Sumário: 34.1. Introdução – 34.2. Processo autônomo de execução e fase procedimental executiva – 34.3. Execução por sub-rogação (direta) e por coerção (indireta).
O sistema processual pátrio entende a execução como um conjunto de meios materiais previstos em lei, à disposição do juízo, visando à satisfação do direito. Esses atos materiais executivos podem ser praticados de diferentes maneiras, sendo por isso possível, a depender do critério adotado, distinguir as diferentes modalidades de execução. Assim, por exemplo, as diferentes espécies de execução que adotam como critério a natureza da obrigação exequenda: fazer/não fazer; entregar e pagar, sendo essa matéria enfrentada em capítulos próprios.
Numa fase introdutória da análise do tema, parece relevante o enfrentamento da execução tomando-se por base dois critérios distintos: a autonomia (processo autônomo de execução e fase procedimental executiva) e os meios executórios (execução por coerção psicológica e execução por sub-rogação).
É preciso afirmar, primeiramente, que toda a análise entre execução autônoma e fase executiva só tem sentido no tratamento da execução dos títulos executivos judiciais, considerando-se que no tocante à execução de títulos extrajudiciais será sempre necessária a instauração de um processo autônomo de execução. É no tocante à execução do título executivo judicial que o direito brasileiro ingressou recentemente em uma nova era, que demanda breves explicações históricas para determinar de onde viemos, aonde chegamos e por que aí chegamos.
Tradicionalmente, o direito brasileiro exigia para a execução de títulos executivos judiciais um processo autônomo, de forma que a parte, após a obtenção do título executivo no processo de conhecimento, via-se obrigada a propor um novo processo, agora de natureza satisfativa. A era da autonomia exigia a existência de dois processos distintos e sucessivos: primeiro se declarava o direito e se condenava o réu ao cumprimento de uma obrigação (processo de conhecimento) e, posteriormente, se buscava a satisfação da obrigação (processo de execução).
A lição tradicional ensina que o processo de execução se desenvolve de forma autônoma, constituindo um ente à parte dos processos de conhecimento e cautelar. Entendia-se, portanto, que o processo de execução não poderia ser considerado como mero ciclo final do processo de conhecimento. A justificativa para a autonomia do processo executivo como inicialmente imaginado pelos doutrinadores que trataram do tema encontrava-se alicerçada em duas justificativas fundamentais:
(a) a diversidade de atividades jurisdicionais (no processo de conhecimento são desenvolvidas atividades cognitivas; enquanto no processo de execução são praticadas atividades práticas e materiais); e
(b) os diferentes objetivos traçados para cada uma dessas atividades na solução de diferentes espécies de crises jurídicas (no processo de conhecimento objetiva-se reconhecer o direito do autor e, dependendo do caso, constituir uma nova relação jurídica ou condenar o réu; no processo de execução objetiva-se satisfazer o direito do exequente)1.
Ainda se mencionava a formação de uma nova relação jurídica processual, independente e porventura diferente daquela formada no processo de conhecimento.
É importante observar que, mesmo na era da autonomia das ações, excepcionalmente já existia a agora chamada “ação sincrética”, consubstanciada em um processo com duas fases procedimentais sucessivas: a primeira de conhecimento e a segunda de execução. Sempre foram – e continuam sendo – sincréticas as ações possessórias e as ações de despejo, por exemplo, nas quais a satisfação da sentença sempre foi – e continua sendo – realizada por meio de uma mera fase procedimental. Mas a possibilidade de execução sem a necessidade de processo autônomo sempre foi vista com reservas, sendo restrita a pouquíssimas espécies de procedimento.
Em 1990, o art. 84 do CDC passou a prever ações sincréticas para as demandas coletivas que tenham como objeto a condenação do réu ao cumprimento de uma obrigação de fazer/não fazer, no que foi acompanhado quatro anos mais tarde pelo art. 461 do CPC, responsável pela previsão de tutela da mesma espécie de obrigação no âmbito do processo individual. Significa dizer que a partir de 1994 todas as ações que tenham como objeto uma obrigação de fazer/não fazer passaram a não mais ser regidas pelo sistema de autonomia das ações, passando a serem todas elas consideradas “ações sincréticas”.
Também é do ano de 1994 a inclusão em nosso sistema do instituto da tutela antecipada (art. 273 do CPC), que permite uma execução das decisões que a concedem independentemente de processo autônomo de execução, conforme analisado no Capítulo 51, item 51.13. A não aplicação da teoria da autonomia das ações à tutela antecipada ficou clara quando o legislador preferiu utilizar o termo “efetivação” em vez de “execução” no art. 273, § 3.º, do CPC, caracterizando uma tentativa semântica para afastar o instituto processual do processo autônomo da execução.
