HAMPSHIRE, FEVEREIRO
Greta estava aliviada por estar de volta a casa. Para sua surpresa, Albert concordara que podiam regressar a Fontmell para o fim de semana. Chegaram a tempo do jantar do sabat, celebrado com pompa e circunstância em Temple Court. Lavaram as mãos, acenderam as velas e benzeram o pão challah entrançado e brilhante. Celia tinha tido autorização para ficar acordada e estava sentada num trono de almofadas, com grande solenidade, entre dois oficiais convalescentes, convidados de Lady Goldbaum. Um deles cortou a galinha do prato de Celia com o braço são, enquanto o outro a encantava com histórias de como tinha combatido tigres antes da guerra. Greta achou pouco provável, pois sabia que ele tinha sido solicitador em Bornemouth, mas Celia escutou, de queixo caído, até Lady Goldbaum perguntar se a neta estava a apanhar muitas moscas com a boca aberta.
Greta olhou para Albert através da luz das velas; ele olhou-a nos olhos e forçou-se a sorrir. No fim da viagem a Londres, ele parecia ter apanhado a má disposição dela, como se fosse uma constipação, mas, agora que tinha tido a satisfação de passar a zanga a outra pessoa, ela estava arrependida. Ele falava de ter de deixar a Inglaterra em breve, mas, quando lhe pediam mais informação, era evasivo. Talvez Greta pudesse simplesmente evitar a assunto do quarto até ele partir e depois escrever-lhe uma carta. Não: ela podia ser muitas coisas, mas não era cobarde. Era um tema infeliz que tinha de ser confrontado diretamente, com tato e coragem. Ao pegar no copo de vinho, percebeu que Albert estava a olhá-la com tal melancolia e desejo que quis estender o braço para lhe dar a mão. Estava irrequieta e não conseguia prestar atenção à conversa séria do oficial à sua esquerda.
Foi trazido o prato de peixe em cima de duas enormes salvas: um rodovalho em molho branco com funcho verde-escuro numa; na outra, truta fria com lascas de amêndoas torradas, translúcidas como madrepérola. Greta achou engraçado quando um dos oficiais pediu ambos os peixes, quente e frio, sem perceber que devia escolher apenas um. A sogra estremeceu, sabendo que este prato extra ia levar tempo a comer e iria desequilibrar a coordenação perfeita do resto da refeição. E assim foi; quando foram servidos o carneiro com pistácios e o aspic de galinha, Celia já tinha adormecido na sua cadeira. Greta chamou um criado.
— Chame a ama e leve a menina Celia para o carro.
Albert levantou-se e mandou o criado embora.
— Não, eu levo-a.
Greta e Albert envolveram Celia num cobertor e Albert levou-a ao colo, toda embrulhada, até ao carro onde a ama estava à espera, pronta para a levar em segurança para o seu quartinho. Lado a lado, Albert e Greta viram o Wolseley afastar-se a uma velocidade estável de oito quilómetros por hora, como a ama sempre insistia que fosse, pois considerava que uma velocidade superior à natural era perigosa para o organismo da criança.
Albert voltou-se para entrar em casa, mas Greta segurou-lhe o braço.
— Vamos caminhar um pouco.
Ele seguiu-a alegremente. O ar da noite estava frio e os seus passos ressoavam com um volume invulgar no cascalho do carreiro. As pétalas brancas dos cíclames brilhavam como lascas de ossos na escuridão. Por trás deles, a enorme casa emergia como uma imensa lanterna de papel a pairar na noite. Greta voltou-se para o marido, pálida e com os olhos negros ampliados pela preocupação.
— Não quero outro bebé — disse.
— Está bem — disse Albert, que achou a sua sinceridade quase divertida.
— A Celia é um amor, e agora temos o Benjamin, não precisamos de ter mais.
— Não precisamos — concordou Albert, segurando o braço dela e puxando-a para si, tentando beijá-la. Greta esquivou-se como um peixe que não quer ser fisgado.
— Estou a falar a sério, Albert. Lamento muito, mas pensei bastante no assunto e não posso. Simplesmente não posso.
— O que é que não podes? — perguntou Albert, lentamente; começava a compreender a coisa terrível que lhe estava a ser dita. — Diz exatamente aquilo que queres dizer. Sabes que não suporto ambiguidades.
— Não posso voltar a fazer amor contigo, Albert — disse Greta, envergonhada e zangada. — Lamento muito, mas não posso.
