Vidas passadas
Como já referido, estão descritos milhares de casos de crianças que relatam espontaneamente supostas vidas passadas. É comum citarem nomes e acontecimentos, descreverem hábitos e locais a que não podiam ter acesso, direta ou indiretamente. Mas também é vulgar referirem alguns dados inexatos, que permitem a manutenção de dúvidas em torno destes casos.
Por isso, é louvável o esforço de investigação que alguns cientistas fizeram nesta área, nomeadamente Ian Stevenson, Erlendur Haraldsson, Antonia Mills, Tom Shroder, Jürgen Keil, Carol Bowman e Jim Tucker. A informação foi colhida por especialistas, que estudaram as crianças e os seus agregados familiares. Os dados foram depois confrontados com os registos de identidade das pessoas já falecidas citadas, seus familiares, região de residência e causa de morte.
Entre estes investigadores gostaria de destacar Stevenson, pelo seu pioneirismo, pela seriedade do seu trabalho, pela dedicação de uma vida à investigação sobre o tema e pelos notáveis resultados, que poderão vir a contribuir decisivamente para alterar a compreensão da presença do ser humano na Terra.
Ian Stevenson nasceu em 1918 em Montreal, no Canadá, e faleceu em Charlottesville, Virgínia, nos EUA em 2007. Foi considerado o melhor aluno do curso de Medicina, em 1943, da Universidade McGill da sua cidade natal. Tendo-se especializado em Psiquiatria, trabalhou em várias universidades norte-americanas, tornando-se aos 38 anos diretor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade da Virgínia, onde criou a Divisão de Estudos da Perceção.
Interessou-se, desde jovem, pelos fenómenos parapsicológicos, o que o levou a publicar em 1960 um estudo de 44 casos de indivíduos que apresentavam memórias de supostas vidas passadas, que ele tinha colhido em literatura de base científica. Logo de seguida viajou para a Índia, onde estudou ele-próprio 25 casos. Depois, percorreu outras partes do mundo, onde foi estudando e descrevendo ao longo da vida muitos casos de crianças que referiam supostas vidas passadas, algumas apresentando sinais físicos relacionados.
Aos 48 anos, publicou o bestseller Twenty Cases Suggestive of Reincarnation, ilustrando casos em que lhe tinha sido possível confirmar a existência das pessoas referidas pelas crianças que estudava. A sua opção pelo estudo de crianças com poucos anos de idade foi motivada pelo desejo de evitar situações de fraude.
Em 1977, publicou The Explanatory Value of the Idea of Reincarnation, em 1997, Reincarnation and Biology: A Contribution to the Etiology of Birthmarks and Birth Defects e Where Reincarnation and Biology Intersect e, em 2000, Children Who Remember Previous Lives: A Question of Reincarnation, entre os seus quinze livros e centenas de artigos em revistas científicas. Embora se tivesse especializado num tema que não era consensual, conquistou o respeito e a admiração dos académicos, tornando-se uma grande figura da Ciência.
Durante cerca de 45 anos, Ian Stevenson e os seus colegas e colaboradores estudaram quase 3000 casos de crianças que apresentavam memórias de supostas vidas passadas, sobre o que ele sempre referia «a eventual vida passada não é a única explicação, mas é a melhor». Homem de grande sensibilidade e de fino trato, assumiu na sua vida de docente e de investigador uma posição de defesa intransigente da verdade.
Em muitos dos casos, a confirmação dos factos relatados veio fortalecer a teoria das vidas sucessivas ou da reencarnação, segundo a qual o nosso verdadeiro eu é de características espirituais e vai vindo à Terra, em experiências sucessivas. O planeta desempenha, nesta perspetiva, funções de mundo-escola, onde vimos para aprender, evoluindo no sentido de um aperfeiçoamento progressivo. Por isso escolhemos vir à Terra em situações muito diversas, de acordo com o que mais necessitamos para melhor burilarmos este ou aquele aspeto da nossa personalidade.
A inexatidão de alguns dados faz com que se mantenham explicações alternativas para estas situações. Alguns autores defendem que essas crianças têm apenas grande sensibilidade, apreendendo telepaticamente dados de terceiros, que admitem como seus. Outros autores dizem que a situação se deve a fatores de ordem cultural e social, que as levam a elaborar tais histórias, que não passariam de fantasias.
Contudo, num número significativo de casos, encontram-se marcas ou cicatrizes de nascença, atribuídos a acidentes ou problemas acontecidos numa vida anterior. Em algumas destas situações foi possível verificar documentalmente a presença de marcas semelhantes nos falecidos e mesmo confirmar a veracidade dos acidentes relatados.
O estudo destes casos apresenta alguns problemas metodológicos e conceptuais. Por isso os investigadores têm preferido estudar crianças em vez de adultos e casos espontâneos, em vez dos recolhidos em situações clínicas provocadas. A persistência e o rigor dos cientistas têm vindo a proporcionar o esclarecimento necessário. E, mais uma vez na história da Humanidade, aquilo que foi mistério pode deixar de o ser.