Vinheta

EXECUÇÃO PROVISÓRIA

Sumário: 40.1. Conceito – 40.2. Execução provisória de título executivo extrajudicial – 40.3. Caução na execução provisória – 40.4. Dispensa da caução – 40.5. Responsabilidade objetiva do exequente – 40.6. Formalização dos autos da execução provisória – 40.7. Execução provisória contra a Fazenda Pública.

40.1. CONCEITO

Tradicionalmente a execução provisória era entendida como a execução fundada em título executivo judicial provisório1, ou seja, a decisão judicial que poderia ser modificada ou anulada em razão da pendência de um recurso interposto contra ela. O recurso, naturalmente, não poderia ser recebido no efeito suspensivo, pois impediria o início da execução. Como o recurso não tem efeito suspensivo, a decisão passa a gerar seus efeitos, inclusive podendo ser executada, mas, como ainda existe recurso pendente de julgamento, é possível a sua anulação ou reforma, sendo, portanto, provisória.

Proferida uma decisão judicial executável e não havendo a interposição de recurso, verifica-se o seu trânsito em julgado, passando a partir desse momento a ser cabível a execução definitiva. Havendo a interposição do recurso cabível e sendo este recebido no seu efeito suspensivo, a decisão não poderá gerar efeitos, impedindo-se o início da execução. A terceira alternativa – única apta a gerar a execução provisória – é a interposição do recurso cabível, não recebido no efeito suspensivo.

Como se pode notar, tradicionalmente a execução provisória era exclusiva da execução de título executivo judicial, sendo comum a afirmação de que não existia execução provisória de título executivo extrajudicial, que sempre seria definitiva2. Essa realidade, entretanto, modificou-se, ainda que parcialmente, com a Lei 11.382/2006, mais precisamente com a nova redação dada ao art. 587 do CPC.

40.2. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL

A Lei 11.382/2006 reformulou consideravelmente o procedimento do processo de execução fundado em título executivo extrajudicial, sempre com o propósito de agilizar a entrega da prestação jurisdicional, fazendo valer os princípios da celeridade processual e efetividade da tutela. Uma das alterações, entretanto, preferiu prestigiar a certeza jurídica à celeridade, o que sem qualquer análise valorativa rumou contra o sentido das últimas modificações procedimentais.

Trata-se da nova redação do art. 587 do CPC, que prevê a provisoriedade da execução de título extrajudicial na pendência de apelação contra a sentença de improcedência proferida nos embargos à execução, desde que estes tenham sido recebidos no efeito suspensivo. Pelo dispositivo legal, a interposição dos embargos à execução e a concessão do efeito suspensivo – que dependerá do preenchimento dos requisitos legais – impedem a continuidade da execução até o julgamento da apelação interposta contra a sentença que decide os embargos à execução. Sendo o julgamento de improcedência, o efeito suspensivo atribuído ao recurso estará imediatamente revogado, ainda que contra a decisão seja interposto recurso de apelação, que será recebido sem o efeito suspensivo (art. 520, V, do CPC). A execução, portanto, prosseguirá, mas agora seguindo as regras da execução provisória (art. 475-O do CPC).

É interessante analisar o panorama doutrinário e jurisprudencial anterior à presente modificação legislativa ora examinada, ainda que tal análise não seja suficiente para valorar positiva ou negativamente o art. 587 do CPC.

A doutrina majoritária entendia que, sendo iniciada a execução de forma definitiva, a pendência de apelação contra a sentença de improcedência dos embargos à execução não era suficiente para transformar essa execução em provisória. Tendo sido iniciada de forma definitiva, dessa forma continuaria até o seu término. Os fundamentos são variados.

Havia aqueles que entendiam pela definitividade da execução em virtude de esta seguir nos próprios autos, sendo os embargos remetidos ao Tribunal, diferente do que ocorre com a execução provisória3. Outros afirmavam que, seguindo-se de forma definitiva, nem tudo estaria perdido para o executado, que poderia por meio de pedido de antecipação de tutela na apelação ou com cautelar inominada suspender o prosseguimento da demanda4. Sustentava-se também tratar-se de medida de aceleração da tutela jurisdicional, fundada na circunstância de grande probabilidade da existência do direito, contido no título executivo e confirmado pela sentença de improcedência dos embargos5.

