Sumário: 55.1. Conceito – 55.2. Classificação – 55.3. Cautio pro expensis (caução para pagamento de custas e honorários advocatícios) – 55.4. Aspectos procedimentais.
Existem diferentes espécies de caução, e, para ter natureza cautelar, a caução deve se prestar a garantir a eficácia do resultado de um processo, função típica de qualquer medida cautelar. A dificuldade em distinguir a caução cautelar da não cautelar é que toda caução tem como objeto estabelecer uma garantia, apresentando característica de preventividade1, devendo-se buscar a distinção entre as diferentes espécies no objeto de tal garantia. Dessa forma, sempre que a caução garantir um direito substancial, como ocorre na caução prestada como garantia do pagamento de uma dívida, não há natureza cautelar; e sempre que garantir a efetividade de um processo, adquire a natureza cautelar2.
Essa constatação leva parcela significativa da doutrina a entender que o processo de caução, com o procedimento estabelecido pelos arts. 826 e seguintes do CPC, nunca terá como objeto uma caução cautelar, sempre se tratando de tutela satisfativa, a se desenvolver por meio de um processo principal e não meramente cautelar3. A caução cautelar estaria reservada a atos procedimentais praticados em outros processos cautelares, tal como ocorre com a previsão do art. 804 do CPC, que exige a prestação de caução como contracautela para a concessão da liminar de arresto, do art. 805 do CPC, que admite de forma geral a substituição de qualquer medida cautelar pela caução, do art. 819, II, do CPC, que admite a suspensão da execução do arresto caso o requerido ofereça caução, ou processos não cautelares, como ocorre nos arts. 925 e 940 do CPC.
Segundo correto ensinamento doutrinário, nas cauções não cautelares sempre existirá uma vinculação do juiz a um determinado negócio jurídico, à eficácia de uma sentença ou a uma norma de direito material ou processual, dependendo sua concessão da existência, validade e eficácia do negócio jurídico, do cumprimento da sentença e da aplicação da regra jurídica conforme presente o suporte fático nela contido. Já nas cauções cautelares haverá a necessária apreciação pelo juiz da presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, dependendo sua concessão da efetiva demonstração da presença desses requisitos no caso concreto4.
Para parcela da doutrina, as cauções são classificadas em cauções legais, negociais e processuais, sendo que nestes há uma divisão interna entre ações cautelares e medidas incidentais necessárias, de imposição ex officio5. Entendo mais adequada outra classificação, que divide as cauções em três espécies6:
(a) legais, quando têm origem na lei;
(b) negociais, quando têm origem em negócio jurídico;
(c) judiciais, quando têm origem na eficácia de uma sentença proferida em processo de cognição exauriente.
As cauções legais têm sua origem na expressa previsão legal – tanto de direito processual como de direito material –, existindo divergência doutrinária a respeito da natureza jurídica das cauções legais.
No ordenamento processual podem ser mencionadas, a título exemplificativo, a caução prevista na execução provisória (art. 475-O, III, do CPC); na arrematação a prazo (art. 690 do CPC), na nunciação de obra nova (art. 940 do CPC), nos embargos de terceiro (art. 1.051 do CPC). Não parece correta a lição doutrinária que afirma que a caução legal nunca tem natureza cautelar7, porque, tendo origem em norma de direito processual, tanto pode ter natureza cautelar, exigindo a presença do fumus boni iuris e periculum in mora para ser concedida, como ocorre com a caução exigida no art. 940 do CPC8, como pode ser exigida para a prática de determinado ato processual, como ocorre com a caução prevista na execução provisória, conforme tratado no Capítulo 40, item 40.3. Cautelares ou não, as cauções legais decorrentes de previsão de norma processual são sempre medida incidental, não existindo nesse caso ação cautelar de caução.
