Sumário: 35.1. Introdução – 35.2. Nulla executio sine titulo – 35.3. Patrimonialidade – 35.4. Desfecho único e disponibilidade da execução – 35.5. Utilidade – 35.6. Menor onerosidade – 35.7. Lealdade e boa-fé processual – 35.8. Contraditório – 35.9. Atipicidade dos meios executivos
Os princípios processuais já foram objeto de análise no Capítulo 2, item 2.4, mas com relação à execução alguns daqueles princípios adquirem conotação particular que merece uma análise individualizada. Por outro lado, existem princípios que só vigoram na execução, sendo sua análise limitada ao presente capítulo.
Não há execução sem título que a embase (nulla executio sine titulo), porque na execução, além da permissão para a invasão do patrimônio do executado por meio de atos de constrição judicial1 (por exemplo, penhora, busca e apreensão, imissão na posse), o executado é colocado numa situação processual desvantajosa em relação ao exequente. Assim, exige-se a existência de título que demonstra ao menos uma probabilidade de que o crédito representado no título efetivamente exista para justificar essas desvantagens que serão suportadas pelo executado2.
Além da exigência do título executivo, há outro princípio consagrado em nosso sistema chamado de princípio da tipicidade dos títulos executivos (nulla titulus sine lege). Significa dizer que o elenco de títulos executivos previstos em lei constitui numerus clausus, sendo, portanto, restritivo, o que impossibilita o operador do direito criar títulos executivos que não estejam previstos em lei3. Nem mesmo o acordo de vontades dos participantes da relação jurídica de direito material possibilita a formação de um título executivo. Assim, mesmo que os contratantes celebrem um contrato, dispensem a assinatura das testemunhas, mas afirmem por meio de cláusula contratual estarem formando um título executivo, o contrato não será instrumento apto a ensejar o processo executivo.
Da soma desses dois princípios surge interessante questão envolvendo a execução de decisões interlocutórias, em especial aquelas que concedem tutela antecipada (art. 273 do CPC). Se por um lado não se admite a execução sem título, e de outro somente será título o que estiver expressamente previsto em lei como tal, por qual razão se admite a execução de antecipação de tutela (que o art. 273, § 3.º, do CPC, chama de “efetivação”), considerando-se que a lei não prevê a decisão interlocutória como título executivo?
Parte da doutrina entende que nesse caso há uma exceção ao princípio da nulla executio sine titulo, admitindo-se que atos executivos sejam praticados ainda que inexistente o título executivo. Essa corrente doutrinária inclusive sugere a convivência de dois princípios: nulla executio sine titulo e o princípio da execução sem título permitida4. Por esse entendimento, a decisão interlocutória de concessão da tutela antecipada cumpre tranquilamente o papel do título executivo, considerando-se que essa espécie de tutela de urgência só é concedida quando há grande probabilidade de o direito alegado existir.
Na realidade, na concessão da tutela antecipada a probabilidade de existência do direito é analisada pelo juiz no caso concreto, enquanto nos títulos executivos extrajudiciais a análise é feita abstratamente pelo legislador. Parece que essa análise concreta gera até mesmo um maior grau de probabilidade do que aquele gerado pela análise abstrata, de forma a não ser legítimo retirar a eficácia executiva da decisão interlocutória que concede a tutela antecipada. Se a justificativa política da necessidade de existência de título é a grande probabilidade de o direito existir a ponto de justificar as desvantagens a serem suportadas pelo executado, a decisão interlocutória que concede a tutela antecipada manifestamente não a contraria.
Para outra corrente doutrinária, o termo “sentença proferida no processo civil”, previsto no art. 475-N, I, do CPC, deve ser interpretado extensivamente, de forma a abranger qualquer pronunciamento judicial de conteúdo condenatório, inclusive as decisões interlocutórias5. Já tive a oportunidade de defender essa corrente doutrinária, que continua a me agradar, não obstante a correção do entendimento que defende excepcionalmente a execução sem título. A discussão é meramente acadêmica porque qualquer entendimento adotado leva à mesma e indiscutível conclusão: a decisão interlocutória que antecipa a tutela é executável.