Albert olhou para ela, horrorizado e incrédulo.
— Lamentas? Não podes? — exclamou, com um riso áspero e sem humor. — E eu não tenho escolha?
Greta mordeu o lábio para não chorar.
— Recuso-me a correr o risco, Albert. Já vi o que acontece às mulheres em trabalho de parto. Há mais do que um tipo de campo de batalha.
— O raio daquele maldito hospital. Deixei que o instalasses aqui. Tomou conta da minha casa e agora está a roubar-me a mulher.
Greta abanou a cabeça; sentia a frustração e a raiva dele, mas não recuou.
— Então o que vamos ser? Amigos? Primos? Sou um homem, e não um frouxo, Greta.
Greta olhou para ele e viu que tinha os lábios finos, apertados, com uma expressão de desilusão. Sentiu as entranhas remexer-se e agitar-se como um ninho de insetos. Albert deu um passo atrás e continuou a olhar para a mulher com uma reprovação abjeta.
— É a ideia mais estúpida que alguma vez ouvi. Tivemos um início tão infeliz. Depois, nem sei como, a felicidade aconteceu-nos. Isto é importante para mim. Pensei que também fosse para ti.
— É, claro que é. Mas e as crianças? E se nos acontecer alguma coisa? Não quero ser assim tão egoísta, Albert.
— Então sou eu que sou egoísta. Quero dormir com a minha mulher.
Voltou as costas e afastou-se, deixando-a sozinha, ao frio, na escuridão.
Na manhã seguinte, Albert voltara para a cidade sem pedir a Greta que o acompanhasse. Não houve discussões sobre amas de leite nem sobre ela ter de deixar as crianças. Ele deixara bem claro que a companhia dela não era necessária nem desejada.
— Não quero uma irmã. Quero uma mulher — fora o seu único comentário.
Durante vários dias, a menina Hathaway e a menina Ogden testemunharam a infelicidade de Greta sem fazerem comentários. Anna confidenciou a Withers que Albert não telefonava à mulher. Isso, explicou ela a Withers, que claramente não sabia nada de tais coisas, era invulgar. Withers era demasiado discreta para perguntar, mas Anna confessou que a discussão fora sobre crianças e Greta não querer ter mais. Withers achava que isso era muito sensato. Gostava muito de Celia, que era perspicaz e já demonstrava, aos três anos, um forte interesse pela horticultura, mas, embora Ursula adorasse os bebés, nem ela nem a menina Hathaway compreendiam realmente o interesse das criaturinhas choramingonas que vinham com as mães às aulas no barracão e na horta da cozinha. Na verdade, a menina Hathaway comentara com ela, calmamente, enquanto tirava uma folha perdida dos lóbulos abertos de uma dioneia papa-moscas, que aquilo a fazia lembrar a boca aberta de um bebé. Ambas pensaram que preferiam a dioneia.
A pequena maternidade estava cheia do odor de tabaco e do ruído de conversas. Meia dúzia de mulheres, condenadas a repouso absoluto, estavam a rir enquanto debatiam o seu exílio no Hampshire.
— Nunca tinha ‘tado no campo.
— É chato como a merda.
— Pois é. Estou a adorar.
Não tinham dado pela entrada de Greta e quando a viram à porta, com um ar um pouco empertigado, a tentar fingir que não ouvira os palavrões, riram ainda mais.
— Não me façam rir! Quando rio, faço chichi — disse uma, limpando as lágrimas do rosto.
Greta sorriu timidamente.
— Precisam de alguma coisa? Um baralho de cartas?
— Não faça caso de nós. Não estamos habituadas a ter férias — disse uma mulher de cabelo ruivo grosso e despenteado.
Greta apresentou-se e descreveu as aulas de jardinagem disponíveis, caso ela quisesse ficar no Hampshire, o que provocou ainda mais riso.
A mulher ruiva fez uma careta, revelando uma boca cheia de dentes amarelados e fortes.
— É muita gentileza. Mas eu ganho mais dinheiro de outras formas.
Greta aprendera a não fazer comentários e afastou-se calmamente.
— Obrigada. Peço desculpa. Devemos parecer umas mal-educadas. O meu nome é Hetty Cohen — disse a ruiva.