Normas de direito material também podem prever expressamente a caução, como se verifica no art. 1.280 do CC, na caução de dano infecto e no art. 1.745, parágrafo único, do CC, na caução do tutor para a garantia do patrimônio do tutelado, na “caução muciana” prevista no art. 1.977 do CC. Entendo que, tratando-se de caução legal prevista em norma de direito material, é cabível o processo autônomo de caução, que, embora tenha previsão procedimental nos arts. 826 e seguintes do CPC, no capítulo referente às cautelares típicas será um processo de conhecimento, apto a entregar ao autor uma tutela definitiva de seu direito material.
A caução negocial é a garantia para que ocorra o fiel cumprimento de um contrato ou de qualquer outro negócio jurídico, sendo exemplos típicos a hipoteca, a fiança, o penhor e a anticrese. A caução judicial decorre da eficácia de alguma decisão ou sentença, como acontece na caução prevista pelo art. 475-Q, § 2.º, do CPC, que se prestará a substituir a constituição de capital que assegure o pagamento do valor mensal de pensão9.
A classificação analisada tem como critério a origem da caução, mas existem outras formas de classificá-las, bastando para tanto a adoção de outros critérios, tal como ocorre na distinção entre caução cautelar e não cautelar, cujo critério é a garantia ou não do resultado eficaz de um processo. No art. 826 do CPC adota-se como critério de classificação a natureza do bem oferecido em caução, prevendo o dispositivo legal a possibilidade de a caução ser real, tal como ocorre na hipoteca, no penhor e na anticrese, ou fidejussória, de natureza pessoal, como é na fiança e no seguro-garantia.
A liberdade da parte em escolher a espécie de caução – real ou fidejussória – encontra limites no negócio jurídico celebrado e na própria lei. Na caução negocial a parte estará adstrita à espécie de caução convencionada no negócio jurídico, remanescendo a possibilidade de escolha somente na hipótese das cauções legais e judiciais. Por vezes, a lei poderá impor à parte uma espécie de caução, o que naturalmente afasta a sua possibilidade de escolha, como ocorre no art. 151, II, do CTN, que exige a caução em dinheiro (ou seja, o depósito do montante integral como condição para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário)10. Salvo essas situações, entretanto, a escolha é livre e não pode o juiz no caso concreto criar uma ordem de preferência entre as diferentes espécies de caução, limitando-se a analisar a suficiência e a idoneidade da caução oferecida pelo caucionante11. Não é correta, assim, a posição do Superior Tribunal de Justiça em afirmar que o juiz pode exigir a caução em dinheiro ou fiança bancária12.
Não havendo uma expressa indicação legal quanto à espécie de caução, nos termos do art. 827 do CPC poderá o caucionante optar pelo depósito em dinheiro, papéis de crédito, títulos da União e dos Estados, pedras e metais preciosos, hipoteca, penhor e fiança. Apesar da omissão legal, também se admite a prestação da caução por meio da anticrese, espécie de caução real. Registre-se que a caução pode ser prestada tanto pelo interessado quanto por terceiro, já tendo sido analisada no Capítulo 36, item 36.4.4, a figura do fiador judicial.
Aduz o art. 835 do CPC que o autor da demanda judicial, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência do processo, prestará caução suficiente ao pagamento das custas e honorários advocatícios da parte contrária, caso não tenha em território nacional bens imóveis que assegurem tal pagamento. O dispositivo legal é suficientemente claro ao determinar qual será o valor dessa caução, não sendo correto exigi-la no valor do bem da vida pretendido pelo autor. Por outro lado, como não há indicação da espécie de caução a ser prestada, aplica-se no caso o art. 827 do CPC, admitindo-se tanto a caução real como a fidejussória, bastando que seja idônea e suficiente13. Caberá ao autor a prestação da caução de forma incidental na demanda, não sendo necessária a propositura de processo autônomo cautelar.
A determinação da prestação de caução pode ser realizada de ofício pelo juiz, que determinará sua prestação sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito14. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, uma vez resolvida pela dispensa da caução, não poderá a parte que se conformou levantar posteriormente a questão em razão da preclusão temporal15.
