missing image file

Rogaciano era índio Guató. Mas eu o conheci na

condição de bugre. (Bugre é índio desaldeiado,

pois não?) Ele andava pelas ruas de Corumbá

bêbedo e sujo de catar papel por um gole

de pinga no bar de Nhana. De tarde esfarrapado e

com fome se encostava à parede de casa. A mãe

fez um prato de comida e eu levei para Rogaciano.

Ficamos a conversar. Ele ria pelas gengivas e

mandava pra dentro feijão com arroz. O bife

escorregava de gordura pelos beiços desse bugre.

Rogaciano limpava a gordura com as costas da mão.

Uma hora me falou que não sabia ler nem escrever.

Mas seu avô que era o Chamã daquele povo lhe

ensinara uma Gramática do Povo Guató. Era a

Gramática mais pobre em extensão e mais rica

em essência. Constava de uma só frase: Os verbos

servem para emendar os nomes. E botava exemplos:

Bentevi cuspiu no chão. O verbo cuspir emendava

o bentevi com o chão. E mais: O cachorro comeu

o osso. O verbo comer emendou o cachorro no osso.

Foi o que me explicou Rogaciano sobre a Gramática

do seu povo. Falou mais dois exemplos: Mariano

perguntou: – Conhece fazer canoa pessoa? – Periga

Albano fazer. Respondeu. Rogaciano, ele mesmo,

não sabia nada, mais ensinava essa fala sem

conectivos, sem bengala, sem adereços para a

gurizada. Acho que eu gostasse de ouvir os nadas

de Rogaciano não sabia. E aquele não saber me mandou de

curioso para estudar lingüística. Ao fim me pareceu

tão sábio o Chamã dos Guatós quanto Sapir.