Lilian McMann parece surpresa ao me ver, embora eu tenha ligado para informar que chegaria. Ou talvez ela só esteja surpresa com minha péssima aparência. Vendo a mim mesma no espelho instalado atrás da mesa da recepção, tenho um súbito estremecimento do desconhecido: uma mulher de olhos fundos, a pele azulada. Uma estranha que tem apenas uma semelhança ligeira com o reflexo de que me lembro.
Provavelmente não ajuda que eu ainda esteja usando jeans manchados de tinta e o colete de trabalho de meu pai.
– Entre – diz ela. – Quer alguma coisa? Uma água? Um chá?
Aceito a água. Ainda estou meio zonza da cerveja, e preciso clarear a cabeça, preciso de foco. Assim que ela se senta novamente, vou direto ao que interessa.
– Gostaria de falar com sua filha sobre o que aconteceu com ela antes de você sair do DGAI – digo, e ela fica petrificada com a garrafa de água a meio caminho para a boca. – Preciso perguntar a ela sobre as mensagens que recebeu e se ela sabe de mais alguém... outras meninas... que foram visadas.
Ela baixa a água sem beber. Por um momento, fica sentada ali em silêncio, e tenho medo de que diga não. Mas ela fala simplesmente:
– Então você acredita em mim? Acha que ela foi visada de propósito?
– Acho que a Optimal vem usando meninas. Acho que eles vêm usando as meninas para diversão. Para subornar. Eles vêm negociando fotos, com toda a certeza. Mas também ouvi boatos de festas a que algumas meninas comparecem como parte do programa de bolsas. – Não consigo pensar no que pode ter acontecido com elas quando a lente da câmera não estava mais ali. – É assim que a Optimal consegue que tanta gente a proteja. Não é só dinheiro. São as meninas. Todos estão envolvidos. Não é suborno. – Engulo em seco. – Chantagem.
Por um bom tempo, Lilian fica em silêncio, segurando com força a água. E agora, no silêncio, ouço meu coração bater. Tenho medo de que ela não acredite em mim.
– Como? – pergunta ela por fim.
– Acho que Misha Jennings, a vice-diretora, pegou a ideia da amiga Kaycee Mitchell, dez anos atrás – digo. – Era um jogo que ela e as amigas faziam quando estavam na escola... um jogo muito doentio que inventaram. Elas atormentavam as meninas mais novas, dos primeiros anos, que queriam fazer parte do grupo. Convidavam a festas, embriagavam as meninas, convenciam-nas a posar. Depois, elas pediam resgate pelas fotos, ou ameaçavam divulgá-las.
Mal consigo suportar olhar para Lilian. Seu rosto é frio, rígido e furioso, e não consigo deixar de sentir que está me culpando – por trazer a notícia, por não conseguir impedir.
– Mas as fotos nunca foram devolvidas. Sei que pode parecer loucura, mas creio que eles, por intermédio do pai de Kaycee, encontraram um fluxo de receita e o exploraram. Alguns executivos da Optimal estiveram caçando meninas novas.
Se Misha se propôs vender as fotos por intermédio da loja de Mitchell, Kaycee pode ter tentado impedir. Não por dever moral, mas porque ela era assim: mudava de ideia, queria algo num dia e deixava de querer assim que os outros concordavam. Além disso, ela odiava o pai; talvez tenha visto isso como uma chance de enfrentá-lo. Ou simplesmente teve medo de ser apanhada. Mas não consigo me lembrar de Kaycee com medo uma vez que fosse na vida.
E se Condor tiver razão a respeito de Frank Mitchell, isso deixa apenas Misha com motivo forte o suficiente para matá-la: Misha, que sempre teve uma queda pelo namorado de Kaycee; Misha, a versão mais cruel, mais grosseira e mais feia de sua melhor amiga; Misha, que mentiu para Brent a respeito de falar com Kaycee por telefone; Misha, que tentou concentrar minha atenção no pai de Kaycee, dando-me dicas no centro comunitário; Misha, que só se faz de burra.
Misha, que pode ser a mais inteligente de todos nós.
Pergunto-me se Annie Baum e Cora Allen suspeitavam do que aconteceu, ou se até ajudaram. Talvez isto explique por que elas passaram a última década bebendo ou se drogando para tentar esquecer.
Isto deixa no ar a questão sobre se Brent sabe também. Mas não consigo acreditar. Não importa o que ele diga agora, deve ter amado Kaycee no passado. Ele esteve tentando me ajudar, embora deva ser doloroso para ele. Esteve tentando ajudar Misha também. E não consigo acreditar que ele ajudaria se soubesse que ela é um monstro.
– Acho que Misha manteve o Jogo esse tempo todo – continuo –, mudando as regras, usando o dinheiro da bolsa como incentivo... e garantia. – Lembro-me do dia em que a visitei, sua secretária recolhendo telefones, entregando-os a Misha como castigo por trocar mensagens em aula. Alvos prováveis para uma operação muito maior.
