BANCO GOLDBAUM, RINGSTRASSE,
VIENA, MARÇO
Otto estava à espera no seu gabinete da chegada do mensageiro Goldbaum com o correio. A correspondência mais importante e privada era sempre entregue assim. Era o método de confiança não só dos Goldbaum, como de todos os monarcas e ministros europeus. O próprio imperador, quando tinha algo de vital ou de natureza pessoal a comunicar, mandava vir um mensageiro Goldbaum. O relógio assinalou as nove horas e, um minuto mais tarde, bateram à porta. Otto abriu, pegou na embalagem que o mensageiro lhe entregou e sentou-se à sua mesa para ler.
Com que então o czar tinha finalmente conseguido levantar cem milhões de rublos através do Barings Bank. A Stearns e a Lehman Brothers tinham-se juntado aos Goldbaum na sua recusa em garantir o empréstimo. Tinham renunciado a um lucro de quase três milhões de libras, mas uma carta de Henri dava a entender que tinha valido a pena. O czar tinha decretado que os orçamentos regionais seriam cortados caso houvesse mais pogroms e mandado notificar todos os distritos. Queria que os próximos empréstimos fossem mais rápidos e mais baratos. Por outro lado, escrevia Henri, o ministro das Finanças russo tinha sido obrigado a demitir-se, não por causa do fracasso do empréstimo, mas por ser casado com uma judia. Otto tinha dúvidas de que a trégua durasse muito tempo.
Abriu outra carta, desta vez de Clement. O casamento de Greta e Albert não era um sucesso, confessava Clement. Todos em Temple Court se sentiam perturbados pela infelicidade que emanava do casal. Albert tinha-se refugiado no seu trabalho e corria o risco de ter muito sucesso. Passava alguns fins de semana na cidade, o que não era nada convencional. Havia boatos de uma amante. Clement, conhecendo o irmão, tinha a certeza de que eram apenas rumores maliciosos, mas, ainda assim, se estivesse tudo bem com o casamento, não correriam esses boatos. E Greta… bom, Greta andava perdida no seu jardim. Ia ser uma coisa magnífica, mas a sua dedicação era intensa e excluía quase tudo o mais. Clement admitia que era evidente que Albert não era uma pessoa fácil, mas preocupava-o que Greta pudesse ter simplesmente desistido. Ela explicava que andava simplesmente demasiado ocupada para fingir estar interessada em títulos do tesouro, insetos ou borboletas. Clement confidenciou a Otto estar preocupado. Com Greta. Com o irmão. Com a família. Por enquanto, não passavam de boatos sussurrados às escondidas, mas e se os sussurros passassem a ser gritos? O pai não suportaria um escândalo.
Otto pousou a carta. A força da família estava na sua unidade. Todas as Casas da Europa estavam interligadas através de uma rede de casamentos. Se um casamento desse lugar a uma separação, o efeito na família seria devastador. A confiança e a concórdia entre as Casas seriam abaladas. O choque seria sentido nos mercados financeiros, o preço do ouro seria afetado. Otto não se preocupava muito com esses fatores em si mesmos, mas sabia que a irmã teria de arcar com as consequências. Preocupava-se mais com a felicidade dela do que com qualquer escândalo, mas compreendia (e temia que ela não compreendesse) que não seria permitido à irmã ser feliz se o seu casamento fracassasse. Otto tentou lembrar-se se alguém da família alguma vez se teria divorciado. Se isso tivesse acontecido, as pessoas em questão tinham sido apagadas da história familiar com tal eficácia que ele nunca soubera sequer os seus nomes.
Pensou se deveria ir a Inglaterra. Não sabia nada sobre casamento, mas sabia muito sobre Greta. Precisava de compreender porque é que ela se opunha tão determinantemente a Albert. Só então poderia pensar no que fazer em seguida.
Tendo começado a trabalhar no banco de Viena, tinha chegado agora a altura de Otto prestar serviço num dos outros bancos da Casa Goldbaum, antes de regressar a Viena como administrador por direito. Embora não tirasse disso qualquer prazer, Otto tinha o mesmo discernimento astuto do pai. O barão favorecia marcadamente Berlim. O jovem Kaiser, tão agressivo, com a sua paixão por gastar dinheiro com o exército (e a sua subsequente sede de capital), oferecia uma excelente oportunidade para Otto aprender o equilíbrio entre os negócios e a vantagem política. Perguntou-se como poderia persuadir o pai a enviá-lo para Londres, em vez disso.
