Vinheta

BUSCA E APREENSÃO

Sumário: 56.1. Conceito – 56.2. Espécies – 56.3. Procedimento.

56.1. CONCEITO

O termo busca e apreensão significa a procura e a apropriação judicial de uma coisa ou de uma pessoa, sendo lição doutrinária tradicional a afirmação de que a busca e apreensão é um todo indivisível, resultante de dois elementos sucessivos: primeiro investiga-se com o objetivo de localizar a coisa ou pessoa e, ato contínuo, realiza-se a constrição judicial por meio do ato material de apreensão. Há doutrina, inclusive, que afirma haver uma fusão de dois atos, o de buscar e o de apreender1.

Interessante notar que a apreensão depende do sucesso do ato de investigar que viabilizará o ato de constrição judicial, porque, sendo frustrada a procura da coisa ou pessoa, naturalmente não será possível a realização da apreensão. Pelo contrário, uma vez sendo positiva a investigação a respeito do paradeiro da coisa ou pessoa, a constrição será necessariamente realizada, como ato contínuo à sua localização. Excepcionalmente, em especial por resistência injustificada de parte ou de terceiro, é possível imaginar a busca e apreensão frustrada em razão da não realização do ato de apropriação judicial, apesar de encontrada a coisa ou pessoa como, por exemplo, se localizado um bem com o devedor que resiste às ordens do oficial de justiça e consegue se evadir do local.

56.2. ESPÉCIES

São diversos os significados que a expressão busca e apreensão pode assumir no direito brasileiro, nem sempre tendo a natureza cautelar que interessa ao presente exame, até porque o procedimento previsto nos arts. 839 a 843 do CPC é limitado ao processo cautelar de busca e apreensão, devendo as outras espécies procurar amparo em legislação específica2. Apesar das diferentes espécies de busca e apreensão, somente terá natureza cautelar a medida que tem como objetivo preservar a efetividade do resultado de um processo, a exemplo do que ocorre com a caução.

Tratando-se de medida cautelar, sua concessão está condicionada à presença do fumus boni iuris e periculum in mora, de forma que a busca e apreensão que funciona como meio executivo não tem natureza cautelar, como ocorre na execução de entrega de coisa móvel (art. 625 do CPC). Trata-se de medida voltada à satisfação do direito do exequente, inclusive sem a necessidade de qualquer outra circunstância que não a manutenção do inadimplemento do executado após a sua citação e do prazo a ele concedido para cumprir sua obrigação3.

Outra medida de busca e apreensão que tem natureza processual, mas não cautelar, e que se desenvolve incidentalmente no processo, é aquela voltada para a recuperação dos autos do processo mantidos por uma das partes ilegalmente, medida que, inclusive, pode ser determinada de ofício4. Note-se que a busca e apreensão funciona aqui muito mais como uma sanção processual à parte – não a única – do que medida cautelar, até porque é dispensável que a manutenção ilegal dos autos gere perigo de ineficácia do resultado final do processo, bastando o decurso do prazo concedido pelo juiz.

Também não será cautelar a busca e apreensão definitiva, que gera ou busca gerar a satisfação do direito material, como ocorre:

(a) na busca e apreensão de incapazes sempre que o autor pretende com a ação manter a guarda legítima (gerada por força de lei, acordo ou sentença) exercida em relação ao incapaz5;

(b) na busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, prevista no art. 3.º do Decreto-lei 911/1969, certamente a ação de busca e apreensão mais frequente no dia a dia forense;

(c) no art. 102 da Lei 9.610/1998, que regula o direito do autor de requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos de forma fraudulenta.

A busca e apreensão cautelar é dividida em três espécies:

(i) busca e apreensão incidental que tem como único objetivo realizar uma outra medida cautelar, como o arresto, o sequestro, o arrolamento e o depósito6;

(ii) busca e apreensão para restabelecer um ato de constrição judicial já realizado por meio de outra medida cautelar, como ocorre com a tentativa de desvio malicioso do bem já arrestado7;

(iii) a busca a apreensão de pessoas e coisas que se desenvolve por meio de processo autônomo, seguindo o procedimento dos arts. 839 a 843 do CPC.

56.3. PROCEDIMENTO

Segundo o art. 840 do CPC, a petição inicial da cautelar de busca e apreensão deverá conter as justificativas da medida e da ciência de estar a pessoa ou a coisa no lugar designado. Apesar da previsão legal específica a respeito dos requisitos formais da petição inicial, parece que a aplicação dos arts. 801 e 282 do CPC já seria suficiente para melhor descrever como esse ato processual deve ser praticado8.

As razões da medida constituem a causa de pedir, mais precisamente o fumus boni iuris, previsto como requisito da petição inicial no art. 801, IV, do CPC (“exposição sumária do direito ameaçado”). Não basta a mera indicação do local em que possa ser localizada a coisa ou a pessoa, concluindo-se do texto legal que caberá ao requerente a apresentação de alguma prova ou indício de suas alegações9, não parecendo ser saudável à tutela cautelar uma exigência que inviabilize o direito do requerente, em especial em sede liminar. Apesar da omissão legal, também caberá ao requerente a demonstração do periculum in mora, sendo dispensado somente para os doutrinadores que defendem a aplicação do procedimento ora analisado para processos satisfativos de busca e apreensão10.

