Sumário: 59.1. Conceito e natureza jurídica – 59.2. Alimentos provisionais e alimentos provisórios – 59.3. Procedimento.
Tradicionalmente, afirma-se que os alimentos constituem os bens necessários à manutenção digna da pessoa natural. A doutrina ensina que existem três espécies de alimentos:
(a) alimentos naturais, ligados à necessária manutenção orgânica da pessoa (gêneros alimentícios);
(b) civis, referentes à manutenção social digna da pessoa (habitação, vestuário, remédios, instrução);
(c) processuais (alimenta in litem), necessários ao pagamento de custas e despesas processuais.
A distinção somente tem relevância para a parcela da doutrina que defende a possibilidade de repetição de indébito dos chamados alimenta litis1.
Tratando-se de medida cautelar, os alimentos provisionais têm como função garantir a eficácia do resultado de outro processo, no qual se discute o direito material do qual decorre o direito de alimentos. Será ineficaz a decisão final que decidir pela existência do direito de alimentos, se durante o tempo necessário para essa definição o titular desse direito suportou privações em sua manutenção digna, de forma que os alimentos provisionais garantem, ao entregar imediatamente os alimentos ao seu pretenso titular, que um futuro reconhecimento definitivo de seu direito seja eficaz.
Apesar da colocação dos alimentos provisionais no rol dos processos cautelares típicos, concordo com a parcela majoritária da doutrina que entende não ser cautelar a natureza dos alimentos provisionais2. É até possível manter a estrutura procedimental cautelar3, até mesmo no tocante à necessidade de comprovação do fumus boni iuris e do periculum in mora, mas é inegável a natureza de satisfação fática do direito, com a antecipação dos efeitos práticos do futuro e definitivo reconhecimento do direito a alimentos e a consequente condenação a sua prestação. Há, inclusive, doutrina que entende tratar-se de verdadeira tutela antecipada, com aplicação do art. 273 do CPC4, tema que, em razão da fungibilidade entre as tutelas de urgência consagrada no art. 273, § 7.º, do CPC, perdeu consideravelmente sua importância prática.
Existe intenso debate na doutrina a respeito da distinção entre os alimentos provisionais e os alimentos provisórios, acentuada com a constatação de que em ambos os casos a medida que concede os alimentos tem natureza satisfativa, antecipando os efeitos práticos de uma futura decisão condenatória definitiva ao pagamento dos alimentos. Essa identidade de natureza jurídica – tutela de urgência satisfativa –, entretanto, não é suficiente para desprezar as diferenças entre os alimentos provisionais e os alimentos provisórios.
Não parece correta, portanto, a doutrina que entende serem substancialmente iguais os alimentos provisionais e provisórios, prestando-se sempre a manutenção do litigante necessitado durante o trâmite do processo no qual se discute seu direito de alimentos de forma principal e isolada (ação de alimentos) ou cumulada com outro pedido (p. ex., divórcio com pedido de alimentos)5. Também não parece acertada a doutrina que indica a diferença pela natureza jurídica distinta, afirmando que os alimentos provisionais têm natureza cautelar e os provisórios, natureza satisfativa6, porque, conforme já afirmado, ambos geram a satisfação fática ao pretenso titular do direito de alimentos.
A indevida confusão entre as duas espécies de tutela de urgência alimentar tem origem na lei, havendo expressa menção a alimentos provisórios no art. 4.º da Lei 5.478/1968 e indicação pelo art. 852, II, do CPC de que os alimentos provisionais seriam cabíveis nas ações de alimentos, entendidas como as ações que seguem o rito procedimental especial da Lei 5.478/1968. Apesar da confusão legal, é entendimento corrente que os alimentos concedidos antecipadamente na ação de alimentos são classicamente chamados de alimentos provisórios7.
Concordamos com a parcela da doutrina que entende que a diferença entre alimentos provisionais e provisórios encontra-se no procedimento e nos requisitos necessários à concessão dos alimentos, principalmente nesse segundo motivo.
Os alimentos provisórios são exclusividade do procedimento especial estabelecido pela Lei 5.478/1968, mais precisamente em seu art. 4.º, que prevê a concessão de alimentos provisionais – leiam-se provisórios – quando o juiz despachar a petição inicial, o que somente não ocorrerá se o requerente expressamente indicar que deles não necessita. Para se ter o direito ao procedimento especial é indispensável a existência de prova pré-constituída da relação de parentesco ou da obrigação de alimentar (art. 2.º da Lei 5.478/1968), que uma vez instruindo a petição inicial demonstra com grande grau de probabilidade a existência do direito aos alimentos8.
