TEMPLE COURT, HAMPSHIRE
Meia-noite e um minuto
Greta queria que o bebé nascesse em sua casa, mas as dores começaram rapidamente quando estava a tomar café com a sogra. Dois criados idosos, um pouco assustados, levaram-na para o andar de cima, apesar dos seus protestos para mandar vir o carro a fim de voltar a Fontmell. Quando chegaram aos antigos aposentos de Greta, estavam sem fôlego; grávida de nove meses e a resistir furiosamente, Greta era uma encomenda de peso. Lady Goldbaum seguiu-os e depois ficou com a nora, tentando reconfortá-la e pondo-lhe panos refrescantes na testa enquanto esperavam pela parteira. Greta percorria o tapete, medindo a distância entre contrações pelo número de sóis vermelhos que conseguia contar. Em breve, as esferas tecidas tornaram-se avisos da agonia que se avizinhava — um fogo que se espalhava pela pélvis e se alojava na base da coluna. Havia algo de errado com a dor que a estava a assustar. Não sentira isto no parto de Celia. Sentia as costas como se estivessem a ser esticadas até rasgarem, gritava durante as contrações, mas quase não havia alívio quando elas passavam.
Anna, a parteira e Lady Goldbaum estavam a segurar as mãos de Greta, e quanto mais sussurravam que ia tudo correr bem, mais ela temia que não corresse. As horas passavam, medidas apenas pela urgência e a pressa da dor. Pensava que não podia suportar mais, que se ia despedaçar. Chorou e soluçou enquanto Anna e Adelheid a embalavam; estremecia e bufava, com a barriga tensa e dura. À tarde, Greta já não conseguia falar inglês e não conseguia mais do que murmurar na sua língua natal. Ao fim do dia, já não conseguia falar, só gritar e gemer. Tinham mandado chamar um médico, mas o parto antecipara-se quinze dias e os melhores médicos estavam todos ocupados a cuidar dos feridos.
O médico chegou de noite, já tarde, e voltaram a deitá-la na cama, para ele enfiar a mão dentro dela e rebentar as águas com uma agulha de crochê. Greta vomitou-lhe nos sapatos.
— Ela está exausta. Temos de apressar o parto antes que o bebé se canse — explicou, tentando não deixar que a ansiedade transparecesse na sua voz.
Greta pensara que não podia ser pior, mas a contração seguinte foi tão forte que ela desmaiou, por uns segundos. Quis ficar naquele estado, longe da torção e da pressão nas costas. Através de uma névoa de sóis vermelhos, ouviu-se a si mesma gritar, e a parteira e o médico imploravam-lhe que fizesse força. Não quero empurrar, quero morrer, pensou ela. Só quero que esta dor pare.
Com toda a preocupação, Lady Goldbaum esquecera-se por completo de que era véspera de Ano Novo e que tinha trinta convidados para jantar. Mandou que apresentassem as suas desculpas à mesa, disse ao marido que recebesse os convidados e deu instruções ao pianista no salão que tocasse Debussy mais alto e, caso se ouvisse a agitação vinda do andar de cima, para passar a Wagner.
Greta soluçava, desesperada e exausta. Entre cada contração, adormecia, por uns segundos, apenas para voltar a acordar, sobressaltada, quando a dor voltava, atravessando-lhe a espinha e as entranhas como uma ferida aberta.
— Pense no bebé. É só mais um pouco — consolou-a Adelheid.
— Celia. Lembre-se da Celia — sussurrou Anna.
Através do tormento, Greta compreendeu que Anna lhe estava a lembrar do seu dever para com a filha. Não podia morrer; não agora, quando Albert estava em França. Ainda não amava este bebé, mas amava Celia. Com um grito selvagem, fez força. O som feroz e selvagem encheu os corredores. Do andar de baixo chegavam os compassos de peças de Wagner.