Greta hesitou à porta do celeiro. Sabia que não era simpático pensar assim e que todas as pessoas deviam ser consideradas iguais, mas as prostitutas judias eram as que mais a entristeciam. Tinham-lhe ensinado que todos os judeus eram seus irmãos, mas, embora o rabi lhe tivesse explicado que alguns dos seus irmãos judeus eram camponeses ou judeus russos oprimidos, não tinha explicitamente revelado que algumas irmãs eram meretrizes ruivas obrigadas, pela força das circunstâncias, a ganhar a vida na horizontal.
Mas todos os pensamentos sobre Hetty Cohen se desvaneceram porque, pouco depois do almoço, Lady Goldbaum chegou com um telegrama de Clement, da Suíça.
Depois de o ler, Greta ficou sentada em silêncio no seu quarto, a olhar para o jardim. O vento fazia levantar os ramos dos salgueiros e as glicínias batiam suavemente contra o vidro. Não via Henri desde a visita a Paris, antes da guerra, mas naquele momento sentiu intensamente saudades dele. Esperou que se os alemães o matassem, que fosse rápido e indolor. Deu por si sem vontade de chorar. Ele ainda não estava morto e ela não ia começar o luto. Olhou para trás de si, para o presente de casamento que Henri enviara — o quadro de Rossetti de uma das suas mulheres de cabelo cor de fogo, de olhos verdes e pele cor de leite. Greta olhou-o com mais atenção. Podia ser um retrato de Hetty Cohen. Por um momento, a mulher do quadro parecia estar a rir, com uma boca cheia de dentes amarelos e quadrados por trás dos lábios entreabertos.
Esperaram por mais notícias de Henri, mas não vieram. Greta levou Benjamin consigo para visitar Hetty, que durante a noite tinha dado à luz uma menina. Encontrou Hetty sentada na cama, a segurar a bebé (que estava a mamar de um peito enorme, cheio de veias, como um queijo azul) enquanto lia o Daily Mail. Greta olhou para a manchete — «Mandem-nos para a terra deles» — e afastou o olhar, indignada.
Hetty riu-se.
— Estão a falar dos boches todos. A minha mãe. A senhora.
— Não acho graça nenhuma. Acho terrível — disse Greta num tom que, até para si mesma, parecia presunçoso.
Hetty tirou o mamilo da boca da bebé, aproximou-a do outro peito e pousou o jornal.
— Não há muito que a gente possa fazer. Eles ou vão apanhar os boches todos e correr com eles ou não vão. Mas acho que não a vão mandar embora a si, minha senhora.
Hetty riu outra vez, e Greta não a repreendeu. Viu o brilho no olhar de Hetty — um brilho que reconhecia do olhar de Celia — e sabia que estava a ser desafiada.
— Então e a senhora está a torcer por quem? Os ingleses ou os boches?
Greta recuou e disse com toda a dignidade que conseguiu:
— Os meus filhos são ingleses, Hetty.
Hetty revirou os olhos e tirou o mamilo da boca da bebé, com um estalido ruidoso. A bebé continuou a procurar o peito.
— Sim, mas há de ter alguma velha chama a lutar do outro lado, lá nas trincheiras.
Imitou uma luta de espadas, com o jornal enrolado, a dar golpes atrás de golpes. Greta sentiu-se afrontada, apesar da sua determinação silenciosa.
— Tenho o meu irmão, Hetty. Não há vencedores. Há apenas morte.
Começou a afastar-se, mas Hetty segurou-lhe a mão e apertou-a.
— Não se vá embora. Peço desculpa, senhora Goldbaum. Não sei o que se passa comigo. Passam-me estas coisas horríveis pela cabeça e eu digo-as. É como se fossem os meus pensamentos que me obrigam. Sei que é muito mau. Coitado do Frank, que não me conseguiu aturar.
Greta viu os olhos de Hetty encherem-se de lágrimas e, por trás da fanfarronice e da aura do cabelo ruivo, ela parecia bem nova.
— Você não se atreva! Não me venha cá com pena, caraças — disparou Hetty, com a pele a ficar da cor do cabelo. — Não lhe dei autorização para isso.
— A Hetty devia mesmo dar um passeio pelo jardim. Apanhar um bocado de ar fresco. Leve a bebé Ruth.
Hetty abanou a cabeça com vigor.
— Não posso. Não entende? Se começar aí aos saltinhos pelas flores, a dar o raio dos passeios, vai ser muito mais difícil voltar.
— Pode ficar mais algum tempo.
— Pare lá com isso do raio da escola de jardinagem. O meu liriozinho cor-de-rosa é uma obra de arte. É a única flor de que precisamos.
