Harmonia
Harmonia é a disposição bem ordenada entre as partes de um todo. Harmonia é acordo. É paz. É amizade. É proporção. É conformidade. É coerência. E talvez seja também equidade, tolerância, disponibilidade, equilíbrio, confiança, fraternidade, ponderação, verdade, amor.
Harmonia era, na mitologia grega, filha de Zeus — o «Deus supremo, senhor do raio, do trovão e da chama, que governa o mundo» — e de Electra. Mas, segundo Heraclito, «a bela harmonia nasce das coisas contrárias e tudo brota da oposição». Parece, afinal, ser algo que brota de todo o lado, que permanece e perdurará. Os desconcertos, as oposições, os conflitos, mais cedo ou mais tarde, nela terminam.
A civilização grega considerava a harmonia cósmica como a «ordem bela do Universo». E, nos nossos dias, continuamos a extasiar-nos perante a maravilha da Harmonia Universal. Quando, à noite, nos sentamos serenamente a olhar os astros, podemos sentir-nos pequeninos perante a imensidão do Universo, mas vibramos com toda aquela infinita Harmonia.
Vibramos também com o harmonioso romper da aurora de um dia primaveril, ao despertar da vida terrena, traduzido, sobretudo, no chilrear dos pássaros e complementado com o início das atividades dos seres humanos. Ou perante o majestoso pôr do Sol nas tardes quentes de verão, a que sucede o adormecimento da vida no planeta. A Harmonia Universal é omnipresente.
Sentimos essa harmonia ao ouvirmos o vento assobiar entre as árvores da floresta, ao vermos o beijar da areia da praia pelas ondas oceânicas, ou ao sentirmos a neve desfazer-se debaixo das nossas botas, enquanto passeamos na montanha alva de um qualquer país nórdico.
Sentimo-la ao presenciar o esvoaçar das gaivotas em terra, anunciando tormenta no mar, ao analisar as cores e as formas de alguns peixes tropicais, nadando tranquilamente no seu ambiente, ao constatar a delicadeza com que a leoa toca o seu filhote com a sua pata de garras encolhidas, ao admirar o organizado trabalho de um enxame de abelhas na sua colmeia, ou ao primeiro choro do bebé que nasce.
Harmonia que sempre terá existido e que sempre continuará a existir. Contudo, por vezes, parece que nos alheamos dela e nos deixamos envolver pela desarmonia, pela confusão, pela perturbação. Uns mais, outros menos. Mas todos os seres humanos, aqui ou ali, se esquecem de que o Universo é harmonioso.
Poder-se-á admitir até que os indivíduos menos atentos e os espiritualmente menos evoluídos tenham uma menor capacidade para se sintonizar com a Harmonia Universal. E que, à medida que amadurecemos espiritualmente, vamos estando mais atentos, mais solidários e mais integrados na verdadeira vida, repugnando-nos a desarmonia, a confusão e a perturbação. Até nos transfundirmos com a Harmonia Universal. Nessa altura, já nem existirá repugnância desse ou de qualquer tipo. Seremos nós próprios Harmonia, Sabedoria, Amor.
Talvez não seja necessária a prática de qualquer ritual religioso para nos identificarmos com a Harmonia Universal. Ela está aqui e em todo o Universo. Ela existe agora e sempre.
A Natureza irradia Harmonia. Podemos sintonizar-nos com essa Harmonia pelo nosso pensamento, pelas nossas palavras e atitudes. Serenamente, podemos tornar-nos também um foco irradiante da Harmonia Universal.
Será claro que não deveremos esperar que sejam os nossos semelhantes a transmitir-nos sinais de harmonia. Antes devemos sentir-nos permanentes focos irradiantes dessa harmonia, capazes de resistir a quanta desarmonia, confusão e perturbação possa surgir à nossa volta, ou mesmo incidir sobre nós. Seguros de que se semearmos harmonia, a colheremos mais cedo ou mais tarde, ou, por outras palavras, conquistaremos o direito dela usufruir.
A Harmonia Universal parece ser algo que permanecerá para além de tudo, e no sentido da qual cada um de nós vai fazendo o seu percurso até com ela se transfundir, fruto do seu próprio mérito espiritual.
Quando percebemos a Harmonia que perpassa o Universo, também vislumbramos a existência de uma imensa Energia, que tudo preenche e de que nós somos uma ínfima parte. Extasiados perante a grandiosidade do Todo, percebemo-nos como uma sua partícula.
