Vinheta

AÇÃO MONITÓRIA

Sumário: 80.1. Conceito – 80.2. Natureza jurídica – 80.3. Admissibilidade – 80.4. Fazenda Pública e ação monitória – 80.5. Incapaz e ação monitória – 80.6. Ingresso da monitória – 80.7. Expedição do mandado monitório e citação do réu – 80.8. Posturas do réu – 80.9. A natureza jurídica do pronunciamento judicial de deferimento do mandado monitório – 80.10. O pronunciamento concessivo do mandado monitório como despacho de mero expediente – 80.11. O pronunciamento que defere o mandado monitório considerado como sentença – ocorrência da coisa julgada material – 80.12. O pronunciamento concessivo do mandado monitório como decisão interlocutória – 80.13. O mérito no processo monitório e seu julgamento – 80.14. Natureza jurídica dos embargos ao mandado monitório – 80.15. Procedimento dos embargos ao mandado monitório – 80.16. Fase de cumprimento de sentença.

80.1. CONCEITO

Costuma a doutrina afirmar que a característica principal do procedimento monitório é a oportunidade concedida ao credor de, munido de uma prova literal representativa de seu crédito, abreviar o iter processual para a obtenção de um título executivo. Assim, aquele que possui uma prova documental de um crédito, desprovida de eficácia executiva, pode ingressar com a demanda monitória e, se verificada a ausência de manifestação defensiva por parte do réu – embargos ao mandado monitório –, obterá seu título executivo em menor lapso temporal do que o exigido pelo processo/fase procedimental de conhecimento.

Trata-se, portanto, de uma espécie de tutela diferenciada, que por meio da adoção de técnica de cognição sumária (para a concessão do mandado monitório) e do contraditório diferido (permitindo a prolação de decisão antes da oitiva do réu), busca facilitar em termos procedimentais a obtenção de um título executivo quando o credor tiver prova suficiente para convencer o juiz, em cognição não exauriente, da provável existência de seu direito.

Dessa forma:

(a) havendo título executivo, será adequado o processo de execução;

(b) não havendo título, mas existindo uma prova literal e suficiente para convencer o juiz da probabilidade do direito, será adequado o processo sincrético, cabendo ao autor a escolha da primeira fase desse processo: fase de conhecimento ou monitória1;

(c) não havendo título nem prova literal, ao credor será exigido o ingresso do processo sincrético com início na fase de conhecimento.

Interessante questão diz respeito à facultatividade que se abre ao credor no uso da tutela monitória. Existindo documento com eficácia executiva, aponta a tradicional doutrina não caber qualquer escolha ao credor, sendo obrigatório o ingresso de processo de execução. Caso o demandante ingresse com processo sincrético com início na fase de conhecimento, será carecedor da ação por falta de interesse de agir (não há necessidade)2. Registre-se nesse tocante interessante apontamento feito por parcela da doutrina defendendo o ingresso do processo sincrético com início na fase de conhecimento, ainda que o autor tenha a seu favor um título executivo extrajudicial (obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa). A tese é fundada no entendimento de que os arts. 461 e 461-A, ambos do CPC, oferecem ao demandante um repertório de medidas mais amplo do que aquele previsto no processo de execução3, sendo mais eficaz ao demandante ingressar com processo sincrético e no início da fase de conhecimento obter uma tutela de urgência, com satisfação imediata pelos meios de execução indireta e por sub-rogação previstos no art. 461, §§ 4.º e 5.º, do CPC.

80.2. NATUREZA JURÍDICA

Há um grande debate doutrinário a respeito da natureza jurídica da tutela monitória, bastando para fundamentar tal conclusão a constatação empírica da diversidade de títulos dados pelos autores aos livros que tratam do tema: Ação monitória4; O processo monitório brasileiro5, Do procedimento monitório6. O Código de Processo Civil incluiu a “ação monitória” no capítulo referente aos procedimentos especiais, mas essa opção não impediu o amplo debate doutrinário, sem que se tenha atingido uma pacificação a respeito do tema.

Parcela minoritária da doutrina defende que a ação monitória tem natureza de processo executivo, tratando-se de um misto de ação executiva e de ação de conhecimento, com predominância da força executiva, o que seria suficiente para tratá-la como uma demanda executiva de título extrajudicial7. Haverá tão somente uma diferença no ato citatório, sendo distintas as ordens dirigidas ao demandado:

(a) no processo executivo tradicional, pagamento em três dias ou entrega de coisa em dez dias;

(b) no processo monitório, pagamento ou entrega de coisa em 15 dias.

O debate maior se dá entre os que defendem a opção legislativa, entendendo que a tutela monitória foi criada no ordenamento brasileiro como um procedimento especial do processo de conhecimento, e aqueles que, não entendendo possível a sua compreensão nas três espécies de processos conhecidos (cautelar, conhecimento, execução), preferem acreditar que a tutela monitória fez surgir uma nova espécie de processo.

A parcela doutrinária que defende a natureza de novo processo8, fundamenta­-se nos seguintes argumentos9:

(a) de que não há oportunidade de defesa ao demandado, que será obrigado a ingressar com outra ação (embargos ao mandado monitório) para se defender;

(b) o contraditório é eventual e diferido;

(c) o procedimento é composto de duas fases: a primeira de cognição e a segunda de satisfação.

Esses argumentos são rebatidos corretamente pela doutrina majoritária, que acertadamente afirma que tais características estão presentes em outros procedimentos especiais do processo de conhecimento, não sendo suficientes para o surgimento de um novo processo.

Há ainda um argumento a fundamentar o entendimento de que a tutela monitória criou uma nova forma de processo: na monitória a decisão do juiz é proferida mediante cognição sumária, fundando-se o magistrado em um juízo de probabilidade. Diante dessa constatação, na monitória não existiria sentença de mérito, sendo a expedição do mandado monitório uma mera decisão interlocutória de “caráter puramente delibativo”. O essencial é a distinção com a sentença de mérito existente no processo/fase de conhecimento, fundada em cognição exauriente. Na monitória o mérito não é julgado, inexistindo para essa corrente doutrinária uma sentença de mérito, o que seria suficiente para afastá-la da natureza de demanda de conhecimento10.

O debate, como se nota, é meramente acadêmico, sem nenhuma repercussão prática digna de nota, considerando-se a opinião uníssona de que o Capítulo XV (Livro IV, Título I) prevê em seus três artigos um procedimento diferenciado, sendo irrelevante para fins práticos determinar se tais particularidades procedimentais são suficientes ou não para a criação de uma nova espécie de processo. Na única questão que poderia levantar algum questionamento mais sério, a doutrina é unânime em apontar a facultatividade da tutela monitória. Mesmo para a corrente doutrinária que defende a natureza de procedimento especial, abre-se uma exceção ao princípio de que os procedimentos especiais são de aplicação cogente, em fenômeno também verificado no procedimento sumaríssimo no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais.

80.3. ADMISSIBILIDADE

Segundo disposição do art. 1.102-A do CPC, a admissibilidade da demanda monitória está condicionada à existência de uma prova escrita sem eficácia de título executivo e limitada às obrigações de pagamento em soma de dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel. O dispositivo não aponta expressamente, mas aos requisitos nele previstos soma-se a vontade do demandante, que mesmo diante das condições previstas pelo dispositivo legal poderá optar pela demanda de conhecimento.

Conforme se nota das exigências formais contidas no dispositivo legal ora comentado, o direito brasileiro, fortemente influenciado pelo direito italiano, adotou o procedimento monitório documental, ao exigir do autor a apresentação de uma prova literal capaz de demonstrar a verossimilhança de sua alegação de existência do direito de crédito que alega ter contra o réu. Preferiu não adotar o procedimento monitório puro, por meio do qual basta a alegação da parte de que o direito de crédito existe, dispensando-se qualquer produção probatória pelo autor no momento de propositura da demanda. A já tradicional e triste “malandragem brasileira”, também conhecida como “Lei de Gerson” (embora aqui com injustificada injustiça ao nosso “canhotinha de ouro”), faz crer que a opção do legislador brasileiro foi realmente a mais adequada.