A jurisprudência dominante compartilhava de tal entendimento, até mesmo porque o Superior Tribunal de Justiça consolidou a definitividade da execução nas condições ora analisadas por meio da Súmula 317: “É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes os embargos”.

Na doutrina encontrava-se pouca resistência à definitividade da execução. Para essa parcela minoritária de doutrinadores, enquanto a decisão dos embargos à execução não transitasse em julgado, o título não poderia ser entendido como definitivo, porque eventual acolhimento da pretensão do executado poderia afetá-lo diretamente. Haveria, portanto, uma provisoriedade do título em virtude da pendência do julgamento da pretensão do executado exposta nos embargos, devendo por isso a execução seguir de forma provisória6. Para outros, seria temerário seguir a execução de forma definitiva, porque o executado ainda teria chances de se sagrar vitorioso em seus embargos7.

Esse era o panorama da questão antes do advento da Lei 11.382/2006, responsável pela alteração da redação do art. 587 do CPC, que passou a tratar exclusivamente dos títulos executivos extrajudiciais, considerando-se que a execução provisória de título executivo judicial passou a ser tutelada pelo art. 475-O do CPC. A alteração substancial, entretanto, foi outra: a expressa previsão de que a execução de título extrajudicial, dentro de certas condições já mencionadas, pode nascer definitiva, mas tornar-se provisória, o que até à alteração legislativa representava o entendimento minoritário da doutrina e da jurisprudência. A expressa previsão legal retira da questão qualquer espécie de interpretação contrária à norma, que é clara e deve ser respeitada8, considerando-se a mesma positiva ou negativa9. Alguns comentários, entretanto, são relevantes.

O legislador fez uma escolha, que, como todas, pode agradar ou não aos estudiosos e operadores. Pode-se afirmar que a escolha foi surpreendente, já que adotou entendimento minoritário, mas não se pode negar que ela foi feita e deve ser acatada. Mais uma vez viu-se o legislador entre dois importantes princípios do processo civil: a segurança jurídica e a celeridade processual, optando pela primeira. É inegável que seguir com a execução de forma definitiva tem algo de temerário, até mesmo porque o executado ainda pode ter razão. Por outro lado, entretanto, é inegável que exigir do exequente seguir com a execução de forma provisória onera a parte que muito provavelmente tem razão em sua pretensão. Entre dois interesses contrários, o legislador, rumando até mesmo contra o princípio mais festejado das reformas, preferiu a segurança jurídica.

Para a parcela da doutrina que já se manifestou a respeito do tema após a modificação do teor do art. 587 do CPC, a novidade serviria para compensar a agilidade na satisfação do direito, propiciada pela nova estrutura da execução. Seguindo a execução de forma definitiva, seria possível ao exequente adjudicar imediatamente o bem ou aliená-lo, por iniciativa particular ou por hasta pública, ainda que pendente de julgamento a apelação contra a sentença de improcedência dos embargos10. De fato, não há como negar que houve sensível facilitação à satisfação do direito do exequente, mas não parece ser essa circunstância determinante para se apontar como acertada a opção pela provisoriedade da execução. Teria sido mais adequado se o legislador tivesse seguido a corrente majoritária, o que, entretanto, não aconteceu.

Importante observar, por fim, que a provisoriedade da execução só se justifica à luz do dispositivo legal durante a pendência de julgamento da apelação, de forma que, confirmada a sentença em segundo grau de jurisdição e interpostos os recursos especial e/ou extraordinário, a execução, se ainda existir, prosseguirá sob a forma definitiva. Assim, a execução de título executivo extrajudicial sempre começa de forma definitiva, podendo tornar-se provisória no caso de pendência de julgamento de apelação interposta contra sentença de improcedência dos embargos, quando estes tiverem sido recebidos no efeito suspensivo e, finalmente, podendo novamente tornar-se definitiva, logo após a prolação da decisão da apelação, quer o executado ingresse ou não com os recursos especial e extraordinário.