Tratando-se de defesa processual dilatória potencialmente peremptória, caso o juiz não determine a prestação da caução de ofício, caberá ao réu alegar a matéria em contestação, e, uma vez acolhida a matéria defensiva, caberá ao juiz conceder prazo ao autor para regularizar sua situação. Nem sempre a caução será prestada no momento inicial do procedimento, até porque o próprio dispositivo legal prevê a hipótese de ausência do autor na pendência da ação. O Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, já decidiu que, mesmo prestada a caução tardiamente, não há nulidade se a falta não prejudicou a parte ou o processo16.
Segundo o art. 836 do CPC, a caução será dispensada na execução fundada em título executivo extrajudicial e na reconvenção. Não concordo com a doutrina que limita a exigência do dispositivo legal aos processos de conhecimento, sustentando tratar-se de imprecisão técnica a menção expressa à execução fundada em título extrajudicial, que deve ser interpretada como embargos à execução17. Parece correto afirmar que na execução as custas processuais correm sempre por conta do executado, o que já seria suficiente para determinar a dispensa, mas daí a concluir que o termo “execução” deve ser interpretado como “embargos à execução” vai grande distância. Prefiro o entendimento que, admitindo a natureza de processo de conhecimento dos embargos à execução e a ausência de isenção legal, exige a prestação da caução, nos termos do art. 835 do CPC18. Também na hipótese de assistência judiciária a prestação de caução deverá ser dispensada19.
Estando o exequente de título extrajudicial isento da prestação da caução, parece correto estender essa dispensa às demandas judiciais que possam ser interpostas em vez, ou antes, da execução. Dessa forma, será dispensada a caução numa ação cautelar de arresto ou sequestro, sempre que o requerente já tiver em seu favor um título executivo extrajudicial. O Superior Tribunal de Justiça decidiu que, diante do inadimplemento na venda a prazo com reserva de domínio, o credor poderá requerer a apreensão e o depósito da coisa vendida (art. 1.071 do CPC) ou ajuizar execução fundada no título executivo extrajudicial (art. 1.070 do CPC), sendo em ambas as demandas dispensada a caução prevista no art. 835 do CPC20.
A ação de caução pode ter no polo ativo tanto o sujeito que tem o direito de exigir a prestação da caução como aquele que tem o dever de prestá-la.
Segundo o art. 829 do CPC, sendo autor da demanda o sujeito que tem a obrigação de prestar a caução, deve ingressar com petição inicial indicando o valor a caucionar, o modo pelo qual a caução vai ser prestada, a estimativa dos bens (na hipótese de caução real), a prova da suficiência da caução ou da idoneidade do fiador e o pedido de citação da pessoa a favor de quem a caução deve ser prestada, que figurará no polo passivo da demanda. Tratando-se de caução real, caberá ao autor instruir a petição inicial com a prova do registro imobiliário, cabendo ao requerente casado exibir declaração de seu cônjuge, independentemente da natureza da caução. E o art. 830 do CPC prevê que o sujeito em cujo favor deve ser prestada a caução ingressará com demanda requerendo a citação do obrigado para que a preste, sob pena de incorrer na sanção prevista em lei ou no contrato. Tratando-se de obrigação de fazer, correta a doutrina a entender aplicável por analogia o art. 461 do CPC, admitindo-se a imposição de multa ao réu, ainda que não requerida expressamente21. Em ambos os casos, aplica-se o art. 282 do CPC no tocante aos requisitos formais da petição inicial.
Independentemente de quem proponha a ação de caução, o requerido será citado para que no prazo de cinco dias aceite a caução (art. 829 do CPC), a preste (art. 830 do CPC), ou apresente contestação. Apesar da omissão legal, parece admissível na resposta do requerido o ingresso das exceções rituais e da reconvenção, visto que o processo na realidade é de conhecimento, e não cautelar, como sugere a localização no CPC das normas atinentes ao tema. Também a omissão em oferecer qualquer resposta no prazo legal é reação possível ao requerido, hipótese em que o requerido será revel.
