Estou sentada no carro, olhando o sol refletir no vidro do Sunny Jay’s, e meus dedos tremem tanto que por duas vezes disco errado o número que Joe me deu, primeiro ligando para um salão de bronzeamento na Flórida e, depois, a um homem que me dispara um espanhol acelerado antes de desligar. Minha garganta está seca como poeira. Eu queria ter algo para beber, uma cerveja, um destilado, qualquer coisa, mas, se eu beber agora, isso vai significar que estou de fato entrando em colapso, e não estou.
Não vou desmoronar.
Não posso estar desmoronando.
A terceira vez é a da sorte. Fecho os olhos e sinto o coração pesado na garganta. Conto os toques. Um, dois, três, quatro. Ela atende depois do quarto toque, e uma sensação ruim palpita em meu peito.
– Alô? – A voz de Kaycee é mais grave e mais áspera do que eu me lembro. Uma voz que você espera ouvir sussurrando obscenidades em um telessexo. Ainda assim, meu coração se acelera só de ouvi-la. Não sei dizer se é ela. Achei que reconheceria de imediato.
– É Kaycee Mitchell? – pergunto e prendo a respiração, esperando por sua resposta.
– Ela mesma. Quem fala?
Fico em silêncio, subitamente tonta.
– Hmm... aqui é Abby Williams – digo, e ela ri, e prendo a respiração de novo, tentando ligar o som à minha memória.
– Abby. Nossa. Você parece diferente. – Isto ou é a verdade, ou alguma forma perversa de astúcia. Ou as duas coisas.
– Onde você está? – pergunto, e embora o código de área seja do sul da Flórida, por um segundo desvairado rezo para ela me surpreender e dizer que voltou para sua cidade natal, como eu. De repente, o impulso de vê-la – não para que eu prove alguma coisa, mas só por vê-la – estende-se de um espaço escuro e envolve meus pensamentos com a mão.
– Não muito longe de Sarasota. Já estou aqui há alguns anos. Eu me mudei logo depois que saí de Barrens.
Sarasota. Por um momento, um súbito déjà vu deixa minha visão dupla. O xerife Kahn voltou há pouco de Sarasota. Coincidência?
– Por que você foi embora? – solto.
– Por que não? – diz Kaycee, com outro riso. – Eu sempre quis. Não se lembra? A sra. Danforth costumava me pegar tentando escapulir pela janela quando eu usava o passe para o banheiro. Mesmo na terceira série, eu sabia que ia sair daí.
Eu tinha me esquecido da sra. Danforth e de que Kaycee tentava escapar pela janela ao lado do ginásio durante as aulas, porque as entradas e saídas eram controladas por uma lista rotativa de inspetores. Às vezes ela até conseguia.
Atrapalho-me para baixar a janela, mas ainda não consigo ar o suficiente. É ela. Tem que ser ela. Kaycee fugiu, como todos disseram, e eu estou errada e provavelmente enlouquecendo. Kaycee está viva, banhada de sol, ainda bonita; Kaycee está relaxando em um pátio, ou sentada junto de uma piscina em algum lugar ao sul de Sarasota. Não há nenhum significado mais profundo em nada disso. Ela simplesmente foi embora. Livrou-se de Barrens como quem sacode a poeira. Ela nunca olhou para trás.
E nisto, também, ela provou ser melhor do que eu.
– Quem te contou que eu procurava por você? – pergunto, através da sensação de chumbo no peito.
– Misha – responde ela, depois de uma pausa.
– Ela me disse que nunca falava com você.
– Eu pedi a ela para mentir. – Kaycee diz isso despreocupadamente, tranquila, como se fosse algo óbvio. – Não queria que meu pai soubesse onde eu estava, nem que atormentasse Misha para me dar recados, ou me pedisse dinheiro, qualquer coisa assim.
Uma resposta estupidamente fácil que jamais me ocorreu. É claro que Kaycee não ia querer que o pai tivesse algum jeito de localizá-la – ele era metade do motivo de ela ter fugido.
Aritmética fácil. Então, por que sinto que é ela quem mente?
– E aí, tem perguntas para mim? – indaga Kaycee.
– Eu só queria entender por quê – digo. – Por que você mentiu sobre ficar doente. Por que fugiu sem dizer nada.
Kaycee suspira. Atrás dela, uma voz de homem pouco audível. Imagino-a virando a cabeça de lado e a afastando do telefone para ouvir um marido ou namorado que a chama de dentro.