Aparentemente o PLNCPC retorna à situação anterior, na qual a execução de título extrajudicial sempre começava e acabava definitivamente. Segundo o art. 506, caput, a execução provisória ocorrerá de sentença impugnável por recurso sem efeito suspensivo. O dispositivo não é totalmente elogiável, porque, na realidade, haverá execução provisória diante de qualquer decisão final impugnável por recurso sem efeito suspensivo (p. ex., acórdão). Ainda assim, é suficientemente claro ao limitar a execução provisória à execução de título executivo judicial.

40.3. CAUÇÃO NA EXECUÇÃO PROVISÓRIA

O art. 475-O, III, do CPC prevê a necessidade de prestação de caução no momento de levantamento de depósito em dinheiro, prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado. Como se pode notar da mera leitura do dispositivo legal, não há qualquer necessidade da prestação de caução no momento da propositura da execução provisória, ficando reservada a necessidade de sua prestação a outros momentos procedimentais, mais próximos da efetiva satisfação do exequente, o que, naturalmente, não ocorre com a mera propositura da execução.

Assim, dos três diferentes momentos indicados pelo dispositivo legal ora em comento para a prestação da caução, todos eles poderão se verificar na execução de pagar quantia certa, sendo certo que tanto o levantamento do dinheiro quanto a alienação do bem penhorado são momentos procedimentais exclusivos dessa espécie de execução. Cabe inclusive uma crítica ao legislador, porque a satisfação nessa execução ocorre com o levantamento de dinheiro, e não com a expropriação do bem. Seria mais adequado se a previsão legal permitisse a alienação do bem, condicionando o levantamento do dinheiro obtido com tal alienação à prestação de caução, além, é claro, da adjudicação, na qual não haveria depósito de qualquer numerário11. De qualquer forma, a norma é clara ao exigir a prestação da caução para que seja alienado o bem penhorado.

Nas execuções de fazer/não fazer e de entrega de coisa, somente é possível imaginar a terceira hipótese legal para a prestação de caução: a prática de atos dos quais possa resultar grave dano ao executado. Nessas execuções, nas quais não existe levantamento de dinheiro ou alienação de bem penhorado – aliás, não há penhora –, são outros atos, geralmente ligados à efetiva satisfação do direito do exequente, que exigem a prestação de caução para que possam ser praticados.

Existe debate na doutrina a respeito da natureza jurídica dessa caução, havendo parcela doutrinária que entende não se tratar de medida de natureza cautelar, colocando-a entre as hipóteses de caução não cautelar, designadas por garantias legais. Segundo esse entendimento, tratando-se de caução não cautelar, o juiz não deve apreciar o risco de dano, nem exigir a probabilidade do direito existir, considerando-se que o juiz está vinculado à lei para a sua concessão12. Para outra parcela da doutrina, sem levar em conta a distinção entre a caução cautelar e não cautelar, a caução prevista pelo art. 475-O, III, do CPC tem natureza cautelar, considerando-se que a caução serve para garantir a eficácia da futura e eventual execução a ser movida pelo executado em caso de reforma ou anulação da decisão exequenda13.

Não resta qualquer dúvida a respeito da função exercida pela caução no processo executivo, servindo como garantia ao efetivo ressarcimento de danos gerados por execução indevida, enquanto a decisão exequenda ainda não era definitiva. Isso não se discute, sendo característica de qualquer espécie de caução. A opção doutrinária que afasta tal caução da natureza cautelar leva corretamente em consideração outros aspectos do instituto processual, mais precisamente a desnecessidade de, no caso concreto, ser provada a existência dos requisitos fundamentais da tutela cautelar: o fumus boni iuris e o periculum in mora. Dessa maneira, a caução é decorrência natural da expressa previsão legal, não cabendo ao juiz qualquer grau de discricionariedade ao analisar o seu cabimento. Ainda que o executado nitidamente não tenha qualquer razão em se opor ao exequente, tampouco sofra um risco de grave dano, irreparável ou de difícil reparação, a caução será devida, em especial no tocante ao levantamento de dinheiro e à alienação de bem penhorado14.

