No dia seguinte, quinta-feira, estou acordada em um horário que nem meu pai poderia criticar.
Preparo meu café tão forte que fica com gosto de lama. Talvez tenha dormido no máximo quatro ou cinco horas, embora tenha chegado em casa antes das oito. Passei a noite botando o álcool vagabundo para fora pelo suor, encarando o teto e me revirando entre diferentes lembranças e ideias meio formadas.
Bebo meu café-lama e observo Barrens se livrar de sua névoa noturna. Tento ver Barrens como veria um estranho, e, na luz do início da manhã, é bonita. Talvez Brent tenha razão, e eu esteja em uma espécie de caça às bruxas. Talvez eu queira que a Optimal seja desonesta só para ter alguma coisa, qualquer coisa, para consertar.
Talvez minha obsessão não passe de uma fantasia.
Ou talvez não. Mas, esta manhã, vou seguir o conselho de Brent. Está na hora de uma excursão pelas boas obras da Optimal.
O CENTRO COMUNITÁRIO BARRENS-OPI fica a meio caminho entre a escola e os portões do Optimal Plastics Complex, bem em frente da loja Westlink Fertilizer & Feed, do outro lado da rua. O teatro mencionado por Brent é completo; tem uma fachada moderna de vidro e aço inteiramente contrastante com os caixotes de tijolos aparentes que definem a arquitetura de Barrens. Nem são nove horas da manhã, e já tem carros no estacionamento recém-criado, e embora as portas estejam trancadas, quando aperto a cara no vidro consigo divisar um borrão de movimento lá dentro. Fico surpresa ao ver Misha no saguão, andando de um lado para outro, o telefone apertado entre o ombro e a face.
Quando me vê, ela desliga sem se despedir e coloca o aparelho no bolso. Hesita por uma fração de segundo e destranca a porta.
– Abby. – Hoje ela está vestida no papel de vice-diretora, em um terninho barato e uma blusa lilás. – Você aparece em todo canto, não é? Estou começando a pensar que talvez esteja me seguindo.
– Cidade pequena. Você mesma disse... não há nada para fazer a não ser se meter na vida de todo mundo. Além disso, não é todo dia que Barrens ganha um centro comunitário.
– É bem verdade. Mas na realidade ainda não abrimos. Posso ajudá-la com alguma coisa?
Na noite passada, Brent me disse que, depois que Kaycee foi embora, Misha contou que ela queria um novo começo. Mas se Kaycee confessou-lhe o desejo de desaparecer, pode ter revelado outras coisas.
– Eu devia me encontrar com alguém da Optimal para um tour antes de abrir – minto, aproveitando a oportunidade para conversar com ela. – Marquei uma hora, mas infelizmente ela pensou que eu disse ontem. Não admira que não esteja atendendo a meus telefonemas.
Ela hesita de novo, depois esbarra o quadril na porta, abrindo-a um pouco mais.
– Entre – diz Misha. – Mas não há muito para ver. Só a primeira fase está concluída.
– Eu só fiquei curiosa. Que projeto ambicioso.
– Ah, não é nem a metade dele. Um dia teremos uma área de recepção, além de um ginásio para programas esportivos fora do horário de aulas. Salas para educação alternativa também.
A construção é ampla, aberta e arejada, e o sol se infiltra pelas claraboias.
– Nossa. É... – Feia. O tipo de feiura que só uma tonelada de dinheiro de merda pode produzir. Mas é claro que não digo isso. – Ambicioso. Nem mesmo parece Barrens aqui, não? Deve estar custando uma fortuna – digo alegremente.
Os olhos dela resvalam nos meus brevemente.
– A Optimal financia a maior parte do projeto. Também conseguimos dotações do governo. Os impostos pagam pelo resto.
– Você parece muito... entusiasmada. – O que realmente quero dizer é: muito envolvida.
– O diretor Andrews e eu lutamos por isso. Antes, nossos alunos não tinham para onde ir e nada para fazer depois da aula – diz ela. – Em geral, a vida doméstica deles é grande parte do problema. Quando não há outra coisa para fazer... mãos ociosas encontram problemas. – Ela chega a uma porta que aponta o caminho para o palco do teatro, e novamente a abre para mim.
– Alguma vez já pensou que pode ser um problema que tanta gente dependa de uma só empresa? – Mantenho o tom despreocupado, como se só estivesse pensando na pergunta.
Ela me olha de lado.
– E por que seria um problema?
– Há anos a Optimal vem sendo perseguida por boatos de poluição, corrupção, ocultação.
– Boatos não são fatos, Abby. Graças a Deus. Caso contrário, todos nós teríamos tido problemas na escola. Especialmente você.
Mais um ponto para Misha. Abro o sorriso mais doce possível.
– É verdade. E fumaça não é fogo. Mas, às vezes, onde uma aparece, a outra... ninguém quer considerar a Optimal responsável. Na verdade, ninguém jamais vai entreter essa ideia.
– Temos orgulho da presença da Optimal aqui – diz Misha incisivamente. – Não entendo como isto pode ser um problema.
Escolho as palavras com cuidado.
– Eles compraram muito amor, é só o que estou dizendo.
Receio que ela fique furiosa. Ou talvez eu esteja torcendo por isso – uma rachadura em seu verniz. Mas isto só parece diverti-la.
– Da última vez que soube, não era crime.
– Bem, depende de quem está comprando – digo.
