Do que me lembro?
– Kaycee Mitchell estreitando-se a uma sombra longa e escura, andando pela estrada, batendo no milho com um graveto, afugentando os ratos, criando um borrão de corpos escuros pela estrada.
– Misha Dale, o sorriso largo como um aquário, parada perto da pia do banheiro, quando abri a porta de um reservado. Que eu quase me arrastei de volta para a privada. Que eu queria sumir descarga abaixo. Sabia que agora existe cirurgia para a feiura?, disse ela, virando a cabeça de lado. Aposto que a gente podia até arrecadar doações. Kaycee está passando batom, traçando as linhas bem grossas. Inesperadamente, ela se vira. Tem cirurgia para ficar burra também, disse ela a Misha. Mas, depois que conseguirem curar piranhas, eu conto a você. Um alerta em seus olhos quando ela me olha, um tique sutil: Vá embora.
– Kaycee encostada numa cerca, fumando um cigarro, o brilho intenso de refletores no estádio de futebol transformando-a numa silhueta. A fumaça, o modo como se enroscava, como se tivesse perguntas a fazer.
– Deus não existe, as pessoas inventaram. Isso saiu da boca de Kaycee no meio do último ano. História. Suas unhas eram afiadas, pintadas com corretivo líquido. Quando me virei para olhar, mal consegui reconhecê-la.
– Kaycee sozinha no estúdio de artes, depois do último sinal, trabalhando em uma tela enorme, golpeando em pinceladas amplas de vermelho e preto, pintando como se cortasse, como se a cor estivesse sangrando.
– E por fim: Kaycee, recurvada sobre uma privada no banheiro do quarto andar. A porta do reservado se abrindo. Um cheiro acre pairando pesado no ar. Vá embora, disse ela, quando lhe estendi a mão. Ela se virou; filetes de sangue vermelho vivo cercavam a boca. Depois eu vi: sangue em seus dedos, sangue na privada. O vômito misturado a seu cabelo. Me deixa em paz, monstro! Em vez disso, simplesmente fiquei ali. Ela vomitou de novo, quase errando a privada. Desta vez, quando me olhou, seus olhos estavam arregalados e desesperados, como chagas abertas. O que está acontecendo?, sussurrou ela. Por favor. O que está acontecendo comigo?