Não é correto o entendimento de que a prova escrita mencionada no art. 1.102-A do CPC é um “título monitório”, ou qualquer outra expressão do gênero que busque assemelhar essa prova escrita ao título executivo11. Ao empregar a expressão “prova escrita”, deixou bem claro o legislador que caberão ao juiz a análise e a valoração dessa prova, para somente depois expedir o mandado monitório, o que evidentemente não ocorre no processo/fase de execução e com o título executivo. No procedimento monitório caberá ao juiz a análise da prova juntada pelo autor, verificando-se inclusive, ainda que de forma sumária, a existência do direito alegado na petição inicial e corroborado com a prova que a instrui. No processo de execução, a simples presença do título executivo dispensa qualquer espécie de pesquisa do juiz a respeito da efetiva existência do direito exequendo. Essa abstração presente no título executivo não existe na prova literal que legitima a tutela monitória.

A prova escrita exigida pelo dispositivo legal ora comentado limita a abrangência da prova documental que poderá instruir a petição inicial, considerando-se que existem documentos que não são escritos, tais como as gravações, filmagens, fotografias etc. Esses documentos não são aptos a satisfazer a exigência legal, ainda que se mostrem capazes de convencer sumariamente o juiz acerca da probabilidade de o direito de crédito alegado efetivamente existir12.

Entendo que a prova documental é na realidade uma prova documentada, sendo exigida uma forma documental para que a prova possa permitir a concessão da tutela monitória. Significa dizer que qualquer espécie de prova, desde que esteja documentada, pode servir para a instrução da petição inicial, como ocorre com a prova testemunhal ou pericial produzida em outro processo e que pode servir como prova emprestada na demanda monitória13. Afinal, dentro de um sistema de livre valoração motivada da prova pelo juiz (persuasão racional), não é admissível defender que a prova documental tem uma carga de convencimento maior do que a de outros meios de prova. A exigência de prova documental, ao que parece, diz respeito à forma da prova, sendo inadmissível a produção de outros meios de prova no procedimento monitório, e não com a carga de convencimento da prova. Dessa forma, a prova documentada já é suficiente para instruir a petição inicial da demanda monitória.

Além da exigência de uma prova documentada por escrito, não se admite que a prova tenha sido produzida unilateralmente pelo autor, exigindo-se alguma participação do réu na sua formação,14 embora haja decisão do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário15. Também se exige que a prova literal indique o quantum debeatur nas obrigações de pagar quantia, permitindo-se que dois ou mais documentos apontem com exclusividade o an debeatur e o quantum debeatur. Na realidade, a pluralidade de documentos é sempre permitida, admitindo-se que o convencimento do juiz de que provavelmente o direito alegado existe seja resultado da análise de um conjunto de provas literais levadas aos autos pelo autor16.

Não é possível definir a priori qual é a prova literal exigida pelo art. 1.102-A do CPC, justamente porque, preenchidos os requisitos formais já apontados, tudo dependerá do caso concreto, mais especificamente da carga de convencimento que a prova apresentar. Qualquer descrição do que vem sendo entendido como prova literal apta a instruir a petição inicial monitória é casuística, meramente exemplificativa. Interessante notar, entretanto, que a utilidade maior da ação monitória verifica-se em documentos que são “ex-títulos executivos”, como na hipótese do cheque prescrito17, ou quando os documentos são “quase títulos executivos”, documentos que não preenchem todos os requisitos formais para serem considerados título executivo, como o contrato sem a assinatura de duas testemunhas, a duplicata sem o aceite ou, ainda, o contrato de abertura de crédito em conta-corrente acompanhado do demonstrativo de débito18.

Conforme expressa previsão legal, as obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa imóvel não podem ser objeto de demanda monitória, pois esta é limitada às obrigações de pagar e entregar coisas móveis, pouco importando se a pretensão se funda em direito das obrigações ou em direito real.

80.4. FAZENDA PÚBLICA E AÇÃO MONITÓRIA

A Fazenda Pública é legitimada para o ingresso de ação monitória, ainda que em algumas hipóteses seja discutível o interesse por esta demanda considerando­-se a possibilidade de a Fazenda Pública criar seus próprios títulos executivos (certidão da dívida ativa). Parece claro que, sempre que seja admitida à Fazenda Pública a criação do título executivo, a demanda monitória mostrar-se-á inútil, mas deve-se observar que nem todo crédito em favor da Fazenda Pública dará ensejo à inscrição em dívida ativa, limitando-se tal circunstância aos créditos pecuniários de natureza fiscal. Dessa forma, haverá interesse da Fazenda Pública no oferecimento da monitória para a entrega de coisa móvel e os créditos pecuniários não fiscais19.

A presença da Fazenda Pública no polo passivo da demanda é um tema muito controvertido, ao menos em sede doutrinária, considerando-se a pacificação do entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito do cabimento da ação monitória contra a Fazenda Pública20.

Os doutrinadores que defendem o não cabimento da ação monitória contra a Fazenda Pública argumentam fundamentalmente que:

(a) as especialidades da execução contra a Fazenda Pública (art. 730 do CPC) impedem a adoção da ação monitória21;

(b) a impossibilidade de a Fazenda Pública cumprir a ordem de pagamento em razão da indisponibilidade do direito que defende em juízo22;

(c) a necessidade de reexame necessário, que não seria observado com a ausência de embargos ao mandado monitório e a consequente constituição imediata de título executivo23;

(d) não sendo gerado o efeito da revelia da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de omissão defensiva da Fazenda Pública, com maior razão não se pode concordar que a revelia no procedimento monitório gere automaticamente a formação de título executivo judicial contra ela.

A corrente doutrinária que defende o cabimento da ação monitória contra a Fazenda Pública rejeita os quatro principais argumentos adotados pela corrente proibitiva:

(a) após a formação do título, no momento executivo, observar-se-ão as regras do art. 730 do CPC;

(b) a Fazenda Pública pode realizar o pagamento sem ofender o sistema de pagamento por precatórios, porque não estará cumprindo sentença judicial, devendo considerar o pagamento como voluntário, em situação similar ao pagamento por um serviço prestado ou por recebimento de mercadorias24;

(c) o reexame necessário é exigido na hipótese de sentença judicial (art. 475 do CPC), não sendo aplicável ao sistema procedimental da ação monitória;

(d) não há que falar em efeitos da revelia no procedimento monitório.

80.5. INCAPAZ E AÇÃO MONITÓRIA

O incapaz, desde que devidamente representado processualmente, pode ingressar com uma ação monitória, existindo polêmica a respeito da possibilidade de figurar como réu nessa espécie de demanda. Parcela minoritária da doutrina defende o cabimento, considerando que, sendo o incapaz devidamente representado em juízo, esse representante processual poderá optar por pagar, embargar ou se omitir, suportando o representado as consequências dessa escolha25. Não parece ser o melhor entendimento a respeito do tema.

Segundo o art. 320, II, do CPC, na hipótese de a demanda versar sobre direitos indisponíveis, ainda que o réu seja revel, não será gerado o principal efeito da revelia, qual seja a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Ainda que o silêncio do réu na demanda monitória não se confunda com a revelia, parcela da doutrina entende que a formação de pleno direito do mandado monitório em título executivo não deve ser admitida contra o incapaz, na realidade consequência ainda mais prejudicial que a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor26. Ademais, a necessária intervenção do Ministério Público desvirtuaria o procedimento monitório27, porque, ainda que não tenha legitimidade extraordinária para ingressar com os embargos, poderá se manifestar na própria demanda monitória, o que não se compatibiliza com o procedimento monitório.

Importante registrar que a extinção em razão da presença no polo passivo de quem não possa participar passivamente de uma demanda monitória (como o incapaz e para parcela doutrinária a Fazenda Pública) não diz respeito à questão da legitimidade de parte. Ainda que o autor seja carecedor da ação, não se pode afirmar que a parte demandada seja ilegítima, porque em tese é exatamente contra aquele sujeito que o demandante deve litigar, considerando-se ser ele o devedor ou ao menos o responsável pelo cumprimento da obrigação. A carência da ação nesse caso diz respeito à ausência de interesse de agir, em razão da inadequação da demanda monitória28.