– O problema é que as pessoas pensam em preto e branco. Elas pensam que podem ter o que é bom, sem a parte ruim. Mas tudo o que é bom para uma pessoa provavelmente é ruim para outra. A vida não é como diz a Bíblia. Não é uma escolha entre o bem e o mal. A vida é escolher que males você pode suportar.
– Então, você admite que a Optimal é um mal.
Isto, enfim, consegue fazê-la sorrir.
– Só estou dizendo que se a Optimal cometeu erros, provocou umas brotoejas aqui e ali, significa que devemos fechar as portas da maior empregadora na região?
– Não estamos falando só de brotoejas, e você sabe disso. Estamos falando de substâncias químicas que provocam danos graves. As pessoas não são descartáveis. Não deviam ter que sacrificar a própria vida e sua saúde para colocar comida na mesa.
– Ah, Abby. – Ela suspira. – Tenho inveja de você. Deve ser bom saber que está certa em grande parte do tempo.
Um nó de raiva se ergue em meu peito.
– Não sei se estou certa. Mas sei o que não é certo.
– Sabe? – Ela vira a cabeça de lado e estreita os olhos para mim. – Tome como exemplo Frank Mitchell. Ele ganha a vida vendendo pornografia. – Pelo jeito com que ela fala, a palavra tem umas cem sílabas.
– A pornografia não é ilegal – digo.
Ela alteia uma sobrancelha.
– Tudo bem. Claro. Mas digamos que ele tenha um cliente, um homem normal, marido e pai, que guarda um pequeno estoque de pornografia escondido, nada sério. E então, digamos, a certa altura, ele diz que, na verdade, está atrás das meninas mais novas. Muito mais novas. E por acaso este homem bacana e honrado, com sua família bacana e honrada, tem fetiche por meninas em idade escolar. – Ela diz tudo isso calmamente, com um enorme autocontrole, como se ainda estivéssemos falando dos planos para o auditório. Todo o meu cabelo fica eriçado na nuca. – Agora digamos que Frank Mitchell venda a ele uma revista em que as mulheres parecem muito mais novas do que realmente são. Mas é claro que elas são maiores de idade. Profissionais remuneradas. O homem vai para casa feliz. Se não, o homem sairá e procurará o produto genuíno.
Fico tão espantada que me limito a encará-la.
Ela abre as mãos. Inocente.
– Como vê, algumas pessoas pensariam que Frank Mitchell fez uma coisa horrível quando vendeu esse tipo de revista. Mas ainda seria a coisa certa.
– Ou – digo, procurando eliminar o tremor em minha voz – ele simplesmente poderia chamar a polícia.
– O homem simplesmente negaria. – Misha dá de ombros, como se a questão fosse tão óbvia que nem precisasse ser declarada. E depois: – Vamos continuar a visita?
Eu só quero fugir – de Misha, deste palácio frio construído com dinheiro da Optimal para salvar as crianças que a empresa pode estar entupindo de veneno, da economia louca de sacrifício em que acredita Misha. Mas a acompanho, muda, por outra porta de vaivém.
Misha acende as luzes, e o corredor toma forma diante de nós: paredes escuras e uma fila de fotografias de estudantes emolduradas dos dois lados, cercadas por constelações de estrelas de papel.
– São nossas Estrelas da Optimal – diz ela, animada. – Os que receberam a bolsa de estudos da Optimal. Lembra do programa de bolsas que mencionei? Há vários anos, trabalhamos com a Optimal para conferir bolsas integrais ou parciais a alguns estudantes que se mostram academicamente promissores. A maioria tem uma vida difícil em casa. Alguns têm problemas disciplinares. Mas o programa os transforma verdadeiramente. – Ela parece recitar o texto de um panfleto. E, pelo que sei, talvez esteja mesmo. – A primeira foi Mackenzie Brown. Ela fazia dança de salão. Isso não é muito comum por aqui.
Ela aponta para uma menina com um lindo sorriso de rainha da beleza. Na verdade, todas têm lindos sorrisos de rainha da beleza – e dos dezoito que receberam a bolsa, só dois são meninos. Um retrato em particular me faz parar. A menina é parecida com Kaycee: uma cascata de cabelos loiros, olhos azuis e bem espaçados. De acordo com a plaquinha de bronze, seu nome é Sophie Nantes.
– Por que tantas meninas? – Não consigo deixar de perguntar.
– Bem, pensamos na necessidade tanto quanto no talento – responde Misha. – Muitas universidades oferecem suas bolsas esportivas, mas a maior parte do dinheiro vai para as equipes masculinas, é preciso considerar isto. E há mais oportunidades locais para nossos alunos homens que não querem fazer faculdade. A agricultura e a construção estão retornando, cargos de nível de entrada na Optimal. Esse tipo de coisa.
A porta no fim do corredor nos leva ao auditório.
– No ano que vem, vamos montar nosso primeiro musical – diz ela. Sua voz é tragada pelo espaço imenso. Filas de assentos sobem no escuro. – E já temos quarenta estudantes matriculados para a colônia de férias de música de duas semanas em agosto. Metade tocará instrumentos doados. Dá para imaginar? Durante anos, a banda marcial precisou se reunir no estacionamento dos fundos enquanto as cheerleaders ensaiavam no refeitório depois da aula. Agora eles vão ensaiar aqui. – Ela abre os braços para o palco silencioso. Pela primeira vez, parece feliz. Não só feliz, mas em júbilo, cheia de energia e orgulho. Ela se vira para mim. – E sabe o que havia aqui antes?
Meneio a cabeça em negativa.
– Nada. – Há uma satisfação sombria em seus olhos. – Absolutamente nada.