Caio pela lateral do barco e mergulho sob a superfície da água. Mesmo então, consigo ouvi-lo gritar. Meus tornozelos ainda estão amarrados, e as roupas são tão pesadas que quase não consigo respirar. Luto para tirar o colete de meu pai, e deixo que ele caia. Mas não consigo soltar os tornozelos, não com os dedos meio entorpecidos e o corpo ainda pesado das drogas.
Quando vou à superfície, vejo a fogueira ardendo ao longe, e nem uma só pessoa parada ali para vigiar. Como eu pensei. Não tem sentido gritar. O aparelho de som berra “Sweet Caroline”. Sempre detestei essa música.
Brent parou de gritar. Não consigo vê-lo. O barco se balança na água agitada pelo vento, sua silhueta escura contra o reflexo liso da lua na água.
Deslizo para baixo da água novamente e subo tossindo. Tento me livrar dos sapatos, mas isto me puxa para baixo de novo. A cada vez é mais difícil romper para o oxigênio no alto, então desisto.
Começo a nadar para a margem. Por um segundo imagino ver uma lanterna piscando pelas árvores. Mas a luz se apaga de novo assim que tento focalizá-la.
Meu coração também está assim, inchado com a água. A cabeça desce, sobe. Meu jeans pesa quinhentos quilos. A praia parece se distanciar e não ficar mais próxima. Estou ofegante, sufocada em meu medo, querendo coisas que eu não desejava havia uma eternidade: que minha mãe me abrace, meu pai, que Deus me salve – desejando alguém.
Afundo. Luto para ir à superfície. Afundo de novo. Subo e caio. Não faço quase nenhum progresso para frente. Se eu simplesmente conseguir, posso me esconder na mata. Posso despistá-lo; conheço essa mata melhor do que ele, melhor do que qualquer um.
Mas, mesmo ao pensar nisso, uma quantidade enorme de luz deslumbra a superfície da represa, iluminando até os troncos que flutuam nos baixios a trinta metros.
Viro-me e fico ofuscada por refletores: Brent os acendeu, iluminando um caminho claro entre nós. O zumbido do motor aumenta a um ronco enquanto faz a volta.
E ele aponta o barco diretamente para mim.
– Socorro! – Não tem sentido gritar, mas grito mesmo assim, engolindo outro bocado de água. – Socorro! – O barco vem com tal velocidade que abre uma esteira atrás dele. Nove metros. Cinco.
Nunca vou conseguir. Não tenho mais forças para nadar.
É a coisa mais louca do mundo: pouco antes de eu me largar, antes de deixar que a água me leve, juro que vejo Kaycee Mitchell sair das árvores, quase no lugar exato onde meu pai e eu enterramos Chestnut. Não a Kaycee que vi pela última vez, mas a Kaycee criança, a Kaycee minha melhor amiga, magricela e de pernas compridas, só um clarão de cabelos louros e uma mensagem forte e urgente que ela manda pela água.
Nade.
O barco de Brent manda uma onda para me encontrar, e desço sob seu peso, caindo. O fundo do barco belisca meu ombro, errando minha cabeça por centímetros.
Embaixo da água, o som vira vibração: um tremor, um ribombar distante que faz toda a represa estremecer. Abro os olhos. Os refletores abrem caminho para as profundezas. Um lugar pacífico para morrer. Verde de plantas antigas e silencioso. Há caracteres incrustados no lodo, brancos e grandes, um hieróglifo que entendo intuitivamente, uma mensagem que me enche de uma estranha alegria.
Eu aprendi a ver.
– ABBY. ABBY. Está me ouvindo? Abby.
Um turbilhão de luzes e cor. Fogos de artifício. Explosões de som.
– Aguente firme, está bem? Você vai ficar bem. Estou bem aqui com você.
Uma teia de galhos acima de mim.
Sou uma criança novamente, enrolada em um lençol branco, balançando-me.
– Mantenha o oxigênio entrando.
– Diga por rádio ao ônibus para pegar a Pike Road; será mais rápido.
Minha boca é feita de plástico. A respiração embaça dentro dela.
– Ela está tentando dizer alguma coisa. Está tentando falar.
Uma estranha toca meu rosto. Afrouxa a gaiola de plástico em minha boca.
– Não se preocupe, querida – diz a estranha –, você vai ficar bem. – Ela tem um sorriso que lembra o de minha mãe.
Preciso de um segundo para entender o que é minha língua, como mexê-la na direção certa.
– Eu a encontrei – sussurro.
– O que ela disse? – Conheço aquela voz. Condor. – Abby, qual é o problema?
Ela franze o cenho.
– Encontrou quem, querida?
– Kaycee. – Fecho os olhos de novo. Vejo as letras escritas no fundo do lago: o branco de seus ossos, tão limpo, tão claro, quase brilhando. – Ela esteve esperando que a encontrássemos. Ela esperou por nós na represa.