Compreendemos que as Leis que regem o Universo são naturais e imutáveis, abarcando todas as suas partículas, desde a mais insignificante poeira cósmica até à maior das suas galáxias, passando pelos reinos mineral, vegetal e animal e, nomeadamente, pelo ser humano. Cada uma dessas partículas tem espelhado em si o Todo.
Perante a imensidão do Universo, compreendemos a beleza das suas Leis, o prazer em nos identificarmos com elas, a satisfação em concretizarmos em nós todo o potencial existente numa fantástica dinâmica evolutiva, desde o nada até à completa identificação com o Todo. Por isso, nos sentimos iguais em essência a todos os outros seres humanos, embora reconhecendo a existência de estádios diferentes de uma imensa trajetória.
Faz sentido admitirmos que os outros animais terrenos, bem como as plantas e até os minerais, são também partículas desse Todo Universal, provavelmente menos evoluídas, mas merecedoras do maior respeito. Do respeito interpares ou interpartículas de um mesmo Todo.
Percebe-se a energia que brota de qualquer dos reinos da Natureza. Assim como a harmonia também presente em qualquer deles. Já quanto à inteligência, é mais fácil concebê-la no reino animal, mas, perscrutando os restantes reinos, poderemos senti-la um pouco por todo o lado.
E percebemo-las à face da Terra, como as entendemos para lá do planeta que habitamos; aliás apenas pequeno grão de areia na imensidão do Universo. Admite-se atualmente que o Universo seja constituído por cerca de 125 biliões de galáxias e que cada uma tenha entre 100 milhões e um bilião de estrelas, rodeadas por um imenso número de planetas. Por isso, faz também sentido admitir muitos outros locais onde as partículas do Todo evoluam, independentemente das formas que possam assumir.
Intui-se a existência de uma imensidão de planos de evolução, uns inferiores aos terrenos, outros superiores, uns em mundos materializados, outros em planos mais diáfanos, nas mais diversas formas de energia.
Nesta perspetiva, o ser não se sente inferior a esta ou àquela entidade mais ou menos reverenciada, nem se sente superior seja a quem for. Apenas se sente, apenas é, na simplicidade do seu ser, como no potencial que o interpenetra, na energia que brota em si.
No respeito pelo livre-arbítrio dos outros, olha com tolerância para quem se envolve em afadigadas tarefas materiais. Não sente necessidade de se ajoelhar ou de se deitar no chão voltado para um qualquer ponto, a fim de pedir favores a Deus ou a um seu representante. Mas aprende a elevar respeitosamente o seu pensamento, em qualquer posição, em qualquer local, haja o que houver, aconteça o que acontecer.
Prefere realizar o seu percurso, concentrando a atenção naquilo que possa ser verdadeiramente útil para si, para os que o rodeiam mais de perto e, se possível, para outros. Construtiva e serenamente, procura canalizar em favor do Todo a energia a que no momento soube aceder.
Admite que todos os caminhos são possíveis e merecedores de respeito. Faz o seu, na busca do melhor para si e para o Todo, sem exigências nem certezas, mas com a convicção de quem sente o Todo em si mesmo, como sua partícula autêntica, em permanente atitude de solidária interligação, que poderemos identificar como Amor.
E o Amor não se pede nem se compra. Desenvolve-se, por e com prazer, quando cada um faz o que lhe cabe fazer. Não por ser obrigado ou por ter de ser, mas pelo prazer de fazer, pelo prazer de ser. De ser igual a si próprio, enquanto partícula do Todo.
A atuação de seres como Albert Einstein, Gandhi, Martin Luther King, Teresa de Calcutá ou Nelson Mandela faz-nos ponderar que a verdadeira força não é a física ou a das armas, não é a da classe social ou a da política, não é a económica ou a do conhecimento meramente científico. Leva-nos a pensar que a verdadeira força pode abarcar tudo isso, mas está para lá de tudo isso.
Faz-nos ponderar que a verdadeira força vibra em cada um de nós, como partículas do Todo Universal. Faz-nos sentir como parte integrante desse Todo, embora por vezes, ou muitas vezes, esquecidos dessa realidade. Faz-nos sentir que esse Todo Universal está espelhado em cada um de nós, ou seja, que cada um tem em si todo o seu potencial. A explorar de si para consigo, de si para com o outro, de si para com o Todo. Sem necessidade de impor seja o que for, seja a quem for. Em harmonia, serenamente, com Amor.