Ou, talvez, para ouvir instruções.
A ideia me vem repentinamente, é impossível me livrar dela.
– Escute. – Kaycee pressiona a boca no fone. – Não lembro por que fiz nada disso, está bem? Essa é verdade. Já faz muito tempo. Eu estava ferrada. Queria atenção. Talvez tenha pensado que havia algum dinheiro nisso.
Ela podia muito bem estar lendo um livro: Todos os motivos para Kaycee Mitchell ter fugido.
– Sinto muito – diz ela, um pouco mais baixo, e o mundo todo fica branco por um momento. – Sinto muito por todos que magoei e por todas as pessoas que perderam seu tempo procurando por mim. Sinto muito por você, Abby.
– Não precisa. – Alarmes berram na minha cabeça.
Kaycee Mitchell sente muito.
Mas Kaycee Mitchell nunca sente muito. Nem uma vez ouvi essa palavra dela.
Ela ficou sem recreio por uma semana inteira em vez de pedir desculpas a Matt Granger por roubar seus lápis de cera. Ela não conseguia se desculpar. Não era do feitio dela.
Kaycee Mitchell é imune à culpa.
Não sei quem está do outro lado da linha, mas não é Kaycee Mitchell.
– Bem, olha, sabe onde me encontrar – diz ela.
– Só mais uma coisa. – Meu coração bate tão pesado e imenso que mal consigo respirar em volta dele. – Sei que é idiotice. Mas eu sempre tive essa curiosidade. – Uma, duas, três batidas do coração. O sol risca o para-brisa e atravessa meu colo. Lembro-me do calor de Chestnut enroscado a meu lado na varanda da frente. – O que realmente aconteceu com Chestnut?
Há um longo silêncio.
Depois, Kaycee de novo – ou quem finge ser Kaycee –, desta vez parecendo indócil.
– Já faz muito tempo...
– Quer dizer que você não lembra? – Além do para-brisa, o mundo continua.
Ela ri em staccato.
– Refresque minha memória.
– Meu cachorro – digo rispidamente. – Aquele que você matou.
Outro silêncio curto.
– Preciso ir – diz Kaycee abruptamente. – Sinto muito por não poder ser mais útil – diz ela. – De novo aquelas palavras, Sinto muito.
– Não se preocupe – digo a ela. – Você fez o suficiente.
ALGUÉM ESTÁ TENDO um trabalho danado para provar que Kaycee está viva.
O que significa, quase certamente, que ela não está.
A imitadora de Kaycee, quem quer que seja, disse que Misha contou que eu a procurava. E posso apostar que isto, pelo menos, é verdade. Alguém deve ter passado informações a ela. E os melhores mentirosos andam o mais próximo possível da verdade.
Além disso, não pode ter sido ao acaso o exemplo escolhido por Misha, quando nos encontramos no novo centro comunitário, para provar seu argumento a respeito da complexidade do certo e do errado. Misha se faz de burra, mas é tudo menos isso. Digamos que Frank Mitchell tenha um cliente, um homem normal. E digamos que o que ele realmente procura sejam as meninas mais novas. Ela dissera que era melhor ter fotos do que eles saírem à procura do produto genuíno.
Mas será que estava realmente falando de Frank Mitchell? Ou na verdade defendia a si própria também? Pode ter sido uma espécie de confissão. Sem dúvida foi uma pista.
Naquela época, quando o Jogo estava esquentando, Kaycee guardou as fotografias, mesmo quando suas vítimas pagavam. Talvez Frank Mitchell tenha achado um jeito de obter um lucro maior com elas. Certamente isso explicaria a casa nova e bonita do pai. E por que ele está tão ansioso para dizer a todos que perguntam que Kaycee fugiu sozinha?
E o que Misha tem a ver com isso?
Lembro-me da secretária que apareceu no escritório dela no dia em que fui visitar a escola. Misha recolhe os telefones dos alunos... para evitar cyberbullying, foi o que ela disse.
Mas não poderia ela estar procurando novos alvos?
Tudo remonta ao Jogo.
Penso em uma pessoa que talvez ajude: Tatum. Monty falou que ela e as amigas estavam envolvidas no Jogo. Preciso saber se as regras mudaram, quem são os outros jogadores e quem está marcando os pontos.
