Sobre a casuística do rinoscleroma*

Dr. A. Lutz (atualmente em Honolulu)

O caso abaixo justifica um breve comunicado em virtude do local de observação e à da raça da pessoa afetada.

Florentino, negro, brasileiro, 30 anos de idade, percebeu o início da doença atual há dois anos e seis meses. Esta atacou inicialmente o lábio superior e a narina esquerda, onde foi penetrando, e no curso do ano seguinte passou também para a narina direita. Há alguns meses, ambas as narinas estão totalmente fechadas. Relata que a doença teve início no pescoço há um ano ou um ano e meio.

Estado atual: o dorso do nariz apresenta uma exacerbação da forma característica da raça, achatada e alargada; a parte cartilaginosa está espessada de maneira difusa, apresenta resistência aumentada; sua dureza é quase a de um condroma. É bastante perceptível nas asas do nariz, que estão rebatidas para fora, e na metade externa sua espessura é de um a dois centímetros; isto faz com que a luz do nariz esteja totalmente deslocada de ambos os lados. A ponta do nariz está ligeiramente virada para baixo, as pregas nasolabiais estão muito aprofundadas e evidentes. A parte superior do lábio superior apresenta uma infiltração avermelhada que alcança até a parte média, não é bem demarcada, e à palpação sugere um cancróide. Em alguns pontos há cicatrizes de cauterizações. A cavidade oral e o palato duro parecem normais; por sua vez, a úvula está ausente e o palato mole apresenta-se encurtado e teso, mas não espessado, antes afinado.

Quando vi o doente pela primeira vez, há quatro anos aproximadamente, ele já havia passado por tratamentos médicos na capital de São Paulo e em Limeira. O diagnóstico havia sido, alternadamente, de câncer e sífilis. Somente um colega formado na Europa, Dr. Vergueiro, reconheceu a doença e chamou minha atenção para esse caso raro. Meu diagnóstico também não deixava dúvida de que se tratava do rinoscleroma, e a tarefa que me atribuí foi a de restabelecer a luz das narinas, além de tentar obter a cura do processo como um todo. Quanto ao primeiro aspecto, obtive bons resultados por meio da dilatação gradual com tampões medicamentosos e a colocação de cânulas de diferentes calibres, conseguindo liberar totalmente as vias nasais. Já no segundo aspecto não fui tão bem-sucedido. Tentei alternadamente o ácido carbólico salicílico, o ácido pirogálico, crisarobina e sublimado corrosivo. Embora o processo não tenha progredido, tampouco foram obtidas melhoras em tratamento mais prolongado, que alcançava a camada mais externa da pele e não apenas a mucosa. Da mesma forma, o tratamento recomendado por Doutrelepont não surtiu nenhum efeito que pudesse ser comparado aos resultados favoráveis por ele descritos. Infelizmente perdi o paciente de vista depois de alguns meses de tratamento em razão de sua mudança para outro local.

Apesar da presença daquela estranha infiltração localizada, de progressão lenta e com sua dureza característica, acompanhada da obstrução das narinas e do encolhimento do palato mole,1 sinais que quase não davam margem a outros diagnósticos, decidi também fazer um exame anatômico. Para tanto, fiz a excisão de uma amostra elíptica da margem da afecção, escolhendo o lábio superior, pois a cicatrização per primam ali parecia ser mais fácil. Esta ocorreu sem dificuldades. A amostra excisada foi endurecida em álcool e parte dos cortes foi examinada sem corantes, a outra parte com os diversos métodos de coloração. Apesar do grande cuidado, não foi possível fazer a identificação dos bacilos característicos, mas foram encontradas as conhecidas esferas hialinas, em parte espalhadas e em parte agrupadas, mas eram muito escassas. As células redondas que formavam o componente principal do tumor alongavam-se, em alguns pontos, em maior ou menor grau. Mais tarde tive oportunidade de estudar preparados de rinoscleroma de Cornil, encontrando-os totalmente condizentes com os meus resultados, exceto no que diz respeito ao achado de bacilos. Esse achado provavelmente comprova a ocorrência de rinoscleroma no Brasil. Entretanto, como nunca tive a oportunidade  de ver outro caso flórido, parece que também lá, pelo menos na região central do país – como, aliás, em quase toda parte –, é uma doença extremamente rara. Tive oportunidade de examinar um senhor de origem italiana, de Campinas, e concluí, após a anamnese e com base no relato de seu médico, que ele já havia padecido de rinoscleroma. Todos os sinais haviam regredido durante uma das freqüentes febres que o atacavam por várias semanas, e por muito tempo não voltaram.

Essa curiosa observação, somada aos resultados contraditórios obtidos com o mesmo tratamento nos casos de Doutrelepont e nos meus, levam-me à conclusão de que, assim como no lúpus eritematoso, também aqui há grandes diferenças na forma de cura.2 Portanto, embora o rinoscleroma possa ser classificado entre as doenças cuja pesquisa anatômica e etiológica está quase concluída, seu tratamento ainda se encontra distante da meta de uma cura segura, rápida e definitiva.