Recebi quatro mensagens de voz da linha fixa de meu pai e meia dúzia de mensagens de texto de TJ, o veterano de guerra de 33 anos que mora na rua e passa seu tempo indo de casa em casa, procurando sinais de praga de insetos nas árvores. TJ é o mais próximo que meu pai tem de um amigo.
Suas mensagens beiram a incoerência, cheias de abreviaturas e pontuação errada, mas recebo o recado com clareza: estou atrasada para buscar meu pai para a consulta com o médico.
TJ ainda está recurvado pelo quintal quando chego. Ele levanta a mão para acenar, depois volta à sua inspeção, separando as folhas de uma de nossas macieiras selvagens. Seu braço esquerdo balança inútil quando ele se mexe.
Não há nada de errado com o braço de TJ, só que, graças a um episódio de estresse pós-traumático, ele não sabe que o braço está ali.
– Perda de tempo, desperdício de dinheiro, esses supostos médicos – meu pai resmunga enquanto se acomoda no banco do carona. – Só o que eles fazem é tirar seu dinheiro e mexer num monte de geringonças, e no fim, vem o quê? Eles te mandam para casa com uma oração, uma conta de quinhentos dólares e uma receita para procurar outro médico.
Ele impede minha mão quando tento fechar seu cinto de segurança.
– Posso fazer isso, droga. Eu torço as costas e você age como se eu fosse aleijado.
Mas noto que ele precisa de várias tentativas para encaixar o cinto de segurança. Sua mão treme.
Quando eu era criança, não íamos ao médico. Meu pai dizia que só precisávamos do amor de Deus, e quando fui à minha primeira consulta – aos 9 anos, com minha mãe limitada pela doença –, achei o consultório do médico o lugar mais limpo e mais iluminado em que já estive. Mas na época eu sabia que não ir ao médico era uma das coisas que faziam de mim um monstro; então, a sala de espera parecia o paraíso de que meu pai sempre falou, um lugar onde nada existia a não ser silêncio e uma brancura ofuscante que abate cada sombra. Ganhei um pirulito da recepcionista e, quando meus pais estavam com o médico, folheei revistas, passando amostras de perfume nos pulsos e em minha blusa.
Depois, foi o setor de oncologia de um hospital em Indianápolis, embora, para mim, fosse um consultório médico, só que maior, ainda mais miraculoso. Mais revistas. Mais ar frio levemente tingido do cheiro de chiclete de menta. Mais gente de jaleco branco e limpo, como anjos com as asas dobradas em volta do corpo.
O dr. Aster passou muito tempo examinando meu pai. Olhei cada revista na sala de espera: exemplares da People de dois meses antes, uma Home & Garden cheia de donas de casa sorridentes, exemplares da Outdoor e da Fishing. Pergunto-me quantas pessoas ficam sentadas aqui, nesta sala de espera, lendo sobre um peixe lacustre pouco antes de receber a notícia que as transformará para sempre.
– Você é de Barrens também?
Levanto a cabeça e vejo, olhando para mim, a única outra mulher na sala de espera, balançando um bebê silencioso nos braços.
– Chicago – digo com energia.
– Ah. Erro meu. É que pensei ter reconhecido você. – Se ela nota que a pergunta me irritou, não deixa que isto a incomode por muito tempo. Ela dá de ombros.
– Estudei na Barrens High – digo, sem me estender ou explicar que também fui do ensino primário e fundamental de Barrens.
– Foi o que eu pensei! Você estava dois anos à minha frente! Meu nome é Shariah Dobbs – diz ela. Depois, indicando o bebê nos braços: – Eu me levantaria, mas...
– Está tudo bem. Abby. – De repente, tenho vergonha de minha bolsa colocada no assento a meu lado – quatrocentos dólares, comprada na Neiman Marcus com meu primeiro salário, e muito mais cara do que eu podia pagar, mas ainda assim –, e de meus sapatos e jeans. Tudo isso é escolhido para me proteger exatamente da pergunta que ela fez primeiro. Você é de Barrens também?
Porém, vendo sua cara de lua, sua saia barata e os tênis falsificados, e o jeito descontraído com que ela me olha – ao mesmo tempo animado e solidário, como se ela soubesse exatamente o que penso dela e não se ressentisse de mim –, fico tomada de culpa.
Levanto-me e chego mais perto para arrulhar para seu bebê, tão embrulhado que de longe podia ser uma camiseta dobrada.
– Menino ou menina? Que idade tem?
– Menino. O nome dele é Grayson. Doze meses. – Ela começa a retirar o cobertor de seu rosto e, inesperadamente, sua cara se tolda. – Os médicos na clínica ajudaram muito. No início todo mundo me dizia que ele só ia crescer até aqui...
Estou prestes a perguntar o que ela quer dizer quando ela vira o cobertor e eu puxo o ar. O bebê é pequeno, pequeno demais, e seu crânio parece mole e malformado. A testa quase não existe. É como se as sobrancelhas viessem diretamente do couro cabeludo.
– Ninguém sabe se ele vai poder falar também – diz ela em voz baixa. – Falta de sorte, acho. Mas é um bebê bonzinho – acrescenta ela rapidamente. – Ele é o meu menino, e não ligo para o que os outros dizem. Fiz tudo o que me mandaram fazer, parei de fumar e até tomei aquelas vitaminas que me deram... – Ela cobre o rosto dele de novo e me olha de lado, como se esperasse que eu a acusasse de alguma coisa.
– Você ainda mora em Barrens? – pergunto, e ela faz que sim com a cabeça.
– No Creekside. – Ela se ruboriza. O Creekside é um campo para trailers – bem na beira da represa, com vista para a fábrica. – Ainda moro com minha mãe. Minha irmã e o marido se mudaram para lá, são vizinhos, então eles ajudam muito. – Sua expressão se desanuvia, e ela sorri. – Minha irmã está grávida também. Então, Grayson vai ter um priminho logo, logo.
Antes que eu consiga responder, a porta se abre, e o dr. Aster aparece com a mão enganchada no cotovelo de meu pai, que avança com dificuldade, enterrando a bengala no carpete, parecendo meu velho pai mais do que em qualquer momento desde que voltei para a cidade.
– Desculpe-me pela demora – diz o dr. Aster. – Já faz algum tempo. Pensei que devíamos fazer tudo em detalhes.
– Exames, exames e mais exames – diz meu pai. – É só o que gente como você sabe fazer? – A melhor medida da saúde de meu pai é o nível de sua grosseria.
– Está tudo bem? – pergunto-lhe, afastando-me de Shariah.
Os olhos do dr. Aster cintilam.
– Saberemos daqui a alguns dias, quando chegarem os resultados de todos os exames – diz ele. – Enquanto isso, ele deve pegar leve. Descansar. Seria bom usar uma almofada térmica e tomar ibuprofeno.
Meu pai balança a cabeça e vira os olhos para o teto.
– Quinhentos dólares – resmunga ele – e uma oração.
Enquanto ajudo meu pai até a porta, Shariah Dobbs me chama:
– Foi um prazer ver você, Abby. Se cuida.
– Você também – digo. Mas não consigo olhar nos olhos dela. Não consigo respirar por uma explosão repentina de medo com a ideia de bebês com crânios moles e cérebros que não vão se desenvolver. Pontos fracos.