Vinheta

PROTESTOS, NOTIFICAÇÕES E INTERPELAÇÕES

Sumário: 62.1. Conceito – 62.2. Natureza jurídica – 62.3. Procedimento.

62.1. CONCEITO

Os protestos, notificações e interpelações se prestam à documentação de uma expressão de vontade, podendo ser realizados extrajudicial ou judicialmente, quando seguirão o singelo procedimento previsto pelos arts. 868 a 873 do CPC. Ainda que os protestos, notificações e interpelações possam se dirigir à prevenção de responsabilidades e à conservação e ressalva de direitos, se bastam na manifestação de vontade, sendo importante instituto voltado a cumprir exigências de diversas normas legais, tais como o arts 202, II e III, 397, parágrafo único, 456 e 508, todos do CC; art. 57 da Lei 8.245/1991 etc.

Segundo o art. 867 do CPC, o protesto judicial se presta àquele que:

(a) desejar prevenir responsabilidade, como no caso tradicionalmente lembrado do engenheiro que dirige um protesto judicial ao construtor que não está seguindo seu projeto, como forma de prevenir futuras responsabilidades por danos gerados ao dono da obra;

(b) prover a conservação e ressalva de seus direitos, como ocorre na interrupção da prescrição no primeiro caso e contra a alienação de bens que leva à insolvência no segundo;

(c) ou manifestar qualquer intenção de modo formal.

Como se nota do conceito legal, o protesto é um ato judicial de comprovação ou documentação de alguma intenção do requerente da medida1.

O conceito de notificação e interpelação não consta da lei, não sendo unânime a doutrina a esse respeito. A notificação para alguns é a comunicação de um fato determinado2; para outros é a conclamação para o notificado fazer ou deixar de fazer algo3; para outros é a comunicação de algo que se leva ao conhecimento do notificado4. A interpelação para alguns é a comunicação que busca a produção de algum efeito jurídico a partir de uma ação ou omissão do interpelado5; para outros, a forma de fazer conhecer ao interpelado a exigência do cumprimento de uma obrigação6. A dificuldade na conceituação possibilita a aplicação do princípio da fungibilidade, permitindo-se ao juiz a adequação da medida àquele que entender cabível no caso concreto7.

62.2. NATUREZA JURÍDICA

A doutrina é uníssona em apontar a impropriedade de previsão dos protestos, notificações e interpelações no rol dos processos cautelares típicos, considerando que tais processos não têm natureza cautelar. Os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora não precisam estar presentes para a proteção jurisdicional pretendida pelo autor nesses processos, não existindo também as indispensáveis características da instrumentalidade ao quadrado e acessoriedade.

Nessa espécie de processo o órgão jurisdicional atua tão somente como um intermediário entre o requerente e o requerido, prestando-se a levar a manifestação da vontade do primeiro ao conhecimento do segundo. Essa atividade meramente administrativa leva a doutrina a tranquilamente apontar tais processos como pertencentes à jurisdição voluntária8.

Apesar de os processos regulados pelos arts. 867 a 873 do CPC serem entendidos como processos de jurisdição voluntária, é preciso observar que nestes nem sempre estará presente uma importante característica da jurisdição voluntária: a obrigatoriedade de intervenção jurisdicional, analisada no Capítulo 1, item 1.7.1.1. Os objetivos perseguidos pelo autor com tais processos poderiam ser atingidos sem a indispensável intervenção do Poder Judiciário, considerando-se que a prova pretendida com tais medidas pode ser produzida sem a intervenção de um juiz de direito, como fica claro no protesto de título feito perante o Cartório de Notas, aliás muito mais frequente do que o protesto judicial. Entendo, portanto, serem o protesto, a notificação e a interpelação espécies atípicas de jurisdição voluntária.