No ano de 1995 a Lei 9.099, que regulamentou o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais, aboliu o processo de execução de títulos executivos judiciais, tornando toda a demanda condenatória em trâmite perante os Juizados uma ação sincrética. Independentemente da natureza da obrigação, qualquer sentença que demande execução passou no sistema dos Juizados a ser executada mediante uma mera fase procedimental subsequente à fase de conhecimento2.
No ano de 2002, com o art. 461-A do CPC incluído pela Lei 10.444, a realidade das ações sincréticas passou a valer também para todas as demandas judiciais que tenham como objeto uma obrigação de entrega de coisa. E, completando o ciclo de mudança de paradigma, no ano de 2005 a Lei 11.232, tornou sincrética a maioria das ações judiciais que tenham como objeto uma obrigação de pagar quantia certa.
Com a alteração legislativa empreendida pela Lei 11.232/2005 e desenvolvida no Capítulo 44, a regra e a exceção se inverteram. Verificando-se na praxe forense as dificuldades criadas pela autonomia do processo de execução, que costuma arrastar ainda mais alguns anos a satisfação do direito, o legislador resolveu definitivamente colocar a técnica de lado ao prever de forma genérica a ideia da ação sincrética, limitando a utilização do processo autônomo de execução tão somente àquelas hipóteses nas quais não é possível a adoção do procedimento de cumprimento de sentença.
A regra de nosso sistema passou a ser a execução imediata, por mera fase procedimental, enquanto somente em situações excepcionais o título executivo será executado por meio de um processo autônomo. Como se nota, a Lei 11.232/2005 não criou as ações sincréticas, sendo na realidade o ato final de uma transformação sistêmica iniciada em 1990. Também não extinguiu o processo autônomo de execução de título judicial3, porque, ainda que excepcionalmente, ele continua a existir.
Parcela doutrinária entende que as execuções especiais não foram objeto de alteração pela Lei 11.232/2005, porque as novas regras procedimentais só modificaram o procedimento comum da execução de título judicial, excluindo-se os procedimentos executivos especiais. O raciocínio é lógico e deve ser adotado, embora com reservas, aplicando-se à execução contra a Fazenda Pública4 e à execução contra o devedor insolvente, que inegavelmente continuam a se desenvolver por meio de processo autônomo de execução. Já no tocante à execução de alimentos, somente se aplica o entendimento naqueles casos em que o procedimento é realmente especial5, de forma que, valendo-se o exequente do procedimento do art. 733 do CPC, com pedido de prisão civil do executado, a execução segue o procedimento especial em processo autônomo. Por outro lado, quando o exequente se vale do art. 732 do CPC, não existe qualquer especialidade procedimental, tratando-se de execução comum de pagar quantia certa; nesse caso aplicam-se as regras do cumprimento de sentença, desenvolvendo-se a execução por meio de mera fase procedimental6.
Há ainda o art. 475-N, parágrafo único, do CPC, que prevê uma especialidade procedimental na execução de três espécies de títulos executivos judiciais: sentença penal condenatória transitada em julgado, homologação de sentença estrangeira e sentença arbitral. Para essas três espécies de títulos executivos judiciais, o legislador prevê a citação do demandado, o que pode levar à equivocada conclusão de que nessas situações estará mantido o processo autônomo de execução com a observação do procedimento comum executivo. Por necessidade material na sentença penal e arbitral e por opção legislativa na homologação de sentença estrangeira, o legislador prevê a necessidade de uma petição inicial e a citação do demandado, o que torna estruturalmente essa execução um processo autônomo.
Ocorre, entretanto, que não é possível aplicar nessas situações o procedimento do processo de execução, sob pena de tornar heterogênea a execução dos títulos judiciais, com a criação de títulos de segunda classe, para os quais a execução tem um procedimento menos favorável ao demandante. Como não parece legítimo nem conveniente tal tratamento heterogêneo, entendo que estruturalmente, com a petição inicial e a citação, estar-se-á diante de um processo autônomo de execução, mas que o procedimento a partir da citação do executado passa a ser de cumprimento de sentença7. Tem-se assim estruturalmente um processo e procedimentalmente um cumprimento de sentença.