Costuma-se dizer que a execução é sempre real, e nunca pessoal, em razão de serem os bens do executado os responsáveis materiais pela satisfação do direito do exequente6. Não existe no direito brasileiro, nem em qualquer ordenamento moderno de que se tenha conhecimento, satisfação na pessoa do devedor, como existia na antiga Lei das XII Tábuas, que choca o leitor ao estabelecer que em determinadas condições seria possível “dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores”. Mesmo a prisão civil, como analisado no Capítulo 34, item 34.3, não é forma de satisfação de direito, mas mera medida de pressão psicológica (execução indireta).
Conforme analisado no Capítulo 38, item 38.2, a proibição de que o corpo do devedor responda por suas dívidas, reservando-se tal garantia a seu patrimônio, é vista como representação da humanização que o processo de execução adquiriu durante seu desenvolvimento histórico, abandonando gradativamente a ideia de utilizar a execução como forma de vingança privada do credor. A justificativa da previsão em lei de bens impenhoráveis, bem como sua relação e os devidos comentários são feitos no Capítulo 38, item 38.4.
Como ocorre com todos os processos, também o executivo pode ter um final normal ou anômalo. A execução chega ao seu final normal quando é bem-sucedida, ou seja, quando o direito do exequente é satisfeito7. No fim normal da execução, o processo é extinto pela sentença prevista no art. 794 do CPC, que é meramente declaratória quanto ao final do procedimento executivo. O final anômalo do processo de execução – aliás, como também o de conhecimento e cautelar – é a sua extinção sem a resolução de mérito, o que ocorrerá por um dos motivos previstos pelo art. 267 do CPC ou com o acolhimento integral dos embargos à execução, cujo fundamento seja a inexistência do direito material exequendo.
O processo de execução se desenvolve com um único objetivo: satisfazer o direito do exequente. Sendo esse o único objetivo da execução, a doutrina aponta para o princípio do desfecho único, considerando-se que a única forma de prestação que pode ser obtida em tal processo é a satisfação do direito do exequente, nunca do executado8. O executado, na melhor das hipóteses, verá impedida a satisfação do direito com a extinção do processo sem a resolução do mérito, mas jamais terá a possibilidade de obter uma decisão de mérito favorável a ele. Na execução não se discute mérito, busca-se apenas a satisfação do direito, sendo, portanto, impossível uma improcedência do pedido do exequente.
Sobre esse assunto, existe interessante debate doutrinário no que se refere ao acolhimento da defesa do executado conhecida pela doutrina como exceção de pré-executividade, instituto analisado no Capítulo 49, item 49.4. Sendo o objeto de tal defesa as matérias de mérito da execução, que envolvem invariavelmente a inexistência do direito exequendo (por exemplo, pagamento), o seu eventual acolhimento leva à extinção do processo executivo, havendo notável dissenso a respeito da natureza dessa sentença. Embora seja secular nossa tradição de afirmar que no processo de execução não há resolução do mérito, a partir do momento em que se permite sua solução pelo acolhimento de uma matéria de mérito alegada incidentalmente, haverá uma sentença que rejeita a pretensão executiva do credor, com a resolução do mérito (art. 269, I, do CPC), inclusive apta a produzir coisa julgada material9. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que o reconhecimento da prescrição no próprio processo executivo gera decisão que resolve o mérito do processo10. Apesar disso, o princípio do desfecho único continua a ser a regra, justificada inclusive pelas excepcionais exceções.
Justamente em razão do desfecho único do processo de execução, que não tem como tutelar o direito material do executado, é permitido ao exequente, a qualquer momento, ainda que pendentes de julgamento os embargos à execução, desistir do processo, sendo dispensada a concordância do executado para que tal desistência gere efeitos jurídicos (art. 569, caput, do CPC). Não sendo possível ao executado obter tutela jurisdicional em seu favor, a lei presume sua aceitação com a desistência, já que nesse caso o executado recebeu o máximo possível que o processo poderia lhe entregar, tornando inútil a sua continuidade11.
A desistência não se confunde com a renúncia, instituto de direito material. Significa dizer que o exequente simplesmente desiste de cobrar executivamente seu direito naquele momento, naquele processo específico, podendo, entretanto, ingressar posteriormente com ação idêntica, desde que comprove o pagamento das custas processuais da primeira ação (art. 258 do CPC)12.
