NÚMERO UM, PARK LANE,
LONDRES, AGOSTO

Lord Goldbaum estava indignado. Deixou bem claro ao filho mais novo como se sentia. A nora não só tinha contratado uma mulher jardineira, como a mulher em questão usava calças.

— Não é casado nem há três meses e já fazem pouco dela na Punch.

Passou um exemplar da revista ao filho por cima da mesa do pequeno-almoço e bateu com o dedo no desenho da página quatro. «Como se planta dinheiro no jardim dos Goldbaum», dizia a legenda; no desenho, três mulheres de seios copiosos e de calças, estavam a escavar um jardim, enquanto uma caricatura de Greta, de chapéu de pluma, as encorajava, usando uma colher de prata como pá.

— Tem de pôr a sua mulher na linha — disse a Albert. — Temos certos padrões a seguir. Sendo uma Goldbaum, ela devia compreender. Não a quero voltar a ver nesta publicação horrenda.

Clement viu o irmão estremecer. A sua cunhada era perfeitamente capaz de cumprir o papel de anfitriã ideal, de braço dado a Albert e com os diamantes da família a brilhar-lhe ao pescoço; tinha o dom de fazer rir o mais austero dos estadistas. Nos eventos mais monótonos, ela emanava a quantidade certa de traquinice, dando vida aos presentes, como um fole aviva uma chama. Arthur Balfour fazia sempre questão de pedir que Greta se sentasse a seu lado ao jantar. De noite, se a animação da festa começava a desvanecer, Lady Goldbaum pedia a Greta que divertisse os convidados, e Greta sentava-se ao piano e cantava Lieder em alemão; a graça do sentido tornava-se clara pela sua expressão. Era afável e atenciosa com todos os convidados, independentemente da sua importância, e lembrava-se dos nomes e das idades dos filhos de todos, como um aluno brilhante a conjugar, sem esforço, verbos em latim. Na verdade, concluiu Clement, ela encantava toda a gente menos o marido.

Mas também havia momentos em que Greta parecia esquecer o que era exigido dela. Atrasou-se para o almoço com o embaixador americano, o senhor Reid; quando foi enviado para a procurar, Clement encontrou-a ao lado da fonte de Poseidon, a usar uma das meias como rede para salvar um sapo que se estava a afogar. Depois de um jantar formal, uma confeção de excelência de monsieur Arnold, em que ela mal tocou, mandou vir pão e queijo e ficou sentada à lareira do salão cinza com um garfo de churrasco, enquanto os restantes consumiam café petits-fours e conversa de circunstância. Num serão, o emissário sueco tinha-se juntado a Greta para aquilo a que ela chamou «um piquenique no tapete»; sentaram-se em almofadas de seda, no chão, a comer queijo derretido e torradas chamuscadas, que ele declarou ser o seu preferido dos nove pratos que tinham sido servidos.

Desde aquela tarde da coroação, quando tinha perdido a compostura, que Albert não dirigia uma palavra de repreensão à mulher. Limitava-se a fingir que não via quando Greta dobrava o guardanapo em forma de barquinho ou galinha (usando o pimenteiro de prata para fazer de ovo) para divertir o convidado do lado.

Com a questão das senhoras jardineiras, contudo, Lord Goldbaum tinha atingido o máximo da sua tolerância. Era preciso impor limites. Alguém tinha de recordar à rapariga que ela era uma Goldbaum.

— Vou falar com Greta quando voltar a Temple Court — disse Albert, finalmente, com grande relutância. Afastou a revista com desagrado, voltando-a para não ter de ver a grotesca caricatura da mulher.

Lord Goldbaum resmungou.

— Ela é boa rapariga. É só um pouco mais — procurou a palavra certa — continental do que eu esperava.

Franziu o sobrolho, claramente infeliz por se ver obrigado a ter aquela conversa com o filho.

— Albert, o seu dever era claro para si quando casou com ela. Por vezes, a sua mãe e eu tememos que entretanto se tenha esquecido. A nossa casa sempre foi fortalecida pelo casamento. Não tolero que seja o Albert a enfraquecê-la. Se a sua mulher se anda a portar mal por estar infeliz, faça-a feliz, Albert. Aumente-lhe a pensão.

— Ela não quer mais dinheiro.

— Então descubra que raio é que ela quer. Pergunte à sua mãe. Este casamento não é só uma união entre si e a Greta. É uma união de Casas. Tem de resolver isto.

Albert ficou em silêncio, profundamente infeliz. Clement olhou-o com compaixão; sabia perfeitamente que o irmão não tinha a mínima ideia de como lidar com as dificuldades do seu casamento.

