Sumário: 74.1. Introdução – 74.2. Procedimento da ação de demarcação – 74.3. Procedimento da ação de divisão.
Nos arts. 946 a 981 do CPC, está previsto o procedimento da ação de divisão e da demarcação de terras particulares, registrando-se que as questões referentes à divisão e demarcação de terras públicas seguem o procedimento da ação discriminatória, regulada pela Lei 6.383/1976.
Segundo o art. 946 do CPC, cabe a ação de demarcação ao proprietário para obrigar o confinante a estremar os respectivos prédios, fixando-se novos limites entre eles ou aviventando-se os já apagados, ao passo que cabe a ação de divisão ao condômino para obrigar os demais consortes a partilhar o bem comum. Em ambos os casos tem-se um processo de conhecimento com procedimento especial que veicula pretensão de direito real1, e sendo o direito de dividir e demarcar potestativo, o que afasta a aplicação de prazos prescricionais para as demandas ora analisadas, e não havendo em lei prazo decadencial, a qualquer momento poderá a parte interessada ingressar com a ação de divisão e demarcação de terras.
A ação de divisão e demarcação de terras tem natureza dúplice, porque, independentemente de pedido do réu nesse sentido, o resultado do processo lhe será favorável se suas alegações defensivas, contidas na contestação, forem acolhidas pelo juiz2.
Não se confunde a ação demarcatória com a ação reivindicatória porque nesta existe a exata extensão daquilo que se reivindica, sendo que naquela essa certeza só é obtida por meio da sentença. Também não se confunde com a ação possessória, porque na ação demarcatória se discute propriedade, e não posse, sendo entendimento tranquilo do Superior Tribunal de Justiça que, mesmo havendo decisão a respeito da posse do imóvel, não existe qualquer empecilho para a ação demarcatória3, bem como a reintegração de posse pode ser realizada mesmo enquanto se aguarda a delimitação da área4.
O art. 947 do CPC admite que o autor cumule num mesmo processo os pedidos de demarcação e de divisão. Por questão de lógica, a demarcação deve ser julgada antes, participando desse momento processual tanto os confinantes como os condôminos, e, uma vez determinada a extensão da coisa, a divisão será decidida em momento processual do qual participarão somente os condôminos. Trata-se, na realidade, de cumulação de procedimentos em caráter sucessivo num mesmo processo, e não propriamente uma cumulação de pedidos5.
Ainda que os confinantes sejam excluídos do processo após a demarcação, momento a partir do qual serão considerados terceiros, o art. 948 do CPC prevê que fica ressalvado o seu direito de vindicar os terrenos de que se julguem despojados em virtude da invasão das linhas limítrofes constitutivas do perímetro ou, ainda, a reclamarem uma indenização pecuniária correspondente ao seu valor. Nesse caso, caberá à parte escolher entre a tutela específica de proteção à sua propriedade ou a tutela pelo equivalente em dinheiro, sendo admissível a cumulação das duas pretensões de forma subsidiária, não sendo possível a concessão de tutela específica em demanda em que seja concedida a tutela pelo equivalente em dinheiro.
Segundo o art. 949, caput, do CPC, se a ação for proposta antes do trânsito em julgado da sentença homologatória da divisão, serão citados todos os condôminos e após esse momento todos os quinhoeiros dos terrenos vindicados. Na ação oferecida após o trânsito em julgado da sentença da divisão, o art. 949, parágrafo único, do CPC prevê que a sentença de procedência valerá como título executivo judicial em favor dos quinhoeiros para haverem dos outros condôminos, que forem parte na divisão, ou de seus sucessores por título universal, na proporção do que lhes tocar, a composição pecuniária do desfalque sofrido. A melhor doutrina ressalta que só haverá aplicação desse dispositivo legal tendo ocorrido a denunciação da lide dos demais condôminos, não sendo admissível a formação de título executivo judicial contra alguém que não participe do processo6.
O procedimento da ação de demarcação de terras particulares está previsto nos arts. 950 a 966 do CPC.
Segundo o art. 952 do CPC, qualquer condômino é parte legítima para ingressar com ação de demarcação do imóvel comum, sendo indispensável que todos os condôminos participem do processo em litisconsórcio necessário e unitário7. A polêmica a respeito do litisconsórcio ativo necessário é abordada no Capítulo 5, item 5.6, sendo mais relevante que todos participem da relação jurídica processual, considerando-se a natureza da relação jurídica material (natureza incindível) que será objeto da decisão judicial. A competência é absoluta do foro do local do imóvel, nos termos do art. 95 do CPC.
Como todo processo, a demarcação tem o seu início por meio de uma petição inicial, nos termos dos arts. 282 e 283 do CPC. Segundo o art. 950 do CPC, são documentos indispensáveis à propositura da demanda os títulos de propriedade, cabendo ao autor narrar em sua causa de pedir a situação e a denominação do imóvel, descrevendo os limites por construir, aviventar ou renovar, nomeando todos os confinantes da linha demarcanda. Apesar de a pretensão principal da ação de demarcação ser a declaração do traçado da linha demarcanda, o art. 951 do CPC admite a cumulação desse pedido com pedidos de reintegração de posse quando demonstrar a turbação e/ou esbulho e o pedido de indenização pelos danos causados pela usurpação.
Valendo-se de técnica de duvidosa constitucionalidade, o art. 953 do CPC prevê que os réus que forem residentes na comarca na qual tramita o processo serão citados pessoalmente, ao passo que os réus residentes nas demais comarcas serão citados por edital. É a mesma técnica utilizada no procedimento do inventário e já devidamente criticada no Capítulo 75, item 75.9, mas que pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal não dificulta injustificadamente o direito de ampla defesa dos réus não residentes na comarca na qual tramita o processo.
