Transparência
A verdade traduz a conformidade da ideia com o objeto, do pensamento com a expressão, do facto narrado com a sua realidade. É a qualidade pela qual as coisas se apresentam tal qual são.
O uso da verdade permite ao ser humano enquadrar-se nas leis naturais, assumindo-se com realismo, como partícula do Todo Universal.
Nesse sentido, parece importante que o hábito do seu uso seja cultivado desde o berço, oferecendo os pais aos filhos salutares exemplos de veracidade nas pequenas coisas do dia a dia e nas questões habitualmente consideradas mais complexas, como sejam a vida sexual e o aceitar os seus próprios erros, definindo-os como tal.
Mentir é afirmar como verdadeiro o que se sabe ser falso, ou negar o que se sabe ser verdade, enganar. Omitir é deixar de dizer ou de fazer alguma coisa, não mencionar, olvidar. Omitir é escamotear a verdade; é, de certo modo, uma forma de mentir.
Neste mundo de ilusões e fantasias, têm sido muito valorizadas as aparências, o que é quimérico, passageiro e, naturalmente, secundário. Das pequenas às grandes coisas, habituámo-nos a viver no meio da mentira, como se ela fosse respeitavelmente uma verdade... mitigada, uma quase verdade, uma situação até algo vantajosa. Mas, no fundo, sabemos e sentimos que não é assim.
Mesmo nas difíceis situações das doenças malignas, parece vantajoso o uso da verdade total. Ou melhor, da verdade disponível, que permite ao ser humano uma apropriada consciencialização do seu estado. Só consciente pode o ser meditar nas causas da sua doença e, devidamente apoiado sob os pontos de vista psicológico e fisiológico, desenvolver uma reação apropriada. Estão hoje descritos casos diversos de resolução de difíceis situações clínicas, com base na reação positiva do doente, removendo as causas da sua patologia, dispondo-se a uma vida mais saudável, encarando com otimismo o futuro.
A transparência de atitudes é, e terá de ser sempre, muito valorizada. É transparente o que se deixa atravessar pela luz e permite distinguir os objetos através de si, o que se percebe facilmente, o que é claro ou evidente. Ser transparente é ser verdadeiro, optando por nunca omitir, esconder ou mentir. Ser transparente é deixar que os outros conheçam os nossos pensamentos como se os vissem.
Como já foi afirmado no capítulo «Sensibilidade», alguns espiritualistas admitem que os pensamentos que emitimos se transmitem por uma radiação invisível, o que tem vindo a merecer a atenção de alguns investigadores. Assim explicam a capacidade de algumas pessoas lerem o pensamento de outras, teorizando que todos somos simultaneamente emissores e recetores de pensamentos embora a capacidade de receção seja diferente de pessoa para pessoa (Ullman, 1989; May, 1990; Jahn, 1997; Storm, 2003; Schmidt, 2004; Sheldrake, 2004; Radin, 2006).
Admitem ainda que os seres espirituais que já se libertaram do corpo físico têm capacidade de ler o nosso pensamento. Comunicam entre si através do pensamento e tomam conhecimento de tudo o que pensamos, provavelmente só tendo capacidade de os entender de acordo com o seu nível evolutivo.
Ou seja, segundo esta conceção, somos transparentes em pensamentos. Se assim é, aquilo que para já é evidente apenas para alguns, mais cedo ou mais tarde, tornar-se-á evidente para todos. Vale a pena refletir um pouco sobre essa perspetiva e será útil que cada um de nós, no seu esforço de aproximação à verdade, admita essa hipótese.
Ao admitir que ao pensar estamos a emitir radiações capazes de serem percebidas pelos seres humanos e por qualquer ser espiritual, concluiremos que a mentira é, afinal, um engano apenas para nós próprios. A realidade é como é e os outros têm meios para a perceberem. Mas nós temos a capacidade de fantasiar, fazendo de conta que é possível esconder a verdade, apenas desperdiçando energia que poderia ser utilizada de forma proveitosa.
Ao admitir que os nossos pensamentos são ou podem ser transparentes para todos aqueles que nos rodeiam, será mais fácil assumir a verdade simples, radiosa, cristalina e capaz de nos impulsionar cada vez mais além na trajetória de aperfeiçoamento que cada um de nós e todos vamos fazendo.
A verdade é o que é. Não precisa, nem deve, ser imposta. Vai-se aceitando, pelo que basta ser anunciada. Com serenidade, com coerência, com transparência.
A verdade é simples. Sócrates dizia: «apenas sei que nada sei.»
A verdade é corajosa e persistente. Galileu, apesar de condenado pelo Santo Ofício, manteve a sua teoria de movimentação da Terra em torno do Sol: «eppur si muove [e contudo ela move-se].»
A verdade é serena e tolerante. Jesus, injustamente condenado e crucificado por procurar esclarecer a Humanidade, afirmava: «Pai, perdoa-lhes que não sabem o que fazem.»
Quanto à Verdade Total, ela não poderá ainda estar disponível ao ser humano, minúsculo habitante de um tão pequeno planeta, quando comparado com a imensidão do Universo. Parece que vamos tendo acesso à verdade a que fazemos jus através do nosso esforço honesto de investigação, de busca de esclarecimento e de um cada vez maior domínio do conhecimento universal.
A Verdade Total deverá ser única e una. Mais cedo ou mais tarde, todos os que a anunciam, nas suas diversas vertentes, confluirão até ela. Os caminhos unificar-se-ão no Caminho, não por ser obrigatório, mas pelo prazer de ser inteiro.
Mais cedo ou mais tarde, todos terão capacidade para reconhecer os valores universais. Alguns — talvez demasiados — parecem manter-se distraídos com outras coisas. Outros vão aceitando-os, mas atuam como se não os conhecessem. Mas, por fim, todos tenderão a senti-los como seus, tanto como de todos, vivendo com progressiva satisfação a sua adoção.
A perfeição afigura-se um ideal, mas também parece poder praticar-se todos os dias, senão na totalidade, pelo menos numa aproximação progressiva e talvez mesmo sem retorno. Como escada que se sobe, degrau a degrau, mas que não mais fará sentido descer-se, representando cada degrau a esforçada conquista de cada um na sua reintegração no Todo.
A perfeição é consumação ou plenitude. Eventualmente material, mas plenamente espiritual. Algo que corresponde à realização plena de todas as potencialidades ou virtualidades, o que se pode e deve incentivar, apoiar, acarinhar, mas que não fará sentido exigir. A escada do autoaperfeiçoamento sobe-se degrau a degrau — e não aos saltos —, apenas quando o próprio opta por se esforçar até conseguir.
À medida que o Homem aprende a sintonizar-se com os valores universais — que, sendo-o, estão permanentemente disponíveis —, vai-se descobrindo como pequena partícula do Todo. E talvez percebendo como afinal o Todo se projeta em tudo, mesmo no que (ainda) é pequeno. Mesmo em si.