80.6. INGRESSO DA MONITÓRIA

Independentemente da natureza jurídica que se atribua à demanda monitória – processo de conhecimento com procedimento especial ou espécie autônoma de processo –, é exigida do demandante a elaboração de uma petição inicial, nos termos dos arts. 282 e 283 do CPC. No tocante à causa de pedir, diferente do que ocorre na ação de execução, não basta ao autor da monitória fazer uma simples remissão à prova literal que instrui a petição inicial, sendo exigido que descreva os fatos referentes ao surgimento da dívida29. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de cheque prescrito, não haverá necessidade de descrição da causa debendi30. O juiz poderá indeferir a petição inicial, nos termos do art. 295 do CPC, bem como determinar a sua emenda no prazo de dez dias, nos termos do art. 284 do CPC.

O art. 1.102-B do CPC prevê que, estando a petição inicial devidamente instruída, caberá ao juiz o deferimento de plano de expedição do mandado monitório. A interpretação literal do dispositivo, entretanto, pode levar à falsa impressão de que a atitude adotada pelo juiz no processo monitório é semelhante àquela adotada no momento do pronunciamento inicial em uma ação de execução, o que, conforme já analisado, não se mostra correto.

É inegável que o juiz, ao receber os autos conclusos pela primeira vez, independentemente da espécie de processo, deve aferir a regularidade formal da petição inicial, averiguando se estão presentes as condições da ação e os pressupostos processuais. Tratando-se de matérias de ordem pública, que devem ser enfrentadas pelo juiz a qualquer tempo, por certo também nesse momento inicial podem ser objeto de apreciação. No processo de conhecimento, de execução e cautelar, essa deve ser a atitude a ser tomada pelo juiz, que, após uma primeira análise da petição inicial e das ponderações lá contidas, deverá determinar a citação do réu/executado/requerido. A atitude adotada pelo juiz em seu primeiro contato com a inicial no procedimento monitório tem uma indiscutível peculiaridade, suficiente para tornar a análise inicial do juiz mais completa da que costuma fazer em outros processos e procedimentos.

No procedimento monitório há cognição desenvolvida pelo juiz, consubstanciada no convencimento de que há verossimilhança nas alegações do autor. Somente após tal cognição deverá o juiz proferir o pronunciamento inicial positivo, com a expedição do mandado monitório. No processo executivo, por outro lado, o título executivo por si só já basta, desde que formalmente em ordem, para exigir do juiz uma atuação positiva, mandando citar o executado, sem nenhuma cognição desenvolvida a respeito da efetiva ou aparente existência do direito exequendo31.

No procedimento monitório, além de verificar a regularidade formal da inicial e as matérias de ordem pública, deverá o juiz analisar a prova trazida aos autos pelo autor, visto que ela constitui condição de existência da própria tutela monitória. Assim, a análise do conjunto probatório trazido pelo autor, a que alude o art. 1.102-A do CPC, é também matéria de cognição do juiz. É indubitável que o juiz, ao receber a petição inicial monitória, e antes de expedir o mandado monitório, irá realizar um verdadeiro juízo de admissibilidade desse processo, analisando o conjunto probatório e os argumentos lançados pelo autor em sua inicial32.

Em termos de cognição, num plano horizontal (extensão), relacionado com a amplitude dessa atividade do juiz, a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo, consideradas aqui as questões processuais, as condições da ação e o mérito. Nesse plano, a depender de sua intensidade, a cognição pode ser plena ou limitada. Já num plano vertical, relacionada à profundidade com que se verifica, a cognição pode ser exauriente (completa) ou sumária (incompleta)33. Na concessão do mandado monitório verifica-se uma cognição sumária acerca do direito material alegado, mas exauriente no tocante ao direito à tutela monitória, consubstanciada na adequação da prova trazida na inicial à pretensão monitória de obter a satisfação da obrigação e subsidiariamente a formação de título executivo.

Tal cognição sumária quanto ao direito material afirmado pelo autor exige do juiz uma análise de suas alegações e do conjunto probatório já formado na petição inicial. É incompleta, sem dúvida, pois nesse momento o juiz somente tem conhecimento dos fatos constitutivos do alegado direito do autor, narrados de forma unilateral. Não há, ainda, condições de saber se existem fatos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, conhecimento que apenas poderá ter quando houver eventual apresentação dos embargos, bem como se os fatos alegados são verdadeiros. De qualquer maneira, é indubitável que o deferimento do mandado monitório é precedido de cognição judicial diferenciada na empreendida análise da petição inicial em outros processos e procedimentos34.

80.7. EXPEDIÇÃO DO MANDADO MONITÓRIO E CITAÇÃO DO RÉU

Ainda que não exista expressa previsão legal, expedido o mandado monitório o réu será citado para integrar o processo e tomar conhecimento da existência e teor da demanda contra ele proposta, bem como intimado para a interposição de embargos ao mandado monitório no prazo de 15 dias. Não se tratando de processo executivo, todas as formas de citação são admitidas (art. 221 do CPC), inclusive a citação por correio. Controvertida é a questão a respeito da admissibilidade da citação ficta (oficial por hora certa e edital) na demanda monitória.

Há corrente doutrinária minoritária que defende a impossibilidade de citação ficta na demanda monitória, argumentando que a presunção gerada pela omissão do réu em se defender por meio dos embargos exige a certeza de que tenha sido citado, tornando indiscutível o fato de saber que está sendo demandado35. Para a corrente majoritária, a citação poderá ser ficta, não havendo nenhum impedimento expresso em lei36 ou incompatibilidade com o procedimento monitório, destacando que, caso não seja dentro do prazo interposto embargos ao mandado monitório, caberá ao juiz a indicação de um curador especial ao réu, que deverá realizar a sua defesa37. Na jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento, admitindo tanto a citação por hora certa38 como a citação por edital39.

80.8. POSTURAS DO RÉU

Realizada a citação, o réu poderá adotar no prazo de 15 dias uma dentre três possíveis posturas:

(a) pagar ou entregar a coisa;

(b) não reagir;

(c) ingressar com embargos ao mandado monitório.

Segundo a previsão do art. 1.102-C, § 1.º, do CPC, sendo cumprido o mandado no prazo legal, o réu ficará isento do pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. Trata-se de medida de execução indireta, que exerce uma pressão psicológica para que o réu cumpra a sua obrigação de pagar a quantia cobrada ou entregar a coisa demandada. O legislador oferece uma melhora na situação do réu na esperança de que essa oferta seja suficiente a motivá-lo para cumprir a obrigação imediatamente após a sua citação. A oferta legal tem como fundamento os princípios da economia, celeridade e efetividade da tutela jurisdicional, ainda que seja curiosa a isenção no tocante aos honorários advocatícios, porque nesse caso o credor desse valor é o advogado, e não o autor da demanda monitória.

Não parece correto confundir a revelia com a omissão defensiva do réu no procedimento monitório, até mesmo porque a revelia é fenômeno processual voltado à ausência jurídica de contestação, não sendo essa a natureza da defesa típica do procedimento monitório. Os embargos ao mandado monitório têm natureza de ação e não de contestação, sendo a diferença de natureza jurídica dessas duas espécies de reação do demandado suficiente para não confundir os efeitos da ausência de uma e de outra. O efeito principal da revelia é a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, enquanto o efeito da não interposição de embargos no procedimento monitório é a formação de título executivo judicial. O revel ainda pode se sagrar vitorioso na demanda de conhecimento, bastando que o juiz entenda não existir o direito material alegado pelo autor, o que evitará a formação de título executivo contra ele. No procedimento monitório a omissão defensiva obrigatoriamente faz surgir um título executivo contra o réu, não havendo nenhuma possibilidade de o réu omisso se sagrar vitorioso nessa demanda judicial40.

A omissão do réu em apresentar tempestivamente os embargos ao mandado monitório faz com que este se converta de pleno direito em título executivo judicial, segundo previsão do art. 1.102-C, caput, do CPC. A previsão legal determina que, independentemente de qualquer manifestação judicial que declare a formação do título executivo judicial, transcorrido o prazo de defesa do réu sem a interposição dos embargos ao mandado monitório, estará formado o título executivo judicial41. É triste notar na prática forense a prolação de decisão judicial após a inércia do réu, em adoção de procedimento frontalmente contrário ao estabelecido em lei.