62.3. PROCEDIMENTO

O procedimento previsto nos arts. 868 a 872 do CPC trata do protesto judicial, sendo excepcionalmente prevista a interpelação no art. 871 do CPC. O art. 873 do CPC, entretanto, resolve uma aparente omissão legislativa ao prever que se aplica à notificação e interpelação o procedimento previsto para o protesto judicial.

Mesmo pertencendo ao âmbito da jurisdição voluntária, entendo que o protesto, a notificação e a interpelação são processos, de forma que o procedimento se iniciará por meio de uma petição inicial, nos termos do arts. 282 e 283 do CPC. Não se aplica ao caso o art. 801 do CPC, por não se tratar de ação cautelar. Aduz o art. 868 do CPC que na petição inicial o requerente exporá os fatos e fundamentos do protesto, entendendo a melhor doutrina que a petição inicial deverá também conter o pedido de intimação do requerido, sendo vedado qualquer outro9.

Ainda que corrente doutrinária aponte para as regras de competência previstas no Livro I do CPC10, como o requerido não tem a oportunidade de se manifestar e a incompetência relativa não pode ser conhecida de ofício pelo juiz, salvo a excepcional hipótese prevista pelo art. 112, parágrafo único, do CPC, ainda que o requerente ingresse com o processo em foro ou seção judiciária incompetente, o pedido do requerente será deferido. O único controle possível ao juiz é o da incompetência absoluta, que deve ser realizado de ofício.

Não há qualquer sentido prático na concessão de tutela de urgência nessa espécie de processo, de forma que tanto a liminar do art. 804 do CPC como a tutela antecipada do art. 273 do CPC são incabíveis, por falta de interesse processual.

Segundo a previsão do art. 869 do CPC, o juiz poderá – melhor seria “deverá” – indeferir o pedido quando o requerente não demonstrar legítimo interesse na medida pleiteada e o protesto, dando causa a dúvidas e incertezas, possa impedir a formação de contrato ou a realização de negócio lícito. Essa decisão é uma sentença recorrível por apelação. A melhor doutrina aponta corretamente que as dúvidas e as incertezas que poderiam ser geradas pelo protesto são de ordem psicológica, porque juridicamente esse processo nunca impedirá a realização de qualquer negócio jurídico11; trata-se, portanto, da criação de um estado subjetivo de incerteza que possa motivar terceiros a não realizarem negócios jurídicos pela apreensão psicológica criada pelo protesto judicial.

Existe uma polêmica doutrinária a respeito dos requisitos para o indeferimento da petição inicial, sendo possível a indicação de três correntes doutrinárias:

(a) por interpretação literal do dispositivo os requisitos são cumulativos, sendo exigido que o autor não tenha interesse legítimo no protesto e este possa causar dúvidas e incertezas12;

(b) a dúvida ou incerteza só passa a ter relevância quando faltar interesse legítimo, o que significa dizer que o único requisito é a falta de interesse, porque, quando presente, a nocividade do protesto não permite por si só o protesto13;

(c) são requisitos alternativos, devendo o juiz indeferir a petição inicial sempre que faltar interesse legítimo e/ou a nocividade14.

Entendo mais adequado o terceiro posicionamento doutrinário descrito, sendo nitidamente inadequado o segundo, porquanto dispensa a nocividade como requisito para o indeferimento da petição inicial, contrariando o texto expresso de lei. Ainda que se possa admitir que o autor do processo assume todos os riscos de seu pedido, não há sentido em obrigar o juiz a corroborar com a prática que sem qualquer justificativa legítima possa prejudicar terceiros. O primeiro entendimento, apesar de mais aceitável que o segundo, desconsidera a potencialidade isolada dos requisitos previstos em lei para justificar o impedimento da realização do protesto.

Deferido o pedido de protesto, caberá ao juiz determinar a comunicação da vontade do requerente ao requerido, ato processual que seguirá as regras procedimentais da citação, ainda que exista polêmica doutrinária a respeito de sua natureza jurídica. O art. 870 do CPC, que trata da informação por meio de edital, prevê em seu caput e inciso III o termo “intimação”, mas no inciso II vale-se do vocábulo “citando” para designar o requerido, tornando confusa a opção legislativa.

