Sumário: 69.1. Introdução – 69.2. Ação de reivindicação – 69.3. Ação de substituição de título ao portador – 69.4. Ação de anulação e substituição de título ao portador.
Nos arts. 907 a 913 do CPC estão previstas três diferentes demandas judiciais para a solução de diferentes pretensões, todas referentes à posse e à propriedade de títulos ao portador:
(a) ação de reivindicação, por meio da qual o autor, conhecendo o atual portador do título, pretende simplesmente retomá-lo;
(b) ação de substituição de título ao portador, quando o título for totalmente destruído, não sendo possível o pedido reivindicatório e nem útil o pedido de anulação (anular o quê?);
(c) ação de anulação e substituição de título ao portador, única demanda possível quando o autor desconhece o atual possuidor do título, ainda que seja cabível tal ação também quando há essa ciência. Nesse caso, o autor poderá optar entre a ação de reivindicação e a anulação e substituição1.
Registre-se que o procedimento especial ora analisado não será aplicado para todas as espécies de título ao portador, porque sempre que existir lei específica a respeito da reivindicação, anulação e substituição do título ao portador, as regras procedimentais previstas no CPC não serão aplicáveis. No caso de extravio, perda ou destruição de títulos da dívida pública federal ao portador, aplica-se o Decreto 83.974/1979, sendo expresso o art. 71 da Lei 4.728/1965 em afastar nessas circunstâncias a aplicação do procedimento especial ora analisado. Também não se aplica o procedimento especial aos títulos cambiários ou cambiariformes (Decreto 2.044/1908); warrant (art. 27 do Decreto 1.102/1903); conhecimento de frete ou de transporte ao portador (art. 9.º do Decreto 19.473/1930).
Havendo a perda da posse sem a vontade do desapossado, caberá a ação de reivindicação, sendo irrelevante se o atual detentor do título o obteve com boa-fé2. Nessa espécie de demanda, o desapossado necessariamente deve conhecer a pessoa que está em poder do título no momento da propositura da ação, que deverá ser identificada no polo passivo3. A competência será do domicílio do réu, aplicando-se a regra geral do art. 94 do CPC. Tratando-se de competência relativa4, admite-se a sua prorrogação pela ausência de exceção, cláusula de eleição de foro e conexão.
A doutrina entende de forma uníssona que nessa demanda não se aplica o procedimento especial previsto nos arts. 908 a 911 do CPC, havendo somente divergência quanto à aplicação do rito ordinário5 ou a aplicação do rito comum, que será sumário ou ordinário, a depender do valor da causa6. Prefiro o segundo entendimento, que faz a correta distinção entre procedimento especial e comum e não entre procedimento especial e ordinário.
O único dispositivo contido no Capítulo que trata da “ação de anulação e substituição de títulos ao portador” aplicável à ação reivindicatória de título ao portador é o art. 913, que prevê o direito do adquirente do título em bolsa ou leilão público a receber como indenização do autor da demanda o valor que pagou. Realizado o pagamento, o dono do título se sub-roga nos direitos do adquirente evicto contra o alienante, sendo inclusive admissível a denunciação da lide do alienante já na petição inicial, sempre que o autor tenha conhecimento de que a alienação ocorreu na bolsa ou leilão público7.
Na ação de substituição de título ao portador, o autor deverá demonstrar a total ou parcial destruição do título. No primeiro caso, seria materialmente impossível a reivindicação de algo que não existe mais e inútil o pedido de anulação, considerando-se a desnecessidade de se retirar a eficácia de título que já não mais existe. No segundo caso, o autor ainda está em poder do título, mas este se encontra parcialmente destruído, quer seja em razão de supressão parcial do documento (p. ex.: queimado, rasgado) ou de dano em sua exteriorização gráfica (p. ex.: apagamento, borrão).
Tendo sido o título totalmente destruído, existe forte divergência doutrinária a respeito do procedimento que deve ser seguido; para parcela majoritária da doutrina a perda total do título equivale à hipótese de título furtado ou perdido, devendo-se aplicar o procedimento especial previsto nos arts. 908 a 911 do CPC8, enquanto para outra parcela doutrinária o procedimento deve ser o comum – ordinário ou sumário9. Não há divergência a respeito de ser o domicílio do devedor o foro competente para essa espécie de demanda (art. 100, III, do CPC).
Na hipótese de destruição parcial do título, segue-se o procedimento previsto pelo art. 912 do CPC, resolvendo-se a demanda em pedido do atual detentor contra o devedor para que substitua o título parcialmente deteriorado. Caberá ao portador exibir com a petição inicial o que resta do título, que deve ser suficiente para a sua identificação, pedindo a citação do réu para que no prazo de 10 dias substitua ou conteste a ação. A única diferença desse procedimento para o procedimento ordinário é o prazo de defesa, prevendo o art. 912, parágrafo único, do CPC, que, não havendo contestação, o juiz proferirá desde logo a sentença; havendo contestação, o rito passará a ser o ordinário.