A terceira opção é a interposição dos embargos ao mandado monitório no prazo de 15 dias, previsto no art. 1.102-B do CPC. Tratando-se da Fazenda Pública em juízo, não é possível entender que o prazo seja computado em quádruplo para embargar, ainda que se amplie o significado do termo “contestação” utilizado no art. 188 do CPC, entendendo-o como “resposta”. O prazo será contado em quádruplo para as respostas do réu que se desenvolvem na mesma ação em que é demandado, não sendo essa a hipótese dos embargos ao mandado monitório, que têm natureza jurídica de ação. O prazo para a Fazenda Pública embargar, portanto, é de 15 dias (simples)42, o mesmo ocorrendo na improvável presença do Ministério Público no polo passivo. Pelo mesmo raciocínio, inaplicável a contagem do prazo em dobro previsto pelo art. 191 do CPC na hipótese de litisconsortes passivos com diferentes patronos.

80.9. A NATUREZA JURÍDICA DO PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE DEFERIMENTO DO MANDADO MONITÓRIO

Um dos temas mais polêmicos referentes ao procedimento monitório diz respeito à natureza jurídica do pronunciamento do juiz que defere o mandado monitório. Antes de comentar as diversas correntes doutrinárias que defendem a natureza de despacho, decisão interlocutória ou sentença, cumpre consignar que a natureza desse pronunciamento não depende da atitude a ser tomada pelo réu no caso concreto. Não se pode concordar, portanto, com uma suposta natureza híbrida desse pronunciamento judicial. Os que defendem essa tese acreditam que a atitude do réu é que define a natureza jurídica do pronunciamento43:

(a) se houver embargos ao mandado monitório, a natureza jurídica do provimento é de decisão interlocutória e,

(b) ocorrendo omissão do devedor em se defender por meio dos embargos, o pronunciamento terá natureza de sentença.

Tal entendimento deixa uma pergunta sem resposta: no lapso temporal entre a expedição da ordem e a eventual manifestação defensiva do réu sob a forma de embargos ao mandado monitório, qual é a natureza desse pronunciamento? Fica sobrestada a definição da sua natureza até que o prazo transcorra? Quando um pronunciamento judicial é emitido, já em seu nascedouro contém uma natureza jurídica. Não se pode admitir que um mesmo ato tenha duas naturezas jurídicas condicionadas a eventual manifestação da parte contrária. Assim, definida a sua natureza jurídica, não se conceberá sua modificação no curso do trâmite processual. Se o pronunciamento “nasce” com a natureza de decisão interlocutória, assim permanecerá até o término da demanda; o mesmo ocorrendo com a sentença e com o despacho44.

80.10. O PRONUNCIAMENTO CONCESSIVO DO MANDADO MONITÓRIO COMO DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE

A compreensão de que o pronunciamento concessivo do mandado monitório é um despacho de mero expediente é sem dúvida compartilhada por poucos processualistas que se detiveram sobre o assunto. Tomando-se o rol do art. 162 do CPC, que classifica os atos do juiz (melhor seria ter usado pronunciamentos) em despachos, decisões interlocutórias e sentenças, é pacífico na doutrina que a diferenciação entre despacho e decisão interlocutória reside na carga decisória do pronunciamento, existente neste e ausente naquele.

Considerando-se o pronunciamento inicial positivo do juiz no procedimento monitório como um despacho, retira-se qualquer carga decisória de tal manifestação judicial. Tratar-se-á de um simples ato de ordenamento processual, cujo escopo é tão somente completar a relação jurídica processual, informando-o da existência de demanda judicial e permitindo o ingresso dos embargos ao mandado monitório. Essa minoritária corrente doutrinária chega a comparar esse pronunciamento inicial do juiz no processo monitório com aquele emitido no processo de conhecimento e de execução45, o que já se demonstrou não ser o entendimento mais adequado.

Conforme já demonstrado, no procedimento monitório o juiz é obrigado a analisar a regularidade formal da petição inicial, as matérias de ordem pública e sumariamente a probabilidade de o direito material alegado existir. É nitidamente um pronunciamento com caráter decisório, o que é suficiente para afastar deste a natureza jurídica de despacho.

80.11. O PRONUNCIAMENTO QUE DEFERE O MANDADO MONITÓRIO CONSIDERADO COMO SENTENÇA – OCORRÊNCIA DA COISA JULGADA MATERIAL

É tradicional a doutrina que entende ter o mandado monitório a natureza de uma sentença, comparando-se o procedimento monitório com o processo contumacial. A falta de interposição de embargos por parte do réu da ação monitória se assemelharia à falta de apresentação de contestação na ação de conhecimento. Em ambas teria havido a oportunidade de contraditório, aberta ao réu com o seu chamamento ao processo (ordem para pagar ou entregar coisa no primeiro caso e para responder à inicial no segundo), não se tendo efetivado justamente em virtude de sua omissão. Assim, uma vez definida a natureza do procedimento monitório relacionando-o com o processo de conhecimento em que se verifica a contumácia do réu, chegou-se consequentemente à conclusão de que o mandado monitório tinha a mesma natureza jurídica do pronunciamento que decidia o processo de conhecimento contumacial46. Nesse entendimento, se a sentença proferida num processo em que se tenha verificado a contumácia do réu transita em julgado, produzindo coisa julgada material, o mesmo efeito deve ser, por analogia, atribuído ao mandado monitório.

O entendimento não é correto, porque no processo de conhecimento a contumácia é eventual e pode até ser considerada como fenômeno anormal, enquanto no processo monitório a omissão do réu é institucional e necessariamente pressuposta. Além disso, mesmo quando não há a manifestação defensiva do réu no processo de conhecimento, ainda assim se verifica um contraditório real e não apenas virtual como aquele estabelecido no processo monitório. Tal entendimento fundamenta-se na possibilidade de o juiz, mesmo quando verificada a revelia no processo de conhecimento, determinar a produção de provas ex officio ou ainda determinar que o autor especifique provas para formar o seu convencimento (art. 324 do CPC), sempre que se mostrar legítima a exceção ao efeito legal (Capítulo 12, item 12.2.3). Essa possibilidade não existe no processo monitório em virtude da constituição, de pleno direito, do mandado monitório em título executivo.

Além disso, em virtude da aplicação do princípio do iura novit curia, mesmo em caso de revelia, somente os fatos serão presumidos verdadeiros (presunção relativa), e nunca o direito. Assim, ainda que o réu, no processo de conhecimento, não conteste a pretensão do autor, o juiz, que deve saber o direito, se não estiver convencido de sua existência, deverá rejeitar o pedido (art. 269, I, do CPC)47. Esse julgamento de improcedência não tem lugar no procedimento monitório após a expedição do mandado monitório, considerando-se mais uma vez a sua conversão de pleno direito em título executivo.

Dessa maneira, existe a possibilidade de o réu revel no processo de conhecimento sair vencedor da demanda, fato impossível de ocorrer no procedimento monitório, em que a sorte do réu estará previamente lançada e seu futuro conhecido. Embargando o mandado, discutirá a obrigação pretendida pelo autor, não embargando, o mandado monitório será de pleno direito convertido em título executivo. Nos embargos existe a possibilidade de sair vencedor em sua defesa e, consequentemente, impedir a formação do título executivo. No caso de omissão, entretanto, em virtude do disposto no art. 1.102-A do CPC, necessariamente sairá derrotado e o título será formado.

Outra diferença entre os dois processos está no fato de que no processo de conhecimento, mesmo não atendendo à citação, pode o réu ainda nele ingressar e participar ativamente na formação do convencimento do juiz, recebendo o processo no estado em que ele se encontra. Poderá o revel interferir, se não com o juiz de primeira instância, quando julga antecipadamente a lide (art. 333, II, do CPC), ao menos com o Tribunal, em sede de apelação. No procedimento monitório tal ocorrência, em razão de sua própria especialidade procedimental, é inviável48.