— Devia partir de imediato — disse a baronesa Emmeline a Otto quando ele lhe contou o seu plano.
Otto olhou para a mãe, espantado.
— Não quero que deixe Viena. Vou ter saudades suas e quero que escreva várias vezes ao dia. Mas vai poder ver a sua irmã.
O carinho da baronesa pelo filho era simples. Ao contrário da irmã, ele não criava problemas. Embora tivesse passatempos que não se adequavam aos interesses da família, era um bom filho e reprimia esses desejos. O facto de ele ter a gentileza de não exprimir o seu descontentamento era algo que a baronesa admirava, embora não se deixasse enganar pelo silêncio do filho.
Lembrava-se da noite em que dera à luz Otto; demasiado emocionada para poder dormir, passou a noite inteira acordada a olhar para a pequena criatura de olhos azuis enrugados, envolta em cobertores no seu berço. Quando o levaram para a ama de leite, chorara e sentira-se roubada; soube que ele nunca lhe seria realmente devolvido. Greta tinha-o roubado mais ainda, monopolizando Otto assim que chegara ao quarto das crianças. Por muito que tentasse, a baronesa não conseguia infiltrar-se na união entre os irmãos.
Comovia-se ao ver como, mesmo em pequeno, Otto intuía que a mãe se sentia posta de parte e, ao vê-la no jardim, deixava o seu jogo com a bola e vinha oferecer-lhe um morango silvestre, como se fosse um segredo. Tentava sempre convencer Greta a incluí-la nos seus jogos de charadas («A mãe não gosta, é um jogo tonto», dizia Greta) ou nos piqueniques à beira-rio com a ama («Não, a mãe não se senta na relva»). Greta ganhava sempre. Mas a baronesa nunca insistia — não sabia jogar às charadas e, na verdade, não tinha a mínima vontade de se sentar na relva molhada e precisaria de ser muito encorajada para sequer tentar. Em vez disso, Greta lançava-lhe um olhar de desprezo e de desilusão espantada, e a baronesa concordava que não estava à altura e afastava-se. Aos seis anos, com meias pelos joelhos e totós, Greta já tinha o poder de arrasar a mãe, que se sentia definhar sob o seu desprezo. Amava a filha com exasperação e sem compreensão.
Por isso, foi com grande surpresa que descobriu que sentia saudades de Greta. Tentava fazer perguntas minuciosas sobre a saúde da filha nas suas cartas, ansiosa por saber se estaria grávida. Preocupava-se constantemente com os médicos ingleses — tinha ouvido falar da sua relutância em autorizar o clorofórmio no parto. A baronesa ficara indignada; o que poderia um homem saber da selvajaria de uma tal dor? Greta respondia-lhe às cartas com afeto, mas nunca deu a entender que estava à espera de bebé. A baronesa ficara grávida no fim da sua lua de mel. Greta não convidou a mãe para uma visita e a baronesa não tinha coragem de se oferecer para a visitar. Consolava-se pensando que, sabendo bem como a mãe detestava viajar, Greta não a queria incomodar.
— Passei anos a queixar-me do barulho e da desarrumação da sua irmã e agora passo todas as noites a desejar que ainda houvesse uma pilha de romances no chão e que o sofá Luís XIV estivesse cheio de migalhas de bolacha.
Otto riu-se.
— Sei que alguma coisa não está bem — disse a baronesa, num tom baixo —, mas ela não me quer contar.
— Como sabe?
— Ela é cordial e atenciosa e simpática nas suas cartas. Não me provocou nem uma vez. Deve passar-se alguma coisa.
Otto sorriu, mas a baronesa não.
— Eu vou a Inglaterra, mãe. Certifico-me de que está tudo bem com a Greta.
A baronesa serviu-lhe café, acrescentando um pouco de licor de ameixa e natas. Otto, obediente, bebeu. Há anos que tinham este ritual, e ele não tinha coragem de lhe dizer que detestava a bebida adocicada. A baronesa sorriu ao filho com tanto amor e admiração que Otto teve de desviar o olhar, envergonhado. Ela estendeu o braço e pegou na mão do filho.
— Escreva-me várias vezes ao dia, sim?
— Sim, mãe. Várias vezes.