Sendo possível ao exequente desistir de toda a execução, também se admite a desistência de apenas alguma medida executiva específica em execuções, nas quais há uma pluralidade de meios à disposição do exequente. Numa execução de alimentos, cabe ao exequente optar entre executar por expropriação ou pela prisão civil, sendo vedada, inclusive, a determinação de prisão civil de ofício pelo juiz13; numa execução de entregar coisa, o exequente pode desistir da aplicação das astreintes, limitando-se à busca e apreensão e vice-versa. Nesse caso, o juiz deverá levar em consideração na homologação da desistência a menor onerosidade ao executado (art. 620 do CPC)14.
Todos os legitimados a propor a execução podem desistir, salvo o Ministério Público, que tem atuação processual orientada pelo princípio da indisponibilidade, considerando-se que defende interesse alheio na execução. Parcela doutrinária entende corretamente que o Ministério Público tem disponibilidade quanto aos meios de execução, sendo legitimado a exigir as medidas executivas que lhe pareçam mais eficazes no caso concreto15.
A admissibilidade da desistência da execução está condicionada à não realização no processo de atos que não possam ser anulados sem prejuízo do devedor ou de terceiro. Dessa forma, arrematado um bem em hasta pública, não se admitirá a desistência da execução; da mesma forma será inadmissível a desistência se na execução de fazer a obrigação já tiver sido satisfeita por terceiro (art. 634 do CPC)16.
Na hipótese de desistência do processo de execução, interessante questão surge no tocante aos embargos de execução pendentes de julgamento. É pacífico na doutrina que a pendência de embargos à execução não impede a desistência da execução17, mas a depender da matéria alegada em sede de embargos variarão os efeitos gerados por essa desistência.
Caso os embargos versem sobre matéria meramente processual (por exemplo, ilegitimidade de parte, falta de liquidez do título etc.), perderão o objeto e serão extintos sem a resolução do mérito, condenando-se o embargado ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios. Nesse caso, a extinção dos embargos à execução é uma conclusão lógica da desistência da ação de execução, considerando-se que no eventual acolhimento da matéria aduzida o embargante conseguiria uma sentença terminativa do processo de execução, exatamente aquilo que já obteve com a homologação da desistência de tal processo. Haverá, portanto, perda superveniente do interesse de agir, tornando os embargos inúteis, devendo, por isso, ser extintos sem a necessidade de concordância do embargante18.
Por outro lado, caso os embargos versem sobre matéria de mérito, referente ao direito material alegado pelo exequente (por exemplo, novação, compensação etc.), a extinção dos embargos está condicionada à concordância do embargante. A razão para condicionar a extinção dos embargos à concordância do embargante é nítida: tratando-se de matérias de mérito é possível vislumbrar interesse na continuação dos embargos, com a obtenção de sentença de mérito a seu favor, que demonstraria a inexistência do direito material do embargado. A coisa julgada material que seria formada em tal circunstância impede a propositura do processo de execução novamente, o que não ocorre com a simples desistência do processo19.
No que concerne à interpretação do art. 569, parágrafo único, do CPC, três observações são necessárias:
(a) não se exige a concordância do embargado, considerando-se que ao desistir do processo de execução, presumidamente o exequente também estará abrindo mão do julgamento dos embargos20;
(b) não havendo a concordância do embargante, os embargos perdem tal natureza, passando a ser tratado como ação autônoma declaratória21. A apelação, portanto, será recebida no duplo efeito (não se aplicará a exceção do art. 520, V, do CPC);
(c) embargos com fundamento em excesso de execução serão extintos quando o exequente desistir da execução22.
Como todo processo, também o de execução deve servir, efetivamente, para entregar ao vitorioso aquilo que tem direito a receber. Não se justifica, portanto, processo de execução apenas para prejudicar o devedor, sem trazer qualquer proveito prático ao credor, devendo o processo ter alguma utilidade prática que beneficie o exequente. Em razão desse princípio, a penhora não será realizada quando restar evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução (art. 659, § 2.º, do CPC)23.
É também o princípio da utilidade que impede a aplicação das astreintes quando o juiz se convence que a obrigação se tornou materialmente impossível de ser cumprida24. Somente prejudicaria o executado, sem nenhum proveito ao exequente na busca da satisfação de seu direito, a aplicação de uma medida de natureza coercitiva em situações nas quais a pressão psicológica é inútil, não dependendo da vontade do executado o cumprimento da obrigação.