Hetty falava com fanfarronice, mas tinha os olhos rasos de lágrimas.
O almirante Hall não só autorizara Albert a discutir a sua missão americana com o pai, como o encorajara a fazê-lo. Albert concordara. Seria do interesse nacional, insistira, pedir conselhos ao principal banqueiro de Inglaterra. Mais do que isso, a maneira mais simples de reunir capital era ter o apoio financeiro da Casa Goldbaum. Tinha de ter a aprovação do administrador do banco, que ainda era Lord Goldbaum — mesmo que já estivesse demasiado debilitado para viajar para a América em pessoa.
Era um alívio estar sentado à frente de uma agradável lareira na sala do conselho de administração do escritório na cidade e estar a pensar noutra coisa além de Greta. O pai escutou em silêncio, à espera de que Albert terminasse. Lord Goldbaum observou o filho durante um momento antes de falar.
— É uma grande honra e um grande privilégio que te estejam a encarregar a ti, um Goldbaum e um judeu, desta imensa tarefa. As esperanças de Inglaterra, e da reputação dos Goldbaum, assentam no teu sucesso.
Albert riu-se.
— Obrigado por me tranquilizar, pai.
Lord Goldbaum sorriu.
— Peço desculpa, Albert. É claro que compreendes como isto é importante. O governo está a pensar pedir um empréstimo muito grande?
— De mil milhões de dólares.
O número ficou a pairar no ar, imenso e terrível. Albert pareceu conseguir vê-lo, como um fio de gás venenoso. Até Lord Goldbaum ficou aterrado.
— Isso é quase o dobro do que o Estado arrecadou em impostos no ano passado — disse Lord Goldbaum.
Albert acenou com a cabeça.
— É uma quantia demasiado elevada para Wall Street — disse Lord Goldbaum, ponderando. — As obrigações têm de ser oferecidas em oferta pública também. Esta é a oportunidade de persuadir os americanos de todo o país a investir na Europa.
Albert viu o brilho do entusiasmo de outrora no olhar do pai. Gostaria de o poder sentir também.
— A Casa Goldbaum não pode garantir uma quantia dessas por si só — disse Albert. — Vamos precisar de pelo menos mais dois ou três parceiros; mais ainda, se conseguirmos.
— O Marcus Ullman trata disso. Vou mandar-lhe um telegrama. Pode ficar em casa dele em Nova Iorque.
Lord Goldbaum olhou para Albert por um momento com uma mistura de prazer e orgulho.
— O meu filho — disse. — O meu filho, banqueiro e diplomata. Foi isto que o velho Moses Salomon Goldbaum sonhou quando mandou os filhos partir do gueto com as cartas de crédito e as sementes de plátano.
— Mas eu não tenho carta de crédito, pai. Nem sequer tenho uma semente de plátano.
— Tem o peso do governo britânico a apoiá-lo, Albert.
— O único peso que interessa aos investidores, pai, é o do ouro.
Albert olhou para o pai e por um momento viu nele uma sombra dos alegres generais, com a sua crença inquebrantável no império e na guerra boa e a sua fé inabalável de que, de uma forma ou de outra, apesar do massacre de vidas e das finanças, tudo acabaria bem.
— Precisamos de definir um limite para a nossa exposição, pai. Quero ajudar o governo, mas não se o preço for a ruína.
O pai fez um gesto a subestimar a preocupação do filho.
O grande banqueiro tinha o rosto corado. Albert compreendia; durante décadas, o pai trabalhara incansavelmente, fazendo favor atrás de favor a vários governos, a demonstrar incessantemente a sua lealdade para com a nação e o império e contudo, para sua desilusão, permanecia sempre do lado de fora, posto à parte. Preocupava-se que o pai estivesse tão entusiasmado com a ideia de a sua família ser aceite, por fim, que as suas decisões financeiras não fossem as melhores. Num momento de terrível cinismo, Albert perguntou-se se os tipos da direção do tesouro saberiam como o pai ansiava pela assimilação, e se se estariam a basear nisso para pressionar a Casa Goldbaum a garantir o empréstimo.
Embora fossem só nove e meia da manhã, Lord Goldbaum foi buscar a garrafa de brandy e serviu duas generosas bebidas. Albert fez a si mesmo a promessa de tentar proteger o pai, mesmo que fosse contra os seus próprios desejos.