Como se pode notar, a única exigência para a concessão liminar dos alimentos provisórios é a apresentação com a petição inicial de prova pré-constituída da relação de parentesco ou da obrigação de alimentar, sendo que a proteção concedida ao autor será mantida até o trânsito em julgado (art. 13, § 3.º, da Lei 5.478/1968), somente sendo admitida sua modificação na hipótese de alteração da situação financeira das partes, que exige pedido a ser processado em apartado (art. 13, § 1.º, da Lei 5.478/1968).
Não tendo o pretenso titular do direito uma prova pré-constituída da relação de parentesco ou da obrigação de alimentar, caberá o ingresso de ação cognitiva com procedimento comum para o reconhecimento desse direito e a condenação do réu a pagar os alimentos. Nessa hipótese, sendo inaplicável a concessão liminar de alimentos provisórios, havendo a necessidade urgente da obtenção dos alimentos antes da decisão definitiva, passa a ser cabível o pedido de alimentos provisionais, que demandarão para sua concessão a presença no caso concreto de fumus boni iuris e do periculum in mora9.
A necessidade de propositura de um processo cautelar incidental ou se basta um mero pedido incidental no processo principal por meio de mera petição refere-se à autonomia da tutela cautelar à luz do art. 273, § 7.º, do CPC, em tema já desenvolvido no Capítulo 50, item 50.3.2. Naturalmente, a cautelar de alimentos provisionais pode ser antecedente à ação cognitiva na qual se buscará a condenação do réu ao pagamento dos alimentos, sendo nesse caso indispensável a propositura de um processo cautelar.
Nem sempre o reconhecimento do direito aos alimentos e a condenação na obrigação ao seu pagamento constituem a única pretensão do autor, podendo imaginar uma ação principal que tenha como objeto outras pretensões, além do pedido de condenação ao pagamento de alimentos. Assim, o direito de alimentos pode decorrer de um divórcio, anulação de casamento, destituição do pátrio poder, dissolução da união estável10, investigação de paternidade11, gravidez etc., sendo cabível nesses casos a cautelar de alimentos provisionais, tanto de forma preparatória como incidentalmente. A interpretação vem corroborada por interpretação extensiva do art. 852, I e III, do CPC.
Compartilho do entendimento doutrinário de que na revisão de alimentos é cabível a fixação de alimentos provisionais, admitindo-se que o juiz modifique o valor dos alimentos, ainda que fixados por sentença transitada em julgado, caso entenda presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora12. Não há no entendimento defendido qualquer ofensa à coisa julgada material, que como sabido tem tratamento diferenciado nas relações jurídicas de trato sucessivo, conforme amplamente demonstrado no Capítulo 17, item 17.9. Além disso, a concessão de alimentos provisionais não tem capacidade para desconstituir os alimentos em vigor, só modificáveis por meio da decisão definitiva da ação revisional de alimentos13.
Registre-se, por fim, a peculiar previsão do art. 6.º da Lei 11.804/2008 (alimentos gravídicos), que prevê a fixação de tais alimentos desde que o juiz se convença da existência de indícios de paternidade, tudo levando a crer que seja essa demonstração o fumus boni iuris dessa singular espécie de ação cautelar de alimentos provisionais. A singularidade fica por conta do tempo de duração da medida, já que pela previsão legal os alimentos gravídicos perdurarão até o nascimento da criança, o que excepcionalmente torna a medida temporária (não será substituída pela tutela definitiva).
Mesmo não tendo natureza cautelar, o procedimento relativo aos alimentos provisionais seguirá o mesmo da cautelar comum, previsto fundamentalmente nos arts. 800 a 804 do CPC, sendo poucas e sem grande relevância as normas específicas que tratam do procedimento dos alimentos provisionais.
O art. 854, caput, do CPC prevê que na petição inicial o requerente exporá suas necessidades e as possibilidades do alimentante, cumprindo a previsão do art. 1.695 do CC. Apesar de não terem natureza cautelar, os alimentos provisionais são provisórios, concedidos mediante cognição sumária, de forma que tanto o direito aos alimentos como as necessidades do requerente e as possibilidades do alimentante serão analisados num juízo de probabilidade, não se exigindo a certeza judicial quanto a essas questões. A mensalidade arbitrada pelo juiz antes da citação do requerido e prevista no art. 854, parágrafo único, do CPC nada mais é do que a liminar prevista no art. 804 do CPC14.