Lilian levanta-se abruptamente e vai à janela. Não há nenhuma vista digna de nota: só um estacionamento meio vazio.
– Depois do que aconteceu, transferimos Amy para uma escola particular – diz Lilian. – Ela não sabe de nada.
– Ela pode saber mais do que você pensa.
– Ela deixou tudo isso para trás. – A voz de Lilian falha. – Isso quase a matou. Ela está feliz...
– Isso é maior do que ela – digo, com a maior gentileza que posso.
Numa atitude louvável, Lilian não chora. Vejo um impulso rolando por ela, cercando sua coluna e os ombros. Mas, quando volta a falar, parece calma.
– Vamos ligar para ela juntas? – pergunta. – Ou você prefere falar com ela a sós?
NO FIM, opto por não falar com ela pelo telefone. A Culver Boarding School, onde Amy tem passado o verão num curso intensivo de artes, fica a duas horas ao norte de Indianápolis; começa a anoitecer quando chego, e embora eu não tenha dormido muito, sinto-me mais alerta do que em semanas.
Levo quinze minutos para localizar o centro estudantil onde ela concordou em me encontrar para um café. Receio que terá perdido a coragem no tempo que levo para dirigir o carro até lá.
Mas a menina está ali. Levanta-se e aperta a minha mão com firmeza, fazendo-me sentir um pouco como se ela fosse adulta, e eu, a garota que acabou de chegar para uma entrevista. Mesmo enquanto penso em explicar por que fui ali, ela chega à minha frente.
– Minha mãe disse que você queria conversar sobre o que aconteceu no segundo ano.
– Não exatamente. Estou aqui por causa das fotos – digo. – Não só as suas. Outras fotos de meninas da sua idade. Divulgadas. Vendidas também.
Ela vira a cara.
– Nenhuma amiga minha fez esse tipo de coisa.
– Mas você já ouviu falar disso? – pergunto. – Sabia de outras meninas que faziam?
– As pessoas contam histórias – diz Amy lentamente. – Não dou ouvidos. Metade do que as pessoas dizem é mentira, e às vezes todo mundo prefere acreditar em mentiras. Tipo assim, como pode ser que se um cara faz sexo é um herói, mas se uma garota faz, todo mundo diz que é uma puta? Isso não é justo.
– Não é mesmo – digo, na esperança de que sirva de estímulo. Mas ela apenas belisca o canto da mesa com uma unha lascada, evitando meus olhos. – Então você nunca ouviu falar de uma coisa chamada o Jogo?
Amy ergue os olhos.
– Claro, ouvi falar disso – diz ela, que parece genuinamente confusa. – Mas não tem nada a ver com as fotos.
Eu a olho fixamente.
– O Jogo tinha relação com as bolsas – diz ela, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
– Como assim?
– A srta. Jennings é quem recomenda os alunos para o programa de bolsas. – Misha. – Mas todo mundo sabe que nem sempre funciona assim. – Ela fica sem jeito. – Havia... festas. Eventos para as meninas que queriam ser consideradas.
As palavras de Tatum Klauss no hospital me voltam. As festas eram só para as meninas.
– Sempre tinha gente da Optimal lá. Sabe como é. Gente mais velha. – Seus olhos se erguem brevemente em direção aos meus.
– Homens mais velhos – digo, e ela concorda com a cabeça.
– Então, o Jogo era isso – conclui ela. Ela lasca a beira da mesa com a unha. – Tentar ser selecionada.
– Como? – Minha garganta está tão seca que mal consigo pronunciar as palavras. – O que as meninas fazem para ser escolhidas?
– Eu nunca fui. Não era tão bonita. – Um sorriso triste patina brevemente por seu rosto. – Acho que foi por isso que eu fiquei lisonjeada quando aconteceu toda aquela história on-line.
– Então o programa de bolsas da Optimal não tem relação com as notas – digo, tentando manter a voz neutra.
Isso provoca uma gargalhada nela.
– Está brincando? Metade das meninas que conseguem as bolsas só passa de ano quando têm aulas com professores particulares do programa.
Agora posso imaginar: Misha e o desfile de meninas com problemas, meninas que veem isto como sua única chance. Fecho os olhos, agarrada à cadeira, enfim compreendendo: como Misha pode tê-las controlado, usando provas desses erros do passado para manipular e intimidar.
– Além disso, você as viu? Elas são sempre as mais bonitas da escola. – Amy balança a cabeça. – Sabe que chamam as crianças do programa de bolsas de Estrelas da Optimal, não é? Alguns garotos da escola têm outro nome para elas.
– Qual? – pergunto, embora metade de mim queira tapar os ouvidos, pedir-lhe que não fale mais nada.
Ela abre um sorriso amargo.
– As Vadias da Optimal – diz ela.