Nunca é demais lembrar que atualmente a execução não é forma de vingança privada, como já o foi em remotas épocas. Trata-se de mecanismo judicial para a satisfação do direito do credor, e sempre que se entender que esse direito não pode ser satisfeito não haverá razão plausível para a admissão da execução. O mesmo entendimento se aplica aos meios executivos, que devem ser afastados sempre que se mostrarem inúteis para fins de satisfação do direito.
A execução não é instrumento de exercício de vingança privada, como amplamente afirmado, nada justificando que o executado sofra mais do que o estritamente necessário na busca da satisfação do direito do exequente. Gravames desnecessários à satisfação do direito devem ser evitados sempre que for possível satisfazer o direito por meio da adoção de outros mecanismos. Dessa constatação decorre a regra de que, quando houver vários meios de satisfazer o direito do credor, o juiz mandará que a execução se faça pelo modo menos gravoso ao devedor (art. 620 do CPC).
É evidente que tal princípio deve ser interpretado à luz do princípio da efetividade da tutela executiva, sem a qual o processo não passa de enganação. O exequente tem direito à satisfação de seu direito, e no caminho para a sua obtenção, naturalmente criará gravames ao executado. O que se pretende evitar é o exagero desnecessário de tais gravames. Esse é um dos motivos para não permitir que um bem do devedor seja alienado em hasta pública por preço vil (art. 692 do CPC).
O estrito respeito ao princípio da menor onerosidade não pode sacrificar a efetividade da tutela executiva. Tratando-se de princípios conflitantes, cada qual voltado à proteção de uma das partes da execução, caberá ao juiz no caso concreto, em aplicação das regras da razoabilidade e proporcionalidade, encontrar um “meio-termo” que evite sacrifícios exagerados tanto ao exequente como ao executado25.
Como ocorre no processo de conhecimento e cautelar, também na execução é exigido das partes o respeito ao dever de lealdade e boa-fé processual, sendo aplicáveis as sanções previstas nos arts. 14, 17 e 18 do CPC. De maior interesse, porque se trata de normas específicas à execução, os arts. 600 e 601 do CPC, com a previsão dos chamados atos atentatórios à dignidade da justiça. Segundo o art. 600, caput, do CPC, essa espécie de ato só pode ser praticado pelo executado, cabendo ao exequente a aplicação das sanções com fundamento nos arts. 14, 17 e 18 do CPC26.
O ato processual do executado se refere tanto ao processo executivo quanto ao processo de conhecimento, que se instaurará mediante o ingresso de embargos à execução, incluído aí o próprio ato da propositura de tal demanda (art. 739, III, do CPC) como todos os atos praticados nessa ação autônoma incidental27. Também é inegável a aplicação ao cumprimento de sentença, mera fase procedimental de satisfação do direito.
Existem quatro espécies de ato atentatório à dignidade da justiça arroladas pelo art. 600 do CPC, havendo certa divergência doutrinária a respeito de se tratar de rol exaustivo ou meramente exemplificativo28. Entendo que a discussão não tem grandes reflexos práticos, considerando a amplitude interpretativa das causas previstas no dispositivo legal ora comentado.
A questão mais importante que se coloca a respeito do art. 600, I, do CPC é a que envolve a abrangência que se deve dar à locução “fraude a execução”. Para parte da doutrina, a “fraude a execução” prevista no dispositivo em comento é o comportamento previsto no art. 593 do estatuto processual29, enquanto para outra corrente doutrinária deve-se interpretar a expressão de forma mais ampla, abrangendo outros atos que não aqueles referentes à alienação ou oneração de bens previstos pelo artigo de lei supracitado30.
Entendo preferível a interpretação mais ampla e fundamentalmente por dois motivos:
(a) primeiro porque a apuração terminológica não é marca registrada de nosso legislador;
(b) segundo porque a interpretação ampla atende de maneira mais completa a proteção aos deveres de boa-fé e lealdade processual. Incluem-se, portanto, tanto atos de ocultação ou oneração de bens como quaisquer outros que levem a ineficácia ou à criação de dificuldades em obter a efetiva satisfação do direito do exequente.