Por fim, no processo de conhecimento, mesmo com a revelia do réu, não há impedimento de que o juiz reconheça uma matéria de ordem pública antes da prolação da sentença, extinguindo o processo sem a resolução do mérito. Já no procedimento monitório essa possibilidade simplesmente inexiste, uma vez que, deferido o mandado monitório e transcorrido o lapso temporal de prazo para a defesa do réu sem nenhuma manifestação, o mandado monitório se converterá de pleno direito em título executivo, sem a necessidade de um novo pronunciamento judicial.

A doutrina nacional que defende a existência da coisa julgada material, ainda que se reconheçam a cognição sumária e a prolação de decisão inaudita altera parte, afirma que o pronunciamento é similar à sentença condenatória obtida no processo de cognição plena no processo de conhecimento. Defende-se que a decisão que expede o mandado monitório tem natureza idêntica a da sentença condenatória proferida em processo de conhecimento em que ocorre a revelia do réu, com a verificação da coisa julgada material49.

Os doutrinadores que não aceitam a atribuição dos efeitos da coisa julgada ao mandado monitório não admitem que a cognição sumária feita pelo juiz seja suficiente para atribuir ao pronunciamento o caráter de certeza que os pronunciamentos aptos a adquirirem a coisa julgada material necessitam possuir.

80.12. O PRONUNCIAMENTO CONCESSIVO DO MANDADO MONITÓRIO COMO DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

Parte significativa da doutrina considera o pronunciamento concessivo do mandado monitório como uma decisão interlocutória50. Para esses doutrinadores o pronunciamento não produz coisa julgada material. A razão que justifica a atribuição da natureza jurídica de decisão interlocutória ao pronunciamento em exame se dá em virtude da amplitude da cognição feita pelo juiz em sua manifestação inicial e pela ausência de efetivo contraditório. Para os que defendem tal entendimento, não sendo viável atribuir ao mandado monitório o caráter de certeza própria de uma sentença definitiva e considerando-se o evidente caráter decisório do pronunciamento, somente restaria a ele a natureza jurídica de uma decisão interlocutória. Excluída a possibilidade de o pronunciamento ser um despacho ou uma sentença, e reconhecendo ser tal ato do juiz um pronunciamento que necessita ser tipificado numa das hipóteses do art. 162 do CPC, por eliminação tal pronunciamento é tido como uma decisão interlocutória.

Antes da Lei 11.232/2005, a sentença era conceituada como “ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. Diante desse conceito, doutrinadores entendiam que o pronunciamento não poderia ser ao mesmo tempo inicial e colocar termo ao processo. Considerando-se que somente após essa decisão preliminar é que será possível o complemento da relação jurídica processual, não haveria como falar em pronunciamento que encerra o processo; pelo contrário, é justamente aquele que dá vida a ele51. O argumento não deve ser descartado em virtude do novo conceito de sentença, porque, conforme analisado no Capítulo 16, item 16.1, a maioria da doutrina entende que a decisão de mérito, para ser sentença, deve colocar fim à fase procedimental de conhecimento, de forma que, feita essa adequação, é possível a manutenção do argumento.

Uma vez admitida a natureza jurídica do pronunciamento concessivo do mandado monitório como a de uma decisão interlocutória, por certo ele nunca estaria revestido da coisa julgada material, fenômeno imputável tão somente às sentenças que julgam o mérito da demanda. A impossibilidade de modificação da decisão inicial proferida pelo juiz no mesmo processo se daria somente em virtude de preclusão, e não de coisa julgada52.

Após o término da suspensão da eficácia do mandado inicial e sua consequente conversão de pleno direito em título executivo, todas as matérias, sem exceção, não poderão mais ser apreciadas pelo juiz53. Ao considerar esse pronunciamento uma decisão interlocutória, a única explicação para a impossibilidade de o juiz reformar sua decisão primígena quanto às matérias de ordem pública seria a ocorrência de preclusão temporal, dado que durante a fase de suspensão da eficácia do mandado poderia ele analisá-las, mas, vencido esse prazo, não mais poderá discuti-las54.

80.13. O MÉRITO NO PROCESSO MONITÓRIO E SEU JULGAMENTO

Conforme ensina a melhor doutrina, o mérito da demanda deve ser conceituado como a pretensão à tutela jurídica buscada pelo autor em juízo55. Respondendo à questão sobre o que o autor pretende com o processo judicial, estar-se-á determinando seu mérito. Quando o autor ingressa com uma ação de conhecimento, pretende, em primeiro plano, o reconhecimento do direito por ele afirmado, para assim poder, posteriormente, satisfazer o seu direito, seja por meio do cumprimento “voluntário” da obrigação pelo devedor, seja por meio da própria força gerada pela sentença (declaratória e constitutiva) ou, ainda, mediante execução forçada, quando além do reconhecimento do direito o autor requer a condenação do réu ao cumprimento de uma prestação.

Entendo que o mérito do processo monitório não se confunde com o mérito do processo de conhecimento tradicional56. Na realidade, o mérito monitório é mais próximo do mérito do processo executivo57, registrando-se, entretanto, que as manifestas diferenças procedimentais entre os dois processos não permitem nenhuma confusão entre eles.

O art. 1.102-A do CPC prevê que “a ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel”. A leitura do texto legal leva à conclusão de que o autor, ao ingressar com a demanda monitória, não está buscando o reconhecimento de seu direito, mas tão somente o pagamento de soma em dinheiro ou entrega de coisa. A pretensão do autor no processo monitório é, portanto, a satisfação de seu direito, e não o seu reconhecimento58. Mesmo quando o autor não obtém o que pretende, que indubitavelmente é a satisfação de seu direito, no caso de o réu não cumprir sua obrigação no prazo legal, o que se vê é a conversão do mandado inicial em título executivo, e não a existência de decisão que reconhece o direito alegado na inicial pelo autor.

Grande parte da doutrina admite que o objetivo perseguido no processo monitório não é o reconhecimento do direito alegado pelo autor. Não fazendo parte do objeto desse processo, portanto, não cabe discussão acerca do mérito da relação obrigacional deduzida em juízo59. Quando parcela da doutrina afirma que na monitória não há julgamento de mérito, parece querer dizer que não existe na decisão concessiva do mandado monitório nenhuma declaração do juiz asseverando que o direito alegado efetivamente existe. Ao examinar a petição inicial da monitória, o juiz conta tão somente com os argumentos e provas trazidos aos autos pelo autor. Deve, a partir desses elementos, primeiramente verificar a presença dos pressupostos processuais e das condições da ação e, posteriormente, por meio da, já tantas vezes aduzida, cognição sumária, verificar se deve deferir uma ordem de pagamento fundamentada somente num juízo de probabilidade da existência do direito do autor.

Em minha concepção o pronunciamento proferido por meio de cognição sumária não tem condições de produzir coisa julgada material, fenômeno privativo dos pronunciamentos gerados mediante cognição exauriente60. Assim, relativamente à existência do direito afirmado pelo autor, a cognição é sumária, e a decisão proferida não pode adquirir coisa julgada material. O mesmo não ocorre, entretanto, com a cognição que o juiz faz a respeito do direito à tutela monitória pretendida pelo autor. Aqui, necessário mais uma vez atentar para o verdadeiro conteúdo da pretensão do autor na demanda monitória. Pretende-se o cumprimento da obrigação, dentro dos limites traçados por nosso ordenamento jurídico. Se não verificada a satisfação, e não embargado o mandado, o autor obterá um título executivo judicial, no teor da lei. Entende-se que subsidiariamente61 o autor pretende a constituição de título executivo judicial. Como se nota, não há lugar no pedido do autor do procedimento monitório para o reconhecimento de seu direito.

Ao expedir o mandado monitório, o juiz deverá estar convencido, pela argumentação do autor e pelos documentos juntados com a peça inicial, de que este deve ser contemplado com a tutela monitória, que nada mais é, em primeiro plano, a satisfação do direito e, em segundo, a formação de título executivo judicial. Essa análise dos elementos que levam o autor a ser merecedor da tutela monitória é realizada mediante cognição exauriente, porque não haverá outro momento processual para a manifestação do juiz no tocante ao objeto dessa decisão, que são justamente os pressupostos de concessão da tutela monitória. Importa ressaltar que essa sentença proferida pelo juiz será sempre, em qualquer circunstância, o único pronunciamento proferido pela autoridade judicial no procedimento monitório. Considerando os embargos ao mandado monitório como ação autônoma incidental, a exemplo dos embargos à execução, e mediante a expressa menção da lei, a conversão do mandado monitório de pleno direito em título executivo, esse pronunciamento, mesmo na hipótese de manifestação do réu por meio dos embargos, será sempre o único proferido pelo juiz no processo monitório62.