Registre-se que havendo a substituição do título no prazo de 10 dias, verificar-se-á o reconhecimento jurídico do pedido, de forma que a sentença a ser proferida será de mérito (art. 269, II, do CPC)10, condenando-se o réu ao pagamento das verbas de sucumbência. Situação diversa ocorre na hipótese do réu apenas contestar para responsabilizar o autor pela destruição do título e por sua resistência em pagar eventuais despesas envolvidas na elaboração de um novo título. Pelo princípio da causalidade, ainda que a sentença seja de reconhecimento jurídico do pedido, entendo que o autor deva ser condenado ao pagamento das verbas de sucumbência.
Na ação de anulação e substituição de título ao portador o autor pretende substancialmente obter a anulação do título extraviado e obrigar o devedor na elaboração de um novo título. O pedido de anulação impede que o atual detentor do título possa valer-se do mesmo para obrigar o devedor a realizar o pagamento. Dessa forma, também se protege o devedor, que ficará desobrigado a pagar o detentor do título anulado judicialmente, reservando-se ao pagamento do credor quando lhe for apresentado o novo título. Esse pedido tem natureza constitutiva negativa, devendo ser acompanhado do pedido condenatório de fazer um novo título.
Nessa ação haverá a formação de um litisconsórcio passivo necessário, considerando-se que figurarão no polo passivo tanto o detentor, conhecido ou não, como todos os demais interessados jurídicos na demanda. Sendo conhecido o atual detentor, sua citação será pessoal e a dos demais interessados será por edital; sendo desconhecido, haverá somente citação por edital. Tanto o detentor como os interessados, por serem réus no processo, deverão se defender no processo por meio de contestação, conforme expressa previsão do art. 908, I, do CPC.
Interessante notar que o devedor (emitente do título) não é réu na demanda11, devendo tão somente ser intimado para que deposite em juízo o capital, bem como juros ou dividendos vencidos ou vincendos (art. 908, II, do CPC). O imediato depósito do valor afasta a possibilidade de cobrança de juros moratórios12. Essa providência tem natureza preventiva, porque, com a ciência do devedor sobre a existência da demanda, eventual pagamento ao portador atual do título poderá ser negado. Realizado o pagamento do título antes dessa intimação, o prejuízo será do autor, considerando-se que o devedor pagou a quem deveria pagar em razão do princípio da circulabilidade do título, que só será afastada com a intimação. Caso seja intimado e informe que já realizou o pagamento, a demanda será extinta sem a resolução do mérito em razão da perda superveniente do objeto. Também a Bolsa de Valores será intimada para evitar a negociação dos títulos, e a exemplo do devedor, não se torna réu no processo.
A petição inicial seguirá os requisitos formais dos arts. 282 e 283 do CPC, além daqueles previstos no art. 908, caput, do CPC: quantidade, espécie, valor nominal do título e atributos que o individualizem, a época e o lugar em que o adquiriu, as circunstâncias em que o perdeu e quando recebeu os últimos juros e dividendos. O valor da causa é o valor nominal do título e o pedido de citação dos réus deve indicar a forma adequada para tal ato processual (edital e correio ou oficial quando o atual detentor for conhecido).
Aduz o art. 909 do CPC que a citação dos réus e a intimação do devedor e da Bolsa de Valores só será admitida se o alegado na petição inicial estiver devidamente justificado. Significa dizer que, para se evitar a extinção prematura da demanda sem a resolução do mérito, caberá ao juiz uma análise fundada em cognição sumária, da qual deve resultar a plausibilidade de alegação do autor. Entendo ser possível a determinação pelo juiz de audiência de justificação ou mesmo de intimação para emenda da inicial com a juntada de novos documentos ou esclarecimentos para que se atinja a exigência do art. 909 do CPC, antes do indeferimento da petição inicial13.
Realizadas as citações e intimações previstas no art. 908 do CPC, o prazo de resposta dos réus será de 15 dias, e sendo recebida a contestação (ou contestações), o rito passa a ser ordinário (art. 910, parágrafo único). Há uma interessante condição para a apresentação de contestação no art. 910, caput, do CPC, que exige a apresentação do título reclamado instruindo a contestação. A melhor doutrina já percebeu que a exigência não pode ser plena, porque em determinadas hipóteses será impossível ao réu tal juntada, bastando imaginar a hipótese em que ele não está em poder do título. Dessa forma, só será exigido o título se ficar demonstrado no processo que o réu que apresentou contestação tem condições de exibi-lo em juízo, o que significa dizer, quando a defesa versar exclusivamente sobre a disputa da posse legítima do título14.