— Quando chegar a altura, quero que se candidate ao cargo de deputado por Fontmell West. E para ser parlamentar, a sua mulher precisa de ser um trunfo, não um risco — disse Lord Goldbaum.

Clement reparou que o pai não sugeriu que fosse ele a candidatar-se, o que o encheu de tristeza e ao mesmo tempo de alívio. Não tinha qualquer aptidão para a política, mas a rapidez com que o pai o descartara magoava-o, ainda assim. Não se atrevia a objetar. Estavam todos impacientes. A sala de pequeno-almoço da casa de Park Lane dava diretamente para a relva seca de Hyde Park. O Tamisa estava nos níveis mais baixos de que havia memória e tresandava a dejetos e a peixe podre. A capital estava estagnada. As greves nas docas tinham travado o fornecimento de carvão, por isso as grandes estações rodoviárias estavam em silêncio, os comboios parados. A escassez de gasolina significava que os serviços de autocarro estavam suspensos; os táxis tinham inflacionado os preços das viagens a níveis que até um Goldbaum considerava indecente; e o calor tinha causado uma epidemia de sarna entre os cavalos. Com os animais de quarentena, até as carruagens eram difíceis de encontrar. Quem não tivesse automóvel era forçado a andar a pé e, pensou Clement, tristemente, de momento isso significava atravessar apressadamente multidões ruidosas de homens enraivecidos a exigir emprego.

Nas proximidades da City e de Park Lane, a família era conhecida pela sua generosidade; todas as aves que sobravam das caçadas eram trazidas para a cidade, e nenhum homem ou mulher com fome era recusado nas traseiras das cozinhas dos Goldbaum. Assim sendo, o seu automóvel era normalmente bem recebido pelos transeuntes, mas no dia anterior, Albert e Lord Goldbaum tinham sido rodeados pela multidão em Piccadilly. Jovens tinham esmurrado o tejadilho do automóvel e atirado ovos podres. Lord Goldbaum declarou não se sentir perturbado, simplesmente aliviado pelo facto de as senhoras estarem em casa. Clement não acreditou. A caricatura de Greta era uma das menos ofensivas a sair nos jornais, naquela semana. Albert e Clement tinham tentado, sem grande sucesso, esconder do pai aquelas que o tinham a ele como objeto de gozo. Era retratado ou como um Guy Fawkes da ganância, um vilão inimigo do povo ou um financeiro avarento. Clement sabia que isso o magoava. As dores de cabeça que tinham atormentado Lord Goldbaum em jovem tinham regressado, e de noite, quando o via sentado à lareira, Clement reparou num tique no seu olho esquerdo. Em breve, teriam de chamar o alfaiate para apertar os seus fatos.

Lord Goldbaum tomou as mãos dos filhos nas suas.

— Hoje vou votar a favor de uma reforma em que não acredito, porque as consequências de me opor a ela seriam desastrosas. A nossa família chegou a este país sem nada a não ser um pedaço de papel e um nome estrangeiro. Em três gerações tornámo-nos pares do reino. Era meu dever proteger a Inglaterra, e falhei.

Os filhos começaram a protestar, mas ele levantou a mão.

— É o fim. Só com o tempo saberemos o que está exatamente a chegar ao fim. Espero que quando herdar este título, Clement, ele signifique alguma coisa para si. Tem uma responsabilidade, mesmo que aqueles que procure proteger o detestem.

— O pai fez tudo o que era possível — disse Albert, num tom cuidadoso, dando a entender que, na sua opinião, o pai tinha feito mais do que devia.

— Poderemos ter de fazer uma extensão dos nossos empréstimos argentinos — disse Albert, tentando mudar de assunto.

Os assuntos relacionados com o Banco da Casa Goldbaum eram sempre o maior consolo do pai. Ponderar os riscos e os lucros relativos de um empréstimo ou organizar a emissão de uma obrigação em nome do governo de Sua Majestade reconfortavam-no e descontraíam-no mais do que uma boa noite de sono. A sua maior lealdade era para com a sua família e o seu país e, enquanto achasse que estava a trabalhar para o bem de ambos, sentia-se calmo e seguro.

Albert estendeu as suas longas pernas sob a mesa.

— Temos carne argentina no valor de cem mil libras a apodrecer no porto de Bermondsey, sem ninguém para descarregar os contentores. Querem vendê-lo ao governo, para o exército, mas Churchill não aceita.

— É claro que o governo não aceita. Nunca é uma boa altura para envenenar o exército — resmungou o pai.

— Vamos perder dinheiro.