No art. 600, II, do CPC, é previsto como ato atentatório à dignidade da justiça o ato de oposição maliciosa à execução, com o emprego de ardis e meios artificiosos. A própria redação do dispositivo legal demonstra o desejo do legislador por uma interpretação ampla, mas é importante não exagerar, pois a resistência do executado é a forma que encontra para evitar abusos realizados na execução. Respeita-se a ampla defesa; pune-se o abuso.
A resistência injustificada às ordens judiciais está prevista como ato atentatório à dignidade da justiça no art. 600, III, do CPC. Nesse caso, é possível a cumulação da sanção prevista no art. 601 com a prevista no art. 14, parágrafo único, ambos do CPC, porque, além de ato atentatório à dignidade da justiça, a resistência injustificada às ordens judiciais também é ato atentatório à dignidade da jurisdição. Assim, o executado seria condenado a pagar até 20% do valor da execução para o exequente (art. 601 do CPC) e 20% para o Estado (art. 14, parágrafo único, do CPC). A diferença de credores afasta o bis in idem. Além das multas, ainda serão devidos eventuais perdas e danos31.
A redação do art. 600, IV, do CPC, anterior à Lei 11.382/2006, já previa como ato atentatório à dignidade da justiça a não indicação ao juiz de onde se encontravam os bens sujeitos à penhora. Ocorre, entretanto, que grande parcela doutrinária e jurisprudencial entendia que a indicação de bem à penhora pelo executado era um ônus processual e não um dever, afastando a possibilidade de aplicação da sanção prevista no art. 601 do CPC.
Com a Lei 11.382/2006, a indicação de bens à penhora deixou de ser postura legal prevista como opção de reação do executado diante de sua citação, conforme analisado no Capítulo 47, item 47.1. Além disso, a redação dada ao art. 600, IV, do CPC afastou qualquer dúvida a respeito do dever do executado de indicar seus bens passíveis de penhora, sob pena de sofrer a aplicação da multa prevista no art. 601 do CPC32.
O juiz poderá de ofício ou mediante o pedido do exequente determinar a qualquer momento do processo a intimação do executado para que em cinco dias indique onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores. Entendo que nos termos do art. 652, § 4.º, do CPC essa intimação pode ser realizada na pessoa do advogado e que somente na hipótese em que não foi constituído patrono será realizada pessoalmente33. É cabível a determinação por mais de uma vez num mesmo processo, desde que se tenham indícios de mudança patrimonial do executado.
Mesmo quando o executado entenda que só tem bens impenhoráveis, existirá o dever de informar ao juízo, ainda que com a ressalva de impossibilidade legal de penhora; afinal, não cabe ao executado, mas ao juízo, determinar se o bem é ou não impenhorável. Nem sempre será necessária a indicação dos bens por parte do executado, seja porque a execução é fundada em uma garantia real, seja porque o exequente já tem conhecimento dos bens do executado e os indica na própria petição inicial. Ora, a indicação de bens pelo executado tem como justificativa permitir a realização da penhora, dando-se conhecimento da situação patrimonial do executado ao exequente. A partir do momento em que a penhora já se mostra possível em razão da indicação do bem, feita pelo próprio exequente, falece o sentido em exigir do executado a indicação de bens.
O executado que não dispõe de qualquer bem que possa responder pela execução deverá informar tal situação no prazo de cinco dias. A única resposta que não se admite, gerando a imediata aplicação da multa, é o silêncio do executado diante de sua intimação, já que a sanção alude ao desrespeito do executado com a ordem judicial, e não à inexistência de bens que possam se sujeitar à execução. O interessante nessa hipótese é que o executado estará confessando sua insolvência, nos termos do art. 750, I, do CPC, sendo possível ao exequente pedir a declaração de insolvência civil, se assim desejar34.
Por fim, resta a necessidade de interpretação do conteúdo da informação a ser prestada pelo executado com o princípio da menor onerosidade (art. 620 do CPC). A exigência da indicação dos bens sujeitos à penhora deverá se limitar ao objeto da execução, de forma que o executado não precisará indicar todos os seus bens que estejam sujeitos à execução, mas tão somente bens suficientes para satisfazer o direito do exequente. A informação do executado se limitará pelo valor da execução.