Dos três diferentes momentos previstos em lei para a prestação da caução, no levantamento do dinheiro e na alienação de propriedade, a tese defendida significa que em nenhuma hipótese caberá ao juiz, diante do pedido de prestação de caução a ser feito pelo executado, analisar o preenchimento de qualquer requisito no caso concreto, bastando para tanto que o momento procedimental seja aquele previsto em lei. No terceiro momento – qualquer ato “dos quais possa resultar grave dano ao executado” –, pode-se imaginar que a caução passaria a ter natureza cautelar, porque exigida a análise do juiz a respeito da aptidão do ato de gerar risco de grave dano. O entendimento, entretanto, não é o mais correto, considerando-se que, apesar de a previsão legal conter um conceito indeterminado, que aproxima o juiz da análise do periculum in mora, não se exige qualquer análise a respeito do fumus boni iuris, o que é suficiente para afastar tal caução do âmbito cautelar.

Segundo o dispositivo legal ora analisado, a caução deve ser “suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos”. É de extrema importância a exata compreensão do que representa a suficiência e idoneidade da caução, bem como o que significa a exigência de que ela seja prestada de plano pelo juiz nos próprios autos.

A primeira questão diz respeito à suficiência e idoneidade da caução, não havendo nenhuma indicação a respeito de sua espécie, o que permite concluir pela possibilidade de ser real ou fidejussória, sendo prestada pelo executado ou terceiro (fiador judicial)15. A idoneidade, apesar de ser altamente subjetiva, não traz maiores dificuldades à análise, cabendo ao juiz apontar no caso concreto se a garantia prestada é séria o suficiente para fazer frente a um eventual prejuízo do executado, desempenhando concretamente o seu papel de garantia. A questão da suficiência já é um pouco mais complexa, considerando-se que o valor do eventual prejuízo é absolutamente ilíquido, não sendo possível no momento da concessão da caução já aferir quanto será o valor do futuro e eventual prejuízo do executado. Caberá ao juiz, dentro de certa razoabilidade, fazer uma previsão, estimando o valor dos eventuais danos a serem suportados pelo executado, ainda que tal tarefa se mostre significativamente difícil no caso concreto.

Como se nota, ao afastar a suficiência da caução do valor da execução, aproximando-a de um valor do dano que ainda não ocorreu – e na verdade nem se sabe se ocorrerá –, o legislador tenta simplificar algo que no caso concreto pode não se mostrar tão simples assim. Tudo fica ainda mais complicado no momento em que o dispositivo ora analisado prevê que a caução deva ser prestada de plano, o que permite a conclusão de que o juiz possa fixá-la sem a oitiva das partes, ao menos do exequente. Ocorre, entretanto, que em razão da dificuldade na fixação do valor da caução – e até mesmo diante da subjetividade envolvida nessa atividade do juiz – é natural que as partes sejam previamente ouvidas, abrindo-se o contraditório em prestígio do princípio da cooperação. Não significa dizer que será necessária a propositura de ação de caução, mas é interessante a formação do contraditório no próprio processo executivo16.

Note-se que o contraditório exigido para a fixação do valor da caução não afasta o entendimento de que o juiz não pode determinar de ofício a prestação de caução. Segundo correto entendimento doutrinário, a caução presta-se à garantia do executado, não tendo qualquer função de ordem pública na demanda executiva, de forma que interessa tão somente ao executado a sua prestação no caso concreto. Sendo assim, caso o executado não requeira a prestação da caução no momento previsto em lei, não deve o juiz determiná-la de oficio, dando normalmente andamento ao procedimento executivo, ainda que isso gere um prejuízo irreparável ao executado17.

A novidade advinda da Lei 11.232/2005, ao prever que a caução seja arbitrada de plano pelo juiz, não deve, portanto, ser interpretada como a possibilidade de sua determinação de ofício do juiz, o que feriria o princípio dispositivo, plenamente aplicável ao caso concreto. A alteração foi meramente redacional, mantendo-se o entendimento de que a prestação de caução depende de pedido expresso do executado. Ocorre, entretanto, que, uma vez determinada a prestação de caução de ofício, a nulidade será sanada com o pedido do executado, o que certamente ocorrerá no caso concreto em razão do “aviso amigo” dado pelo juiz.