Albert regressou a Fontmell para ver os filhos e despedir-se. Deu por si demasiado zangado com Greta para lhe conseguir dizer fosse o que fosse além do básico da boa educação. Não quis discutir na última noite em casa, por isso fingiu estar embrenhado na leitura dos jornais ao jantar. Ao início, não a tinha amado. Tinha casado com uma desconhecida por dever. Aceitara que a alegria era algo que se descobria nos limites da existência, a esvoaçar ao canto do olho, entrevista apenas naqueles momentos de serenidade, ao amanhecer, antes de despertar por completo. Quando a felicidade chegou à vida de Albert, foi como uma explosão de sol. Entrou no jardim e descobriu que estava imerso no calor do verão; sentia-se saciado, sem antes saber que tinha fome. Não esperara amar a mulher, mas amava-a. Sentia o amor desenrolar-se de si. E agora ela estava a dizer-lhe que recolhesse esse fio, como se aquele milagre — aquela surpresa — não fosse nada. Virou a página do jornal que tinha nas mãos, com a sua lista de números, embora lhe passassem diante dos olhos como gotas de chuva.
Depois do jantar, foram sentar-se na salinha, a ver os grandes teixos balançar ao vento, como bailarinos. Albert disse a Greta que lamentava o sucedido a Henri, mas tinha poucas palavras de conforto para lhe dar.
— Não te vou dizer que vai correr tudo bem. Nunca te menti, Greta.
Estava inquieto; agitou a perna e depois levantou-se e foi atiçar a fogueira, levantando uma chuva de faíscas. Encostou-se à lareira, olhando fixamente para a fogueira como se fosse possível encontrar alguma sabedoria ou conforto entre as achas. Viu Greta à janela; tinha olheiras, de tanto chorar, e o rosto iluminado pelo brilho da fogueira. Tinha ainda uma silhueta roliça, do parto recente, e a barriga agradavelmente arredondada. Nunca estivera mais bela. E, contudo, estás disposta a desperdiçar tudo aquilo que somos, pensou. Pensou nas duas criaturinhas e dormir no andar de cima. Seria o risco de mais um filho realmente um perigo tão grande?
Uma criada trouxe a travessa do chá e retirou-se. Greta serviu uma chávena a Albert, cuidadosamente, e levou-lha. Ficou de pé, ao seu lado, por um momento, estendendo-lhe a chávena.
— Não quero que vás embora — disse, pousando-a na mesa. — Amo-te.
Albert pensou se ela alguma vez o teria dito antes. Greta estava a rodar a aliança no dedo. Nunca tinham precisado de palavras, antes. Era um feitiço, uma oração na esperança de que, com aquelas palavras, tudo ficasse bem.
Albert pegou na mão de Greta.
— O problema não é o amor — disse.
Ela abraçou-o e ele apoiou o queixo na cabeça dela.
— Já conseguimos antes — disse ele. — Tivemos cuidado.
— Tivemos sorte. Podemos voltar a ter sorte durante algum tempo. Mas a sorte não dura.
Hesitou, estranhamente tímida. Gostava que conseguissem discutir a geografia específica das manobras da cama com o mesmo à-vontade e a mesma precisão com que examinavam a plantação de crocos ou a colocação de colmeias.
— Podemos fazer outras coisas — sussurrou Greta, olhando-o nos olhos.
Voltou-se, foi até à porta e trancou-a. Albert olhou-a com interesse enquanto ela caminhava languidamente na sua direção. Empurrou-o para um cadeirão, sentou-se ao seu colo e beijou-o, com os dedos a subir-lhe pela coxa. Passados uns momentos, Albert gemeu e encostou-a ao cadeirão, mas Greta deu um grito de dor.
— O meu espartilho — disse.
A não ser que se sentasse muito direita, a ponta dura do espartilho, entre as pernas, espetava-se na sua carne dolorosamente. Albert começou a tentar abrir os botões da sua blusa e desatar-lhe a roupa interior, mas Greta estremeceu; não queria mostrar a barriga esponjosa, os músculos flácidos e ainda doridos. O espartilho tinha de ser apertado com tanta força que lhe fazia bolhas na pele. Mas talvez não ficasse assim tão feio à luz da vela. Percebeu que estava quase tão ansiosa como da primeira vez que Albert e ela tinham tentado ter relações conjugais, e bastante mais embaraçada com o seu corpo.