— Então perdemos dinheiro. Não é uma decisão financeira, é uma decisão moral.

Lord Goldbaum suspirou e fechou os olhos por um momento, talvez aliviado por ter tido a oportunidade de demonstrar que era, afinal, um bom homem.

Albert tomou nota.

— E quanto a fazer o seguro do navio de passageiros, pai? Estão a pressionar-nos para darmos uma resposta. Acho que o devíamos fazer. É impossível de afundar. Teríamos retorno de mais de seis por cento.

Lord Goldbaum abanou a cabeça.

— Não gosto da ideia. Não me interessa o que eles digam. Aquela coisa é demasiado grande para flutuar.

Albert e Clement trocaram um olhar, tão exasperados quanto divertidos com o pai. Não havia discussão possível quando ele se decidia a fazer uma coisa, por mais ilógica que fosse.

— A Coutts vai ficar com o lucro — disse Albert, recordando o seu rival numa última tentativa de o fazer mudar de ideias.

— Eles que fiquem com o lucro — disse Lord Goldbaum.

Lord Goldbaum regressou da sessão de voto na Câmara dos Lordes às duas e quarenta e cinco da madrugada e mandou acordar os dois filhos, com instruções para irem ter com ele à biblioteca. Ocorreu a Lord Goldbaum que, na sua determinação de fazer o melhor pelo seu país, tinha negligenciado o seu povo. A carta de Henri a descrever os pogroms na Rússia pesava-lhe no bolso do peito. Distraído pelos acontecimentos na Câmara Alta, não tinha dado ao assunto a atenção merecida. A vergonha tingiu-lhe a pele como uma irritação. Suspirou e suprimiu um bocejo. Tinha o dever de mostrar aos filhos que as suas responsabilidades iam para além da costa de Inglaterra. Teriam de ser melhores do que ele. Mas estava tão cansado, e as horas passadas de pé, na Câmara, durante o voto, tinham-lhe irritado as hemorroidas; picavam-lhe o traseiro como uma praga de mosquitos. Sentiu a carta que tinha no bolso e decidiu que merecia pequenos desconfortos como aquele.

Albert e Clement entraram na biblioteca, meio adormecidos, de robe. O pai passou-lhes copos de brandy, servidos de uma garrafa datada de antes da Revolução Francesa e reservada para ocasiões realmente especiais.

Lord Goldbaum ergueu o copo.

— Temos de assinalar as nossas derrotas, bem como as vitórias.

Albert e Clement brindaram com ele. Albert reprimiu um arrepio. O brandy podia ser muito valioso, mas sabia mal.

— Uma grande derrota é tão revigorante quanto uma vitória. Lembra-nos do que está em jogo — disse Lord Goldbaum.

Albert reparou que o pai tinha as bochechas coradas e suspeitou que aquele não fosse o seu primeiro brandy da noite.

— O que está em jogo, pai? — perguntou Albert.

— O nome Goldbaum. Vamos mostrar-lhes que uma derrota na Câmara dos Lordes não diminuiu a nossa influência. Não seremos ignorados. Já pedi diversas vezes ao ministro dos Negócios Estrangeiros que se opusesse aos pogroms, e Lord Grey ou prevarica ou envia uma carta tão humilde que o embaixador russo não poderia de forma alguma perceber se está a ser repreendido ou convidado para tomar um chá.

— Há algo mais que possamos fazer? — perguntou Albert.

— Há sempre algo mais que se pode fazer — disse o pai, irritado. — Aqueles infelizes na Rússia estão de olhos postos em nós. Se nós não formos capazes de defender os judeus lá, então quem será? O governo britânico não se arriscará a desagradar ao czar com uma interferência direta. Mas nós podemos sempre fazer com que o czar nos ouça. Afinal, temos aquilo que ele quer.

— Dinheiro.

— E não lho daremos, pelo menos até que pare a violência contra os judeus.

Lord Goldbaum sentou-se, desajeitadamente, à mesa da biblioteca e escreveu uma nota. Depois tocou a sineta. Stanton, o mordomo, apareceu passados uns momentos, impecavelmente vestido, como se não fossem quase três horas da madrugada.

— Mande isto ao editor do The Times. E mande enviar uma garrafa de Château Gold de 1963 a Asquith, Lloyd George e Churchill.

Stanton retirou-se.

Mais tarde, nessa manhã, quando Asquith, Lloyd George e Churchill se encontraram para a reunião do conselho de ministros em Downing Street, nenhum deles falou do presente de Lord Goldbaum. Cada um deles o entendia não tanto como um gesto magnânimo na derrota, mas como uma advertência.