O prazo comum de contestação é de 20 dias, não incidindo no caso o art. 191 do CPC (art. 954 do CPC)8, não sendo cabível a exceção de incompetência em razão da natureza absoluta da competência de foro nesse caso. No tocante à reconvenção, é preciso tomar cuidado semelhante àquele tomado nas ações possessórias e devidamente analisado no Capítulo 71, item 71.3; para o pedido demarcatório não cabe reconvenção em razão da nítida e indiscutível natureza dúplice dessa ação, mas a reconvenção é admissível caso o réu pretenda fazer os pedidos previstos no art. 951 do CPC, quais sejam o de proteção possessória e de indenização por perdas e danos9.
Aduz o art. 955 do CPC que, sendo apresentada a contestação, observar-se-á o procedimento ordinário e, sendo o réu revel, aplicar-se-á o art. 330, II do CPC, com o julgamento antecipado da lide. Em qualquer das hipóteses, antes da prolação da sentença o juiz nomeará dois arbitradores e um agrimensor para levantarem o traçado da linha demarcanda, que deverão apresentar um laudo pericial nos termos do art. 957 do CPC. Tratando-se de verdadeira perícia, aplicam-se as regras da prova pericial, com cinco dias de prazo comum para a indicação de quesitos e assistentes técnicos e prazo comum de dez dias para a manifestação das partes sobre o laudo.
Após essa fase probatória pericial, o juiz sentenciará a demanda, sendo que na sentença de procedência determinará o traçado da linha demarcanda, nos termos do art. 958 do CPC, além de condenar o réu ao pagamento dos honorários advocatícios e custas processuais, o que também fará na hipótese de sentença de improcedência. A sentença é recorrível por apelação, e, sendo de procedência, assim que transite em julgado tem início a segunda fase do processo, por meio da qual será efetivado concretamente o direito reconhecido em sentença, prevendo os arts. 959 a 966 do CPC a forma dos atos a serem praticados pelo agrimensor, arbitradores e juiz no caso concreto.
O procedimento da ação de divisão de terras particulares está previsto nos arts. 967 a 981 do CPC, com aplicação subsidiária dos arts. 952 a 955 do CPC, nos termos do art. 981 do CPC.
Como todo processo, o de divisão tem início pela apresentação de uma petição inicial, nos termos dos arts. 282 e 283 do CPC, sendo competente absoluto o foro do local do imóvel, nos termos do art. 95 do CPC. O art. 967, caput, do CPC prevê como documento indispensável à instrução da petição inicial os títulos de propriedade do autor, exigindo em seus incisos que a petição inicial contenha em sua causa de pedir:
(I) indicação da origem da comunhão e a denominação, situação, limites e características do imóvel;
(II) nome, estado civil, a profissão e a residência de todos os condôminos, especificando-se os estabelecidos no imóvel com benfeitorias e culturas; trata-se de repetição incompleta do art. 282, II, do CPC, que deve ser aplicado subsidiariamente, exigindo-se do autor a indicação do estado civil dos réus, porque, tratando-se de ação de direito real, o réu casado será demandado em litisconsórcio necessário com seu cônjuge10;
(III) as benfeitorias comuns.
Segundo o art. 968 do CPC, as citações serão realizadas na forma criticável do art. 953 do CPC, prosseguindo o procedimento nos termos dos arts. 954 e 955 do CPC. Com o trânsito em julgado da sentença de procedência, tem-se início a segunda fase do processo, de natureza executiva, com procedimento previsto nos arts. 969 a 980 do CPC.
O procedimento dessa segunda fase procedimental tem início com a medição do imóvel pelos arbitradores e agrimensor, sendo que, concluído o trabalho de campo, o agrimensor levantará a planta do imóvel e organizará o memorial descritivo das operações, respeitando os requisitos formais previstos pelo art. 975 do CPC. Em seguida, os arbitradores e agrimensor proporão em laudo fundamentado a forma de divisão, sendo ouvidas as partes nos termos do art. 979 do CPC. Segundo o art. 980, caput, do CPC, terminados os trabalhos o agrimensor organizará o memorial descritivo, sendo em seguida lavrado o auto de divisão, seguido de uma folha de pagamento para cada condomínio. Assinado o auto pelo juiz, agrimensor e arbitradores, será proferida a sentença homologatória da divisão.
A ação de divisão e demarcação de terras está prevista nos arts. 554 a 584 do PLNCPC. A par de algumas modificações de pouca relevância prática, cumpre ressaltar o art. 556 ao prever que demarcação e a divisão poderão ser realizadas por escritura pública, desde que maiores, capazes e concordes todos os interessados.
1 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 859; Theodoro Jr., Curso, n. 1.359, p. 208; Nery-Nery, Código, p. 1.189.
2 Marcato, Procedimentos, n. 98, p. 203; Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 1, p. 3.
3 STJ, 4.ª Turma, REsp 402.513/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 07.12.2006, DJ 19.03.2007, p. 353.
4 STJ, 4.ª Turma, RMS 10.231/BA, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 22.02.2005, DJ 28.03.2005, p. 256.
5 Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 9, p. 35.
6 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 862.
7 Fidélis dos Santos, Procedimentos, n. 236, p. 196.
8 Marcato, Procedimentos, n. 105, p. 210; Costa Machado, Código, p. 1.533; Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 24, p. 64.
9 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 865; Pinheiro Carneiro, Procedimentos, n. 24, p. 66. Contra, pelo não cabimento da reconvenção: Marcato, Procedimentos, n. 105, p. 209; Costa Machado, Código, p. 1.533.
10 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 869.