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JOSIAH ESTAVA ALI, PARADO, com o nariz quase encostado no vidro, fascinado pela tempestade, como uma criança. Ao afastar o corpo para olhar o vidro por outro ângulo, ainda podia ver Campbell sentado na sala com o olhar fixo nele, o rosto em perfeita correspondência com a silhueta que Josiah havia desenhado com seu sangue. Campbell não falava nada, mas Josiah esperava tê-lo deixado satisfeito com seu gesto que, na verdade, foi a única coisa que conseguiu fazer para demonstrar sua lealdade, para mostrar que, de fato, estava ali para ouvi-lo e que, por ele, faria o impossível se fosse necessário. Trouxera Campbell ao seu mundo, pelo menos, até o ponto em que a velha o pudesse ver, e fez isso com seu próprio sangue. Com certeza, Campbell viu nisso um sinal de respeito. De lealdade.

Entretanto, agora não podia ver Campbell, porque estava perto demais do vidro. Não conseguiu evitar — a tempestade estava demonstrando um comportamento muito estranho. Uma nuvem enorme estava tomando forma em frente deles, e essa forma era a de uma bigorna. Ela avançava morosamente, mas com persistência, e parecia carregada tanto de um perigo ameaçador quanto de tranquilidade. Era como se você tirasse cara ou coroa; se desse cara, a nuvem passaria ou talvez trouxesse uma chuva leve. Entretanto, se desse coroa, que Deus o ajudasse. Que Deus o ajudasse.

— Você está vendo a bolha?

Ele girou o corpo e olhou para a velha, confuso tanto por tê-la ouvido falar, quanto pelo que ela acabara de dizer.

— O topo daquela nuvem grande — disse ela, com o dedo apontado —, aquela para qual você olha sem parar e que se parece com uma bigorna? Está chata no topo exceto por uma parte. Está vendo? Não parece ter uma bolha no topo?

Ele não entendeu por que deveria se incomodar com aquela conversa, mas não conseguiu evitar respondê-la.

— Sim, estou vendo.

— Aquilo é chamado de topo que excede seu limite.

Ótimo, sentiu vontade de dizer, mas, sinceramente, estou cagando para isso, velha senhora, porém nenhuma palavra saiu de seus lábios. Olhava para a nuvem e achou que a mulher estava errada. Aquela aberração no topo não parecia uma bolha. Parecia mais uma cúpula.

— E o que isso significa? — disse ele.

— Vai demorar algum tempo para que eu saiba. Mas esta será a parte de algo que até hoje só ouvimos falar. Está vendo como o resto da nuvem está com a beirada bem definida? Isso significa que as coisas lá podem estar sérias. Porém, a bolha acabou de se formar. Se logo se dissipar, não haverá maiores problemas. Se permanecer por mais de dez minutos, então teremos um aguaceiro terrível vindo por aí.

— E quantos minutos já se passaram?

— Seis — disse ela. — Até agora, seis.

Anne queria que Josiah se afastasse da janela e parasse de bloquear sua visão. O que iria se desenrolar estava prestes a se tornar uma coisa especial e perigosa, e ela precisava observar aquilo com muita clareza. Entretanto, ele continuou ali, com o rosto grudado na janela enquanto os minutos se escoavam e a tempestade se aproximava.

Ela se inclinou para a esquerda e olhou por cima dele, estudou a nuvem e tentou rememorar todos os sinais de que precisava se lembrar. A bolha no topo da nuvem em forma de bigorna conseguia se manter inalterada. Isso significava que a corrente de ar ascendente era forte. A tempestade estava sendo alimentada. O corpo da nuvem tinha a aparência de uma couve-flor suave, mas suas bordas eram firmes e distintas, o que significava que...

O barulho do celular quebrou o silêncio que reinava na casa, e Josiah deu um pulo antes de enfiar a mão no bolso e pegá-lo.

— Pronto, pode falar — disse ele. — Fale mais alto, rapaz. Onde diabos você esteve? Não os perdeu de vista, não é?

Josiah se enfureceu com a resposta, e falou:

— Eles estão bisbilhotando minha propriedade? — A voz dele estava mais suave do que antes, o que fez com que Anne se arrepiasse. Teve vontade de ignorar as palavras e se concentrar outra vez na tempestade.

Josiah se afastou da janela, e, quando o fez, Anne viu o que não tinha conseguido ver, e percebeu que as beiradas da nuvem já não eram importantes. O corpo de Josiah bloqueara sua visão do desenvolvimento de uma nova característica naquela nuvem. Era uma formação mais baixa, e que deixava um rastro debaixo da bolha, como os longos fios da barba de um velho. Aquilo se chamava...

— O que eles pensam que estão fazendo? — disse Josiah. — O que foram fazer nas florestas?

... parede de nuvem, e estava empurrando a superfície do ar resfriada pela chuva, sugando a umidade e alimentando a nuvem através da corrente de ar ascendente. As extremidades estavam girando, como se mãos invisíveis estivessem enrolando a parte inferior da barba. Atrás da parede da nuvem...

— Você tem uma faca aí? Então, volte lá e dê um fim aos pneus do Porsche. Em seguida, fique onde está, que eu estou a caminho.

... no meio daquela parte roxa e cinzenta, há um sulco branco brilhante. É a corrente de ar descendente. Ela se desprendeu das nuvens escuras e caiu em direção à terra, um corte certo através da silhueta que Josiah Bradford desenhou com sangue no vidro da janela. A luz branca pareceu transformar o vermelho daqueles olhos num preto reluzente e brilhante.

Josiah Bradford desligou o telefone, abaixou-o devagar e o recolocou no bolso. Tirava a mão do bolso quando o ar entre eles fez o som de um gemido que ia aumentando de volume. Ao ouvir aquele barulho, ele pegou a arma.

— Não precisa fazer isso — disse Anne. — Não é a polícia. É a sirene de alerta de tornados.