Segundo o art. 832 do CPC, haverá julgamento imediato (espécie de julgamento antecipado da lide):
(a) se o requerido não contestar;
(b) se a caução oferecida ou prestada for aceita (reconhecimento jurídico do pedido22);
(c) se a matéria for somente de direito ou, também sendo de fato, não houver prova a produzir.
Sendo contestada a demanda e sendo necessária a produção de prova oral, o art. 833 do CPC prevê a designação pelo juiz de audiência de instrução e julgamento.
Sendo julgado procedente o pedido por sentença recorrível por apelação sem efeito suspensivo (art. 520, IV, do CPC), o juiz determinará a caução e indicará o prazo em que deve ser prestada, nos termos do art. 834, caput, do CPC. Não sendo cumprida a decisão judicial no prazo determinado, o juiz declarará não prestada a caução na hipótese do art. 829 do CPC ou efetivada a sanção que cominou na sentença no caso do art. 830 do CPC. Parcela significativa da doutrina entende que, não havendo o cumprimento da sentença e sendo necessária a prolação de uma nova decisão, nos termos do art. 834, parágrafo único, do CPC, haverá nova sentença, recorrível por apelação23.
No PLNCPC não existe mais previsão de cautelares nominadas.
1 Oliveira, Comentários, n. 44, p. 143. Fidélis dos Santos, Manual, n. 1.457, p. 372-373, incorre na confusão.
2 Câmara, Lições, v. 3, p. 123; Abelha Rodrigues, Manual, p. 689; Fux, Curso, p. 1.643-1.644.
3 Baptista da Silva, Do processo, p. 325. Contra, entendendo que as cautelares previstas nos arts. 799 e 805 do CPC exigem processo cautelar autônomo: Theodoro Jr., Processo, n. 221, p. 257.
4 Oliveira, Comentários, n. 44, p. 143.
5 Theodoro Jr., Processo, n. 212, p. 250.
6 Baptista da Silva, Do processo, p. 325.
7 Theodoro Jr., Processo, n. 213, p. 250.
8 Furtado Fabrício, Comentários, n. 394, p. 434-436; Oliveira, Comentários, n. 44, p. 147.
9 Oliveira, Comentários, n. 45, p. 148-149; Câmara, Lições, v. 3, p. 126.
10 STJ, 1.ª Turma, REsp 937.627/RS, rel. Min. Francisco Falcão, j. 05.06.2008, DJe 26.06.2008.
11 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 774; Fux, Curso, p. 1.644-1.645; Oliveira, Comentários, n. 48, p. 161; Pontes de Miranda, Comentários, v. 12, p. 189.
12 STJ, 3.ª Turma, REsp 536.758/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 05.02.2004, DJ 05.04.2004, p. 258.
13 Theodoro Jr., Processo, n. 223, p. 260.
14 Contra: Fidélis dos Santos, Manual, n. 1.468, p. 378.
15 STJ, 4.ª Turma, REsp 848.424/RJ, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 07.08.2008, DJe 18.08.2008.
16 STJ, 4.ª Turma, REsp 331.022/RJ, rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, j. 07.03.2002, DJ 06.05.2002, p. 296.
17 Theodoro Jr., Processo, n. 224, p. 262.
18 Oliveira, Comentários, n. 58, p. 183.
19 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 777; Oliveira, Comentários, n. 57, p. 177; Pontes de Miranda, Comentários, v. 12, p. 210.
20 STJ, 4.ª Turma, REsp 660.437/SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 04.11.2004, DJ 14.03.2005, p. 378; REsp 447.324/SP, 3.ª Turma, rel. Min. Ari Pargendler, j. 17.12.2002, DJ 16.06.2003, p. 337.
21 Oliveira, Comentários, n. 52, p. 167.
22 Baptista da Silva, Do processo, p. 332.
23 Baptista da Silva, Do processo, p. 337; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 776; Theodoro Jr., Processo, n. 222, p. 258. Contra: Câmara, Lições, v. 3, p. 131.