Como ocorre em todo processo cautelar, também na busca e apreensão será admissível a audiência de justificação prévia, mas somente na hipótese de dúvida do juiz a respeito do pedido de liminar que possa ser solucionada com a oitiva de testemunhas. Estando o juiz convencido do direito do requerente à liminar, é dispensável a realização da audiência, sendo imediatamente expedido o mandado de busca e apreensão. Aduz o art. 841 do CPC que a audiência de justificação, quando indispensável, será realizada em segredo de justiça, inconfundível com a previsão do art. 155 do CPC, porque no caso da justificação prévia o segredo atinge o requerido, que é parte no processo cautelar, enquanto no tradicional segredo de justiça a mitigação da publicidade atinge somente terceiros11.

O dispositivo legal é interessante porque, apesar da inutilidade de seu caput – bastaria aplicar o art. 804 do CPC para concluir pela possibilidade de realização da audiência de justificação prévia –, seus incisos indicam os requisitos formais do mandado de busca e apreensão:

(I) indicação da casa ou do lugar em que se deve efetuar a diligência;

(II) descrição da pessoa ou da coisa procurada e o destino a lhe dar;

(III) assinatura do juiz que determinar a busca e apreensão.

Na hipótese de busca e apreensão de coisas que estejam espalhadas por diversos locais, como ocorre na apreensão de obra literária já distribuída pela editora, a exigência contida no art. 841, I, do CPC será afastada12.

Os arts. 842 e 843 do CPC tratam das especialidades procedimentais no cumprimento do mandado de busca e apreensão. Determina o art. 842, caput, do CPC que o ato de constrição judicial será realizado por dois oficiais de justiça, cabendo a qualquer um deles ler o teor do mandado ao requerido, determinando a abertura das portas para que o ato seja praticado. Havendo resistência, os oficiais poderão arrombar portas externas e internas, bem como móveis onde presumidamente esteja a pessoa ou coisa procurada, não sendo necessária a expressa permissão a esses atos constar do mandado13. No mais das vezes, o oficial de justiça se vale do auxílio da força policial, que deverá ser determinada expressamente pelo juiz no caso concreto14. Acompanharão a diligência duas testemunhas e, na hipótese de direito autoral, dois peritos que deverão confirmar in loco a ocorrência da violação, o que não dispensa a presença das duas testemunhas.

Na hipótese de busca e apreensão de pessoas, em razão da natural comoção que geralmente acarreta, a melhor doutrina indica a sadia possibilidade de o juiz indicar assistente social ou médico, no caso de pessoa enferma, para acompanhar as diligências15. Até mesmo o juiz poderá participar do ato judicial, a exemplo do que faz na inspeção judicial, resolvendo questões respeitantes ao cumprimento do mandado16.

Aduz o art. 843 do CPC que, finda a diligência, será lavrado pelos oficiais de justiça um auto circunstanciado, que deverá ser assinado pelas testemunhas. Apesar da omissão legal, na hipótese de busca e apreensão fundada em direito autoral (art. 842, § 3.º, do CPC), também os peritos deverão assinar o auto circunstanciado, não obstante também devam elaborar seus trabalhos técnicos em apartado17.

No PLNCPC não existe mais previsão de cautelares nominadas.


1 Pontes de Miranda, Comentários, v. 12, p. 217.

2 Theodoro Jr., Processo, n. 227, p. 266; Câmara, Lições, v. 3, p. 135; Pontes de Miranda, Comentários, v. 12, p. 221. Contra: Baptista da Silva, Do processo, p. 350; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 779.

3 Pela natureza não cautelar: Oliveira, Comentários, n. 61, p. 189; Costa Machado, Código, p. 1.394; Pontes de Miranda, Comentários, v. 12, p. 223.

4 Baptista da Silva, Do processo, p. 350. Contra, pela natureza cautelar: Theodoro Jr., Processo, n. 226, p. 266; Bomfim Marins, Comentários, p. 250.

5 Greco Filho, Direito, n. 38, p. 195; Baptista da Silva, Do processo, p. 349; Oliveira, Comentários, n. 63, p. 195.

6 Bomfim Marins, Comentários, p. 246. Contra, pela natureza não cautelar: Baptista da Silva, Do processo, p. 348.

7 Theodoro Jr., Processo, n. 226, p. 266.

8 Theodoro Jr., Processo, n. 231, p. 269; Pontes de Miranda, Comentários, v. 12, p. 224-225.

9 Marinoni-Mitidiero, Curso, p. 779. Contra, exigindo prova documental: Câmara, Lições, v. 3, p. 138.

10 Baptista Silva, Do processo, p. 356.

11 Oliveira, Comentários, n. 66, p. 201.

12 Câmara, Lições, v. 3, p. 138.

13 Costa Machado, Código, p. 1.396.

14 Marinoni-Mitidiero, Curso, p. 780; Oliveira, Comentários, n. 67, p. 204.

15 Baptista Silva, Do processo, p. 360; Marinoni-Mitidiero, Curso, p. 780, p. 780.

16 Oliveira, Comentários, n. 67, p. 203.

17 Oliveira, Comentários, n. 69, p. 206.