40.4. DISPENSA DA CAUÇÃO

O art. 475-O, § 2.º, do CPC prevê três hipóteses de dispensa da caução, o que não significa que a execução nesses casos se torna definitiva. O título executivo continua a ser provisório, de forma que a execução permanece com tal natureza, ainda que a satisfação do direito do exequente ocorra sem a necessidade de prestação de caução, exatamente como ocorreria numa execução definitiva. A natureza provisória da execução, entretanto, mantém aplicável ao caso a responsabilidade objetiva do exequente na hipótese de reforma ou anulação da decisão que serviu como título executivo judicial. Importante lembrar que execução provisória pode ser completa ou incompleta, mas não deixa de ser provisória, considerando-se que a provisoriedade da sentença que serve como título executivo diz respeito à sua imutabilidade, e não à eficácia18.

A primeira hipótese de dispensa da caução exige a presença de três elementos:

(a) crédito de natureza alimentar;

(b) prova da situação de necessidade do exequente;

(c) valor não superior a 60 salários mínimos.

Não interessa se o crédito decorre de relação de parentesco, matrimônio, remunerações por trabalho ou de responsabilidade civil; basta que tenha natureza alimentar, ainda que para as dívidas alimentares referentes ao direito de família existam procedimentos mais adequados à imediata satisfação do alimentado, como o pedido de alimentos provisórios e a ação cautelar de alimentos provisionais. A prova da situação de necessidade do exequente diz respeito à necessidade de recebimento imediato e de sua incapacidade de prestar a caução exigida em lei19. O valor de 60 salários-mínimos não diz respeito ao valor mensal dos alimentos, mas à totalidade do que poderá ser entregue ao exequente sem a prestação da caução.

Também na segunda hipótese de dispensa da caução exige-se a presença de três requisitos:

(a) crédito decorrente de ato ilícito;

(b) prova da situação de necessidade do exequente;

(c) valor não superior a 60 salários mínimos.

A única diferença relativa à primeira hipótese já analisada diz respeito à natureza do crédito, que decorre de ato ilícito contratual ou extracontratual.

Nessas duas hipóteses de dispensa é importante observar que a satisfação imediata do exequente sem a prestação da caução tem um limite de valor, o que não significa que a execução fique totalmente paralisada no caso de o valor devido ser superior a 60 salários-mínimos. Nesse caso, havendo penhora de dinheiro, o valor indicado pela lei será imediatamente levantado pelo exequente, exigindo-se para o levantamento do restante do valor a prestação da caução; havendo penhora de outro bem que não dinheiro, deve ocorrer normalmente a expropriação, com o levantamento imediato do valor máximo previsto em lei, permanecendo o restante depositado em juízo à espera da caução ou do trânsito em julgado da decisão que serve como título20.

A terceira hipótese de dispensa leva em conta a grande probabilidade de a sentença ser confirmada de forma definitiva. Portanto, estando pendente o agravo de instrumento contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial e/ou extraordinário (art. 544 do CPC), a caução será dispensada. Ainda que seja possível a reforma ou a anulação da decisão, entendeu o legislador que as chances disso ocorrer são pequenas, de forma que vale a pena correr o risco da dispensa da caução21. Ocorre, entretanto, que o risco a ser assumido dependerá do caso concreto, sendo cabível a prestação da caução sempre que o executado fizer tal pedido e demonstrar que a dispensa pode manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.

Duas são as críticas possíveis à previsão legal:

(a) o legislador só leva em consideração o perigo causado pela dispensa, não havendo nenhuma exigência de que o direito alegado pelo executado no recurso pendente de julgamento seja provável, admitindo-se a prestação de caução mesmo em recurso flagrantemente protelatório, contrário ao entendimento consolidado e até mesmo sumulado dos tribunais superiores;

(b) cria-se uma hipótese de decisão interlocutória que certamente ensejará a interposição de agravo de instrumento22, recurso tão lembrado como o grande vilão da paralisação de alguns tribunais de segundo grau.