Embico o carro para Dougsville, para a clínica onde May contou terem levado Tatum. Sinto-me um pouco melhor, um pouco mais controlada. Não preciso de Joe. Não necessito de ninguém. Só preciso da verdade. Ainda assim, a periferia de minha visão fica se distorcendo no calor, tremeluz em uma miragem. Carência de sono, nada mais.
Dougsville fica a dezoito quilômetros de Barrens, acessível somente pelo tipo de estradas retas que fazem os limites de velocidade parecerem uma piada interna. O milho açoita, jogando seus braços verdes para o céu. Penso em meu sonho. Foi um sonho? De calor e fogo. Penso nos retratos de Kaycee espalhados pela casa que aluguei.
Meu telefone toca quase continuamente: primeiro, uma ligação de Joe; depois, um número local e Joe novamente. Ele deve estar se perguntando para onde fui. Silencio o aparelho.
Quando eu era criança, achávamos os meninos de Dougsville esnobes: eles tiveram a primeira Walmart de todo o condado, e logo depois, vieram a clínica e uma cervejaria. Seu time de futebol sempre era o número 1. Na realidade, é pouco mais do que uma rua comprida, cheia de revendas de carros, lojas de piscinas de superfície e igrejas. A clínica divide um estacionamento com uma grande varejista de caça e pesca; uma placa na vitrine orienta os clientes a irem aos fundos da loja para obter licenças e munição.
Vou à Walmart procurando por um buquê de flores enrolado em plástico e um cartão de votos de melhoras. As flores são bonitas, mas exalam um vapor mofado, e, por um segundo, é como eu me sinto, como algo apodrecido envolto por um vaso e boas intenções. Eu devia dar meia-volta. Deixar Tatum em paz e deixar que ela melhore.
Mas não deixo.
A clínica é pequena, iluminada e limpa. Uma recepcionista me pergunta educadamente se sou da família quando peço para ver Tatum.
– Sou advogada – digo. A palavra advogada é como polícia: o equivalente verbal de uma bomba. Ninguém quer ser aquele que é apanhado segurando o pacote. – A sra. Klauss está aqui?
Ela faz que não com a cabeça. Seus olhos se arregalam em uma caricatura de alarme.
– Pode entrar – diz ela. – Tenho certeza de que está tudo bem. – Então, contorno a mesa e passo pelas portas duplas.
A clínica só tem algumas salas de exame, e o quarto de Tatum é o último à esquerda. Foi transformado em uma estufa de cartões e cravos. Presa a um tubo intravenoso em um leito hospitalar, Tatum parece nova e muito pequena. Bonita também. Penso que deve estar dormindo, mas, enquanto fecho em silêncio a porta, ela abre os olhos. São de um verde chocante e impressionante.
– Quem é você? – pergunta ela. Mas não é uma acusação. Ela parece verdadeiramente curiosa.
– Meu nome é Abby. – Levanto as flores para que ela possa ver. – Trouxe isto para você. Parece que você não precisa delas.
Ela fecha os olhos e dá de ombros. Abro um espaço na bancada para sua mais recente oferenda.
– Não conheço você – diz ela novamente, como se observasse os fatos de longe. Pergunto-me se foi sedada.
– Não, não conhece. – Fico onde estou, não perto demais, dando-lhe muito espaço, deixando que ela me avalie. – Escute, Tatum, não vou fingir saber o que você esteve passando.
Isto, pelo menos, angaria um revirar de olhos de uma adolescente normal.
– Eu queria que todo mundo parasse de fazer tanto alvoroço com relação a isso.
– Você tomou muitos comprimidos.
– Foi uma ideia burra. Eu não estava tentando morrer. Eu só... tinha dor de cabeça. – Quando ela me olha, então, sua expressão se aguça em outra de desconfiança. É como se ela me visse pela primeira vez. – Quem é você? O que está fazendo aqui?
– Sou de Barrens também. Saí da cidade por um tempo. Mas agora voltei. – Detesto como soam essas últimas palavras. Mas não são, afinal, a verdade? Meu apartamento em Chicago parece tão distante de mim quanto um sonho. – Sou advogada. Voltei para descobrir o que aconteceu com uma menina dez anos atrás. Ela estava desaparecida.
– Kaycee Mitchell? – diz ela, e, é claro, percebo que seguramente teria ouvido falar de Kaycee. Só posso imaginar como as histórias foram passadas de uma geração à outra, como as histórias de Kaycee foram transformadas. – Ela se fez de doente, e todo mundo começou a fingir também. E daí? Acha que estou fingindo?
