FRONTEIRA ENTRE A ÁUSTRIA E A SUÍÇA,
AGOSTO

Só tinham dinheiro para viajar em terceira classe. O compartimento partilhado estava cheio e abafado. Anna tinha desaparecido em busca de café com o pouco dinheiro que Albert ainda tinha. Greta e Albert estavam sentados frente a frente, num silêncio tenso, apertados entre uma família com três rapazes jovens, que petiscavam sem parar de um cesto aparentemente sem fundo. A mãe ofereceu paté, bolachas e peixe fumado a Greta e a Albert, que aceitaram por boa educação; estavam demasiado nervosos para comer.

Greta nunca tinha andado num comboio público antes, e menos ainda em terceira classe, e em quaisquer outras circunstâncias teria ficado fascinada pela cacofonia de pessoas e ruído; havia até uma galinha perdida, a dormir no meio das caixas na prateleira da bagagem acima deles. Nas circunstâncias presentes, quase não reparou nos companheiros de viagem e ficou quieta, calada, a olhar pela janela. Precisavam de atravessar a fronteira para a Suíça antes que a guerra entre a Áustria e a Inglaterra fosse declarada ou ficariam retidos. Albert falava o menos possível e quase sempre em sussurros, preocupado que o seu sotaque inglês fosse detetado. Greta nunca pensou que viesse a sentir tanto medo, rodeada dos seus compatriotas. Lembrou-se da sua última viagem de comboio através do Jura com Otto, antes do casamento. Otto, que ela não voltaria a ver até ao fim da guerra. Otto, que podia estar em segurança em Nova Iorque, a esta altura, se não fosse por ela. Com a mão por cima da barriga, fazia respirações profundas e regulares para não chorar.

Lá fora, o calor tornava a vista dos vales nebulosa; as encostas verdes estavam indistintas. Rios estreitos corriam ao lado da ferrovia; pela erva alta nas margens espalhavam-se manchas de cor-de-rosa e púrpura que Greta reconheceu como sendo ervilhacas e campânulas. Albert afastou-lhe uma madeixa de cabelo do meio do rosto.

— Temos de mudar de comboio outra vez em Feldkirch. Vou apanhar um para Berna e depois, da Suíça, viajo para Paris.

— Sim — disse Greta, sem perceber porque é que ele estava a ensaiar o itinerário outra vez. — Eu sei. Devemos estar em segurança ao chegar à Suíça. De Paris chegamos rapidamente a Londres.

— Isso é o que eu vou fazer — disse Albert, lentamente, pegando na mão de Greta e brincando distraidamente com os seus dedos. Ela tinha as unhas sujas da viagem e das lavagens rápidas em lavatórios de estações de comboios. Olhou atentamente para a mulher e, ao concluir que ela não estava a perceber o que ele lhe estava a tentar dizer, acrescentou:

— Eu vou viajar para Paris e depois de volta a Inglaterra, mas tu não tens de vir comigo. Em Feldkirch há um comboio expresso para Viena. Podias estar com a tua família já amanhã à noite.

Greta olhou-o fixamente. Ele soltou a mão dela, como se não quisesse tentar influenciá-la; ou talvez já a estivesse a deixar ir.

— Eu tenho de voltar para Inglaterra. Mas és completamente livre de decidir se me acompanhas.

Greta ficou em silêncio, a ponderar o presente que ele lhe estava a dar. Estar em Inglaterra durante uma guerra, enquanto o país combatia a sua terra natal, era uma proposta sinistra. Seria encarada com suspeita pela maior parte das pessoas que conheciam; um inimigo entre eles. Teria de sofrer com os relatos de baixas e derrotas austríacas, anunciados num tom de regozijo, e ouvir a sua antiga nação, o seu antigo lar, ser denegrido. Não havia forma de saber quando voltaria a ver os pais e Otto. As ligações entre as Casas Goldbaum inglesa e francesa, por um lado, e alemã e austríaca, por outro, teriam de ser cortadas. A família estava a ser obrigada a desfazer-se e ela tinha de escolher um lado.

Tentou imaginar regressar a Viena. O bebé ficaria no seu antigo quarto de bebé, no berço que fora seu. A ama voltaria a bordar batinhas à lareira. A imagem era quase insuportavelmente reconfortante. Mas não havia forma de saber quando Albert e ela se voltariam a ver ou quando ele poderia conhecer o próprio filho.

— Farias isso por mim? — perguntou Greta, espantada.

— Faria — respondeu Albert, mas não conseguiu olhar para ela.

Durante todo o tempo em que estiveram casados, Greta e Albert nunca tinham falado de amor. Não era uma palavra que usassem. Agora, ao olhar para ele, Greta percebeu que a oferta dele era um ato de amor. Ele queria a felicidade dela mais do que a sua.

Olhou pela janela para a vastidão das montanhas, os seus picos a apontar para o céu azul brilhante. O mundo estava a chegar ao fim, num glorioso dia de verão com um sol radiante e céu azul. O comboio parou numa estação quente e poeirenta. Na plataforma, todos os jornais de todos os quiosques tinham a proclamação do imperador Francisco José, que começava: «Ao meu povo».

Mas eu já não pertenço ao teu povo, percebeu Greta. Voltou-se para Albert, com lágrimas a brilhar nos olhos.

— Volto contigo para Londres — declarou.

Ele não disse nada; limitou-se a apertar-lhe mais a mão, por um momento. Ela apoiou a cabeça no ombro dele e adormeceu, exausta. Quando acordou, estava escuro. As montanhas, vistas pela janela, pareciam vastas sombras. Demasiado cansados e assustados para falar, ficaram sentados, à espera, com os joelhos a tocar-se. Dentro dela, o bebé mexia-se, às voltas; o bater do coração de Greta era como o ritmo de outro comboio. Sempre em frente, a grande velocidade, estavam cada vez mais perto da Suíça.