A sanção para os atos atentatórios à dignidade da justiça está prevista no art. 601 do CPC: aplicação de multa em montante não superior a 20% do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções processuais ou materiais, sendo tal valor revertido em favor do exequente. Segundo o art. 601, parágrafo único, do CPC, o juiz relevará a pena na hipótese de o executado se comprometer a não repetir a conduta (exigência inútil) e der fiador idôneo que responda ao exequente pela dívida principal, juros e verbas de sucumbência (exigência improvável de ser cumprida).
O art. 599, II, do CPC prevê que o juiz pode advertir o devedor no sentido de que o seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça, havendo doutrina que entende não ser a advertência condição de eficácia da aplicação da multa prevista no art. 601 do CPC35, enquanto outra parcela defende que será nula a aplicação da multa sem a prévia advertência36. Apesar de interessante do ponto de vista do contraditório, entendo válida e eficaz a multa aplicada independentemente da advertência prévia prevista no art. 599, II, do CPC.
Afirma-se tradicionalmente na doutrina que no processo de execução não se discute o seu mérito, já que o juiz parte de uma presunção de existência do direito do exequente (derivada do título executivo judicial) e busca apenas a satisfação de tal direito. Não se nega que exista mérito no processo de execução, condicionando-se o seu julgamento ao ingresso dos embargos à execução, ação de conhecimento autônoma e incidental ao processo de execução.
Essa ausência de julgamento de mérito no processo de execução fez com que alguns doutrinadores chegassem a chamar o processo de execução de processo do credor, ou ainda de conjunto de meios materiais colocados à disposição do juiz para satisfazer o direito do credor. Criou-se até mesmo doutrina, hoje francamente superada, que afirmava ser dispensável o contraditório no processo de execução justamente em razão da ausência de julgamento de mérito ou de qualquer outra atividade cognitiva por parte do juiz. Atualmente, é tranquila a distinção de mérito – e seu julgamento – e contraditório na execução37.
Apesar da situação especial em que se coloca o processo de execução em razão de suas características próprias, não há como negar a sua natureza jurisdicional, tratando-se indubitavelmente de processo que seguirá sob o crivo do contraditório, garantido constitucionalmente (art. 5.º, LV, da CF) e indispensável num Estado Democrático de Direito38. O juiz é chamado no processo executivo a resolver uma série de questões incidentes, sendo absurdo acreditar que em tais situações não haja necessidade de realizar o contraditório. Apesar da função predominantemente material do juiz no processo de execução, é inegável que exista também cognição acerca de questões incidentes no processo, e nesse caso o contraditório é indispensável39.
Há diversas situações no processo executivo que demonstram o acerto de tal posicionamento. A decisão sobre a natureza do bem penhorado quanto à ordem de penhora dos bens, sobre a modificação ou reforço de penhora, sobre a alienação antecipada de bens, sobre o preço vil na arrematação, sobre a avaliação do bem etc., em todos esses casos, naturalmente, haverá nulidade se não observado o contraditório.
É pelos meios executivos que o juiz tenta, no caso concreto, a satisfação do direito do exequente. São variados esses meios previstos em lei: penhora, expropriação, busca e apreensão, astreintes, arresto executivo, remoção de pessoas ou coisas, fechamento de estabelecimentos comerciais etc. Apesar de bastante amplo o rol legal, a doutrina é pacífica no entendimento de se tratar de rol meramente exemplificativo, podendo o juiz adotar outros meios executivos que não estejam expressamente consagrados em lei.
A consagração legal do princípio da atipicidade dos meios executivos é encontrada no art. 461, § 5.º, do CPC, que, antes de iniciar a enumeração de diferentes meios de execução – tanto de execução indireta como de sub-rogação –, se vale da expressão “tais como”, em nítida demonstração do caráter exemplificativo do rol legal.
Essa liberdade concedida ao juiz naturalmente aumenta sua responsabilidade, não sendo admissível que a utilize para contrariar a lei ou mesmo princípios do Direito. Não pode, por exemplo, determinar a prisão civil fora da hipótese de devedor inescusável de alimentos, nos termos do art. 5.º, LXVII, da CF. Tampouco poderá determinar que banda de música com camisetas com a foto do devedor o persiga cantarolando cantigas relacionando-o à obrigação inadimplida ou outras formas vexatórias de pressão psicológica.