– De jeito nenhum. – Respiro fundo. – Acho que Kaycee estava com problemas. E acho que você também está. – Isto conquista sua atenção. Ela fica ainda mais imóvel, mais alerta, como se ouvisse uma música que toca muito longe. Depois: – Eu sei sobre o Jogo, Tatum.
Por um segundo, sua boca se escancara, e tenho medo de que ela vá gritar, ou chamar uma enfermeira. Mas, de súbito, ela relaxa.
– Quem te contou? – pergunta ela.
– Monty Devue. – Ela revira os olhos outra vez.
– Ele é obcecado por mim, tipo, desde a sétima série. – Mas ela não aparenta ter medo dele, só irritação. Por um bom tempo, fica sentada ali, evidentemente ponderando se vai falar mais. E então, de súbito, senta-se reta na cama. – Você não contou à minha mãe, contou? Ela não pode saber. Você não pode contar a ela!
– Eu não disse nem uma palavra.
Ela afunda de novo no travesseiro. Olha fixamente as próprias mãos, abrindo-as e fechando.
– Eu me sinto tão idiota.
– Por isso você fez o que fez?
– Tive medo. – Sua voz diminui para um sussurro.
– Por quê? Alguém está ameaçando você?
Ela afasta a ideia com um gesto.
– Não. Não é nada disso. – Como se ela, Tatum Klauss, estivesse acima da ameaça. – Mas tive medo de que todo mundo descobrisse...
Resolvo apostar.
– Por causa das fotos?
Agora ela ergue os olhos.
– E como...?
– O Jogo já existe há muito tempo – digo, e ela puxa o lábio inferior para dentro da boca e o rói como uma criança. – Conte-me o que aconteceu.
Ela dá de ombros.
– Eu soube das festas quando era do primeiro ano...
– Que festas? – pergunto. Ela torce os lençóis entre as mãos, e vejo que tenta engolir as palavras de volta. – Pode confiar em mim – digo, com um pouco mais de delicadeza. – Está bem? Não quero meter você em problemas. Eu quero ajudar.
Conto longos segundos. No silêncio, ouço um bipe mecânico e distante.
Enfim, Tatum solta uma longa lufada de ar, e sei que tomou uma decisão.
– Deviam ser só para convidados – diz ela. – Festas especiais, sabe como é, para as meninas do programa de bolsas.
– E os meninos? Eram convidados?
– Só meninas – diz ela numa voz tão baixa que quase não ouço.
– Quem dava as festas? Para que serviam? Quem mais foi convidado?
De imediato sei que a pressionei rápido demais. Ela se fecha.
– Não quero meter ninguém em problemas – diz. E depois: – Nós quisemos ir. Ninguém nos obrigou.
– Tudo bem. Entendi. – Respiro fundo, e lentamente puxo uma cadeira para perto de sua cama. Como Tatum não reage, sento-me devagar. Agora, ela é obrigada a olhar para mim. – Escute, Tatum, a verdade é que você está com problemas. Não é? Não é por isso que está aqui?
De repente seus olhos se enchem: ela parece tão pequena, afogada em todos aqueles lençóis brancos. Sussurra algo que não consigo distinguir.
Curvo-me para a frente, prendendo a respiração.
– Que foi? – Mas agora ela chora, e só saem soluços quando tenta falar. – Respire, está bem?
– Eu só queria um celular novo. – Outro soluço a abala. – Meu telefone é uma porcaria, mas minha mãe... minha mãe disse que eu teria de comprar eu mesma... e eu pensei...
– Tatum. – Coloco a mão na cama, desejando poder abraçá-la em vez disso. Esta pobre criança. – Conte-me das festas.
Mas, de súbito, arquejando, ela fica imóvel. Escutando. Depois, ouço um coro de vozes agudas avançando para nós do corredor.
– Tatum. – Agora quero estender a mão e sacudi-la. – Tatum, por favor.
É tarde demais. A porta se abre, e reconheço duas das meninas que entram no quarto, todas radiantes e sorridentes, como Estrelas da Optimal. Uma delas é Sophie Nantes.
– Compramos donuts – diz Sophie, mas ela para assim que me vê. É incrível como alguém tão bonito pode ficar tão feio num instante. – O que você está fazendo aqui? – Ela gira repentinamente para fuzilar Tatum com os olhos. – O que ela está fazendo aqui?
Tatum enxuga o rosto com o braço.