Sintetizando o entendimento ora defendido: o fenômeno da coisa julgada material está presente no processo monitório. Não está relacionado ao direito afirmado pelo autor, mas ao mérito do próprio processo monitório, consistente na pretensão do autor de ver satisfeito seu crédito ou, subsidiariamente, obter título executivo judicial.

A principal consequência prática do entendimento exposto é a possibilidade aberta ao réu, em caso de não terem sido oferecidos embargos, e mesmo depois de convertido o mandado monitório em título executivo, de ingressar com ação autônoma para discutir o direito material alegado pelo autor da monitória63. Em virtude de a coisa julgada material operada nesse processo se relacionar exclusivamente à tutela monitória, é tão somente essa que não mais poderá ser discutida pelas partes. Fica, entretanto, aberta a discussão acerca do direito material alegado pelo autor na monitória que, em virtude da ausência de defesa do réu, não chegou a ser precisamente objeto de decisão por parte do Poder Judiciário.

A situação, nesse aspecto, se assemelha à da execução de título executivo extrajudicial em que se verifica a ausência dos embargos do devedor. Em ambas não houve qualquer apreciação judicial acerca do crédito executado ou que fundamenta o direito material, o que permite que ele possa ser objeto de discussão posterior. As situações não são idênticas, porque a formação do título executivo no processo monitório se dá de maneira diferente da formação de um título executivo extrajudicial. No primeiro caso, tem-se uma apreciação por parte do Poder Judiciário, que, embora não reconheça o direito alegado pelo autor, emite uma ordem de pagamento ou de entrega fundada em um juízo de verossimilhança. Significa dizer que, no caso do mandado monitório, há uma presunção do juiz de que o direito afirmado de fato existe, enquanto no título executivo extrajudicial essa presunção é legal.

No processo monitório, as provas juntadas à inicial, a cognição sumária do juiz acerca do direito alegado (exauriente quanto ao direito à tutela monitória por parte do autor) e a omissão do réu criam as condições necessárias para o surgimento de um título executivo. Esse título encontra-se numa posição intermediária em relação ao título judicial proveniente de cognição exauriente e ao título extrajudicial. O título executivo formado no processo monitório é baseado em presunção, já que formado por meio de probabilidade da existência do direito material. Tal presunção, entretanto, é mais forte do que aquela exigida para o título executivo extrajudicial, em que não é o juiz que presume a existência do direito, mas a própria lei. É inegável que esse título tenha menor força que o título executivo judicial obtido por meio de cognição exauriente, cujo fundamento não é a presunção, mas a certeza.

É possível graduar suas diferenças, levando-se em consideração o grau de convencimento necessário para o surgimento de cada um desses títulos. A presunção legal, que mais longe se encontra da certeza, autoriza a formação do título extrajudicial. A presunção do juiz sobre a existência do crédito, por certo mais próxima da certeza, origina o título executivo formado no procedimento monitório, e finalmente a própria certeza, obtida com decisão definitiva por meio de cognição exauriente, cria o título executivo judicial típico, previsto no art. 475-N, I, do CPC.

Dessa maneira, fica-se no meio do caminho entre a presunção legal do título executivo extrajudicial e a certeza do título executivo judicial proveniente de processo com cognição exauriente. Mas como tratar um título executivo que não seria nem judicial nem extrajudicial? Parece que a solução a tal impasse encontra-se prevista no próprio texto legal ao chamar o título executivo, obtido por meio da tutela monitória, de judicial. Não que com isso o legislador tenha procurado equipará-lo àquele título formado no processo de cognição exauriente. Pretendeu, sim, dar a esse título uma força maior do que aquela prevista para o título executivo extrajudicial.

A cognição sumária do direito material alegado pelo autor no processo monitório, por certo, dota o crédito representado pelo título que se formará de uma probabilidade muito maior do que aquela verificada no título executivo extrajudicial. Assim sendo, embora se entenda que o réu possa, em ação autônoma, discutir o direito material alegado pelo autor do processo monitório na ausência de embargos ao mandado monitório, somente poderá impugnar a execução dentro dos limites do art. 475-L do CPC. O tema voltará a ser tratado no item referente aos embargos ao mandado monitório.

80.14. NATUREZA JURÍDICA DOS EMBARGOS AO MANDADO MONITÓRIO

Há sério debate na doutrina nacional a respeito da natureza jurídica dos embargos ao mandado monitório, previstos no art. 1.102-B do CPC, sendo evidente que o simples nome atribuído pelo legislador a essa espécie de defesa do réu e a expressa previsão de que os embargos serão autuados nos próprios autos (art. 1.102-C, § 3.º, do CPC) em nada contribuem para a solução do impasse. Parece ser correto o entendimento da doutrina majoritária de que os embargos ao mandado monitório têm natureza de ação, e não de contestação64.

Existem dois sistemas procedimentais pelos quais pode ser oferecida a tutela monitória ao jurisdicionado. Num primeiro sistema o juiz profere no início do procedimento um mandado de cumprimento da obrigação, sendo que, apresentada a defesa pelo réu, o procedimento monitório se transforma em procedimento ordinário e o mandado inicial perde a sua eficácia. Ao final, o juiz profere uma sentença condenando ou não o réu, o mesmo ocorrendo quando este não apresenta sua defesa. Num segundo sistema o juiz profere uma decisão inicial, determinando o cumprimento da obrigação, e a defesa do réu suspende a eficácia desse mandado inicial. Sendo rejeitada a defesa, não haverá a prolação de nova decisão no procedimento monitório, constituindo-se o título executivo judicial de pleno direito. O mesmo fenômeno ocorrerá se o réu não apresentar a defesa.

A mera leitura do art. 1.102-C do CPC demonstra que o direito brasileiro adotou o segundo sistema, ainda que alguns juízes pareçam não ter lido com atenção tal dispositivo legal, tal a quantidade na praxe forense de decisões indevidamente proferidas no procedimento monitório após o julgamento dos embargos ou na ausência destes. O próprio Superior Tribunal de Justiça parece não ter compreendido com clareza a opção do legislador brasileiro, posicionando-se flagrantemente contra a clara letra de lei para afirmar que, apresentados os embargos, o procedimento monitório se converte em procedimento ordinário65. Mas nada disso afasta a grave falha de tal entendimento, que ao tratar os embargos como contestação passa a entender que o título executivo não é o mandado monitório, mas a sentença a ser proferida após o regular procedimento da demanda.

Não é uma discussão meramente acadêmica, gerando alguns interessantes reflexos práticos o incorreto entendimento de que os embargos ao mandado monitório têm natureza de contestação:

(a) a Fazenda Pública e o Ministério Público teriam o prazo em quádruplo para se defender, e os litisconsortes com patronos diferentes teriam o prazo em dobro (art. 191 do CPC);

(b) pelo princípio da eventualidade todas as matérias de defesa do réu teriam que ser alegadas nesse primeiro momento de defesa, “sob pena” de preclusão, sendo que a sentença de mérito a ser proferida impedirá a discussão de outras defesas em outra demanda em razão da eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 474 do CPC);

(c) todas as matérias alegadas na defesa são devolvidas ao tribunal numa eventual apelação pela profundidade do efeito devolutivo, ainda que a apelação não tenha todas elas como objeto de pretensão recursal66.

Afastado o entendimento de que os embargos possuem natureza jurídica de contestação, mostra-se de singular infelicidade a Súmula 292 do STJ, ao admitir a reconvenção a ser proposta pelo réu da demanda monitória. É natural que para os defensores da tese ora criticada o réu da ação monitória, ao embargar e transformar o procedimento em ordinário, poderá se valer da reconvenção, bem como de outras formas de resposta, tais como denunciação da lide e chamamento ao processo67. Por outro lado, parcela da doutrina que defende a natureza de ação dos embargos aponta para a impossibilidade de reconvenção, considerando-se que o réu da demanda monitória é o autor dos embargos, e autor não pode ingressar com reconvenção68.

