Transcomunicação instrumental
Desde há muito que o ser humano procura comunicar com os seres fisicamente mortos. Há imensas descrições de mensagens visuais e sonoras deixadas por aqueles que supostamente existem numa dimensão não identificada pelos nossos cinco sentidos.
Para esses contactos foram tradicionalmente utilizadas pessoas de grande sensibilidade e consideradas capazes de verem, ouvirem, sentirem, intuírem e/ou incorporarem temporariamente a expressão dos seres espirituais. Foram chamados médiuns por serem os meios através dos quais essa comunicação se fazia.
A dificuldade de confirmação da veracidade das informações transmitidas pelos médiuns e o aparecimento de algumas fraudes tornaram desejável a existência de outros meios de comunicação com o Além. Quando os primeiros investigadores ouviram uma voz de alguém já falecido sair do altifalante do rádio, ficou apontado um novo caminho neste tipo de comunicação.
Friedrich Jürgenson foi um artista sueco, que se dedicou desde jovem à música e à pintura, tendo privilegiado esta e realizado também alguns filmes. Era um pintor realista, sobretudo de retratos e paisagens, tendo sido chamado a pintar o retrato do Papa Pio XII, com quem fez amizade.
Em 12 de junho de 1959, quando tinha 56 anos, deixou um gravador de som no exterior da sua casa de campo, para recolher o canto dos pássaros e os ruídos da floresta. Ao ouvir a gravação verificou, com espanto, a presença de vozes de pessoas, embora a casa se encontrasse num sítio isolado, sem que ninguém pudesse ter entrado na propriedade.
Resolveu fazer outras gravações, procurando perceber se se tratava de vozes de pessoas que já tinham falecido. Foi quando aconteceu algo que mudou a sua vida. Numa das gravações surgiu uma voz sua conhecida que disse: «Friedel, estás-me a ouvir? É a tua mãe...» Friedel era o diminutivo por que a sua falecida mãe costumava tratá-lo.
Nessa altura, Jürgenson decidiu dedicar-se ao estudo de vozes eletrónicas gravadas em direto e através de aparelhos de rádio dessintonizados. Em 1964, publicou o livro Vozes do Espaço (Rösterna Från Rymden, Saxon & Lindström Förlag, Estocolmo).
Seguiram-se outros livros sobre o tema e alguns filmes. Mas voltou a notabilizar-se na pintura, tendo recebido o pedido do Papa Paulo VI para também o retratar, que aceitou.
Faleceu em 1987, com 84 anos, deixando centenas de gravações de vozes de pessoas aparentemente já falecidas e tendo previsto que esse tipo de mensagens poderia vir a ser feito via televisão com imagens associadas, o que veio a acontecer. Embora já houvesse algumas referências a transcomunicação instrumental desde os anos 1920, Friedrich Jürgenson é considerado o pai desta nova disciplina.
Entretanto, foram realizadas múltiplas experiências por diversos autores. Em 1985, Schreiber desenvolveu uma técnica para gravar imagens de vídeo. Desde então também foram utilizados computadores, telefones e aparelhos de fax.
Nos últimos anos foram publicados cerca de uma centena de livros sobre o tema, que merece atualmente o interesse de muitos investigadores. Entre estes encontram-se universitários e peritos no estudo de sons que utilizam as técnicas mais sofisticadas (Jürgenson, 1980; Nunes, 1990; Schäfer, 1992; Fontana, 2006; Cardoso, 2010).
A comunidade científica tem mostrado grande reserva perante este tipo de transcomunicação. Contudo, as análises recentes de reconhecimento de voz e imagem feitas por peritos altamente qualificados, como Daniele Gullà — que utilizam os mais recentes programas de computador e as sofisticadas técnicas usadas pelo FBI e pela polícia científica de alguns países europeus —, contribuem para a sua credibilização.
Os resultados obtidos neste tipo de exames, em que são comparadas duas amostras de vozes ou de imagens — uma alegadamente de um falecido e outra pertencente à mesma pessoa, mas gravada ainda em vida —, são tão fiáveis como os testes de reconhecimento de voz e imagem, aceites pelos tribunais europeus e norte-americanos. A sua margem de erro situa-se por vezes abaixo de 0,1 por cento, embora, em muitos casos, varie entre os 5 por cento e os 40 por cento.
Ernst Senkowski, professor de Física Experimental e autor do livro Transcomunicação Instrumental — o Diálogo com o Desconhecido, diz que «devemos considerar todos os factos objetivos e as experiências subjetivas que digam respeito à mais importante das questões: a sobrevivência. Provavelmente nunca mais encontraremos ‘provas científicas’ de acordo com um sistema redutor, mas há mais do que bastante ‘evidência’, que deverá levar-nos a procurar novas definições de ‘prova’, no contexto de novos paradigmas» (Cardoso, 2010).
O padre e professor de Teologia François Brune, membro do comité de investigação da IANS, organização internacional para o estudo dos estados próximos da morte, afirma: «As comunicações recebidas por transcomunicação experimental são muito importantes por poderem ser testadas, e eventualmente conseguidas, por qualquer pessoa [...]. A Ciência deve aceitar os seus limites e investigar os fenómenos paranormais, mesmo que para isso tenha de ultrapassar alguns dos paradigmas estabelecidos. Deve prever a existência de outros paradigmas, estar preparada para formular outras hipóteses e libertar-se de alguns constrangimentos.»
A transcomunicação instrumental existe. É legítimo utilizá-la para o estudo da vida além da morte física. Não para a satisfação de curiosidades pessoais ou para solicitar favores de entidades espirituais, desresponsabilizando-nos por aquilo que nos cabe fazer. Mas é possível e desejável que alguns cientistas se dediquem nos próximos anos à investigação do fenómeno, na busca de um maior esclarecimento espiritual da Humanidade.