No PLNCPC há sensível modificação a respeito das hipóteses de dispensa da caução na execução provisória. O art. 507, em seus quatro incisos, regulamenta o tema: No inciso I é mantido o crédito de natureza alimentar, mas sem qualquer outra exigência, bastando essa natureza do crédito para se dispensar a caução; no inciso II, a necessidade de o credor demonstrar situação de necessidade e impossibilidade de prestar a caução, independentemente da natureza da obrigação e do valor exequendo; o inciso III é cópia do atual art. 475-O, § 2.º, II, do CPC, sendo excluída a possibilidade de o juiz exigir a caução mesmo que entenda haver risco de dano grave de difícil ou incerta reparação; no inciso IV admite-se a dispensa da caução quando a sentença for proferida com base em súmula vinculante ou estiver em conformidade com julgamento em casos repetitivos.

A inovação no tocante às hipóteses de dispensa da caução ampliou a possibilidade de satisfação do direito em sede de execução provisória sem a garantia do juízo, mas o parágrafo único do art. 507 cria regra geral que poderá limitar consideravelmente a dispensa da caução no caso concreto. Segundo o dispositivo legal, a exigência de caução será mantida quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano de difícil ou incerta reparação.

40.5. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EXEQUENTE

Prevê o art. 475-O, I, do CPC que a execução provisória corre por conta e responsabilidade do exequente, em nítida aplicação da teoria do risco-proveito. Significa dizer que a execução provisória é uma opção benéfica ao exequente, já que permite, senão a sua satisfação, ao menos o adiantamento da prática de atos executivos. Mas os riscos de tal adiantamento são totalmente carreados ao exequente, que estará obrigado a ressarcir o executado por todos os danos (materiais, morais, processuais) advindos da execução provisória na hipótese de a sentença ser reformada ou anulada pelo recurso pendente de julgamento. A responsabilidade, nesse caso, é objetiva, de forma que o elemento “culpa” é irrelevante para a sua configuração, bastando ao executado provar a efetiva ocorrência de danos em razão da execução provisória23.

É claro que não existe responsabilidade civil sem dano, de forma que caberá ao executado demonstrar concretamente a sua ocorrência, o que exigirá a propositura de uma liquidação de sentença incidental. Segundo o art. 475-O, II, do CPC, a execução provisória fica sem efeito no caso de anulação ou modificação da sentença que serviu como título executivo, restituindo-se as partes ao estado anterior. Sendo a sentença modificada ou anulada apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução (art. 475-O, § 1.º, do CPC). A expressa menção de retorno ao estado anterior das partes permite que os atos de expropriação sejam realizados mesmo na execução provisória, protegendo-se o terceiro adquirente do bem penhorado, que não retornará ao patrimônio do executado24, entendendo-se que o “estado anterior” diz respeito à situação patrimonial do executado antes da execução provisória.

No mesmo dispositivo vem prevista a exigência da liquidação dos danos, por arbitramento, com desenvolvimento nos mesmos autos da frustrada execução provisória. A disposição legal tem ao menos duas impropriedades que devem ser consideradas:

(a) a liquidação não se dará obrigatoriamente por arbitramento, porque sempre que for necessária a alegação e prova de fato novo a forma adequada da liquidação é por artigos25;

(b) ao indicar que a execução do antigo executado provisório ocorrerá nos mesmos autos, o dispositivo pretendeu prever que a liquidação e a futura execução dar-se-ão no mesmo processo, de maneira que a liquidação será um incidente processual e a execução seguirá o procedimento do cumprimento de sentença. Essa realidade é decorrência da existência de um título executivo a favor do antigo executado provisório, considerando-se que a decisão do recurso – monocrática ou acórdão – substitui a sentença que servia como título executivo.

40.6. FORMALIZAÇÃO DOS AUTOS DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA

Sendo, em regra, uma execução que tramita enquanto encontra-se pendente de julgamento recurso interposto pelo executado, é presumível que os autos principais estejam no tribunal competente para tal julgamento, o que impede a utilização dos autos principais para instrumentalizar a execução provisória. Tradicionalmente, a execução provisória era instrumentalizada por meio da carta de sentença, formada pelo cartório e eterna fonte de atritos entre advogados e cartorários; os primeiros exigindo a urgência em sua expedição, e os segundos alegando o excesso de trabalho para não confeccionar a carta de sentença no prazo desejado pelos advogados.