Prefiro o entendimento de que a reconvenção realmente é inviável, mas ao autor dos embargos ao mandado monitório é plenamente admissível o ingresso de uma nova demanda autônoma, conexa com a demanda monitória, pela qual postule contra o autor da mesma forma que faria numa reconvenção. A conexão entre as duas demandas gera a aplicação do art. 105 do CPC, de modo que as três ações (monitória, embargos e contra-ataque) serão reunidas perante o juízo prevento (juízo da monitória e dos embargos) para julgamento conjunto69. De reconvenção realmente não se trata, mas na prática pouca diferença existirá.

80.15. PROCEDIMENTO DOS EMBARGOS AO MANDADO MONITÓRIO

Tratando-se de ação incidental, os embargos ao mandado monitório exigem o oferecimento de uma petição inicial, nos termos dos arts. 282 e 283 do CPC, seguindo-se o procedimento ordinário. Conforme expressa previsão do art. 1.102-C, § 2.º, do CPC, os embargos independem de prévia segurança do juízo, tendo essa característica se prestado durante muito tempo para diferenciá-lo dos embargos à execução, o que atualmente não mais ocorre em razão da previsão do art. 736 do CPC, que passou a permitir o ingresso de embargos à execução mesmo sem a garantia do juízo. Em razão da regra prevista no mesmo dispositivo legal, os embargos ao mandado monitório serão autuados nos próprios autos da demanda monitória.

A interposição dos embargos ao mandado monitório suspende a eficácia do mandado inicial (art. 1.102-C, caput, do CPC), e, havendo a interposição de embargos parciais, a parcela do mandado não impugnada converte-se de pleno direito em título executivo, o que já permite o ingresso da execução definitiva por meio do cumprimento de sentença dessa parte incontroversa da pretensão do autor70. Havendo mais de um réu e somente um deles tendo apresentado os embargos, sendo o litisconsórcio unitário, a suspensão do mandado atinge todos os réus, inclusive os que não embargaram; tratando-se de litisconsórcio simples, tudo dependerá da matéria alegada em embargos, verificando-se a suspensão do mandado monitório somente se a defesa apresentada aproveitar a todos os litisconsortes, inclusive aos que não embargaram71.

O juiz poderá determinar a emenda da petição inicial na hipótese de vício sanável (art. 284 do CPC) ou ainda indeferi-la de plano havendo vícios insanáveis, em decisão recorrível por apelação. Sendo regular a petição inicial, o juiz determinará a intimação do réu na pessoa de seu advogado – da mesma forma que ocorre nos embargos à execução – que poderá adotar as reações típicas do demandado. Interessante questão é colocada diante da omissão do embargado em responder: haverá revelia nesse caso? Serão presumidos verdadeiros os fatos alegados pelo embargante em sua petição inicial?

Entendo que a ausência jurídica de resposta gera a revelia do embargado, mas não o seu principal efeito, qual seja a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo embargante. Ainda que se considere omisso o réu dos embargos ao mandado monitório, sua omissão não é absoluta como ocorre no processo de conhecimento, considerando-se ter sido ele o responsável pelo ingresso do processo monitório. Ademais, já existe uma presunção em favor do embargado, porque a seu favor já foi proferida uma decisão que considerou existente o direito alegado e bem por isso determinou o pagamento ou entrega da coisa. Essa presunção de que existe o direito, inclusive fonte motivadora da existência dos próprios embargos, precisa ser afastada no caso concreto pelo embargante, o que só ocorrerá com a produção de prova, sendo insuficiente a mera omissão defensiva do embargado72.

Os embargos ao mandado monitório são decididos por sentença recorrível por apelação, havendo debate doutrinário a respeito dos efeitos do recebimento desse recurso. Parcela doutrinária admite a aplicação por analogia do art. 520, V, do CPC, regra prevista para os embargos à execução, para que a apelação contra a sentença dos embargos ao mandado monitório seja recebida sem o efeito suspensivo, entendimento que se fundamenta na celeridade procedimental que motivou o tratamento diferenciado da tutela monitória73. É possível que esse entendimento realmente seja o melhor em termos de intenção, mas não parece ser possível a interpretação extensiva de norma restritiva de direito, merecendo elogios a corrente doutrinária que defende o recebimento da apelação no duplo efeito74, pelo menos até modificação legislativa.

Os embargos poderão ser extintos sem a resolução do mérito (art. 267 do CPC). Tratando-se de resolução de mérito, a sentença terá sempre natureza declaratória:

(a) rejeição do pedido do embargante: declaração da existência do direito alegado pelo autor da ação monitória, ou seja, a existência da obrigação do embargado; nessa hipótese o mandado monitório se converte de pleno direito em título executivo judicial;

(b) acolhimento do pedido do embargante quando seu fundamento é a inexistência do direito do embargado: declaração de que o direito alegado pelo autor da monitória não existe; nessa hipótese o mandado monitório será desconstituído, não se convertendo em título executivo, produzindo a sentença coisa julgada material;

(c) acolhimento do pedido do embargante quando seu fundamento for irregularidade formal: declaração de que a tutela monitória é incabível ou foi exercida com imperfeição formal, sendo o mandado monitório desconstituído.

Na hipótese de sentença de parcial procedência dos embargos, é imprescindível a liquidez da decisão, porque será justamente pelo valor líquido indicado como devido que será realizada a execução75.

80.16. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

Uma vez constituído o título executivo judicial, a fase monitória terá se encerrado, sendo iniciada a fase de cumprimento de sentença, que permitirá ao autor o pedido da aplicação das medidas executivas para a satisfação de seu direito. Tratando-se de entrega de coisa, o procedimento é o estabelecido no art. 461-A do CPC, já devidamente tratado no Capítulo 43. Tratando-se de pagar quantia certa, o procedimento é o estabelecido nos arts. 475, J, L, M, R do CPC, tratados no Capítulo 44.

A única questão que traz interesse peculiar a esse cumprimento de sentença diz respeito à defesa do executado. Nas execuções de sentenças condenatórias de entregar coisa certa, não existe no art. 461-A do CPC a previsão expressa de embargos à execução, impugnação, ou qualquer outra forma típica de defesa, o que evidentemente não retira do executado o direito de exercer o contraditório por meio de mera petição. O mesmo deve ocorrer na execução do título executivo formado no procedimento monitório. Na execução de sentença condenatória de pagar quantia certa, salvo as exceções analisadas no Capítulo 34, item 34.2, a depender da espécie do título executivo, a defesa típica será realizada por embargos (título executivo extrajudicial) ou impugnação (título executivo judicial).

Inicialmente, não deve ser admitida a tese de que não cabe defesa ao executado em execução de título formado no procedimento monitório. Não é correto o entendimento de que o momento adequado para a apresentação da defesa é o de embargos ao mandado monitório, e, sendo omisso o réu no sentido de se defender nesse momento, será impedido de alegar qualquer defesa na fase executiva em razão da preclusão76. Primeiro, porque a preclusão é um fenômeno endoprocessual, e sendo os embargos ao mandado monitório uma ação incidental não se pode afirmar que a sua não interposição gerou preclusão em outra ação. Por outro lado, a existência de possibilidade de defesa nas duas fases da ação sincrética é a regra, não havendo nenhuma razão plausível para o tratamento diferenciado no caso da monitória.

O cabimento de defesa na fase executiva é inegável, havendo dissenso na doutrina a respeito dos eventuais limites dessa defesa. Cumpre registrar antes de tudo que, havendo a interposição de embargos ao mandado monitório de mérito, a doutrina é pacífica em afirmar que o executado estará limitado em sua impugnação às matérias do art. 475-L do CPC, até mesmo porque a matéria referente à existência do direito material já estará nesse caso protegida pela coisa julgada material da sentença dos embargos ao mandado monitório.

Não havendo a apresentação desses embargos, entretanto, parcela minoritária da doutrina entende que a defesa do executado deve ser ampla, abrangendo todas as matérias defensivas possíveis, inclusive aquelas referentes à existência do direito material que fundamenta o título executivo. Fundamenta-se tal corrente doutrinária na inexistência de discussão e decisão judicial a respeito do direito material, considerando-se que o mandado monitório, concedido mediante cognição sumária (juízo de probabilidade), é a única decisão judicial proferida no processo77. O entendimento claramente contraria a expressa previsão legal (art. 1.102, caput, do CPC), que indica a natureza judicial desse título.