Entendo que, ainda que não se trate de medida de natureza cautelar, a concessão de alimentos provisórios – em sede liminar ou por sentença – em ação antecedente, exige do requerente beneficiado com a tutela jurisdicional a propositura da ação principal no prazo de 30 dias, nos termos do art. 806 do CPC15. Assim entendo porque a medida é provisória e não pode se eternizar, devendo o beneficiado por ela dar início sem maiores delongas ao processo principal no qual se concluirá, mediante um juízo de certeza, se o direito aos alimentos efetivamente existe. Seria muito confortável para o alimentado e extremamente injusto com o alimentante não exigir a propositura da ação principal dentro do prazo legal previsto no art. 806 do CPC, eternizando uma situação fundada na mera probabilidade da existência do direito material alegado pelo requerente.
Acredito que a sentença de improcedência da ação principal, independentemente de a apelação ser recebida no seu efeito suspensivo, revoga imediatamente os alimentos provisionais concedidos16, a não ser na excepcional hipótese de o juiz expressamente mantê-los em sua sentença. É o mesmo tratamento dispensado à sentença de improcedência em demanda na qual tenha sido anteriormente concedida tutela antecipada, conforme tratado no Capítulo 51, item 51.11.
O interessante quanto a essa situação é que o julgamento de improcedência, fundado em cognição exauriente e juízo de certeza, demonstra que o direito alimentar não existe, e que os alimentos provisionais foram concedidos pela falsa percepção da realidade obtida pelo juiz na análise sumária típica das medidas provisórias. Os alimentos, entretanto, são irrepetíveis, e já tendo sido satisfeito o direito com amparo na decisão concessiva dos alimentos provisionais, nada poderá ser cobrado de volta. Essa irrepetibilidade, inclusive, leva o Superior Tribunal de Justiça a entender que sendo o devedor provisório inadimplente, mesmo com a revogação decorrente da sentença de improcedência, o valor inadimplido já se incorporou ao patrimônio do beneficiado, de forma que sua execução continua possível17.
No PLNCPC não existe mais previsão de cautelares nominadas.
1 Baptista da Silva, Do processo, p. 416. Contra: Oliveira, Comentários, n. 88, p. 280.
2 Baptista da Silva, Do processo, p. 420; Câmara, Lições, v. 3, p. 174-175; Tartuce-Simão, Direito, p. 425.
3 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 786.
4 Oliveira, Comentários, n. 85, p. 264.
5 Bomfim Marins, Comentários, p. 300.
6 Mesquita, Medidas, p. 358-359.
7 Nery-Nery, Código, p. 1.138.
8 Câmara, Lições, v. 3, p. 178; Oliveira, Comentários, n. 85, p. 263.
9 Nery-Nery, Código, p. 1.139; Oliveira, Comentários, n. 85, p. 264. Contra, entendendo só ser necessário o fumus boni iuris representado por prova documental da obrigação alimentar: Costa Machado, Código, p. 1.408.
10 STJ, 4.ª Turma, REsp 186.013/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 17.02.2007, DJ 08.03.2004, p. 257.
11 Nery-Nery, Código, p. 1.139; Cahali, Dos alimentos, n. 10.1, p. 889; Bomfim Marins, Comentários, p. 301. Contra, entendendo pelo cabimento somente após a sentença de procedência: STJ, 3.ª Turma, REsp 200.595/SP, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 08.05.2003, DJ 09.06.2003, p. 263; Theodoro Jr., Processo, n. 258, p. 304.
12 Oliveira, Comentários, n. 87, p. 273-274; STJ, 3.ª Turma, REsp 907.144/PR, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2007, DJ 19.12.2007, p. 1.225.
13 Baptista da Silva, Do processo, p. 424.
14 Costa Machado, Código, p. 1.411.
15 STJ, 3.ª Turma, REsp 436.763/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 27.11.2007, DJ 06.12.2007, p. 312; Pontes de Miranda, Comentários, v. 12, p. 274-275; Cahali, Dos alimentos, n. 10.3, p. 905. Contra: Fux, Curso, p. 1.649.
16 STJ, 3.ª Turma, REsp 746.760/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 06.11.2007, DJ 14.11.2007, p. 403.
17 STJ, 3.ª Turma, REsp 555.241/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.12.2004, DJ 1.º.02.2005.