A carta de sentença, ao menos como tradicionalmente era considerada, não existe mais, passando o art. 475-O, § 3.º, do CPC a prever que o exequente, ao requerer o início da execução provisória – requerimento inicial –, instruirá a petição com cópias de peças do processo previstas em lei, podendo o advogado declará-las autênticas, o que inclusive pode ser dispensado no caso concreto se não existir qualquer dúvida a respeito de sua autenticidade. O legislador percebeu que a necessidade produz atividade, e que não havia nenhum sentido em exigir do cartório judicial a formação da carta de sentença para o início da execução provisória. Sendo o exequente o maior interessado em agilizar o início da execução provisória, nada melhor que ele mesmo, por meio de seu advogado, instrua o requerimento inicial com as peças necessárias.

Segundo o dispositivo legal, o exequente deve instruir o requerimento inicial com:

(a) sentença ou acórdão exequendo;

(b) certidão de interposição do recurso não dotado de efeito suspensivo;

(c) procurações outorgadas pelas partes;

(d) decisão de habilitação, se for o caso;

(e) facultativamente, outras peças processuais que o exequente considerar necessárias.

É natural que possa existir divergência entre o advogado e o juiz no tocante às peças necessárias que a lei faculta ao advogado juntar com o requerimento inicial, mas essa divergência deve ser contornada com a determinação de emenda do requerimento inicial, dando-se ao exequente o prazo de dez dias para juntar aos autos as peças faltantes. Essa postura, inclusive, à luz da instrumentalidade das formas, deve ser adotada até mesmo diante da ausência de uma peça objetivamente indicada pela lei como indispensável, não havendo nenhum sentido o indeferimento liminar do requerimento inicial26.

40.7. EXECUÇÃO PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

Segundo a atual previsão do art. 100 da CF, a expedição do precatório depende de a sentença ter transitado em julgado, passando a jurisprudência a entender que na hipótese de sentença condenatória de pagar quantia certa não caberá execução provisória contra a Fazenda Pública27. E mesmo nas execuções de pequeno valor, que dispensam a expedição de precatório, a redação do art. 100, § 3.º, da CF é suficientemente clara ao dispor sobre a exigência de a sentença ter transitado em julgado, o que também exclui a possibilidade de execução provisória28.

Interessante notar que o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a expedição de precatório e, consequentemente, o início de execução, ainda que a sentença seja provisória, quando houver no caso concreto parcela incontroversa da pretensão do exequente29. Existe ainda parcela da doutrina que defende a existência de execução provisória até a fase de embargos, ficando suspensa a partir desse momento a execução à espera do trânsito em julgado30.

Não dependendo da expedição de precatório, tampouco estando tuteladas pelo art. 100, § 3.º, da CF, as sentenças que contêm obrigação de natureza diversa da obrigação de pagar quantia certa poderão normalmente ser objeto de execução provisória. Dessa forma, a execução provisória de fazer, não fazer e entregar coisa é incontestavelmente cabível contra a Fazenda Pública31. Registre-se que a execução provisória, nesse caso, será cabível sempre que existir recurso sem efeito suspensivo pendente de julgamento, não sendo suficiente a mera existência de reexame necessário. Entende-se que o reexame necessário não impede a execução provisória, mas tão somente o trânsito em julgado da sentença32. Prova incontestável dessa afirmação encontra-se no art. 14, § 3.º, da Lei 12.016/2009 ao prever que a sentença de procedência no mandado de segurança, apesar de estar sujeita ao duplo grau de jurisdição, admite a execução provisória, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar (art. 7.º, § 2.º, da Lei 12.016/2009).