A doutrina majoritária entende que a omissão do réu em embargar ao mandado monitório não permite que este exponha matérias defensivas que deveria ter apresentado naquele momento procedimental. O entendimento é de que o contraditório foi oferecido ao réu, que devidamente citado teve o prazo de quinze dias para se defender por meio dos embargos ao mandado monitório, o que poderia evitar a formação do título executivo judicial. Não o fazendo, assume os riscos de sua omissão, devendo a execução seguir o procedimento de execução de título judicial, o que limitará a matéria de defesa alegável em sede de impugnação àquelas previstas no art. 475-L do CPC78.

Não há previsão de ação monitória no PLNCPC.


1 Dinamarco, A reforma, p. 233; Theodoro Júnior, O procedimento, p. 78-79; Andrighi, Da ação, p. 14-17.

2 Contra: Informativo 495/STJ, 4.ª Turma, REsp 981.440-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 12.04.2012.

3 Shimura, A nova, p. 419.

4 Fidélis dos Santos, 2000.

5 Marcato, 1998.

6 Macedo, 1999.

7 Greco Filho, Comentários, p. 49-50.

8 Theodoro Jr., Curso, v. 3, n. 1.475, p. 360.

9 Marcato, O processo, p. 8.

10 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1.279, p. 739-741.

11 Bermudes, Ação, p. 141, afirma ser a prova literal um título paraexecutivo.

12 Nery-Nery, Código, p. 1.242; Talamini, Tutela, p. 68; Fidélis dos Santos, Ação, 19, p. 46-47.

13 Talamini, Tutela, p. 85-86; Fischmann, Comentários, p. 394.

14 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1.283, p. 746-747; Nery-Nery, Código, p. 1.242; Fidélis dos Santos, Ação, n. 19, p. 46-47. Contra: Fischmann, Comentários, p. 393-394.

15 Informativo 506/STJ, 4.ª Turma, REsp 925.584-SE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09.10.2012.

16 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1.283, p. 747; Marcato, O processo, n. 13.2.2, p. 64.

17 Súmula 299 do STJ.

18 Súmula 247 do STJ.

19 Talamini, Tutela, p. 183; Carneiro Cunha, A Fazenda, n. 13.3, p. 354-355.

20 Súmula 339 do STJ.

21 Theodoro Jr., Curso, v. 3, n. 1.480, p. 366.

22 Marcato, O processo, n. 13.2.3, p. 68-69.

23 Theodoro Jr., Curso, v. 3, n. 1.480, p. 366; Talamini, Tutela, p. 181-182.

24 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1281, p. 745; Macedo, Do procedimento, p. 169; Fischmann, Comentários, p. 386.

25 Dinamarco, A reforma, n. 168-E, p. 233.

26 Fidélis dos Santos, Ação, 56, p. 110.

27 Marcato, O processo, n. 13.2, p. 70; Câmara, Lições, v. 3, p. 460.

28 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1281, p. 745-746; Marcato, O processo, n. 13.2.3 e 12.2.4, p. 65-70.

29 Cruz e Tucci, Ação, p. 78; Salvador, Da ação, p. 21; Fischmann, Comentários, p. 397-398.

30 Informativo 483/STJ: 4.ª Turma, REsp 926.312/SP, rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 20.09.2011.

31 Talamini, Tutela, p. 63-64.

32 Dinamarco, A reforma, p. 237; Talamini, Tutela, p. 70-74; Cruz e Tucci, Ação, p. 44.

33 Watanabe, Da cognição, p. 111-113.

34 Fischmann, Comentários, p. 391.

35 Câmara, Lições, v. 3, p. 468-469; Fidélis dos Santos, Ação, 59, p. 114-118.

36 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1.288, p. 754-755; Marcato, O processo, n. 18, p. 82.

37 Talamini, Tutela, n. 5.3, p. 137-139; Fischmann, Comentários, p. 406-407.

38 STJ, 3.ª Turma, REsp 211.146/SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 08.06.2000, DJ 1.º.08.2000.

39 Súmula 282 do STJ.

40 Marcato, O processo, n. 20, p. 84-86.

41 Theodoro Jr., Curso, v. 3, n. 1.482, p. 371; Cruz e Tucci, Ação, n. 13, p. 93; Nery-Nery, Código, p. 1.248; Câmara, Lições, v. 3, p. 469. Contra: Bermudes, Ação, p. 144.

42 Talamini, Tutela, p. 368-369; Fischmann, Comentários, p. 419. Contra: Nery-Nery, Código, p. 1.248.

43 Cruz e Tucci, Ação, p. 83.

44 Talamini, Ação, p. 85.

45 Fidélis dos Santos, Ação, p. 98-99; Fornaciari Jr., A reforma, p. 212.

46 Bermudes, Ação, p. 275.

47 Esse é o entendimento da absoluta maioria dos operadores do direito. Por todos, Dinamarco, Fundamentos, p. 950.

48 Talamini, Tutela, p. 90.

49 Marcato, O processo, p. 81; Lisboa, O mandado, p. 52; Bermudes, Ação, p. 275.

50 Theodoro Jr., Curso, v. 3, p. 370; Talamini, Tutela, p. 115; Greco Filho, Comentários, p. 53.

51 Talamini, Ação, p. 85-86; Dinamarco, Reforma, p. 238.

52 Cruz e Tucci, Ação, p. 52.

53 Marcato, O processo, p. 85-86.

54 Talamini, Tutela, p. 97, assevera tratar-se no caso de preclusão por fase do processo.

55 Dinamarco, Fundamentos, p. 254-255; Araken de Assis, Doutrina, p. 426.

56 Shimura, Sobre, p. 59.

57 Greco Filho, Comentários, p. 49-50.

58 Theodoro Jr., A ação, p. 446.

59 Dinamarco, A reforma, p. 229; Theodoro Jr., A ação, p. 446.

60 Watanabe, Da cognição, p. 142; Marinoni, Tutela, p.119; Bedaque, Tutela, p. 240-241.

61 Greco Filho, Direito, v. 2, p. 104.

62 Cruz e Tucci, Ação, p. 86.

63 Cruz e Tucci, Ação, p. 96-97.

64 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1.291, p. 756-757; Marcato, O processo, n. 23, p. 93-95; Cruz e Tucci, Ação, n. 12, p. 90; Theodoro Jr., Curso, v. 3, n. 1483, p. 372. Contra: Câmara, Lições, v. 3, p. 475-478.

65 STJ, 4.ª Turma, REsp 401.575/RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 06.08.2002, DJ 02.09.2002. Súmula 292/STJ.

66 Talamini, Tutela, n. 7.2, p. 151-153.

67 Câmara, Lições, v. 3, p. 478.

68 Marcato, O processo, n. 23, p. 96.

69 Talamini, Tutela, n. 7.5.8, p. 160-162; Fidélis do Santos, Ação, n. 93, p. 173.

70 Marcato, O processo, n. 25.2, p. 101-102; Cruz e Tucci, Ação, n. 12, p. 91.

71 Marcato, O processo, n. 25.3, p. 102; Talamini, Tutela, n. 7.5.4, p. 158-159.

72 Fidélis dos Santos, Ação, n. 90, p. 170-171; Contra: Greco Filho, Comentários, p. 57.

73 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1.296, p. 763-764; Marcato, O processo, n. 28, p. 108-109; Bermudes, Ação, p. 146.

74 Cruz e Tucci, Ação, p. 92; Talamini, Tutela, n. 7.6.4, p. 165; Fidélis dos Santos, Ação, n. 102, p. 179-180.

75 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1295, p. 762-763.

76 Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1.298, p. 765; Bedaque, Tutela, p. 237-238.

77 Nery-Nery, Código, p. 1249; Cruz e Tucci, Ação, n. 14, p. 94-98.

78 Marcato, O processo, p. 112-115; Greco Filho, Comentários, p. 55; Fornaciari Jr., A reforma, p. 212-214.