Para alguns doutrinadores não se trata de citação, pois o requerido não é chamado a se defender, condição indispensável desse ato de comunicação, nos termos do art. 213 do CPC15. Como analisado no Capítulo 10, item 10.5.1, a citação apenas integra o demandado à relação jurídica processual, informando-o da existência do processo; a reação possível é fruto de intimação que acompanha o ato citatório. Essa constatação leva parcela da doutrina a entender tratar-se de citação, ainda que o requerido não seja chamado a se defender16.

Comungo do entendimento da doutrina majoritária17 de ser tal ato processual uma intimação, criando uma interessante exceção na regra de ser tríplice a relação jurídica processual. Como o requerido não tem o direito de responder ao protesto, entendo que ele não é integrado na relação jurídica processual, que excepcionalmente terá natureza linear, envolvendo somente autor e juiz.

O art. 870 do CPC trata dos casos nos quais a informação – intimação – será realizada por meio de edital, devendo nesse caso seguir os procedimentos da citação por edital do processo de conhecimento18, ainda que sejam distintas as hipóteses de cabimento. É cabível a intimação por edital em três hipóteses:

(I) protesto realizado para conhecimento público em geral e nos casos previstos em lei, quando a publicidade é essencial para que a medida atinja seus fins;

(II) sendo o requerido desconhecido, incerto ou estiver em local ignorado ou de difícil acesso;

(III) a demora da intimação pessoal puder prejudicar os efeitos da interpelação ou do protesto.

Interessante situação tipificada no art. 870, I, do CPC é o protesto contra a alienação de bens, necessariamente de conhecimento público. Segundo o art. 870, parágrafo único, do CPC, nesse caso, o juiz poderá ouvir em três dias o requerido sempre que lhe parecer que o pedido do requerente é emulativo, ou seja, que represente uma tentativa de extorsão ou se pretenda por meio dele obter qualquer meio ilícito. O curioso nesse dispositivo legal é que após a oitiva do requerido – hipótese excepcional em que será formada a relação jurídica processual tríplice, sendo inegável a existência de citação do requerido – o juiz decidirá sobre a publicação dos editais. Para parcela da doutrina, como já foi realizado o protesto (o requerido já foi intimado), a decisão do juiz limita-se a determinar ou não a publicação de editais19.

Na realidade, com a citação do réu para apresentar a defesa, o processo adota um procedimento sumário que deve ser encerrado por meio de uma sentença. É evidente que com a citação do requerido a função típica do protesto já terá sido exercida, considerando-se que a manifestação de vontade do requerente chegou ao conhecimento do requerido. Ocorre, entretanto, que no protesto contra alienação de bens a comunicação limitada à pessoa do requerido não gera qualquer efeito, porque, nesse caso, o conhecimento deve ser geral. Por essa razão, e pela natureza contenciosa que o processo adota nessa especial situação, entendo que o juiz deve indeferir a publicação por edital e julgar improcedente o pedido do autor, considerando-se que a sua pretensão de dar conhecimento geral do protesto foi rejeitada, inclusive devendo ser condenado ao pagamento das verbas de sucumbência20.

Prevê o art. 871 do CPC a impossibilidade de reação do requerido, não se admitindo defesa nem contraprotesto nos autos. O dispositivo legal veda a reação do requerido no processo existente, mas deixa expressamente aberta a oportunidade de ele responder por meio de outro processo, afirmando tratar-se nesse caso de um contraprotesto. Na realidade, o termo é incorreto, tratando-se meramente de um novo processo, que pode ser de protesto, notificação, interpelação ou de qualquer outra natureza.