A sentença de procedência terá ao menos dois capítulos, referentes aos dois pedidos cumulados na petição inicial. Num primeiro momento haverá a declaração de caducidade do título (art. 911 do CPC), o que equivale a dizer que a sentença declara a insubsistência do título ao portador. Num segundo momento, ainda que o devedor não tenha sido parte no processo, o juiz ordenará que elabore um novo título, criando-se uma nova situação jurídica, o que leva a doutrina a entender pela natureza constitutiva dessa sentença15. Ainda que seja considerado um terceiro, o devedor está obrigado a cumprir a ordem judicial de elaboração, sob pena de multa por ato atentatório à dignidade da jurisdição (art. 14, V, parágrafo único, do CPC). Jamais, entretanto, o devedor será condenado a pagar as verbas de sucumbência, considerando-se a sua qualidade de terceiro; não sendo parte do processo, é ilegal e irrazoável qualquer condenação nesse sentido.
Havendo resistência do devedor a elaborar o novo título, será incabível a ação de execução de obrigação de fazer, considerando-se não ser ele parte na demanda judicial. Também não parece correto o ingresso de ação de conhecimento com o objetivo de condenar o devedor a fazer a nova cártula, considerando-se que o pedido elaborado na demanda de rito especial já continha essa pretensão. Parece ser mais correta a propositura de uma ação de conhecimento com o objetivo de cobrar o valor da cártula do devedor16.
Apesar de reconhecer a divergência doutrinária, entendo que nem sempre a sentença de procedência seguirá a previsão do art. 911 do CPC. Só terá lógica a anulação e determinação de elaboração de um novo título caso o anterior não esteja juntado aos autos do processo. Uma vez tendo sido juntado aos autos pelo atual detentor, bastará ao juiz devolvê-lo ao autor, sendo desnecessário e formalismo inútil a sua anulação e elaboração de um novo título. Nesse caso, naturalmente, não haverá sentença constitutiva, mas sim de cunho condenatório, já que o réu que apresentou o título será condenado a entregá-lo ao autor17.
Por outro lado, ainda que o título não esteja juntado aos autos do processo e por essa razão a anulação for indispensável, nem sempre haverá a imputação do devedor para a criação de um novo título. Tendo sido intimado da demanda e realizado o depósito de todo o valor devido, bastará ao juiz determinar o levantamento do valor do título em favor do autor, sendo dispensada, nesse caso, a elaboração de um novo título18.
A ação de anulação e substituição de título ao portador deixa de ser procedimento especial específico no PLNCPC.
1 Marcato, Procedimentos, n. 47.3, p. 143-144.
2 Theodoro Jr., Curso, n. 1.256, p. 79-80.
3 Marcato, Procedimentos, n. 47.1, p. 143.
4 Fidelis dos Santos, Dos procedimentos, n. 77, p. 69; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 827.
5 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 826; Marcato, Procedimentos, n. 47.1, p. 143; Nery-Nery, Código, p. 1.161.
6 Theodoro Jr., Curso, n. 1.255, p. 79; Câmara, Lições, p. 312.
7 Theodoro Jr., Curso, n. 1.256, p. 80; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 830; Marcato, Procedimentos, n. 47.1, p. 143.
8 Theodoro Jr., Curso, n. 1.266, p. 86; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 827; Fidélis dos Santos, Dos procedimentos, n. 94, p. 76.
9 Marcato, Procedimentos, n. 48, p. 145; Câmara, Lições, p. 313.
10 Theodoro Jr., Curso, n. 1.266, p. 87; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 829. Contra: Marcato, Procedimentos, n. 48, p. 145.
11 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 827; Theodoro Jr., Curso, n. 1.258, p. 81.
12 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 828.
13 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 828; Marcato, Procedimento, n. 47.3, p. 144; Câmara, Lições, p. 316.
14 Theodoro Jr., Curso, n. 1.262, p. 84; Fidélis dos Santos, Dos procedimentos, n. 84, p. 72; Câmara, Lições, p. 317.
15 Câmara, Lições, p. 318.
16 Câmara, Lições, p. 319.
17 Theodoro Jr., Curso, n. 1.264, p. 85. Fidélis dos Santos, Dos procedimentos, n. 91, p. 74, concorda com a ideia, mas entende ser sentença declaratória.
18 Theodoro Jr., Curso, n. 1.265, p. 86; Marcato, Procedimentos, n. 47.3, p. 145.