O bebé nasceu depressa, numa corrente de sangue, enquanto Greta berrava, ignorando o médico, que lhe pedia que tivesse atenção aos convidados que estavam a tentar saborear os seus conhaques no andar de baixo. O bebé fez um choro infeliz, como se estivesse incomodado por uma chegada tão indigna, e depois aninhou-se contra o corpo da mãe. Greta ficou deitada na cama encharcada e segurou o bebé ao peito, resistindo aos esforços de Anna para lho tirar do colo. O médico estava a ouvir as pancadas ruidosas dos relógios na galeria oriental.
— Hora de nascimento: meia-noite do dia um de janeiro.
Greta fechou os olhos. Os relógios continuavam a bater. O criado que melhor dava corda aos relógios, de forma que todos tocassem sincronizados à hora certa, tinha sido mobilizado, e desde então que as horas naquela casa se tinham tornado incertas. Para Greta, não era claro se o bebé tinha nascido no último momento de 1916 ou no primeiro de 1917.
— Posso ver o recém-nascido? — perguntou o médico, que não queria vir a ser acusado de negligência.
— Daqui a pouco — disse Greta, sem se dar ao trabalho de abrir os olhos, segurando o bebé com mais força.
— Tem um rasgão muito feio lá em baixo. Quer clorofórmio enquanto a coso? — perguntou.
Greta abanou a cabeça. Não queria tirar os olhos do bebé, este desconhecido maravilhoso. Nenhum desconforto seria pior do que aquilo por que tinha passado.
— Infelizmente, há uma grande escassez de fio de seda cirúrgica. O pouco que há está reservado para hospitais militares. Vou ter de a coser com fio de pesca.
Lady Goldbaum fez um bramido de ultraje.
— Com que então, há uma hierarquia de ferimentos. Os que são causados por homens a mutilar-se uns aos outros são superiores aos que são impostos à mulher pela natureza.
O médico estava a enfiar a linha na agulha e parou para lançar um olhar reprovador a Lady Goldbaum.
— São ferimentos sofridos por homens que se estão a sacrificar pela pátria, minha senhora.
— E uma mulher a sacrificar o seu corpo pela família é um sofrimento normal e de segunda ordem, que só merece fio de pesca, é isso?
— É menino ou menina, minha senhora? — perguntou Anna, tentando acalmar os ânimos.
Greta percebeu que nem tinha tentado ver; olhou par baixo.
— É um menino — anunciou. — Benjamin Howard Eli Goldbaum.
Depois de a ter cosido, o médico saiu discretamente do quarto, contente por poder ser o primeiro a anunciar aos convidados e à família que a dinastia Goldbaum inglesa tinha finalmente um herdeiro.
Meia hora depois, Greta e Benjamin tinham sido lavados e vestidos com roupa limpa. Anna dava ordens às criadas enquanto elas limpavam o quarto, levando os lençóis manchados de sangue e avivando a lareira. Sonolenta e quente, sorvendo o aroma forte e animal da cabeça de Benjamin, Greta pensou no marido.
— O Albert já foi informado?
— Vão mandar um telegrama a Montreuil-sur-Mer, minha senhora — respondeu Anna. Bateram à porta e as criadas trouxeram Celia, de bochechas rosadas do sono e descalça.
— Olá, meu amor — disse Greta, estendendo a mão. — Queres conhecer o teu irmão?
— Não, obrigada — disse Celia, parada à soleira da porta, um pouco assustada ao ver a mãe transformada numa desconhecida, aninhada com uma criatura estranha.
— Vá lá — disse Greta —, salta para aqui.
A criada levantou Celia para a cama; ela ajoelhou-se e olhou com suspeita para o rosto vermelho e inchado do irmão. Espetou-lhe um dedo.
— O bebé também é teu — disse Greta.
Celia olhou-o fixamente, intrigada e um pouco indignada.
— Não, obrigada.
Celia estudou a mãe com atenção, parecendo estar a ponderar o que se passava.
— Não quero irmão. Quero cão.
— Está bem — disse Greta. — O Benjamin vai oferecer-te um cão. Vai ser um presente dele.
Greta fechou os olhos, subitamente exausta; aproveitando a distração da mãe, Celia espetou o dedo no bebé, desta vez com mais força. Ele abriu a sua boca húmida e desdentada e deu um grito agudo e primitivo. Celia sorriu, satisfeita.