1 STJ, 1.ª Turma, REsp. 700.114/MT, rel. Min. Luiz Fux, j. 27.03.2007, DJ 14.05.2007, p. 251.
2 Dinamarco, Execução, n. 299, p. 457-458.
3 Informativo 395/STJ, 1.ª T., REsp 879.046-DF, rel. Denise Arruda, j. 19.05.2009.
4 Medina, A execução, p. 509/535; Marinoni, Tutela, p. 22 e ss.
5 Araken de Assis, Manual, n. 10, p. 99-100; Shimura, Título, p. 209; Lucon, Eficácia, p. 228-229.
6 Theodoro Jr., Processo, n. 22, p. 64.
7 Araken de Assis, Manual, n. 12, p. 101; Abelha Rodrigues, Manual, p. 51; Câmara, Lições, v. 2, p. 149.
8 Dinamarco, Instituições, n. 1.336, p. 54; Theodoro Jr., Processo, n. 22, p. 67.
9 STJ, 4.ª Turma, REsp 666.637/RN, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 09.05.2006; Camiña Moreira, Defesa, n. 24, p. 214-215.
10 STJ, 2.ª Turma,; REsp 1.030.066/RS, , rel. Min. Eliana Calmon, j. 15.05.2008; STJ, 4.ª Turma, REsp 666.637/RN, rel. Jorge Scartezzini, j. 04.05.2006.
11 Zavascki, Processo, p. 97; Abelha Rodrigues, Manual, p. 47-48.
12 Theodoro Jr., Processo, n. 22, p. 67; Zavascki, Processo, p. 98; STJ, 2.ª Turma, REsp 715.692/SC, rel. Min. Castro Meira, j. 16.06.2005.
13 Informativo 391/STJ: 3.ª Turma, HC 128.229-SP, rel. Min. Massami Uyeda, j. 23.04.2009.
14 Zavascki, Processo, p. 100.
15 Araken de Assis, Manual, n. 13, p. 104; Zavascki, Processo, p. 101.
16 Zavascki, Processo, p. 102-103.
17 Fux, Curso, p.1.255; Câmara, Lições, v. 2, p. 149.
18 Zavascki, Processo, p. 104.
19 Dinamarco, A reforma, p. 287; Fux, Curso, p. 1.256.
20 Zavascki, Processo, p. 105-106.
21 Dinamarco, A reforma, p. 286-287; Câmara, Lições, v. 2, p. 149-150.
22 Araken de Assis, Manual, n. 13, p. 105; Zavascki, Processo, p. 106-107.
23 Theodoro Jr., Processo, n. 22, p. 65.
24 Informativo 426/STJ: 3.ª Turma, REsp 743.185/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09.03.2010.
25 Dinamarco, A nova, p. 290-291; Greco, O processo, n. 3.5.9, p. 307; STJ, 2.ª Turma, REsp 1.032.086/CE, rel. Min. Eliana Calmon, j. 06.11.2008; REsp 860.411/SP, 1.ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 02.10.2007 (Informativo 344/STJ).
26 Mendonça Lima, Comentários, p. 486; Dinamarco, Instituições, n. 1.346, p. 70; Execução, p. 178; Araken de Assis, Manual, n. 71, p. 328-329.
27 Pontes de Miranda, Comentários, p. 487; Mendonça Lima, Comentários, p. 488.
28 Pelo rol restritivo: Abelha Rodrigues, Manual, p. 62. Contra: Araken de Assis, Manual, n. 72, p. 330.
29 Araken de Assis, Manual, n. 72, p. 330; Costa Machado, Código, p. 1.106.
30 Dinamarco, Execução, n. 105, p. 179; Amílcar de Castro, Comentários, p. 108; Dias, Fraude, p. 143-144; Camiña Moreira, Ato, p. 22.
31 Dinamarco, A nova, p. 294; Neves, Nova, p. 45-48.
32 Nery-Nery, Código, p. 1.007; Wambier-Wambier-Medina, Breves, p. 66.
33 Scarpinella Bueno, A nova, p. 38.
34 Lucon, Código, p. 2.122.
35 Marinoni-Mitidiero, Curso, p. 614.
36 Araken de Assis, Manual, n. 71, p. 329; Carmona, Código, p. 1.763.
37 Carmona, Em torno, p. 17.
38 Greco, O processo, n. 3.5.3, p. 267; Câmara, Lições, v. 2, p. 147.
39 Dinamarco, Execução, n. 101, p. 173.