Cumpre registrar que cumprimento de sentença, termo utilizado de forma indistinta para a sentença condenatória que tenha como conteúdo uma obrigação de qualquer natureza, é expressão cunhada pelo legislador tão somente com o objetivo de distinguir a fase de satisfação do direito com o processo autônomo de satisfação do direito, chamado de processo de execução. Poderia ter optado por qualquer outro nome, até mesmo fase de satisfação de direito, porque o nome não modificará a substância do instituto processual, que nada mais é do que o tratamento procedimental da forma processual em que se busca a satisfação de um direito já reconhecido em sentença (art. 475-N, I, do CPC)8. De qualquer forma, o termo cumprimento de sentença busca a distinção, inclusive terminológica, com o processo de execução, objetivando evitar indevidas confusões entre os dois fenômenos processuais.
Existem dois meios técnicos para o desenvolvimento da execução, sendo que tradicionalmente o direito brasileiro se vale da execução por sub-rogação, sendo inclusive durante muito tempo entendida essa forma executiva como a única espécie de execução forçada possível. Na execução por sub-rogação, o Estado vence a resistência do executado substituindo sua vontade, com a consequente satisfação do direito do exequente9. Mesmo que o executado não concorde com tal satisfação, o juiz terá à sua disposição determinados atos materiais que, ao substituir a vontade do executado, geram a satisfação do direito. Exemplos classicamente lembrados são a penhora/expropriação; depósito/entrega da coisa; atos materiais que são praticados independentemente da concordância ou resistência do executado.
Na execução indireta, o Estado-juiz não substitui a vontade do executado; pelo contrário, atua de forma a convencê-lo a cumprir sua obrigação, com o que será satisfeito o direito do exequente. O juiz atuará de forma a pressionar psicologicamente o executado para que ele modifique sua vontade originária de ver frustrada a satisfação do direito do exequente10. Sempre que a pressão psicológica funciona, é o próprio executado o responsável pela satisfação do direito; a satisfação será voluntária, decorrente da vontade da parte, mas obviamente não será espontânea, considerando-se que só ocorreu porque foi exercida pelo Estado-juiz uma pressão psicológica sobre o devedor.
Existem duas formas de execução indireta. A primeira consubstancia-se na ameaça de piorar a situação da parte caso não cumpra a obrigação, como ocorre com as astreintes, multa aplicável diante do descumprimento das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, ou ainda com a prisão civil na hipótese do devedor inescusável de alimentos. A segunda forma de execução indireta consubstancia-se na oferta de uma melhora na situação da parte caso ela cumpra sua obrigação, como ocorre no art. 652-A, parágrafo único, do CPC, que prevê um desconto de 50% no valor dos honorários advocatícios no caso de pagamento do valor exequendo no prazo de três dias da citação. Apesar de lições tradicionais de direito estrangeiro, os termos “sanções premiadoras” ou “sanções premiais”11 empregados para designar essa espécie de execução indireta não parecem adequados, porque, apesar de a ideia de prêmio concedido a quem cumpre a obrigação estar correta, não se pode confundir sanção com pressão psicológica.
Na execução de pagar quantia certa é possível a cumulação de medidas de execução indireta e de execução por sub-rogação, ainda que tradicionalmente o procedimento executivo esteja fundado em atos de sub-rogação representados pela penhora e expropriação de bens. Ocorre, entretanto, que conforme já visto, ao menos no processo autônomo de execução, o art. 652-A, parágrafo único, do CPC prevê ato de execução indireta. O que parece não ser possível é a execução indireta por meio da aplicação das astreintes para pressionar o executado a cumprir a obrigação de pagar quantia certa. Apesar de parcela doutrinária defender a possibilidade da aplicação de multa na obrigação de pagar quantia certa12, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é consolidada em sentido contrário, admitindo a multa na obrigação de efetuar crédito em conta vinculada do FGTS, justamente por entender tratar-se de obrigação de fazer e não de pagar13.
Apesar da resistência jurisprudencial no tocante à aplicação das astreintes na execução de pagar quantia certa, é importante observar que na execução de alimentos, espécie de execução de pagar quantia certa, existe previsão para a medida de execução indireta mais séria e violenta: a prisão civil14.
No procedimento de cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia existe a previsão de uma multa no valor de 10% do valor da condenação na hipótese de o devedor não realizar o pagamento no prazo de 15 dias. Para parcela da doutrina, trata-se de medida de execução indireta, que busca pressionar psicologicamente o devedor a efetuar o pagamento do valor devido15. Não parece, entretanto, tratar-se efetivamente de medida de execução indireta, sendo sancionatória a natureza jurídica dessa multa16. Como se pode afirmar que a astreinte é uma multa e que tem o seu valor prefixado em lei, sem nenhuma liberdade ao juiz em aumentar ou diminuir tal valor? Como saber a priori se o valor legal funcionará efetivamente no caso concreto para pressionar o devedor ao cumprimento da obrigação? Por outro lado, não se aplica medida de execução indireta quando é material ou juridicamente impossível o cumprimento da obrigação17. Não teria nenhum sentido aplicar uma multa diária ao executado que tem a obrigação de entregar coisa que já pereceu. Da mesma forma, não teria sentido pressionar alguém a pagar, se essa pessoa não tem patrimônio suficiente para tornar materialmente possível o cumprimento da obrigação. Mas a multa é aplicada independentemente da situação patrimonial do executado18, o que deixa claro que, diante do dever de pagar descumprido, aplica-se como sanção a multa no valor de 10% sobre o valor da condenação.