Percebia vagamente que Albert ou não reconhecia o seu desconforto ou lhe era indiferente, porque, depois de lhe desapertar as roupas, puxou-a para o chão e deitou-a de costas. Beijou-lhe o pescoço e continuou até ao peito. Deitada no tapete, Greta reparou na fuligem negra que cobria o interior da chaminé, como muco solidificado numa narina. Tinha de mandar limpar a chaminé.
— Estás aqui? — disse Albert, fazendo uma pausa para olhar para ela, com uma expressão magoada e indignada.
— Desculpa, meu amor. É falta de prática — respondeu, sentindo-se culpada.
Puxou-o até si e voltou a beijá-lo, sentindo o bigode dele fazer-lhe comichão no lábio e o chão duro contra as costas. Bem fundo dentro de si, sentiu os primeiros ardores de desejo, e havia algo de confortável e satisfatório no peso dele em cima dela. Com mais entusiasmo, começou a acariciá-lo por cima das calças. A fogueira estalava e cuspia fagulhas. Albert roçou-se nela, afastando-lhe as saias. Um momento mais tarde, ela percebeu que ele estava a tentar penetrá-la e afastou-se, sussurrando:
— Isso não, meu querido. Isso não.
Ele disse um palavrão, mas antes de conseguir objetar mais, ela voltou a tocar-lhe, afastando-se cuidadosamente do seu alcance. Tirou a luva e acariciou-o com os dedos nus. Uns momentos mais tarde ele cedeu, silenciosamente e sem prazer.
Um pouco mais tarde, enquanto ela se voltava para ele se poder compor, arrependeu-se da estranheza do seu encontro. Tentar uma coisa dessas na salinha fora um erro. Não era uma sala feita para se desfrutar confortavelmente disso. Antes, os seus atos de intimidade tinham sempre servido para os aproximar. Riam-se e tinham prazer um com o outro. Este interlúdio não fora um ato de intimidade. Em vez disso, tinha feito com que Greta se sentisse mais só.
— Vamos ficar melhores nisto — disse, esperando que fosse verdade.
Albert não respondeu. Quando subiu as escadas para se ir deitar, sentindo a nódoa húmida nas calças, sentiu-se indignado e irritado. Era um homem casado. Amava e desejava a sua mulher. Contudo, tinha sido reduzido a uns apalpões atrapalhados. Afastado de Greta durante meses, tinha-a imaginado, ansiado por ela. Durante as incursões pela frente de batalha, entrevira o negrume da morte em toda a parte, tinha inalado o seu fedor. Isso fazia-o desejá-la mais ainda. Desejava o sexo como afirmação da vida, como declaração de amor e da sua determinação em se agarrar ao mundo. Precisava de se perder dentro dela. Aquele encontro na salinha, fosse o que fosse, fora completamente inadequado. Não era o que imaginara, sozinho, na sua cama de campanha.
Albert não conseguia dormir e levantou-se antes da madrugada. Vestiu-se, sem ajuda do camareiro, e caminhou pelo jardim enquanto a aurora penetrava por entre as árvores. Na terra aos pés dos salgueiros, os narizinhos verdes dos crocos estavam a emergir. Albert só regressaria muito depois de eles terem florido. Deambulou até à mata, passando pelos sicómoros. Baixou-se e viu, enterrada sob as folhas, uma vagem de sementes curva como um osso da sorte. Talvez lhe trouxesse boa sorte, pensou. Pô-la no bolso. Estava frio e o orvalho pesava na relva; a névoa pairava como vapor sobre o rio. As abelhas estavam agrupadas nas colmeias. Albert encontrou a colmeia de vidro que Greta tinha encomendado para ele e viu as abelhas juntarem-se à volta da rainha, para se aquecerem; as mais próximas do centro eram só um borrão de asas, as mais próximas da orla estavam a comer mel. O seu zumbido ressoava como uma vibração que ele sentia no peito, uma batida de satisfação animal, e sentiu uma estranha inveja. Já amanhecera quase por completo; com tristeza, Albert voltou para casa.
Beijou os filhos enquanto dormiam, nos seus berços. Não suportava ter de se despedir de Greta. Acariciou-lhe o rosto e saiu do quarto, em silêncio, dirigindo-se, sem a acordar, para o carro que o esperava.
Ao ouvir a porta da frente fechar-se com força e os pneus a avançar no cascalho, Greta levou a mão ao rosto. Ainda sentia o calor dos dedos de Albert. Fechou os olhos com força; se não os abrisse, podia fingir que ele ainda lá estava.