1 Araken de Assis, Manual, n. 65, p. 306.

2 Por todos, Zavascki, Processo, p. 434.

3 Pimentel Souza, Introdução, p. 304-305.

4 Zavascki, Processo, p. 436; Nogueira, Execução, p. 224.

5 Dinamarco, Instituições n. 1.824, p. 765.

6 Lucon, Embargos; Greco Filho, Direito, p. 35.

7 Theodoro Jr., Processo, n. 101, p. 157.

8 Nery-Nery, Código, p. 996; Scarpinella Bueno, A nova 3, p. 26-27.

9 Não se pode concordar com Hoffman, Nova, p. 43, para quem caberá ao juiz no caso concreto prosseguir a execução de forma definitiva ou provisória.

10 Wambier-Wambier-Medina, Breves 3, p. 61-62.

11 Contra: Wambier-Wambier-Medina, Breves 2, p. 187-188.

12 Oliveira, Comentários, p. 150; Baptista da Silva, Do processo, p. 301.

13 Nogueira, Execução, p. 162.

14 Em sentido contrário, exigindo que se prove a iminência de perigo: Zavascki, Processo, p. 444, Lucon, Eficácia, p. 414-416; Scarpinella Bueno, Execução, p. 186-187.

15 Dinamarco, Instituições, n. 1.829, p. 772; Zavascki, Processo, p. 444-445.

16 Abelha Rodrigues, Manual, p. 197. Oliveira, A nova, p. 202, defende que o contraditório se estabeleça depois da decisão, por meio da interposição de agravo de instrumento. Araken de Assis, Manual, n. 66.3, p. 314, defende a ação de caução quando ocorrer controvérsia sobre o valor da caução.

17 Araken de Assis, Manual, p. 314, para quem a expressão “arbitrada de plano” diz respeito ao valor da caução; Scarpinella Bueno, A nova, p. 154-155, para quem a expressão indica a desnecessidade de ação de caução.

18 Marinoni-Arenhart, Execução, p. 361.

19 Zavascki, Processo, n. 444.

20 Dinamarco, Instituições, n. 1.830, p. 773-774. Contra: Marinoni-Arenhart, Execução, p. 363, entendem que é possível superar o valor se a necessidade for superior a 60 salários mínimos.

21 Marinoni-Arenhart, Execução, p. 363; Scarpinella Bueno, A nova 1, p. 159; Wambier-Wambier-Medina, Breves 2, p. 191.

22 Araken de Assis, Manual, n. 66.3, p. 316.

23 Marinoni-Arenhart, Execução, p. 365; Abelha Rodrigues, Manual, p. 194; Greco, O processo, n. 3.4.1.2, p. 203.

24 Araken de Assis, Manual, n. 66.4, p. 317-318; Marinoni-Arenhart, Execução, p. 367; Abelha Rodrigues, Manual, p. 196.

25 Dinamarco, Instituições, n. 1.828, p. 770; Wambier-Wambier-Medina, Breves 2, p. 189. Contra: Araken de Assis, Manual, n. 66.2, p. 313, e Nery-Nery, Código, p. 756, entendem ser obrigatória a liquidação por arbitramento.

26 Araken de Assis, Manual, n. 67, p. 321; Scarpinella Bueno, A nova 1, p. 160.

27 STJ, 1.ª Turma, REsp 692.015, rel. Min. Luiz Fux, j. 21.06.2005, DJ 1.º.08.2005; STJ, 2.ª Turma, REsp 464.332/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 14.09.2004, DJ 06.12.2004; STJ, 1.ª Turma, REsp 331.460/SP, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 07.08.2003, DJ 17.11.2003.

28 Cunha, A Fazenda, n. 12.1.11, p. 272; Araken de Assis, Manual, n. 422, p. 962.

29 STJ, Corte Especial, EREsp 658.542/SC, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 26.02.2007; STJ, Corte Especial, EREsp 638.620/SC, rel. Min. Luiz Fux, DJ 02.10.2006.

30 Zavascki, Processo, p. 448; Cunha, A Fazenda, n. 12.1.11, p. 273.

31 Cunha, A Fazenda, n. 12.1.11, p. 274; Ribeiro, Execução, n. 21, p. 257.

32 Tosta, Do reexame, n. 9.2, p. 211; Nogueira, Execução, 11.6, p. 239.