Um reluzente Lincoln Town Car está estacionado junto ao meio-fio quando chego em casa – eu o deixei esperando. Um corvo bica a terra. Não consigo parar de ver o bebezinho Grayson, suas sobrancelhas bastas e o couro cabeludo puxado para baixo.
Um para a tristeza.
Hannah está ajoelhada na calçada na frente da casa de Condor, sombreando uma flor de giz gigantesca, que brota ao lado de um grupo de caras sorridentes, todas cor-de-rosa ou verdes. Só lhe restam dois pedacinhos de giz. Aceno. Ela se senta nos calcanhares para olhar, passando os braços pelas pernas.
– Esse carro é seu? – pergunta ela.
– Só por esta noite. Bacana, né?
Seus olhos vão de mim ao motorista e voltam a mim.
– Você é famosa?
Isso me faz rir.
– Nem chego perto.
– Um dia vou ser famosa. – Ela volta a seu desenho, pressionando com força o giz para passar cor na calçada.
– Ah, é? Pelo quê?
Ela dá de ombros.
– Talvez dançar. Ou desenhar. Ou talvez por descobrir alienígenas.
– Alienígenas, é? – Na casa, Condor está perfeitamente emoldurado pela janela. Parece que ele canta, acompanhando alguma coisa no rádio. Está sem camisa. O cabelo é penteado com os dedos; imagino que ainda esteja molhado do banho. Lembro-me da pressão de seus lábios, como senti suas mãos segurando minha cintura. – Desde que você os mantenha longe de mim.
– Os alienígenas não machucam gente, sua boba! – Ela me olha com serenidade. – Só gente é que machuca gente.
Esse é o lance com as crianças: elas são bem mais inteligentes do que você pensa.
AS PESSOAS FAZEM E falam muitas loucuras em táxis, e os serviços de carro particular não são exceção. Algo na divisória entre o banco da frente e o de trás faz com que os passageiros pensem que são invisíveis. E por esse motivo os motoristas são minas de ouro de informações. A Prestige Limo aparece repetidas vezes nos registros fiscais da Optimal. É um tiro no escuro, mas se Lilian McMann tiver razão – se a Optimal está conquistando, levando para jantar e subornando políticos em troca de favores – deve haver provas em algum lugar, e é provável que os motoristas tenham testemunhado algo, quer tenham percebido ou não.
O motorista é uma mulher, o que eu não esperava. Estou torcendo para que isto a deixe mais inclinada a falar, mas na primeira meia hora não consigo nada dela além de respostas-padrão e monossilábicas.
Você leva e traz muitos clientes de Indianápolis? Às vezes, senhora. Onde você mora? Não muito longe, senhora. Há quanto tempo está nesse emprego? Quatro anos, senhora. Gosta dele? Sim, senhora. Ela podia ser um robô programado com uma dúzia de respostas.
Tento novamente encontrar alguma coisa, qualquer coisa, que a inspire a falar.
– Você trabalha em tempo integral para a Prestige?
Sobre o assunto dos horários, ela se anima de imediato.
– Faço quarenta horas, às vezes mais. Mas meu horário sou eu que faço. Isso é bom. Tenho um filho de 4 anos, e outro de 6. Antigamente eu trabalhava na Target, mas no dia que precisei abandonar minha família no Dia de Ação de Graças para abrir a loja, me demiti.
– E você nunca se sente insegura, dirigindo tarde da noite?
– Ah, não – responde ela rapidamente. – Não pegamos esse tipo de cliente, não na Prestige. A maioria é de clientes já conhecidos, em particular neste trecho, entre a Optimal e Indianápolis. Não consigo imaginar fazer esse trajeto de ida e volta todo dia eu mesma...
– Pelo menos rende boas gorjetas?
Enfim, consigo: ela bufa.
– Quase nunca. Esses caras que trabalham em empresas grandes. Já notou que quanto mais gorda a carteira, menos ela é aberta?
– Ah, eu sei. Já fui garçonete – faço o mesmo jogo. Isto de certo modo é verdade. Passei um recorde de dois meses trabalhando como hostess em um bar de hotel em Chicago antes de ser demitida por ir para casa com um dos frequentadores. Não teria sido problema nenhum se não fosse pelo fato de que eu não ia para casa com o gerente.
– Então, você sabe. Alguns, eles são maiorais, sabia? Estou falando de Washington, verdadeiros poderosos, que acham que a merda deles não fede.
Minha pulsação se acelera.
– Alguém famoso? – pergunto, tentando não aparentar ansiedade demais. Mas eu passei dos limites.
– Não posso dizer, senhora. – Ela se retrai. – Faço meu trabalho como todos os outros. Entro no carro e dirijo.
Sei que não vou conseguir mais nada dela, então me viro para a janela, vendo os campos passarem numa geometria de estradas, casas e centros comerciais que anunciam os arredores de Indianápolis. Metade do mal no mundo, segundo penso, deve se resumir a alguém que só faz o seu trabalho.
Talvez seja paranoia, mas digo à motorista para me deixar a umas boas dez quadras de meu destino, e a instruo a esperar. O bairro é desinteressante e bem afastado do distrito comercial central. Passo por vários depósitos fechados e fachadas que exibem placas de Aluga-se. Uma sem-teto revira uma lata de lixo.
A Clean Solutions Mangement fica metida no segundo andar sujo acima de um almoxarifado e ao lado de uma sala comercial vaga que a certa altura parece ter abrigado uma firma de advogados de divórcios. Não tem placa, nada para anunciar sua presença além de um adesivo que está descascando acima de uma campainha que não é atendida, por mais que eu toque.
– Nunca tem ninguém aí.
Viro-me e vejo um sujeito de cavanhaque fumando na porta aberta do almoxarifado. Ironicamente, ele parece nunca ter visto o interior de escritório nenhum: dá para contar os trechos de sua pele que não estão tatuados.
– Sabe o que eles fazem lá em cima? – pergunto a ele.
Ele dá de ombros. Seus olhos correm por todo o meu corpo, da cabeça aos pés, voltando à cabeça, com tal lentidão que ele parece fazer uma declaração.
– Importação e exportação, uma merda dessas – diz ele.
– Importação e exportação – digo com a maior doçura possível. – Ou uma merda dessas? O que seria?
Seu cigarro paira a meio caminho para a boca.
– É tipo assim, né? – Ele sorri, como se estivéssemos partilhando uma piada, e depois puxa um trago longo, dirigindo a fumaça para longe de meu rosto como se me fizesse um favor. – O cara me disse importação e exportação. Então, acho que é o que eles fazem.
– Cara?
Ele dá de ombros.
– Um imbecil de terno. – Ele sorri de novo. Seus dentes são podres. – Ele é seu ex ou coisa assim?
Olho feio para ele, e seu sorriso murcha.
– Tudo bem, olha aqui. Ele me deu o número dele, para o caso de chegar alguma entrega. Para ligar quando chegar um pacote para ele, esse tipo de coisa.
– Deu, é? Já chegou um pacote?
– Claro – diz ele. – Tenho um nos fundos agora mesmo. Ainda não levei para cima.
Ele revira os olhos quando fico parada ali, na expectativa.
– Ah, merda. Você não é da polícia, é?
– Pior – digo. Abro para ele meu melhor sorriso de garota bonita. – Sou advogada.