e acórdão de agravo do art. 544 do CPC em que não se julga o mérito do recurso especial ou extraordinário. A expressa previsão de que somente a decisão da turma é embargável (art. 546, caput, do CPC) afasta o cabimento dos embargos de divergência contra acórdão da Seção, Corte Especial e Tribunal Pleno.

Ocorre, entretanto, que em algumas situações excepcionais deve ser admitido o recurso de embargos de divergência contra acórdão que não julgará propriamente um recurso especial ou extraordinário, mas outro recurso interposto contra a decisão que julgou o recurso especial. É o caso dos embargos de declaração, que poderão ser interpostos contra o acórdão do recurso especial ou extraordinário e, uma vez decididos, será gerado um novo acórdão, passível de ser recorrido por embargos de divergência14. O mesmo se verifica com o julgamento monocrático do recurso especial ou extraordinário pelo relator (art. 557 do CPC), sendo cabível contra essa decisão monocrática o recurso de agravo interno15. O acórdão que decide esse agravo interno é recorrível por embargos de divergência, conforme o enunciado da Súmula 316 do Superior Tribunal de Justiça.

32.2.2. Acórdão paradigma

Diferente da exigência quanto ao acórdão recorrido, com as exceções já analisadas dos embargos de declaração e agravo interno, o julgamento paradigma não precisa ter sido proferido em recurso especial ou extraordinário, bastando que tenha sido uma decisão colegiada16. Dessa forma, mesmo o julgamento de uma ação de competência originária ou de recurso ordinário, poderá servir como acórdão paradigma, desde que contenha entendimento contrário ao existente no acórdão recorrido. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, entende que o acórdão paradigma não pode ser de recurso ordinário constitucional em mandado de segurança em razão da limitação do âmbito de cognição dessa ação em razão de sua natureza de procedimento documental17.

Como os embargos de divergência têm como escopo a uniformização da jurisprudência interna, não se pode admitir que o acórdão paradigma seja proveniente de tribunal diferente daquele que proferiu o acórdão embargado, não se admitindo nem mesmo acórdãos proferidos pelo extinto Tribunal Federal de Recursos18. Também não é cabível o recurso de embargos de divergência com fundamento em acórdão paradigma proferido por outro tribunal que tinha no passado competência para a matéria atualmente analisada pelo tribunal competente para o julgamento do recurso, como ocorreu com a Emenda Constitucional 45/2004 no tocante aos arts. 102, III, d, e 105, III, c, ambos da CF.

Há interessante questionamento a respeito do cabimento dos embargos de divergência na hipótese de discordância entre julgados da mesma turma. A literalidade do dispositivo legal já seria o suficiente para afastar tal cabimento, inclusive encontrando-se esse entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça19. Ocorre, entretanto, que parcela da doutrina entende que essa súmula não pode ser aplicada quando constada uma modificação substancial da composição da turma20. Na jurisprudência o tema é polêmico, havendo decisões em ambos os sentidos no Superior Tribunal de Justiça21, enquanto no Supremo Tribunal Federal o entendimento encontra-se pacificado pelo não cabimento22.

O cabimento dos embargos de divergência é significativamente modificado no PLNCPC. O art. 997 prevê seis hipóteses de cabimento, admitindo-se embargos de divergência contra (a) decisão de mérito no recurso especial ou extraordinário, quando o paradigma também tiver resolvido o mérito; (b) decisão terminativa no recurso especial ou extraordinário, quando o paradigma não tiver resolvido o mérito; (c) decisão terminativa que tenha apreciado a controvérsia com paradigma que tenha julgado o mérito; (d) decisão de mérito, quando o paradigma for terminativo, mas tiver apreciado a controvérsia; (e) nas causas de competência originária; (f) entre acórdão de recurso e de ação de competência originária que versem sobre a mesma tese jurídica.

Em termos procedimentais, o art. 998, caput, do PLNCPC mantém a regra atualmente consagrada no art. 546, parágrafo único, do CPC, sendo novidade a regra consagrada no § 2.º do mesmo dispositivo, segundo a qual, na pendência de embargos de divergência contra decisão proferida em sede de recurso especial, suspende-se o prazo para interposição de recurso extraordinário.


1 Informativo 494/STJ, 2.ª Seção, EREsp 419.059-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 11.04.2012; Informativo 421/STJ: Corte Especial, AgRg nos EREsp 997.056-RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 03.02.2010.

2 STJ, 3.ª Seção, AgRg nos EREsp 975.111/RS, Rel. Min. Vasco Della Giustina, 26.10.2011, DJe 30.11.2011.

3 STJ, 2.ª Turma, AgRg no Ag 1.417.809/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, 25.10.2011, DJe 28.10.2011.

4 STJ, 1.ª Turma, AgRg nos EREsp 997.056-RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 03.02.2010.

5 Súmula 420/STJ.

6 Informativo 490/STJ: 2.ª Seção, EREsp 595.742-SC, Rel. originário Min. Massami Uyeda, Rel. para o acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, j. 14.12.2011.

7 Súmulas 168 do STJ e 247 do STF.

8 Nery-Nery, Comentários, nota 6 ao art. 546, p. 949; Theodoro Jr., Curso, 576-e, p. 730; Didier-Cunha, Curso, p. 337-338; STJ, 1.ª Seção, AgRg no EREsp 507.120/CE, rel. Min. Luiz Fux, j. 27.04.2005, DJ 30.05.2005.

9 Informativo 419/STJ, Corte Especial, EREsp 961.407/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 10.12.2009.

10 Informativo 453/STJ, 2.ª Seção, EREsp 722.501-SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27.10.2010.

11 Barbosa Moreira, Comentários, 337, p. 622.

12 Informativo 467/STJ: 1.ª Seção, EAg 1.114.832/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 23.03.2011.

13 Informativo 504/STJ, 3.ª Seção, EREsp 998.249-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 12.09.2012.

14 Araken de Assis, Manual, 99.1, p. 817.

15 Informativo 452/STJ, Corte Especial, EAg 1.132.430-SC, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 20.10.2010; Nery-Nery, Comentários, nota 2 ao art. 546, p. 949.

16 Não admitindo que o acórdão paradigma seja proferido em agravo regimental: STF, Tribunal Pleno, RE 112.146/RN, rel. Min. Octávio Gallotti, j. 14.06.2000, DJ 29.09.2000.

17 STJ, AgRg no REsp 893.453/MS, 5ª Turma, rel. Felix Fischer, j. 10.04.2007, DJ 04.06.2007, p. 424.

18 Pimentel Souza, Introdução, 14.2.2., p. 388.

19 Súmula 158 do STJ; Informativo 457/STJ, 2.ª Seção, EREsp 798.264-SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24.11.2010.

20 Araken de Assis, Manual, 99.2., p. 819.

21 Pelo cabimento: STJ, 5.ª Turma, REsp 829.992/DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 13.12.2007, DJ 07.02.2008; STJ, 1.ª Seção, AgRg no EREsp 442.774/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 14.06.2006, DJ 21.08.2006; STJ, 3.ª Seção, EREsp 255.378/SC, rel. Min. Paulo Gallotti, j. 28.04.2004, DJ 13.09.2004. Contra: I457/STJ, 2.ª Seção, EREsp 798.264/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24.11.2010.

22 RE 355.796 AgR-ED-EDv-AgR/PR, AgRg. nos Emb.Div nos EDcl no AgRg no RE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 23.02.2011, Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação, DJe 051, divulg. 17.03.2011, publ.