Com a realização da intimação do requerente, o procedimento será extinto, não havendo qualquer decisão do juiz após a realização desse ato21. Pode parecer estranho um processo sendo encerrado sem uma sentença22, mas essa é apenas mais uma particularidade do especial procedimento do processo de protesto, notificação e interpelação. Segundo o art. 872 do CPC, decorrido o prazo de 48 horas da intimação – na realidade, da juntada aos autos da prova da intimação –, os autos serão entregues ao requerente, independentemente de traslado.

Há polêmica doutrinária a respeito da possibilidade de averbação do protesto judicial contra alienação de bens junto à matrícula do imóvel. Para parcela doutrinária a averbação é admissível nos termos do art. 167, II, n. 12, da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos)23. O Superior Tribunal de Justiça permite a averbação, com fundamento no poder geral de cautela e no interesse da mais ampla ciência a terceiros24. Para outra parcela a averbação é inadmissível, ainda que se reconheça que a enumeração de atos previstos no art. 167 da lei citada é meramente exemplificativa, admitindo sua interpretação extensiva. Essa segunda corrente entende que somente atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis podem ser objeto de averbação, o que não ocorre com o protesto judicial25.

Apesar de não existir no PLNCPC previsão de cautelares nominadas, as notificações e interpelações judiciais estão previstas no Capítulo de procedimentos não contenciosos, mais precisamente nos arts. 692 a 695.


1 Theodoro Jr., Processo, n. 280, p. 330.

2 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 794.

3 Theodoro Jr., Processo, n. 281, p. 331; Câmara, Lições, v. 3, p. 201.

4 Baptista da Silva, Do processo, p. 490.

5 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 794; Baptista da Silva, Do processo, p. 490.

6 Theodoro Jr., Processo, n. 282, p. 351; Oliveira, Comentários, n. 106, p. 331.

7 Oliveira, Comentários, n. 106, p. 331; Greco, Jurisdição, n. 4, p. 62.

8 Scarpinella Bueno, Curso, v. 4, p. 304; Tesheiner, Jurisdição, n. 5.6, p. 126.

9 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 795; Costa Machado, Código, p. 1.421; Tesheiner, Jurisdição, n. 5.6, p. 127.

10 Câmara, Lições, v. 3, p. 196.

11 Theodoro Jr., Processo, n. 283, p. 332; Câmara, Lições, v. 3, p. 196; Tesheiner, Jurisdição, n. 5.6, p. 128.

12 Theodoro Jr., Processo, n. 283, p. 331; Oliveira, Comentários, n. 108, p. 339.

13 Baptista da Silva, Do processo, p. 493; Costa Machado, Código, p. 1.421.

14 Câmara, Lições, v. 3, p. 197.

15 Greco, Jurisdição, n. 4.1, p. 65.

16 Câmara, Lições, v. 3, p. 198.

17 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 795; Greco Filho, Direito, n. 44, p. 202; Bomfim Marins, Comentários, p. 343.

18 Câmara, Lições, v. 3, p. 199.

19 Theodoro Jr., Processo, n. 285, p. 334; Oliveira, Comentários, n. 109, p. 343.

20 Scarpinella Bueno, Curso, p. 308.

21 Theodoro Jr., Processo, n. 2.860, p. 336.

22 Exige a sentença: Marinoni-Mitidiero, Código, p. 874.

23 Oliveira, Comentários, n. 111, p. 347; Greco, Jurisdição, n. 4.1, p. 65.

24 STJ, 3.ª Turma, REsp 695.095/PR, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.10.2006, DJ 20.11.2006, p. 302; EREsp 440.837/RS, Corte Especial, rel. Min. Eliana Calmon, rel. p/ acórdão Min. Barros Monteiro, j. 16.08.2006, DJ 28.05.2007, p. 260; Tesheiner, Jurisdição, n. 5.6, p. 130.

25 Câmara, Lições, v. 3, p. 200-201; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 797; Costa Machado, Código, p. 1.423.