O tema, entretanto, é bastante controvertido, chegando-se até mesmo ao ponto de considerar-se a multa com natureza jurídica híbrida, sendo ao mesmo tempo execução indireta e sanção processual19.
Na obrigação de entregar coisa é possível a cumulação de medidas de execução por sub-rogação e indireta, não existindo nenhuma ordem entre tais medidas, cabendo ao juiz aplicá-las ao caso concreto como entender mais eficaz para a efetiva satisfação do direito exequendo. Assim, poderá determinar a busca e apreensão ou a imissão na posse (execução por sub-rogação) ou, se preferir, aplicar uma multa diária diante do descumprimento da obrigação de entregar a coisa (execução indireta), como também poderá aplicar ambas as medidas concomitantemente, até que uma delas se mostre eficaz, o que levará à revogação da outra.
Tratando-se de obrigação de fazer de natureza fungível, ou seja, uma obrigação que pode ser cumprida por outros sujeitos além do devedor (por exemplo, pintar uma casa), é possível a cumulação de medidas de execução indireta e por sub-rogação. Pode o juiz determinar a aplicação de multa20, como também determinar que a obrigação seja cumprida por terceiro à custa do executado, nos termos dos arts. 634 a 637 do CPC. Sendo a obrigação de fazer infungível (personalíssima), na qual somente o devedor pode cumprir a obrigação, de nada adiantará a aplicação de medidas de execução por sub-rogação, considerando-se que nesse caso a vontade do devedor não pode ser substituída pela vontade do Estado-Juiz. Nessa espécie de execução resta somente a aplicação de astreintes na tentativa de convencer o executado a cumprir a obrigação21.
1 Liebman, Processo, p. 37-38.
2 Câmara, Juizados, p. 176-177.
3 De forma equivocada, Fidélis dos Santos, As reformas, n. 20, p. 26.
4 Theodoro Jr., Processo, n. 461, p. 541.
5 Contra, entendendo ser sempre hipótese de processo autônomo: Theodoro Jr., Processo, n. 333, p. 391; Nery-Nery, Código, p. 1.068. Entendendo ser sempre hipótese de cumprimento de sentença: Câmara, A nova, n. 10.3, p. 157-161; Abelha Rodrigues, Manual, p. 423.
6 Costa Machado, Código, p. 1.261; Tartuce-Simão, Direito, p. 429-430.
7 Gusmão Carneiro, Cumprimento, p. 80; Theodoro Jr., As novas, p. 153; Câmara, A nova, p. 107-108.
8 Araken de Assis, Manual, n.17, p. 114-115; Abelha Rodrigues, A terceira, p. 115-116.
9 Dinamarco, Instituições, n. 1.330, p. 47; Theodoro Jr., Processo, n. 13, p. 53.
10 Dinamarco, Instituições, n. 1.330, p. 47-48.
11 Bermudes, A reforma, p. 175-176, apontando para lições de Carnelutti ao falar em “sanções premiadoras”.
12 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 462-463.
13 REsp 1.036.968/DF, 1.ª Turma, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 13.05.2008; REsp 893.484/RS, 2.ª Turma, rel. Min. Herman Benjamin, j. 15.03.2007.
14 Araken de Assis, Manual, n. 19.2, p. 136.
15 Wambier-Wambier-Medina, Breves, p. 144-145; Gusmão Carneiro, Cumprimento, p. 61.
16 STJ, 3.ª Turma, MC 14.258/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17.06.2008; Daniel Neves, Reforma, p. 218-220; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 464; Sérgio Shimura, Cumprimento, p. 246.
17 STJ, 1.ª Turma, REsp 634.775/CE, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 21.10.2004.
18 Gusmão Carneiro, Cumprimento, p. 59.
19 Informativo 437/STJ, 3.ª Turma, REsp 1.111.686-RN, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 1.º.06.2010.
20 STJ, 1.ª Turma,REsp 893.041/RS, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 05.12.2006.
21 Araken de Assis, Manual, n. 19, p. 132.