– Ela trouxe flores – diz, como se fosse explicação.
Sophie joga o saco de donuts na bancada e se recosta nela. Até eu sinto sua presença, funcionando como um eclipse, encobrindo toda a luz. As outras meninas brigam para ver quem fica ao lado dela.
– Ela estava no jogo PowerHouse também, falou com Monty – diz Sophie, dirigindo-se diretamente a Tatum. – Parece que seu clube de stalkers está aumentando.
Tatum vira a cara. Levanto-me, feliz com esta pequena vantagem: sou uma cabeça mais alta do que todas elas e me visto melhor. Ainda assim, os olhos de Sophie correm por mim como se eu fosse um inseto pairando perto demais de seu piquenique.
– Tatum e eu só estávamos falando do Jogo – digo. Minha voz parece alta demais. Em minha cabeça, eu podia achatar essas meninas com ela.
Várias meninas se olham. Mas não Sophie. Ela é boa demais para isso.
– Não sei do que você está falando – diz ela com frieza. Depois, desprega-se da bancada e se senta na cama de Tatum, colocando a mão delicadamente no tubo intravenoso que leva fluidos para o sangue da menina.
Minha boca fica seca.
– Coitada da Tatum – diz ela, arrulhando. – Está chorando.
– Eu estou bem – diz Tatum mecanicamente.
Sophie balança a cabeça.
– Ai, meu bem. Não pode mentir para mim. Sou sua melhor amiga, lembra? Tatum mente muito mal – acrescenta ela para mim. – Mas isso não a impede de tentar. Ela é mitômana.
Ela se vira para Tatum.
– Mas nós amamos você mesmo assim, seja como for. – Ela se curva para cochichar a Tatum. – Mesmo que você seja uma puta.
– Afaste-se dela. – Tenho que cerrar os punhos para impedir que eles voem no pescoço de Sophie.
Ela se vira para me encarar.
– É você quem não devia estar aqui.
– Tatum, por favor. – Viro-me para ela, peço que escute, que olhe para mim. – Eu posso te ajudar. Se me contar a verdade...
– Eu pedi a ela para ir embora. Disse que não tinha nada para falar. – As mãos de Tatum tateiam pelo lençol à procura das de Sophie, que se curva para tocar seu rosto, soltando o intravenoso. Um tremor percorre todo o corpo de Tatum, como se o toque de Sophie tivesse uma corrente elétrica.
Antes que ela comece a gritar, sei que a perdi.
– Socorro! – Tatum força a voz o mais alto que pode. – Socorro! Socorro!
– Tatum... – Tento falar com ela pela última vez. Mas, quando parto para a cama, Sophie se coloca na minha frente. Por um bom tempo, seus olhos me prendem ali. E neste momento sei quem é esta menina – o que ela é. Ela é a Kaycee delas.
Ela sorri. Puxa o ar. Por um segundo, dá a impressão de que vai se desculpar.
– Socorro! Socorro! – Ela está apenas a centímetros de meu rosto. Sinto o cheiro de café em seu hálito.
Como bonecas animadas pelo som de sua voz, as outras meninas fazem eco.
– Socorro! Socorro! Socorro!
Passo explosivamente pela porta. Tropeço, disparando pelo corredor. Empurro um enxame de enfermeiras vindo no sentido contrário, saindo da recepção e correndo para escapar.
SOCORRO.
A palavra ainda ecoa em minha cabeça, mesmo quando já deixei a clínica bem para trás.
O sol é imenso, vermelho, terrível: como uma boca que se abre para engolir o horizonte.
Uma carreta toca para mim toda sua buzina antes que eu perceba que vaguei para a pista dela. Dou uma guinada no volante e piso no freio enquanto a buzina do caminhão rola explosiva até o silêncio.
Encosto por um tempo, só para acalmar meu coração.
Socorro, socorro, socorro.
Do fundo da bolsa, meu telefone solta alguns bipes insistentes. Outra chamada perdida. Passo à caixa postal com os dedos trêmulos.
Srta. Williams, aqui é o xerife Kahn. Eu tinha esperanças de que você passasse na delegacia hoje, ou me ligasse de volta. Tenho uma queixa do gerente noturno do U-Pack, diz que houve uma espécie de escaramuça, e você desobedeceu à ordem dele de parar seu veículo. As fotos da cerca parecem bem ruins, e ele tem um vídeo das câmeras de segurança também. Gostaria de ouvir o seu lado da história.